12 de abril de 2016

JUSTIFICAÇÃO, SOMENTE PELA FÉ EM JESUS CRISTO


JUSTIFICAÇÃO, SOMENTE PELA FÉ EM JESUS CRISTO – LIÇÃO 03(2ºTRIM. 2016)

 

INTRODUÇÃO

 

Devido a pecaminosidade humana é impossível ter um relacionamento com o seu Criador por si só. Veremos nesta lição que existe apenas uma maneira de se ter paz com Deus e voltar a relacionar-se com Ele, através da “Justificação por meio da fé” em Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo(Jo1.29).

 

 

Rm 5.1 - Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo;

Notemos que Paulo, então, começa a explicar sobre e qual seja, a de que, mediante a pessoa de Cristo Jesus, não só o homem se livra do poder do pecado, como também pode serdeclarado justo diante de Deus. É esta declaração de justiça que se denomina dejustificação, o cerne, o âmago, a essência do Evangelho.

 

JUSTIFICAÇÃO

 

Justificação é a maneira pela qual Deus traz os pecadores para um novo relacionamento com Ele. Esta aliança com Deus se torna possível através do perdão dos pecados.

Desde a Reforma Protestante, quando Martinho Lutero declarou que a justificação vinha somente pela fé (não pelas obras), essa idéia assumiu uma importância especial na história da teologia. A igreja católica medieval enfatizava o papel do comportamento do cristão na obtenção da salvação. Lutero, dando uma nova ênfase às cartas de Paulo, afirmou que todos são pecadores, mas que somente pela fé na obra expiatória de Cristo na cruz temos a salvação. Segundo ele, uma vez que colocamos nossa fé em Cristo, estamos “justificados” diante de Deus, que não nos vê mais como pecadores, embora continuemos a pecar. Para Lutero, o cristão é ao mesmo tempo pecador e santo.

 

No grego, “justificação” e “justificar” são também termos jurídicos, isto é, referem-se à corte da lei e ao ato de absolver ou acusar alguém por crime. Tem a ver com inocência ou virtude de uma pessoa. Porém, mais amplamente, se refere a qualquer relacionamento.

 

I – A JUSTIFICAÇÃO MANISFETADA

 

NO VELHO TESTAMENTO

 

Justiça se refere a relacionamento e às obrigações desse relacionamento. Em alguns lugares, uma pessoa é considerada justa porque mantém um “justo relacionamento” com outra. Outras vezes alguém é justo porque faz certas coisas que são devidas para o outro com quem se relaciona (Gênesis 38:26). Porém, mais importante, esses termos são usados para descrever Deus, que é justo. Ele reina com justiça (18:25) e seus julgamentos são verdadeiros e justos (Salmo 19:9). Tanto o inocente quanto o culpado conhecem a justiça de Deus. Os inocentes sabem que serão absolvidos e os culpados que serão punidos porque a lei de Deus prevalece.

A justiça de Deus é descrita de tal forma que dá maior ênfase à Sua intervenção em favor do seu povo aliado. Por exemplo, Abraão é considerado “justo” porque responde com fé à aliança oferecida por Deus (Gênesis 15:6). Abraão não podia se auto justificar, mas pela aliança feita Deus o declarou “justo”. Para Deus ninguém se justifica por si próprio (Salmo 143:2). A esperança da humanidade é que Deus se lembrará de sua aliança. A justiça vem do favor ou graça de Deus, que lida com seu povo de acordo com sua bondade amorosa (Isaías 63:7).

 

NO NOVO TESTAMENTO

 

Quase toda a discussão sobre justificação no Novo Testamento se encontra nas cartas de Paulo, principalmente Romanos e Gálatas, onde ele procura explicar o que a obra de Cristo significa para a humanidade pecadora. Ele afirma que somos justificados pela fé, não por observar perfeitamente a lei – de fato, Paulo olha essa última idéia como uma mensagem anticristã que requer a maior condenação (Gálatas 1:6-9).

 

A palavra e obra de Cristo deveriam nos lembrar que justificação é um dom de Deus através do sangue de Jesus Cristo (Hebreus 13:20). A lei não é capaz de levar uma pessoa à justiça, nem foi feita para isso. Justificação está separada da lei (Romanos 3:21). Gálatas 3:15-25 nos explica claramente a função da lei, que veio 430 anos depois da aliança de Deus com Abraão. Independente de qual tenha sido o seu propósito, ela não foi dada para nos fazer justos. “Porque se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade seria procedente de lei” (Gálatas 3:21).

 

A obra expiatória de Cristo para a justificação das pessoas tem a ver com aliança, não com lei. “Justiça” é, portanto, uma palavra relacional – nós nos tornamos justos pela fé e somos trazidos para um justo relacionamento com Deus. A lei traz julgamento, ela nos confronta com nossa incapacidade de suportar o pecado (Atos 13:39, Romanos 8:3). Através da justificação o crente está livre da condenação (Romanos 8:1). Paulo menciona Abraão em Romanos e Gálatas para mostrar que a aliança tem sido sempre a única esperança da humanidade. Deus mantém sua aliança, embora seu povo a viole todos os dias.

 

A lei, portanto, não tem o poder de fazer com que o homem volte a ter comunhão com Deus, volte a ter vida, motivo por que o apóstolo diz que “nenhuma carne será justificada diante d’Ele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm.3:20). A lei não salva pessoa alguma, a lei não consegue pôr uma pessoa em comunhão com Deus, porque não elimina o pecado, que é a causa da separação, da divisão entre Deus e os homens (Is.59:2). Este é o motivo pelo qual não podemos adotar a postura legalista e judaizante de alguns segmentos religiosos, que proliferam nos últimos tempos (a começar pelos sabatistas), porquanto, se confiarmos na lei para a nossa própria salvação, estaremos nos condenando à perdição, pois a lei a ninguém salva. Aliás, o apóstolo Paulo é claríssimo ao afirmá-lo na sua epístola aos gálatas, um texto que, por ser oportuno, transcrevemos: “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque escrito está: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las.”(Gl.3:10).

 

Mas, então, existe salvação para o homem? O apóstolo responde afirmativamente, ao dizer que a essência da mensagem evangélica é a de que “agora se manifestou, sem a lei, a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas, isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que creem, porque não há diferença.” (Rm.3:21,22).

 

A boa nova da salvação é de que, apesar de o homem não ter condições de, por seus próprios meios, obter um meio de se reconciliar com Deus, visto que nem a consciência e a revelação de Deus pela natureza, nem a lei o podem libertar do pecado, Deus providenciou uma forma de que isto se faça, mediante a fé em Jesus Cristo. Se é verdade que o pecado se estendeu a todos os homens, sejam judeus, sejam gentios, e que, por causa dele, todos os homens estão destituídos da glória de Deus (Rm.3:23), também é verdade que os homens podem, agora, ser justificados gratuitamente por Deus pela Sua graça e pela redenção que há em Cristo Jesus (Rm.3:24).

 


II - JUSTIFICAÇÃO CONTESTADA (PELA FÉ E NÃO PELAS OBRAS)

 

Para Paulo, então, a justificação vem somente pela graça de Deus. Tornou-se acessível pela obra de Cristo, presente de Deus. Assim, podemos confessar que Cristo morreu “por nós” (Romanos 5:8; I Tessalonicenses 5:10), ou “pelos nossos pecados” (I Coríntios 15:3). Recebemos essa graça somente através da fé (Romanos 3:22; 5:1). O entendimento básico da pessoa justificada é que seu relacionamento com o Deus vivo nada tem a ver com boas obras. É tão somente um presente do amor infinito de Deus.

 

A justificação vem pela fé. Mas o livro de Tiago nos lembra que a fé sem obras é morta (Tiago 2:17). O Novo Testamento sempre afirma que os verdadeiros seguidores de Cristo são conhecidos pelos seus “frutos”, isto é, o resultado de sua fé. Esta é a razão pela qual católicos, ortodoxos e alguns grupos protestantes consideram a justificação uma ideia perigosa: alguns crentes tendem a acreditar tão fortemente na sua justificação pela fé que se esquecem de seguir os mandamentos de Jesus. Assim, devemos estar alertas para não enfatizar tanto a ideia da justificação pela fé de tal modo que falhemos em atender o chamado de Deus para renovação dos nossos corações. Uma pessoa justificada deve mudar seu comportamento para com os outros e com Deus. Justificação deve sempre ser seguida de santificação.

 

Nos Evangelhos, a ideia de justificação aparece na parábola do fariseu e do cobrador de impostos que foi ao templo orar. O fariseu chamava atenção para os seus atos piedosos e sua superioridade moral. O cobrador de impostos, humilhado por um profundo senso de seu próprio pecado e indignidade, somente chorava por perdão. Este homem, de acordo com Jesus, voltou para sua casa justificado (Lucas 18:14). Esta parábola deveria lembrar-nos da oposição de Jesus às pessoas que superestimam sua piedade, que pensam de si mesmas como “as melhores” dentre as pecadoras. (7:36-50). Somente o que se humilhar diante de Deus será exaltado (Mateus 18:4; 23:12). Somente o pecador ouve a palavra de graça (Lucas 5:32; 15:7, 10; 19:7). Os que se julgam indignos encontram cura (Mateus 8:8).

 

É importante lembrar que a justificação vem pela fé, porque o homem tende a se apoiar no seu próprio comportamento para se salvar. Mas o cristão deve lembrar que o justo vive pela fé (Romanos 1:17; Hebreus 10:38; 11:7).

 

III – A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ EM CRISTO JESUS (CONSIDERAÇÕES PECULIARES)

 

Os homens, por causa do pecado, estavam condenados à morte, ou seja, à separação de Deus, estavam impedidos de desfrutar da glória de Deus, da qual haviam sido excluídos, mas, como Jesus morreu em lugar dos homens, fez-Se propiciação dos nossos pecados, ou seja, permitiu que recebêssemos o favor divino, pois, ao crermos em Cristo, nossos pecados são perdoados, pois o castigo que merecíamos é atribuído a Jesus e, em virtude disto, não mais somos condenados, mas somos absolvidos, ou seja, declarados justos diante de Deus. Esta declaração de justiça, esta mudança de posição que ocorre, pois de perdidos e excluídos da presença de Deus, passamos a ser salvos e a ter comunhão com Deus novamente, é o que denominamos de justificação.

 

- Esta justificação não se dá por causa das obras que tenhamos praticado, nem tampouco é fruto da lei concedida a Israel por intermédio de Moisés, mas, única e exclusivamente, resultado do sacrifício de Jesus que, sem pecado, fez-Se pecado pelos homens, morrendo em nosso lugar, pagando o preço da morte para nos libertar do pecado. Como alcançamos a justificação? Diz o apóstolo: pela fé em Jesus (Rm.3:24,28).

 

ü  A Justificação diante de Deus é uma dádiva(Rm 3.24; Ef 2.8,9). Ninguém pode justificar-se diante de Deus guardando toda a lei ou fazendo boas obras (Rm4.2-6; Ef 2.8,9), “porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus “(Rm 3.23).

 

ü  A Justificação diante de Deus se alcança mediante a “redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). Ninguém é justificado sem que antes seja redimido por Cristo, do pecado e do seu poder.

 

ü  A justificação diante de Deus provém se “sua graça”, sendo obtida mediante a fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador (Rm 3.22,24; cf. Rm 4.3,5).

 

ü  A Justificação diante de Deus está relacionada ao perdão dos nossos pecados (Rm 4.7). Os pecadores são declarados culpados diante de Deus (Rm 3.9-18,23), mas por causa da morte expiatória de Cristo e da sua ressurreição são pedrdoados.

 

ü  Uma vez justificados diante de Deus, mediante a fé em Cristo, estamos crucificados com Ele, o qual passa a habitar em nós (Gl 2.16-21). Essa obra transformadora de Cristo em nós, mediante o Espírito (2Ts 2.13; 1Pe 1.2), não se pode separar da sua obra redentora a nosso favor. A obra de Cristo e a do Espírito são de mútua dependência.

 

IV – A JUSTIFICAÇÃO EXEMPLIFICADA NA VIDA ABRAÃO

 

Paulo, portanto, após ter apresentado o problema do pecado e ter mostrado que ele é comum tanto a judeus quanto a gentios, apresentou a boa nova, o evangelho, qual seja, a de que o homem, mediante a fé em Jesus Cristo, pode voltar a ter comunhão com Deus, pode se libertar do pecado.

 

ü  “…A doutrina de Paulo sobre a salvação tem na justificação seu ponto de referência básico. Sua crença a respeito da justificação é a fonte da qual fluiu sua visão do cristianismo como a religião mundial de graça e fé, onde gentios e judeus aparecem em igual privilégio…” (PACKER, J.I., op.cit., p.897). Com efeito, daí porque se considerar que a epístola aos romanos tenha sido a mais profunda reflexão do apóstolo sobre o significado da vida cristã, a síntese do propósito divino na sua vida, que era a de levar o nome de Cristo diante dos gentios, e dos reis, e dos filhos de Israel (cf. At.9:15 “in fine”).

 

ü  Mas, ao receber a inspiração do Espírito Santo, para demonstrar o caráter universal da obra de Cristo, algo até então não devidamente alcançado pelos demais apóstolos, Paulo recorreu às Escrituras, a fim de que elas pudessem testemunhar o seu pensamento. Que linda lição a de Paulo! Mesmo cheio do Espírito, mesmo consciente de sua chamada ministerial e do significado da vida com Cristo, não ousou trazer aos crentes de Roma uma exposição da doutrina sem que, para tanto, tivesse o respaldo das Escrituras (na época, apenas o Antigo Testamento). Quantos, hoje em dia, em nome de sua chamada ministerial genuína, em nome da sua experiência com Deus, não têm o atrevimento de falar e expor doutrinas sem se preocuparem em ser corroborados pela Palavra de Deus… Se estes assim procedem, nós, se somos verdadeiramente servos de Deus, devemos, sempre, fazer como os judeus de Bereia (At.17:11) e conferir nas Escrituras se as coisas se sucedem como afirmam estes ensinadores.


ü  Paulo, entretanto, não era destes “aventureiros” dos nossos dias, dias repletos de falsos mestres. Paulo foi buscar nas Escrituras o fundamento para o que havia dito e explanado aos romanos, até porque já havia afirmado que a justiça de Deus se manifestara com “o testemunho da lei e dos profetas” (Rm.3:21b).

Esta afirmação de Paulo, aliás, é uma mostra clara de que não há qualquer incompatibilidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento, como chegou a alegar o falso ensinadorMarcião, ainda no início da história da Igreja e como muitos, inadvertidamente, repetem nos nossos dias aqui e ali, inclusive alguns segmentos ditos “evangélicos”. A Bíblia é uma unidade, é a Palavra de Deus e, como ensinava o saudoso pastor Severino Pedro da Silva, “combina-se em cada detalhe”.

 

ü  Para comprovar que a justificação se faz pela fé em Cristo Jesus e não pela lei ou pelas obras humanas, o apóstolo toma como exemplo o caso que, em tese, lhe seria o mais desfavorável, qual seja, o caso de Abraão, de cuja descendência biológica o judeu se orgulhava e que simbolizava o próprio símbolo da comunhão de Deus com Israel, algo, a propósito, que se repetiu, posteriormente, com o islamismo, pois os muçulmanos, embora considerem Maomé como o último e maior profeta de Alá, não cessam de se dizer, também, a exemplo dos judeus, filhos de Abraão, o “primeiro islâmico”.

 

ü  Com efeito, caso a justificação venha pela fé e não pelas obras ou pelas leis, é preciso que Paulo enfrente a questão atinente a Abraão, cujo conceito judaico era de que Abraão havia conquistado o favor de Deus por causa de suas boas obras, pensamento que até hoje vigora no judaísmo, como, por exemplo, neste comentário de Menahem Mendel Disendruck: “…o Midrash compara o patriarca Abrão a um frasco de delicioso e precioso perfume. Mas desde que este cheiroso perfume é transportado por diversos lugares, todos se deleitam com seu aroma. E o Midrashcontinua:’Abrão, que estava cheio de boas ações e belíssimas virtudes, tinha que abandonar a sua pátria para que a sua fama e seus ensinamentos se tornassem conhecidos no mundo inteiro.’ É este ‘frasco de perfume’ — a fé monoteísta, com seus preceitos éticos — que Israel vem transportando através do mundo.” (Torá: a lei de Moisés, nota a Gn.12:1, p.29).

 

O apóstolo, porém, consultando as Escrituras Sagradas, mostra que Abraão não foi justificado por causa de suas obras. Não foi porque tivesse boas obras que foi chamado por Deus para sair de Ur dos caldeus e iniciar a formação de um novo povo, que fosse propriedade peculiar do Senhor, nem tampouco porque teria observado mandamentos recebidos de Deus quando ainda estava em Ur dos caldeus, como ensinam os muçulmanos (algo que, evidentemente, não era do conhecimento do apóstolo, mas que seus ensinos, inspirados pelo Espírito Santo e que fazem parte da sempiterna Palavra de Deus já refutam antes mesmo que fossem criados pela imaginação humana). Abraão foi justificado diante de Deus porque creu em Deus e isto lhe foi imputado por justiça, como nos afirma Gn.15:6.

 

Depois de ter retornado da guerra contra o rei de Sinar e seus aliados, o mais bem equipado exército daquele tempo, Abrão parecia estar em dúvida ante a promessa divina que recebera há alguns anos sobre sua descendência. Vivia só, pois Ló, quem ele imaginara constituir seu herdeiro, o havia deixado e, mesmo depois da guerra empreendida, havia preferido manter-se em Sodoma a tornar a conviver com o tio. Por causa disto, pensara mesmo constituir como herdeiro o mordomo de sua casa, Eliezer, que, entretanto, era damasceno, ou seja, não pertencia sequer a sua nação caldeia. Diante deste impasse, o Senhor aparece ao patriarca e proclama ser o seu escudo, o seu grandíssimo galardão (Gn.15:1,2). Abrão, então, relata toda a sua apreensão ao Senhor e como que “cobra” a promessa divina de que teria descendência. A esta “cobrança”, o Senhor responde com uma ordem para que Abrão saísse da sua tenda e olhasse o céu, que estava estrelado, tendo, então, prometido ao patriarca que a sua descendência seria tão numerosa quanto as estrelas que ele contemplava. Abrão, então, diz-nos a Escritura, creu na palavra do Senhor e, por causa disto, foi justificado, foi considerado e declarado justo por Deus. Não foram, portanto, as obras que fizera até então que o justificou, mas o ato de ter crido na palavra do Senhor, ou seja, a sua fé em Deus foi o motivo pelo qual foi justificado diante de Deus.

 

ü  Abraão foi justificado porque creu em Deus, porque deu crédito à Sua Palavra, crença que não tinha qualquer respaldo nos fatos então vividos por ele. Com efeito, como crer que sua descendência seria tão numerosa quanto as estrelas do céu ou como a areia do mar, se Abraão não tinha sequer um filho e, o que é mais grave, sua mulher era estéril e já fora da idade fértil? Entretanto, apesar de tudo isto, Abraão creu, não foi incrédulo e, assim agindo, deu glória a Deus (Rm.4:19-22). Este é o mesmo comportamento que devem ter os “filhos de Abraão”, ou seja, aqueles que creem na Palavra de Deus, no Verbo, em Cristo Jesus. Por isso, Jesus disse aos judeus que se eles fossem filhos de Abraão, creriam na verdade, na palavra que Ele lhes estava a dizer (Jo.8:45-47). O verdadeiro filho de Abraão é aquele que crê em Jesus e que, por isso, escuta as palavras do Senhor e, por conseguinte, é justificado diante de Deus.

 

CONCLUSÃO

 

Concluímos nesta lição que é evidente a necessidade da Justificação para ter uma vida em plena comunhão com Deus e fazer parte dos escolhidos que em breve habitarão nas mansões celestiais.

Nenhuma carne deve gloriar-se pois essa Justificação não baseia-se em obras humanas para salvação, é por graça e baseia-se no princípio da fé. Deus justifica o pecador pela fé. Ele imputa a justiça ao que crê e isto é pela graça de Deus.

Como Abraão não possuía mérito algum para ser justificado diante de Deus, da mesma forma nessa Nova Aliança, pela graça de Deus somos justificados pela fé em Cristo Jesus Nosso Senhor.

 

 

Referência

(THOMSON, J.G.S.S.. Salmos, livro dos. In: DOUGLAS, J.D. (org.). O novo dicionário da Bíblia, v.II, p.1461).

(PACKER, J.I., op.cit., p.896-7) (negrito original)

(BÍBLIA DE JERUSALÉM, nota f, p.1971)

Donald C. Stamps - Bíblia de Estudo Pentecostal/CPAD

Portal Escola Dominical - Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Dr. Caramuru Afonso Francisco

 

 

Elaborado pelo Pb.  Mickel Souza

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

 

5 de abril de 2016

A NECESSIDADE UNIVERSAL DA SALVAÇÃO EM CRISTO


A NECESSIDADE UNIVERSAL DA SALVAÇÃO EM CRISTO

TEXTO ÁUREO = “Como esta escrito: Não há um justo nem um sequer.” ( Rm 3.10 )

VERDADE PRÁTICA = O pecado manchou toda a raça humana e somente o sangue de Cristo é suficiente para purifica-la.

LEITURA BIBLICA = Romanos1. 18-20,25-27: 2.1,17-21

INTRODUÇÃO

A JUSTIÇA DE DEUS É NECESSÁRIA

 

Esta primeira subdivisão principal da Epístola aos Romanos é básica para o desenvolvimento do tema central de Paulo. Os homens não têm o direito de reivindicar a graça divina; toda a raça de homens incrédulos existe sob a ira de Deus — todos os homens, em geral, porque eles se afastaram do Criador em direção à criatura, e se tornaram moralmente depravados; os judeus em especial, porque eles desobedeceram à maior revelação de Deus na lei. “Não há um justo, nem um sequer” (3.10). A conseqüência é que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus (3.19-20).

“O objetivo de Paulo é mostrar que toda a humanidade é moralmente falida, incapaz de reivindicar um veredicto favorável no tribunal de Deus, e está desesperadamente necessitada da sua misericórdia e do seu perdão”.

 

1. A Depravação Humana

 

E possível entender esta passagem meramente como uma descrição do mundo gentílico contemporâneo na sua idolatria e na sua iniqüidade exagerada. Mas limitar esta discussão penetrante a um período ou a um segmento da humanidade é deixar de perceber nela a Palavra de Deus para nós. Paulo aqui fala da injustiça dos homens (anthropon, 18) em todas as épocas e culturas. O seu objetivo não é simplesmente informar os cristãos romanos sobre muitos dos seus contemporâneos, porém, mais profundamente, mostrar a condição depravada dos homens pecadores. Ele está descrevendo a condição humana separada do poder redentor de Deus. “A humanidade, como resultado da sua desobediência a Deus, se envolveu numa condição desesperada e moralmente enferma”

 

a) Introdução: A ira de Deus (1.18). A condição de pecado é uma existência sob a ira de Deus, que do céu se manifesta. A repetição do verbo grego apokalyptetai é prova de uma revelação dupla — de “justiça” (17) e de ira (18). Da mesma maneira como “a justiça de Deus” significa “todas as situações em que o homem está em uma relação correta com Deus”, também a ira de Deus significa a condição do homem quando ele se afastou do Criador. Esta perspectiva deve ser ampliada de modo a abranger toda a humanidade. Cada pessoa, sem exceção, conhece ou a justiça de Deus ou a ira de Deus — o seu amor ou o seu desprazer, o seu poder salvador ou o seu julgamento. “Em Cristo”, Lutero observou certa vez, “Deus é amor’. Fora de Cristo, ‘Nosso Deus é um fogo que consome”

 

A ira de Deus, assim, não é uma verdade incidental. E parte da auto-revelação divina associada com o evangelho. Esta ira... (agora) se manifesta exatamente como “a justiça de Deus”. O tempo do verbo é o presente contínuo, de modo que Paulo está descrevendo um processo que está acontecendo diante dos nossos olhos. Mas da mesma forma como a salvação antecipa a manifestação final da justiça de Deus, também a ira antecipa o julgamento final do pecador no “dia da ira e da manifestação do juízo de Deus” (2.5).



O que é a ira de Deus (orge theou)? Paulo acrescenta à palavra ira o genitivo de Deus somente em outras duas passagens (Ef 5.6; Cl 3.6), e ele nunca usa o verbo “irar-se” tendo Deus como sujeito. Isto levou muitos intérpretes a definir a ira em um sentido completamente impessoal. Dodd afirma que “para Paulo, ‘a ira’ significava não um determinado sentimento ou uma atitude de Deus com relação a nós, mas algum processo ou efeito no campo dos fatos objetivos” Em outras passagens, o apóstolo adverte que “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7), e que “o salário do pecado é a morte” (6.23). Deus criou uma ordem moral na qual o pecado é o seu próprio castigo e destruição, e neste capítulo a ira divina significa que Deus desiste dos homens em conseqüência da rebelião e dos maus atos deles (1.24-32).

 

Calvino comenta aqui que “a palavra ira, referindo-se a Deus em termos humanos como é normal nas Escrituras.., não implica em alguma emoção em Deus, mas se refere apenas aos sentimentos do pecador que é punido”. Mas Calvino estará correto? Sem dúvida, devemos ter cuidado ao falar da emoção divina. Entretanto, a maneira como Paulo coloca a ira de Deus em contraposição à sua “justiça” no versículo 17 e usa o verbo dinâmico revelar (versão RA) nos dois casos, sugere que ira representa alguma coisa na atitude e no propósito de Deus.

Da mesma maneira como há um processo positivo de amor divino e de misericórdia para possibilitar a salvação do homem, assim também existe um processo positivo no desprazer divino pelo pecado. P. T. Forsyth pergunta:

 

“Quando um homem acumula os seus pecados e se alegra com a iniqüidade, será Deus um simples espectador do processo? Será que a pressão de Deus sobre o homem não o cega, não o força, não o tranca, não o fecha no pecado, se tão-somente ele se fechar para a misericórdia? Será suficiente dizer que isto nada mais é do que a ação de um processo que Deus simplesmente assiste de uma maneira permissiva? Ele é apenas passivo e não positivo em relação à situação? Pode o Absoluto ser passivo com relação a qualquer coisa? Neste caso, onde está à ação interior do Deus pessoal cuja imanência nas coisas é uma das suas maiores revelações modernas?” Quando Paulo prossegue dizendo “Deus os entregou” (24, 26, 28), isto certamente descreve uma atividade pessoal.

 

John Murray encara a ira como “A santa reação de Deus contrária àquilo que é uma contradição da sua santidade”. Alan Richardson a define como sendo “a condenação justa e implacável de Deus ao pecado em qualquer forma”. A. M. Hunter dá uma definição abrangente da ira de Deus como “o seu santo amor reagindo contra o mal — o ‘vento adverso’ da vontade divina soprando contra o pecador, não apenas no Dia do Juízo, mas agora, e resultando na degeneração e na humilhação do pecador”. Como Deus é Deus, a sua ira é uma realidade terrível. Mas a ira não é ódio. “O ódio é o oposto do amor; a ira é a forma que o amor assume com relação àqueles que se opõem a ele. O ódio é injusto, a ira é justa. O ódio procura destruir; a ira perdoa. Assim, quando Paulo diz que a ira de Deus se revela juntamente com a sua justiça, ele está dizendo que Deus está oferecendo a absolvição, mas que aqueles que se recusarem a aceitá-la serão condenados”.

 

A impiedade (asebeia) e a injustiça (adikia) contra as quais se revela a ira divina devem ser distintas, mas não separadas uma da outra, pois ambas nascem da recusa de glorificar a Deus como Deus (1.20). Asebeia descreve uma ofensa no campo religioso, e se expressa como idolatria, à adoração da criatura ao invés do Criador (1.19-23). Adikia significa a perversidade moral e é exemplificada pela imoralidade e pela maldade (1.24-32).

 

Esses dois pecados são a expressão da disposição por parte dos homens que detêm (“limitam”, RSV; “sufocam”, NEB) a verdade em injustiça. O verbo é usado aqui com o mesmo sentido que em 2 Tessalonicenses 2.6-7, e transmite a idéia de “reprimir”. Portanto, é adequado para expressar a sua reação à verdade revelada. Isto implica como Paulo irá demonstrar que todos os homens têm a verdade, e que pela sua injustiça eles impedem que ela atinja o seu objetivo. Assim, todo o pecado é uma resistência deliberada a Deus.

 

Abrindo esta seção com um anúncio do derramamento da ira de Deus sobre os peca- dores, Paulo está preparando o terreno para a declaração da justiça de Deus, que ocorre -em 3.21—8.39. Para procurar a ajuda divina, não é suficiente saber que esta ajuda está disponível; o homem deve estar convencido de que ele precisa desesperadamente dela. “A angústia existencial do homem é o que o incita a buscar a Deus; mas a sua angústia deve ser tão profunda e tão devastadora que ela não se satisfaça com respostas enganosas”.

 

Portanto, Paulo começa aqui a descrever a situação difícil do homem pecador, antes de estabelecer o plano pelo qual Deus vem ao seu resgate em Cristo. “Antes de ser salvo, o homem é condenado; mas ele é condenado para ser salvo; a sua condenação é a primeira fase da sua salvação, pois somente aquele que sabe que está perdido busca refúgio na graça e é capaz de apreciar a sua completa gratuidade. E por isso que as boas-novas’ propriamente ditas são um pré-requisito para a proclamação da ‘ira de Deus”.

 

b) O pecado inicial do homem (1.19-23). Agora, Paulo nos conta por que a ira de Deus se derrama sobre os homens pecadores. A razão é porque os homens recusaram o conhecimento de Deus que lhes foi oferecido pelo Criador. A maldade dos homens nada mais é que um sintoma de uma falta ainda mais básica. “Todas as perversões da vida [Paulo irá demonstrar] podem ser rastreadas de volta a uma causa fundamental, e este pecado inicial não é encontrado no campo moral, mas sim no da religião: a perversão da vida surge da perversão da fé”. 

 

Nós violamos a verdade divina. Paulo começa: Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou (19). A tradução da primeira frase (en autois) na versão ARC é neles se manifesta expressão que significa simplesmente que toda revelação precisa passar pela consciência humana. Mas observemos que Deus se pode conhecer porque Ele se faz conhecido. A descoberta humana deve ser compreendida dentro dos limites da revelação divina.

 

O Deus invisível se fez conhecido desde a criação do mundo (20). Embora a expressão apo ktiseos kosrnou possa ser traduzida como “do universo criado”, geralmente se concorda que a idéia de Paulo é temporal: “desde a criação do universo”. Desde a sua origem, a criação falou às mentes reflexivas a respeito de Deus. Embora Deus não possa ser conhecido diretamente por meio da razão (1 Co 1.21), é possível conhecê-lo. No entanto, este conhecimento não é confiado a uma pessoa passiva; para saber a respeito de Deus, é necessário adotar uma atitude positiva e receptiva. A criação existe como um convite para o diálogo com Deus. Certas coisas claramente se vêem, mas somente se desejarmos vê-las,

 

A contemplação pelo homem do mundo considerado como uma obra de Deus tem dois objetivos: 1) o seu eterno poder e (2) a sua divindade. O homem está ciente de sua dependência de um Poder (dynamis) que preside toda a sua existência. Por meio desse poder ele vem a existir e, em face dele, reconhece que não é nada. Além disso, quando ele considera a temporalidade da sua própria existência, percebe que este poder é eterno.

 

Em segundo lugar, nós vemos divindade (theiotes). O universo não se move por um poder cego, mas por um poder que é divino em caráter — é Deus. “Ou seja, o que se pode ver claramente é que Deus é Deus e não homem. A observação da vida criada é suficiente para mostrar que a criação não provê a chave da sua própria existência”. No entanto, nós deixamos de entender se interpretarmos que Paulo está tentando “provar” a existência de Deus. Na verdade, os pecados que Paulo censura mais tarde neste capítulo não são aqueles dos homens que não acreditam em Deus, mas os daqueles que se recusam a honrar a Deus como Deus. E por isso que os pecadores e os incrédulos são inescusáveis.

“Deus certamente pode visitar os homens com ira porque, embora eles possam não ter tido a vantagem de ouvir o evangelho, rejeitaram o conhecimento rudimentar de Deus que foi aberto a eles”. A raiz da situação pecadora do homem é que, embora tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças (21). Como uma criatura, o homem deve ao seu Criador glória e ações de graça. Isto não significa meramente reconhecer a existência de Deus, mas reconhecer que Ele é Senhor e viver em obediência agradecida.

 

O que se exige é que o homem, alegremente e com gratidão, reconheça que é uma criatura em serviço fiel a Deus. Séculos antes de Paulo, Isaias pronunciou a queixa divina: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, a manjedoura do seu dono, mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Is 1.3).

No orgulho do seu coração, o homem se recusa a glorificar a Deus como Deus. Na preocupação consigo mesmo, ele se afasta de Deus como o Centro do seu ser, e como a fonte da sua felicidade — do divino amor rumo ao amor próprio. Ele não deseja reconhecer o Senhor da sua existência; ele decide ser seu próprio senhor e glorificar-se a si mesmo. Este estabelecimento do próprio ser como o falso fim da vida é o pecado inicial do homem e a origem de toda a sua miséria.

 

A conseqüência imediata da auto-idolatria é o obscurecimento do seu poder de raciocínio. Como os homens se afastaram de Deus, em seus discursos se desvaneceram (dialogismois, raciocínio), e o seu coração insensato se obscureceu. Dialogismos é quase sempre usado tanto na Septuaginta quanto no Novo Testamento em um sentido ruim, de “razões e especulações perversas e egoístas”. A versão NASB traduz o texto como “se enfatuaram nas suas especulações”. Coração (kardia) tem um amplo uso. E o órgão dos sentimentos (9.2), do pensamento (10.6), e da vontade (1 Co 4.5; 7.37), o “eu” interior e oculto (2.29; 8.27). O significado pretendido por Paulo aqui é que o coração, como centro das afeições, do intelecto e da vontade humana, está obscurecido e sem sentido, por causa da auto-idolatria: Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos (22). Sem contato com a realidade, as especulações pretensiosas dos homens são tolas e sem sentido.

Como os homens perderam o Deus verdadeiro, eles inventaram a “religião” humana. Eles mudaram (“substituíram”, NASB) a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis (23). Isto ilustra a profundeza da tolice aonde chega o raciocínio dos homens quando rejeitam a verdade de Deus. “Em seu pensamento reduzem Deus a duas pernas, depois a quatro patas, e finalmente a rastejar sobre o ventre!”20 E em todo o tempo eles “se dizem sábios” (RSV)!

 

c) A depravação moral do homem (1.24-32). Agora Paulo descreve as conseqüências morais da rebelião do homem contra Deus. Se a raiz do pecado do homem é a perversidade religiosa, o fruto é a corrupção moral. Arrancado de Deus, da Fonte da sua vida e felicidade, o homem procurou a satisfação na criatura.

“A rebelião contra Deus criou um vácuo na natureza humana”, escreveu D. R. Davies. “Esse vácuo precisa ser preenchido, se não por Deus, então pelo demônio do ser. Todos os desejos e excessos do comportamento humano são tentativas de satisfazer àquele ‘doloroso vazio que o mundo nunca poderá preencher’. O homem, como resultado da sua queda da Graça Divina, está condenado a um anelo insaciável”. E esta divina condenação sobre a humanidade que Paulo retrata no restante deste capítulo.

Ele repete três vezes a expressão Deus os entregou [ou Deus os abandonou] (versículos 24, 26, 28), expressando com uma ênfase assustadora as conseqüências da rebelião do homem. Deus entregou ou abandonou os pecadores à sensualidade (24-25), à perversão sexual (26-27), e à vida anti-social (28-32).

 

1) Sensualidade (1.24-25). A conjunção Pelo que também (24) indica que a retribuição que Paulo vai descrever tem a sua base no pecado antecedente, e é um castigo justo pela rebelião do homem. Como os homens se rebelaram contra Deus, o Criador os abandonou às concupiscências do seu coração, à imundícia, para desonrarem o seu corpo entre si. “Eles pecaram degradando a Deus, pelo que também Deus os degradou”. Nas palavras de Wesley: “Se um homem não adora a Deus como Deus, ele fica tão abandonado a si mesmo que se despoja da sua própria humanidade”. Seguindo o mesmo raciocínio, Barth observa: “Quando Deus é privado da sua glória, os homens também são privados da deles. Profanados nas suas almas, eles também profanaram os seus corpos, pois os homens são uma coisa só”.

 

Esses homens mudaram a verdade de Deus em mentira (to pseudei, “a mentira”). A verdade é que Deus é Deus; a mentira é a exaltação da criatura acima do Criador, que é bendito eternamente (25). Embora a referência imediata do apóstolo nesta passagem seja à idolatria pagã, a sua referência definitiva é ao orgulho pecador do coração humano. A mentira é a usurpação idólatra da glória divina pela criatura. Isto teve início com Satanás, a quem Jesus chama de pai da mentira (Jo 8.44-45).

 

No Jardim, Satanás mentiu ao primeiro casal, prometendo que se eles afirmassem a sua independência do seu Criador seriam “como Deus” (Gn 3.4-5, RSV) em poder e em sabedoria. A conclusão indescritível e irremediável do pecado é se recusar a amar a verdade e acreditar na mentira (2 Ts 2.9-12). Isto deve ser condenado para sempre. Tal apostasia é o fim da capacidade moral, e traz a completa desintegração moral e espiritual. A religiosidade incurável do coração humano é tal, que se o homem não adorar o Criador, ele inevitavelmente servirá à criatura.

 

2) Perversão (1.26-27). Pelo que, lemos, Deus os abandonou às paixões infames (26). “Como é a urgência mais explosiva da vida, quando livre do controle mental, o sexo se liberta em perversões selvagens”.

 

A referência óbvia aqui é à homossexualidade, que substitui o uso natural do sexo por aquele que é contrário à natureza. O sexo é o presente de Deus para a humanidade, para a procriação da raça (Gn 1.27-28, 31) e para a satisfação pessoal em um casamento monógamo (Gn 2.18-24; cf. 1 Co 7.17). A homossexualidade é uma perversão — repugnante e merecedora de pena — deste presente sagrado e tão bonito (cf. 1 Co 6.91O). Inflamaram-se em sua sensualidade uns para com os outros (27) é uma referência à intensidade desta paixão não natural, e não deve ser confundida com o abrasar-se de 1 Coríntios 7.9, que encontra uma saída no casamento. Aqui se trata de “arder de uma luxúria insaciável, que não possui um desejo natural e legítimo, do qual a luxúria é uma perversão ou distorção. E a luxúria direcionada a alguma coisa que é, basicamente e sob quaisquer circunstâncias, ilegítima”.

 

As palavras recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro se referem à idéia expressa nos versículos 24-26; entregar-se à imoralidade é a conseqüência judicial da rebelião do homem. O erro recompensado é o pecado da idolatria descrito em 2 1-23. A recompensa consiste no “crescimento da própria luxúria insatisfeita, juntamente com as terríveis conseqüências morais e físicas da devassidão”. Esta descrição da sordidez da humanidade pecadora nos prepara para uma análise mais ampla do abandono judicial de Deus no versículo que vem a seguir.

 

2.  O Fracasso dos Judeus, 2.1—3.8

 

Até agora, Paulo falou da degradação visível dos homens que rejeitaram a verdade; a ira de Deus está agora operando na terrível destruição daqueles que não o reconhecem como Deus. Mas Paulo sabia que havia aqueles que se uniam a ele na condenação da maldade humana. Ele imagina um destes críticos objetando: “Está bem, é assim que os pagãos e os mundanos são. Mas certamente você não nos compara com esta gentalha? Eles estão perdidos, mas nós não, nem estamos perdidos nem precisamos deste Salvador que você está anunciando”. A princípio não está claro, mas logo fica aparente que este homem saudável que não precisa de médico é basicamente (mas não exclusivamente) o judeu.

 

a) O julgamento de Deus e o crítico (2.1-16). Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo (1). Paulo aqui está advertindo seus leitores no estilo antigo de crítica violenta.

Por toda a Epístola será mais fácil acompanhar esta argumentação, se imaginarmos o apóstolo face a face com um homem enfadonho que fica fazendo perguntas e que interrompe o seu raciocínio de tempos em tempos com uma objeção que ele trata de responder, primeiramente censurando com um “Deus nos livre!” (“Nem em pensamento!”) e a seguir destruindo-a com uma resposta bem pensada.

 

Portanto (1) assinala o começo de uma transição dos gentios para os judeus. Somente no versículo 17 Paulo se volta especificamente ao problema dos judeus; aqui, como nos versículos 9-10 e 12-16, os seus pensamentos se aplicam igualmente aos gentios e aos judeus. Embora, sem dúvida, esteja pensando basicamente nos judeus, ele constrói o seu argumento em termos que são suficientemente genéricos para incluir outras pessoas que também criticam os maus procedimentos delineados na seção anterior. Ao esclarecer a culpa do judeu, Paulo define primeiramente os princípios gerais do julgamento, que ele começa a aplicar ao falar dos efeitos aos judeus nos versículos 17-29.

 

F. F. Bruce vê o estóico moralista Sêneca, contemporâneo de Paulo e tutor de Nero, como um representante de outro lado do mundo pagão do século 1. Sêneca podia escrever tão eficazmente sobre a vida boa, que Tertuliano o chamava afetuosamente de “nosso próprio Sêneca”. Ele não somente exaltava as virtudes morais como também denunciava a hipocrisia, e via o caráter penetrante do mal. “Todos os maus hábitos”, escreveu, “existem em todos os homens, embora todos os maus hábitos não se destaquem em cada homem”.

Ele ensinava e praticava diariamente o auto-exame, ridicularizava a idolatria vulgar e assumia o papel de um guia moral. Ainda assim, muitas vezes ele tolerava maus hábitos em si mesmo, não tão diferentes daqueles que condenava em outras pessoas — e o mais flagrante deles foi a sua cumplicidade com Nero, quando este assassinou sua mãe, Agripina.

 

No entanto, o fato de Paulo estar pensando basicamente nos judeus, mesmo nesta seção, fica evidente pela repetição da expressão primeiramente do judeu e também do grego (9-10). Murray argumenta convincentemente pela identificação do oponente como sendo um judeu.

1) A propensão para julgar os gentios pela sua perversidade religiosa e moral era uma característica peculiar dos judeus, que eram intensamente conscientes dos seus altos privilégios e prerrogativas como membros da comunidade escolhida de Israel.

2) A pessoa a quem Paulo se dirige desfruta de modo especial das riquezas da sua benignidade, e paciência, e longanimidade (4), como um privilégio da aliança.

 

3) O argumento de Paulo explica que os privilégios ou vantagens especiais não isentam do julgamento de Deus (versículos 3, 6-11).

 

4) Finalmente, “a palavra expressamente dirigida ao judeu no versículo 17 seria muito brusca se agora, pela primeira vez, se estivesse dirigindo a ele, ao passo que, se o judeu é a pessoa a quem Paulo se dirige nos versículos precedentes, então a identificação mais expressa com ele no versículo 17 é natural”.

 

Portanto (dio) conecta o argumento de Paulo com 1.32a, “Os quais, conhecendo a justiça de Deus”. “Os homens conhecem o veredicto de Deus para os pecados que são descritos em 1.29ss; portanto o homem que julga prova ser inescusável, porque ele também peca e, no ato de julgar, prova que sabe o que é certo”. O termo inescusável se refere a 1.20. Assim como o homem que detém a “verdade em injustiça” (1.18) é “inescusável”, o homem que julga a outro e ainda assim faz o mesmo, também o é. Um juiz é inescusável se fizer algo errado, porque como um juiz ele conhece a lei — ele, entre todos os homens, é aquele que não pode alegar ignorância.

 

Aqui está o fato da consciência, que será discutido mais amplamente nos versículos 14-15. A perversidade do coração humano é revelada em sua tendência de condenar outros pelo que permite a si mesmo. A pista para o capítulo 2 está na última frase do versículo 1. O juiz auto designado está fazendo as mesmas coisas que condena, ou seja, recusa-se a honrar a Deus ou dar-lhe graças, e se diz sábio (cf. 1.21-22).

Por trás de todos os pecados da lista anterior está o pecado da idolatria, que revela a ambição humana de colocar-se no lugar de Deus. Isto é precisamente o que o juiz iníquo faz, quando assume o direito de condenar injustamente o seu semelhante.

 

Com um discernimento característico, Karl Barth observa: “Aí aparece, da justiça do Deus dos profetas, a justiça humana dos fariseus, que é tão sem religiosidade quanto injusta”. Mas, da justiça de Deus revelada no evangelho à mesma justiça humana pode emergir. O fariseu vangloria-se em cada um de nós: “O Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens” (Lc 18.11).

“O orgulho, em todas as suas formas, a vaidade, o egotismo, a complacência espiritual, uma religião centrada em si mesmo, o farisaísmo que mostra até mesmo alguma bondade, contudo uma falsa bondade — todas estas formas de iniqüidade moral provavelmente aparecem naqueles cujas vidas são disciplinadas e virtuosas”.

 

Este é o espírito do irmão mais velho condenado pelo nosso Senhor na parábola dos dois irmãos (Lc 15.25-32). O orgulho espiritual e a falta de censura nos arrancam do amor do Senhor tão certamente quanto o adultério ou o roubo. Assim Jesus ensinou, e assim Paulo adverte, O único antídoto para esta auto justificação o reconhecimento de que “nossa esperança está construída em nada menos do que o sangue e a justiça de Jesus”, e que qualquer bem que possa ser encontrado em nós se deve inteiramente à graça de Deus e não às nossas próprias obras (1 Co 15.10; Ef 2.8-9; Fp 2.12).

 

O versículo 2 deve ser interpretado como uma observação do oponente. Moffatt, portanto, coloca a afirmação entre aspas: “‘Bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem”. Isto é, o julgamento de Deus é imparcial (cf. 11). No versículo 3, Paulo concorda: “Muito bem, e você imagina que irá escapar ao julgamento de Deus, ó homem, você que julga aqueles que praticam tais coisas e fazem o mesmo que você faz?” (Moffatt). O segundo “você” é enfático: Você acha que você, entre todos os homens, irá escapar? O oponente sem dúvida imaginava que sim, uma vez que ele não tinha sido entregue a “uma mente reprovada” (cf. 1.28-32), o sinal da ira de Deus sobre os gentios. “Ao invés disso, ele era o objeto da bondade de Deus. Mas este era um privilégio que ele não tinha entendido bem. Agora, ele deve ser esclarecido”.

 

Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência, e longanimidade (4). A tendência dos judeus era a de aceitar tudo isto como uma prova da parcialidade divina para com o Povo Escolhido. O Livro da Sabedoria, que Paulo parece estar seguindo de perto ao escrever toda esta seção, nos ajuda a sentir toda a força da sua acusação. No final de Sabedoria 14, encontramos uma lista de maus hábitos pagãos similar à lista de Paulo em 1.29-31. O autor prossegue: Mas Tu, nosso Senhor, és gracioso e verdadeiro, longânime e ordena todas as coisas com misericórdia.

Pois mesmo que pequemos, somos teus, conhecemos teu domínio; mas não pecaremos, sabendo que somos teus; pois conhecer a Ti é a justiça perfeita, conhecer o teu domínio é a raiz da imortalidade.

“Pois nenhum mal do homem nos desviou, nem o fez o trabalho infrutífero do pintor, uma forma manchada com várias cores [ídolos]” (Sabedoria 15:1- 4). Esta passagem descreve o crítico que Paulo tinha em mente. Ele se considera superior ao idólatra. Mesmo que peque, ele evita o pecado fundamental da idolatria. Ele pertence ao povo escolhido, e, portanto tem a garantia da salvação.

Mas, diz Paulo, isto é “interpretar mal a generosidade e a paciente misericórdia de Deus” (4, Phillips). Esta complacência espiritual deixa completamente de perceber a tolerância divina. “Você não percebe que a bondade de Deus tem a intenção de levar você ao arrependimento?” (Phillips) Nós recebemos o poder do julgamento moral, não para censurar os nossos companheiros, mas para julgarmos a nós mesmos e conseqüentemente sermos levados ao arrependimento e ao retorno a Deus. “Conhecer o bem não nos dá o direito de reivindicar a indulgência divina.” O fato de que à hora do julgamento divino ainda não chegou para nós, de maneira alguma significa que Deus nos julga favoravelmente.

 

O conhecimento do bem é uma das condições para o arrependimento; a segunda é o intervalo de tempo para uma pausa, concedido pela paciência de Deus.

Então, o judeu sabe que Deus é bom e misericordioso. Mas, em face da divina bondade ele exibe dureza e um coração impenitente (5). Isto “o remove da esfera da graça divina, tão certamente quanto o faz o pecado da idolatria entre os pagãos”.

Desprezar as riquezas da misericórdia divina é acumular ira para o dia da ira e da manifestação do juízo de Deus. A ira aqui é invocada sobre o crítico judeu como já foi invocada sobre a humanidade em geral em 1.18.

As duas passagens são paralelas. Existe uma única diferença entre elas — a ira está sendo revelada agora contra os gentios, enquanto a tempestade se aproxima para os judeus. A época em que irá atingi-los é chamada por Paulo de dia da ira. Esta expressão vem dos profetas do Antigo Testamento. “Aquele dia é um dia de indignação, dia de angústia e de ânsia, dia de alvoroço e de desolação, dia de trevas e de escuridão, dia de nuvens e de densas trevas” (Sf1.15; cf. Ji 2.2 e Am 5.18).

 

b) A Culpa dos Judeus (2.17-29). Retornando à sua crítica (veja os comentários sobre 2.1), Paulo se dirige diretamente aos judeus. O que ele disse-nos vv. 1-16 se aplica tanto aos judeus quanto aos gentios, mas versículo após versículo a relevância do seu argumento para o judeu tornou-se cada vez mais aparente. Agora ele se dirige diretamente ao homem que está orgulhosamente consciente de pertencer ao Povo Escolhido: Eis que’ tu, que tens por sobrenome (eponomaze)’ judeu (17).

A palavra judeu apareceu pela primeira vez no Antigo Testamento em 2 Reis 16.6. “O uso que Paulo faz dessa palavra aqui e nos versículos 28, 29, assim como outras evidências (01 2.15; Ap 2.9; 3.9; cf. Zc 8.23), indica que este era um nome que, na mente do judeu, estava associado com tudo aquilo de que ele se orgulhava”.99 A lista que se segue, das vantagens resultantes do recebimento da lei, é um pouco satírica, pois Paulo mostra como o judeu distorceu os seus privilégios. E repousas (epanapaue) na lei sugere uma “certeza indolente”. “Os judeus foram escolhidos por Deus, e o presente da Torá é prova deste fato. Conseqüentemente a posse era considerada suficiente, sem que demonstrassem qualquer preocupação com a prática”.’

 

O judeu repousava na lei e confiava nela para dar-lhe uma posição segura diante de Deus. Da mesma maneira ele se gloria (kauchasai) em Deus, não humildemente, de acordo com Jeremias 9.24, mas arrogantemente. “Sem qualquer conhecimento da bondade de Deus”, diz Calvino sobre os judeus, “eles O fizeram peculiar- mente à sua maneira, embora não O possuíssem internamente, e afirmaram que eram o Seu povo, como um ato de ostentação vazia perante os seus companheiros. Assim, esta não era a glorificação que vem do coração, mas a ostentação da língua”.

 

Agora Paulo concede ao judeu um conhecimento da sua vontade (18, to thelema) — literalmente, “à vontade” — e a aprovação daquelas coisas excelentes (ta diapheronta) que ele obteve sendo instruído por lei.

 

Todas estas reivindicações orgulhosas se baseavam na posse da forma da ciência e da verdade na lei. A palavra para forma (morphosin) aqui pode significar o esquema, a definição, “a personificação” da forma essencial (morphe; Fp 2.6- 7). Sanday e Headlam observam: “A lei era uma expressão verdadeira da verdade divina, até onde ela alcançava”.  No entanto, como Thomson e Davidson destacam, Paulo pode estar empregando morphosis aqui com o mesmo sentido com que ele usa a palavra em 2 Timóteo 3.5, onde ela está em contraste com dynamis, “poder”. “Certamente, a dádiva da revelação era real; mas o problema é que o judeu, através da desobediência, deixou de ter um discernimento maior dela, e, apesar da sua ostentação, na verdade não era nada além de um pobre guia, uma fraca luz, instrutor e mestre dos pagãos”.

 

Destas vantagens se segue, nos versículos 21 a 24, uma exposição crítica da incoerência do judeu. Ela é colocada “numa série de questões pungentes, baseadas nestas admissões... e colocadas em impressionante contraste com elas”. 

Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas (ho kerysson) que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? (2 1-22) A última pergunta é traduzida de maneira geral: “Tu, que abominas os ídolos, roubas os templos?” (ERV). Godet opina que o significado é: “O seu horror à idolatria não chega a evitar que você aclame como um bom prêmio os preciosos objetos que foram usados na adoração idólatra, quando você não pode fazê-los seus”.

O versículo 23 pode ser interpretado como uma pergunta (ARC) ou como uma afirmação que resume a posição a que se chegou neste ponto: “Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?”. E mais do que simplesmente a opinião de Paulo: é o veredicto da própria Escritura. “Pois, como diz a Escritura, ‘Porque o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós” (24, NEB). Esta é uma citação de Isaías 52.5 na Septuaginta (veja também Ez 36.20). Calvino comenta: “Todo aquele que infringe a lei desonra a Deus, pois todos nascemos para adorá-lo em santidade e em justiça.

 

No versículo 25, o apóstolo “persegue o judeu no seu último abrigo” e continua a expô-lo no último refúgio, a sua confiança ilusória na posse do ritual da circuncisão.

 

Ele também antecipa 3.1-2, onde ele é cuidadoso para indicar a vantagem da circuncisão - Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares (prasses) a lei. Este sentença esclarece o que Paulo quer dizer com “guardar” ou praticar a lei. Para o apóstolo, guardar a lei ou cumpre a lei (27) não quer dizer executar os preceitos detalhados escritos na Torá, mas satisfazer aquela relação com Deus segundo o que a lei indica — uma relação não de legalismo, mas sim de fé (3.31; 10.6-11). A circuncisão era o sinal e o selo da aliança, revelada a Abraão, que era uma aliança de promessa e de graça.

 

O versículo 27 é interpretado como sendo uma continuação do 26. Cumprir os decretos ou preceitos da lei é cumprir a lei (ton nomon telousa). Godet entende esta frase como sendo “uma frase que expressa o cumprimento real e perseverante, O amor que o evangelho coloca no coração do crente é na verdade o cumprimento da lei, Romanos 13.10.120 O cristão fiel julgará o judeu, que pela letra e circuncisão é transgressor da lei. A expressão julgará não significa “sentar-se no tribunal”, mas se refere ao “julgamento da comparação e do contraste” (cf. Mt 12.4142).121 Letra significa a lei escrita nas tábuas de pedra, ou no Antigo Testamento (cf. 7.6; 2 Co 3.6-7). Vivendo pela letra, e não pelo Espírito, o judeu na verdade transgride a lei.

Os versículos 28 e 29 explicam por que o ritual da circuncisão pode representar tão pouco. Deus olha para o coração e não para as aparências externas. O versículo 28 contém a frase negativa, e o 29, a afirmativa, desta verdade geral. Não é judeu o que o é exteriormente (en to phanero, na aparência), nem é circuncisão a que o é exteriormente (a mesma expressão em grego) na carne (28). Charles Hodge parafraseia: “Ele não é do povo de Deus, se o é apenas exteriormente”.’ Nada externo ou visível garante este relacionamento especial com Deus. A frase afirmativa é a seguinte: Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra (29).

 

c) A vantagem do judeu (3.1-8). O que Paulo acaba de dizer parece eliminar a vantagem do judeu. Não é bem assim, ele responde. A linha de pensamento desta passagem, uma das mais difíceis da Epístola, é a seguinte:

 

1) Se o judeu está sob a ira de Deus, tanto quanto os gentios, que vantagem ele tem sobre eles? Resposta: ele possui os oráculos de Deus (versículos 1-2).

 

2) Mas se esta posse não serviu ao objetivo pretendido (a fé de Israel no Messias), isto não anula a fidelidade de Deus? Resposta: De maneira nenhuma; pelo contrário, ressalta a fidelidade de Deus (versículos 3-4).

3) Mas se Deus usa o pecado humano para a Sua glória, como pode Ele fazer dos pecadores o objeto da Sua ira? Resposta: Esta objeção se autocondena, é completamente falha, pois questiona a própria justiça de Deus (versículos 5-8).

Primeira pergunta. Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? (1) Parafraseada, a pergunta é: “Então, se ser um judeu interiormente é o que importa, se é a ‘circuncisão do coração’ o que realmente importa, existe alguma vantagem em pertencer a Israel ou em ser fisicamente circuncidado?”

Paulo responde: Muita, em toda maneira (2). Claro que existe uma vantagem de se pertencer ao povo de Deus, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas. A palavra primeiramente (proton) em geral significa “em primeiro lugar” ou “acima de tudo” (NEB). Mas se este é o sentido com que Paulo utiliza a palavra aqui, o seu pensamento se desvia, e o seu significado se altera.’Godet pensa que Paulo está, aqui, limitando deliberadamente o seu argumento. “As palavras precedentes, em toda maneira, sugerem: ‘Eu poderia mencionar muitas coisas sob este cabeçalho, mas vou me limitar àquela que é mais importante’ Esta forma de expressão, longe de indicar que ele pretende mencionar outras, ao contrário, mostra por que ele não irá mencioná-las.

Todas elas derivam daquela que ele indica a seguir. A primeira e abrangente vantagem dos judeus consiste nisto, no fato de que a eles foram confiadas às palavras de Deus. Em um contexto judeu, o termo palavras pode significar somente as Escrituras, e foi aos judeus que a Palavra de Deus foi revelada.

 

A correspondência com a passagem paralela em 9.4 sugere que aqui o significado é o Antigo Testamento inteiro. “Possuir a lei é por si só uma vantagem. Israel conhece o pensamento de Deus (cf. 2.18), e não pode negar a completa reivindicação moral que ele faz sobre as suas criaturas (veja os versículos 1O18). Possuir a revelação da vontade e do objetivo de Deus é verdadeiramente uma honra mais elevada; mas se é uma honra elevada, é também uma séria responsabilidade. Como disse o Senhor: “E a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá” (Lc 12.48).

 

Segunda pergunta. Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus? (3) A expressão, pois quê pode ser traduzida como “E se?”2’ ou “E daí?”.  A pergunta é: “Que acontece se alguns dos judeus não receberem Cristo?” Foram incrédulos (epistesan) é um verbo aoristo e “se refere a um fato histórico em particular mais do que a um estado permanente de coisas, como a incredulidade judaica tinha estado sob a aliança”.” Foi a rejeição de Jesus como o Messias por parte de Israel que pareceu anular a fidelidade de Deus.”2 A expressão a fidelidade de Deus (ten pistin tou theou) poderia, em outro contexto, significar “fé em Deus”. Aqui, o genitivo deve ser interpretado como um possessivo; e o substantivo, conseqüentemente, deve significar “fidelidade” (RSV, NEB, NASB). A pergunta é: Pode a incredulidade dos judeus, com respeito a Jesus, aniquilar a fidelidade de Deus ao Seu povo?

 

De maneira nenhuma! (4: me genoito, “que isso não seja assim!”), responde Paulo. Claro que não, porque Deus deu a Sua palavra; e não importa o que os homens façam ou não façam, Ele cumprirá a Sua palavra (cf. 2 Tm 2.13). Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso, como está escrito:

 

Para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado. “A infidelidade dos homens simplesmente coloca a verdade de Deus em destaque: a Sua justiça será sempre vindicada contra a injustiça deles”. Aqui Paulo cita Salmos 51.4, concordando, a cada palavra, com a Septuaginta, Veremos o significado desta citação ao considerarmos a pergunta seguinte.

Terceira pergunta. E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura, será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem) (5). Isto equivale a dizer: “Se a minha infidelidade coloca em destaque a fidelidade de Deus; se a minha injustiça estabelece a Sua justiça, por que Ele encontrará falha em mim? Ele verdadeiramente é o vitorioso com o meu pecado; por que Ele exigiria uma retribuição por ele?”34 Aqui, a importância da citação de Paulo (Sl 51.4) fica aparente. Davi disse: “Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos é mal, para que sejas justificado quando falares e puro quando julgares”. A idéia parece ser a de que, como o pecado (até mesmo contra os companheiros, como foi o caso de Davi) é, acima de tudo e em última análise, um pecado contra Deus, conseqüentemente Deus, no seu julgamento dos homens pelo pecado, é sempre justo.

 

Então é esta a resposta de Paulo. Como o pecado é, acima de tudo e em última análise, contra Deus, Ele é justo ao punir todos os pecados (6). Os versículos seguintes indicam que é este o uso que Paulo faz de Salmos 5 1:4, e que é esta a sua interpretação. Pois ele continua a tratar com as conclusões falsas que os seus oponentes podiam tirar (e o fizeram) da proposta de que o pecado justifica a justiça e o julgamento de Deus. “Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua, por que sou eu ainda julgado também como pecador? E por que não dizemos (como somos blasfemados, e como alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens?” (7-8, NASB). “Se a minha falsidade faz a verdade de Deus brilhar com mais intensidade pelo contraste, ela acrescenta à Sua glória; por que então Ele insiste em condenar-me como um pecador?”, raciocina o pecador. “O fim — a glória de Deus — é bom.” Por que os meios — os meus pecados — são errados? Certamente o fim justifica os meios?

 

Esta linha de raciocínio evoca, no apóstolo, a observação do versículo 8. Ele prossegue: o fato é que é precisamente isto o que alguns dos meus oponentes dizem que o meu evangelho significa: Façamos males, para que venham bens. Mas esta acusação não é apenas uma calúnia; ela se autocondena, porque é uma contradição. A verdade de Deus sempre está em um erro da espessura de um fio de cabelo, mas o evangelho da justificação “pela fé, sem as obras da lei” (3,28) nunca poderá significar antinomianismo, como Paulo irá demonstrar conclusivamente no capítulo 6. Ali, ele demonstrará que o homem justificado morreu para o pecado.

Neste ponto ele se satisfaz em replicar que tal raciocínio só pode se originar de uma natureza moral distorcida, que tenta fazer com que a luz seja equivalente às trevas. Para tal natureza, a condenação desses é justa.

 

O apóstolo exibiu duas imagens vívidas e inesquecíveis do reino da ira de Deus — sobre o mundo gentílico (1.18-32) e sobre o povo judeu (2.1-29). Como apêndice, ele acrescentou uma passagem à segunda imagem, que pretendia eliminar a objeção que poderia ser erguida pelo crítico judeu — a objeção de que o seu evangelho separa o antigo povo de Deus, e, portanto, mina a fidelidade de Deus. Agora, ao julgamento que se segue aos argumentos precedentes, Paulo acrescenta o selo das Escrituras, “sem o qual ele não considera nenhuma prova como finalmente válida”.

 

Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Comentário Bíblico Volume 08 -  Romanos e 1 e 2 Corintios

 

 

A NECESSIDADE UNIVERSAL DA SALVAÇÃO EM CRISTO

A GRAÇA PARA TODOS

Romanos 1,18-22

 

Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem Inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu, dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.

 

A Revelação Natural

 

“Porque do céu se manifesta a ira de Deus... ” (1.18a). Parece paradoxal que um texto que é conhecido como o Evangelho da Graça com ele falando sobre a ira. De fato, muitos comentaristas bíblicos ficam chocados com o tom forte com que Paulo introduz essa seção de sua carta. Fica evidente que a expressão “ira de Deus”, tradução do grego orgé, carrega um peso de significado muito forte. Esse termo ocorre 36 vezes no Novo Testamento g re g o. É o mesmo vocábulo usado por João Batista para dizer que os fariseus e saduceus não escapariam da ira (orgé) vindoura (M t 3.7). É usado também p ara se referir à ira (orgé) do Cordeiro em Apocalipse 6.16. Na verdade, muitos intérpretes que foram influenciados pela teologia liberal do século X IX , de cunho fortemente humanista, não conseguiam harmonizar a imagem de um Deus amoroso com a de um Deus irado . Mas a ira divina aqui é totalmente justificável à luz do capítulo 1.18-32. O pensamento do apóstolo é claro mostrar a situação caótica, desesperadora e corrupta na qual a humanidade se encontrava e como em meio a tudo isso Deus manifestou de forma copiosa a sua graça .

 

"... sobre toda impiedade e injustiça dos homens que detêm a verdade em injustiça”  (1.18). As palavras gregas asébeia e adi/eia estão bem traduzidas aqui como “impiedade” e “injustiça”. Charles Hodge, em seu comentário da Epístola aos Romanos, destaca que a primeira palavra representa a impiedade em relação a Deus, e a segunda, a injustiça praticada contra os homens. O argumento de Paulo aqui forma um contraste com aquilo que ele já havia falado em Romanos 1.16,17, em que a justiça de Deus se revela pelo evangelho.

E por que Deus revela a sua justiça trazendo julgamento? Porque os homens escolheram tornar a verdade prisioneira do pecado. Paulo diz que eles “detêm a verdade em injustiça” (1.18).

 

Torque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas...” (1.20). Paulo mostra que as obras da criação, a revelação natural de Deus, servem de parâmetro para o julgamento de Deus. Russel P. Sheed, renomado teólogo batista, destaca esse fato: “É inadmissível a desculpa humana de que entre determinados povos e nações simplesmente nunca houve qualquer oportunidade para se conhecer a mensagem salvadora.

 

A Palavra de Deus afirma que homens ignorantes acerca da Bíblia não ficaram sem conhecimento algum de Deus (Rm 1.19). Até aos mais distantes Ele revela seus atributos, seu eterno poder e natureza divina (Rm 1.20). Ninguém poderá sustentar alguma desculpa ao chegar diante do tribunal do Rei do universo. Todos serão julgados porque os homens, voluntariamente, encobrem a verdade para praticar a injustiça (Rm 1.18).

 

Essa ‘revelação natural’ que todos têm de Deus (isto é, a verdade encoberta) será, portanto, a base da justa condenação de todos os que não alcançaram a graça de ouvir a Palavra de Deus (‘revelação especial’). ‘Eles não têm desculpa...’ (Rm 1.21). Todavia, Deus não é injusto. Nunca condenará um homem por este não ter crido numa mensagem que não teve oportunidade de ouvir. A justiça divina será mantida. No julgamento final, a justiça divina julgará todos de acordo com a luz que Deus lhes deu: a criação e a consciência (grifo meu).

 

“... para que eles fiquem inescusáveis; porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças...” (1.20,21). O homem pós-queda é um homem afetado pela corrupção do pecado, embora não seja um ser espiritualmente insensível. Nem tampouco é um ser que perdeu sua capacidade de escolha, O texto deixa claro que ele podia perceber por meio da revelação natural de Deus que a ordem das coisas tem um Criador.

 

Mas não fez isso. Em seu conceituado comentário sobre Romanos, o expositor Giuseppe Barbaglio observa que “o juízo divino de condenação nada mais é que a resposta ao intencional ‘não’ por parte do homem. Paulo não se limita, porém, a esse aceno. Ao contrário, desenvolve amplamente o porquê da cólera divina (vv. 19-23,). Dá por sabido que os homens não só tiveram a possibilidade de conhecer o Criador, mas de fato o conheceram. Sim, porque Ele se manifestou a eles através da criação. A obra revela o seu artífice. A inteligência, partindo do mundo, chega à sua causa.

 

A eterna força e majestade divina, de si’ invisíveis, tornam-se perfeitamente visíveis aos olhos da mente. No plano do conhecimento a distância é superada, o encontro acontece. Constatação positiva, sem dúvida, mas Paulo logo a transforma em acusação contra o mundo pagão. Por isso os acusados não têm desculpas ou atenuantes. Numa palavra, são culpados. Porque, embora tendo conhecimento de Deus, não lhe renderam nem louvor nem ação de graças’. O conhecimento não se converteu em reconhecimento. Teoria e práxis foram violentamente dissociadas”.5 De forma análoga, o expositor bíblico Dale Moody, in loco, sublinha esse fato, quando afirma: “o pecado distorce, mas não destrói a possibilidade da percepção. A mente de fato pode tornar-se réproba (1.28), mas também pode ser renovada (12.2). “A mente torna possível a percepção”.

A oportunidade é dada a todos.

 

Romanos 1.23-32

 

E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis. Pelo que também Deus os entregou às concupiscências do seu coração, à imundícia, para desonrarem o seu corpo entre si; pois mudaram a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém! Pelo que Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E, semelhantemente, também os varões, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, varão com varão, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. E, como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convém; estando cheios de toda iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes ao pai e à mãe; néscios, infleis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia; os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.

 

A Lei da Semeadura e da Colheita

 

“E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de repteis” (1.23). O apóstolo continua sua argumentação que justifica o julgamento de Deus. Em vez de glorificar a Deus, o homem se afastou ainda mais. Deus os entregou à idolatria ( 23); imoralidade (v. 26) e animosidade (v. 30).

 

Um abismo chama outro abismo. C. Marvin Pate observa que “entregar” (v. 24) aqui tem o sentido de “deixar as pessoas sofrerem as consequências de conseguirem o que desejam. Em outras palavras, nos tornamos semelhantes aquilo que adoramos”.7 Ao escolher adorar a criatura em lugar do Criador, ser o centro de si mesmos em vez de terem Deus como centro de tudo, o homem mergulhou nas profundas trevas do pecado.

 

“Pelo que Deus os abandonou às paixões infames...” (1 .26,27). Paulo passa então a falar de comportamentos sociais que, à luz das coisas criadas, eram considerados como antinaturais. A homossexualidade, tanto masculina como feminina, é citada como exemplo desse afastamento da ordem natural (vv. 26,27). Paulo, seguindo a tradição bíblica, reprova a prática homossexual (Lv 18.22). Por outro lado, a cultura greco-romana tinha como natural o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.

 

A pederastia, relacionamento de um adulto com alguém mais jovem, era vista com normalidade tanto na Grécia antiga como em Roma. A maior parte dos Césares era homossexual. É conhecida a frase do escritor romano Suetônio dizendo que o imperador Júlio César “era o homem de toda mulher e a mulher de todo homem”. Suetônio ainda fala sobre César como sendo amante de Nicomedes: “A reputação de sodomita veio-lhe unicamente de sua estada junto a Nicomedes, mas isso bastou para desonrá-lo para sempre e expô-lo aos ultrajes de todos”. Essa prática, considerada normal para cultura greco-romana, era vista pelos judeus como uma perversão da sexualidade.

 

Depois da revolução sexual dos anos sessenta, o movimento em prol da homossexualidade ganhou força no mundo inteiro. Grande parte desse feito é atribuído a Alfred Charles Kinsey (1894-1956), considerado o apóstolo da perversão sexual. Kinsey popularizou seus ensinos distorcidos sobre a sexualidade humana através de seu livro O Comportamento Sexual do Macho. Após as pesquisas de Kinsey, que posteriormente ficou provado que foram todas manipuladas, a sexualidade ganhou outro rumo.

 

Passou-se a acreditar que o homossexualismo estaria fundamentado em verdades científicas. Alguns teólogos, que creem que há pessoas que já nascem homossexuais, tentam justificar esse tipo de comportamento afirmando que a Bíblia condena as relações entre heterossexuais e homossexuais, e não a relação entre um homossexual e outro homossexual, O teólogo católico José Bortolini partilha desse entendimento: “A carta destaca algumas dessas relações pervertidas. A primeira é o homossexualismo feminino e masculino (1 .26b,27). De modo geral, no mundo greco-romano daquele tempo, a prática homossexual entre pessoas heterossexuais era estimulada e inclusive vista como perfeição.

 
Paulo certamente não tinha o conhecimento que hoje se tem a respeito de pessoas que já nascem com orientação homossexual. “Ele detecta perversão entre heterossexuais que se dedicam a práticas homossexuais”. Tal explicação, adotada inclusive por muitos movimentos ditos evangélicos, não resiste aos fatos históricos nem tampouco a uma exegese do texto bíblico. Para Paulo, o homossexualismo era uma perversão sexual porque além de ser condenado na Escritura era também antinatural de acordo com Romanos 1.26,27.

 

Romanos 2.1-16

 

Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. E bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem. E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus? Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência, e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus, o qual recompensará cada um segundo as suas obras, a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, e honra, e incorrupção; mas indignação e ira aos que são contenciosos e desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade; tribulação e angústia sobre toda alma do homem que faz o mal, primeiramente do judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que faz o bem, primeiramente ao judeu e também ao grego; porque, para com Deus, não há acepção de pessoas. Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados. Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os, no dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho.

 

A Revelação Especial

 

“Portanto, és inescusável quando julgas, é homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo que julgas a outro,’ pois tu, que julgas, fazes o mesmo” (2.1,).

Há claramente uma mudança no pensamento do apóstolo a partir desse ponto. O alvo agora não é mais o mundo gentílico, mas o judaico. Nessa passagem, o apóstolo mostrará que os judeus não estão diante de Deus em melhores condições do que os gentios. Douglas Moo observa que os judeus poderiam pensar que podiam pecar sem serem punidos porque possuíam uma relação pactual com Deus.

Mas de acordo com os versículos de 6 a 11, Paulo parece ir um passo mais adiante: Os judeus não têm nenhum direito de pensar que intrinsecamente o pacto lhes concede uma situação melhor que os gentios diante de Deus.

 

O apóstolo mostra então as razões por que os judeus não estavam cm situação melhor do que os gentios.

 

1. Eles praticavam aquilo que consideravam errado no comportamento gentílico     v. 1).  Ao agir assim, acabavam assumindo uma atitude de hipocrisia diante da lei.

 2. Achavam que por serem os guardiões da Torá estariam isentos de qualquer julgamento (v. 3).

 3. Abusavam da bondade de Deus (v. 4).

4. Possuíam um coração impenitente (v. 5).

5. Ignoravam a lei da retribuição (vv. 6-10).

6. Eram exclusivistas (v. 11).

7. Não conseguiam viver as exigências da lei (vv. 12-14).

 

“Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados” (2. 12). Comentando essa passagem, Charles Swindoll argumenta sobre aqueles que querem questionar sobre o que disse Paulo em Romanos 2.12. Isso não parece justo, argumentaria alguém. Seria justo punir alguém por infringir regras as quais ele não teve a oportunidade de conhecer? É exatamente isso que Paulo defende aqui.

 

O fato é que, embora houvesse gentios que nunca estiveram na Palestina nem tampouco chegaram a entrar em contado como o povo hebreu e nem com sua lei, é bom lembrar que todo homem carrega a imagem de Deus. Swindoll então diz acertadamente que “parte dessa imagem inclui um sentido não de que algumas ações são boas e outras são más”. No entanto, incluso nesse padrão imperfeito, ninguém vive com justiça. Ninguém jamais tem obedecido com perfeição sua própria consciência.

 

A culpa é uma reação universal por fazer algo que a ética pessoal de alguém o proíbe. No fim dos tempos, quando se ditar o veredicto final, se terá pesado as obras de toda pessoa e serão achadas faltas. A ignorância da Lei não é desculpa. Toda pessoa será julgada de acordo com seu conhecimento do bem e do mal. E por qualquer padrão, seja a lei mosaica, seja a própria consciência do gentio, toda pessoa será achada culpada”.

 

Romanos 2.17-29

 

Eis que tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído por lei; e confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, instruidor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós. Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão. Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, porventura, a incircuncisão não será reputada como circuncisão? E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te julgará, porventura, a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei? Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus.

 Espiritualidade sem Verniz

 
Gosto da paráfrase que F.F.Bruce, erudito em Novo Testamento, fez dessa passagem. Ela atualiza o que o texto quer dizer.

 

Você tem o honroso nome de judeu. Sua posse da lei dá-lhe confiança, gloria-se de que é ao Deus verdadeiro que você cultua e de que conhece a vontade dEle. Você aprova o caminho mais excelente, pois o aprendeu da lei. Considera-se mais instruído do que aqueles que são inferiores por não terem a lei. Considera-se guia de cegos e instrutor de tolos. Mas por que não dar uma sincera olhada em você mesmo? Você não tem defeitos? Você conhece a lei, mas a guarda? Você diz:

 

“Não roubarás”. Mas não rouba nunca? Você diz: “Não adulterarás”. Mas será que cumpre sempre esse mandamento? Você detesta ídolos, mas nunca rouba templos? Você se gloria na lei, mas, de fato, sua desobediência à lei dá má fama entre os pagãos, a você e ao Deus que cultua. Ser judeu aproveitará ao homem diante de Deus somente se cumprir a lei. O judeu que quebra à lei não é melhor do que o gentio. E inversamente, o gentio que cumpre as exigências da lei é tão bom à vista de Deus como qualquer judeu que permanece na lei. Na verdade, o gentio que guarda a lei de Deus condenará o judeu que a quebra, não importa quão versado nas Escrituras esse judeu seja, não importa quão canonicamente se tenha processado a sua circuncisão.

 

Você vê, não é questão de descendência natural e de sinal externo como a circuncisão. A palavra “judeu” significa “louvor”, e o verdadeiro judeu é o homem sua vida é digna de louvor pelos padrões de Deus, cujo coração é puro à vista de Deus, cuja circuncisão é a circuncisão interna, do coração. Este é judeu de verdade, digo eu — homem verdadeiramente digno de louvor e seu louvor não é matéria de aplauso humano, mas da aprovação divina.

 
“Eis que tu, que teus por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e sabes a sua vontade, e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído por lei” (2.17). Paulo ainda continua preparando o terreno para a exposição da doutrina da justificação pela fé da qual ele falará logo mais.

Os gentios possuíam a revelação natural, bem como a lei da consciência; todavia, foram incapazes de reagir positivamente diante de Deus. Agora Paulo passará a falar dos judeus, que foram escolhidos por Deus e a quem foi dada, de forma especial, a lei. Todavia, assim como o pecado cegou os que tinham recebido a revelação natural, da mesma forma cegou os que tinham recebido a revelação especial.

 

Paulo havia demonstrado que os gentios estavam debaixo das densas nuvens do pecado. Antes que algum judeu legalista pudesse se gloriar de sua posição privilegiada em relação aos gentios, o apóstolo se apressa em dizer que eles não possuíam vantagem nenhuma. Se os gentios quebraram a lei natural, os judeus se demonstraram incapazes de cumprir a revelação especial, que lhes fora dada por meio da lei no Sinai. Eram, portanto, indesculpáveis.

 

Essa atitude legalista, em que a religião é vivida apenas de forma exterior, conduz à hipocrisia religiosa e é duramente combatida por Paulo. Aqueles que confiavam na lei como instrumento de justificação começam a perceber que as suas posturas diante da lei não os havia melhorado em nada. Paulo quer fazer com que eles vejam que esse modelo de espiritualidade estava falido justamente pelo fato de terem eles falhado em atender as exigências do preceito legal.

 

O legalismo foi uma ameaça para o antigo Israel; todavia, continua sendo uma ameaça hoje. A salvação pelas obras, isto é, que depende dos feitos de quem as pratica, parece ser algo atraente para muitos. A tentativa de agradar a Deus por meio dos seus próprios méritos é um perigo do qual o cristão precisa se precaver. Nessa seção das Escrituras, observamos Paulo combatendo o modelo de espiritualidade que atua somente por fora e não por dentro. Para ele, não era um judeu quem apenas possuía as marcas da circuncisão na sua carne, isto é, externamente, todavia não se encontrava marcado internamente (Rm 2.28,29). Muitos põem um verniz na sua espiritualidade e isso é tudo que conseguem viver e mostrar.

Viver de aparências parece ser algo normal diante dos homens, mas não diante de Deus. Deus não possui uma vitrine, onde adorna os seus filhos para uma simples exposição. Ele os coloca no cenário da vida, na realidade nua e crua do dia a dia, para que eles possam depender dEle e assim viver sem mascaramentos.

 
Romanos 3.1-20

 

Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas. Pois quê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus? De maneira nenhuma! Sempre seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso, como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado. E, se a nossa injustiça for a causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura, será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.) De maneira nenhuma! Doutro modo, como julgará Deus o mundo? Mas, se pela minha mentira abundou mais a verdade de Deus para glória sua, por que sou eu ainda julgado também como pecador? E por que não dizemos (como somos blasfemados, e como alguns dizem que dizemos): Façamos males, para que venham bens? A condenação desses é justa. Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma! Pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado, como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; com a língua tratam enganosamente; peçonha de áspide está debaixo de seus lábios; cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; e não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda boca esteja fechada e todo o mundo seja condenado diante de Deus. Por isso, nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado.

 

Aliança Quebrada

 

“Qual é; logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” (3.1,). Paulo encerra seu argumento mostrando que judeus, gentios e toda a humanidade estavam debaixo do pecado. Não havia sobrado nenhum justo. Tanto gentios que viviam sem lei como os judeus que viviam debaixo da lei encontravam-se na mesma situação espiritual — afastados de Deus.

 

O expositor bíblico Henry Mahan observa que “no Antigo Testamento os judeus tinham grandes vantagens sobre as nações gentias. Tinham a palavra de Deus. Este término se usa quatro vezes no Novo Testamento.

Em Atos 7.38 significa lei de Moisés; em Hebreus 5.12 e 1 Pedro 4.11 abarca as verdades do Evangelho. Neste versículo estão incluídas todas as Escrituras do Antigo Testamento, especialmente as que se referem ao Messias, Jesus Cristo. Enquanto os gentios precisavam descobrir Deus como podiam através da criação, consciência e providência, os judeus tinham as profecias da vinda do Messias, as figuras e tipos de seu sacrifício e expiação nas cerimônias e a promessa de redenção e perdão através da fé nEle.

 

Em lugar de crerem nEle e confessar sua culpabilidade revelada através da lei e descansar na fé e na misericórdia de Deus e na justiça imputada, tomaram a lei, a circuncisão e as cerimônias e a herança judia e estabeleceram sua própria justiça baseada em uma imperfeita e hipócrita obediência formal. Todas as leis, rituais, moralidade, cerimônias, Escrituras e forma externa não são de valor, mas ao contrário são devastadoras, se não conduzem à pessoa de Cristo.

 

Evangelista Isaias Silva de Jesus

 

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

 

Livro Maravilhosa Graça – José Gonçalves