2 de janeiro de 2019

Batalha Espiritual A Realidade não Pode Ser Subestimada








Texto Áureo

"Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca." (Mt 26.41)

Verdade Prática

Batalha Espiritual é uma realidade bíblica que consiste na luta contínua da Igreja contra o reino das trevas.
 
A análise do tema “batalha espiritual” no presente capítulo enfoca o conjunto de crenças e práticas neopentecostais que alcançou espaço considerável em nosso meio. Trata-se da doutrina da maldição hereditária, da teoria dos espíritos territoriais e da ideia de expulsar demônios dos próprios crentes em Jesus.

São inovações provenientes de várias fontes: erros de interpretação de textos bíblicos, experiências pessoais e revelações de origem estranha. Trata-se de distorção doutrinária que está muito em voga na mídia evangélica e nos últimos anos vem recebendo aceitação de muitos líderes desavisados.

A REALIDADE DA BATALHA ESPIRITUAL

A autêntica batalha espiritual tem fundamentos bíblicos: “todo o mundo está no maligno” (1 Jo 5.19). Mas nem tudo o que se diz ser batalha espiritual tem sustentação bíblica. Por isso a necessidade de entender como o assunto é apresentado na Bíblia. Como veremos, há passagens que descrevem esse tipo de batalha no Antigo e no Novo Testamento.

No Antigo Testamento, o relato que trata da deliberação sobre a guerra contra Ramote-Gileade registrado em 1 Reis 22.10-28, e a passagem paralela de 2 Crônicas 18.5-27 mostra uma cena dramática do embate entre o falso profeta Zedequias liderando um grupo de 400 falsos profetas e o profeta de Deus, Micaías. Era uma batalha espiritual, uma disputa do reino das trevas contra o reino da luz.

Os três capítulos iniciais do livro Jó revelam outra batalha: o próprio Satanás ousa desafiar Deus usando o patriarca Jó. Não que o diabo tenha poder para medir forças com Deus; esse dualismo não existe na Bíblia entre Deus e Satanás. Mas Deus permitiu a Satanás tirar tudo de Jó, desde os filhos até os bens materiais e por fim até mesmo a saúde. Satanás está vivo e ativo no planeta Terra, mas Deus tem testemunhas fiéis que limitam essa atuação satânica. Jó é um exemplo clássico dessa realidade.

No Novo Testamento, o exemplo mais conhecido é a tentação de Jesus no deserto registrada nos evangelhos sinóticos (Mt 4.1-11; Mc 1.12, 13; Lc 4.1-13). Situação dessa natureza aparece com certa frequência nos evangelhos (Mt 12.22; 17.19, 21). O apóstolo Pedro teve de enfrentar Simão, o mágico em Samaria (At 8.9-24), e da mesma forma o apóstolo Paulo enfrentou várias vezes essas hostes malignas (At 13.8-11; 16.16-22; 19.11-19). Paulo fala sobre a existência de um mundo espiritual da maldade sob o domínio do príncipe das trevas (Ef 2.2; 6.10-12).

Esses exemplos são suficientes para apontar a existência da batalha espiritual nas Escrituras Sagradas. Como contextualizamos o assunto, então?

Trazendo a realidade para nossos dias, a batalha espiritual consiste na oposição dos cristãos às forças malignas pela pregação do evangelho, pela oração e pelo poder da Palavra de Deus. Essa peleja vai continuar até a vinda de Jesus.

É verdade que no trabalho da pregação do evangelho ocorrem muitos fenômenos inexplicáveis. Reconhecemos que os demônios existem, são reais e se manifestam de várias maneiras, principalmente nas pessoas possessas. Tais espíritos precisam ser expulsos. É verdade que oração e jejum são indispensáveis e muito importantes na vida do crente, principalmente quando nos encontramos numa situação como essa. Nesse aspecto, a teologia da batalha espiritual está de acordo com as Escrituras Sagradas. Os fatos estão registrados na Bíblia, e nenhum cristão ousa negar essa realidade.

AS EXTRAVAGÂNCIAS DA SUPOSTA BATALHA ESPIRITUAL

Existe uma onda extravagante surgida na década de 1960 que tenta se passar por batalha espiritual. Infelizmente essa inovação ainda não foi erradicada de nosso meio. O que se vê nesse novo movimento é uma aberração doutrinária que tem levado muitos à incredulidade e outros ao fascínio quase esotérico. São crenças e práticas muito próximas do esoterismo e do ocultismo.

1. A doutrina da maldição hereditária

Os expositores dessa doutrina afirmam que seus ensinos têm apoio bíblico e pinçam a Bíblia em busca de versículos aqui e acolá na tentativa de consubstanciar as novidades apresentadas ao povo. A doutrina resume-se nisso: se alguém tem problemas com adultério, pornografia, divórcio, alcoolismo ou tendência suicida, é porque alguém de sua família, no passado, não importa se avós, bisavós, tataravós, teve esse problema.
Segundo essa doutrina, a pessoa afetada pela maldição hereditária deve, em primeiro lugar, descobrir em que geração seus ancestrais deram lugar ao diabo. Uma vez descoberta tal geração, pede-se perdão por ela, e, dessa forma, a maldição de família será desfeita.
Uma espécie de perdão por procuração, muito parecido com o batismo pelos mortos praticado pelos mórmons.
Basta uma leitura na Bíblia, ainda que superficial, para ver com clareza a fragilidade dessa doutrina, a começar pela história de Caim e Abel. Ambos eram filhos dos mesmos pais, receberam a mesma educação religiosa, entretanto um era fiel, e o outro, ímpio (1 Jo 3.12). O que dizer de Jacó e Esaú, irmãos gêmeos, educados no mesmo lar? Aquele recebeu a bênção porque este a trocou por um prato de comida (Ml 1.2; Hb 12.16, 17).

Não existe na Bíblia registro de profeta ou apóstolo praticando ou ensinando orações ou atos litúrgicos para quebrar a maldição de Caim ou de Esaú.

A Bíblia revela que nem sempre o filho assimila o pecado do pai. Há muitos exemplos na história dos reis de Israel e de Judá registrados nos livros dos Reis e das Crônicas. O rei Amom “fez o que era mal aos olhos do SENHOR” (2 Cr 33.22); no entanto, o rei Josias, seu filho: “[...] fez o que era reto aos olhos do SENHOR e andou nos caminhos de Davi, seu pai, sem se desviar deles nem para a direita nem para a esquerda” (2 Cr 34.2).

Os principais expoentes dessa doutrina apresentam uma roupagem aparentemente bíblica. Eles citam a Bíblia fora do contexto para adaptá-la aos seus ensinos. O uso do segundo mandamento do Decálogo é um desses exemplos:

Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR, teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos (Êx 20.4-6).

Os promotores da doutrina da maldição hereditária se apegam à frase explicativa do segundo mandamento: “que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem” (v. 5).
A alegação é a seguinte: “A sua Palavra declara que uma maldição pode ser transmitida de geração a geração (Êx 20.3-5)” (HICKEY, 1993, p. 21).

O objetivo dessas palavras explicativas do segundo mandamento do Decálogo é contrastar o castigo para “a terceira e a quarta geração” com o propósito de Deus de abençoar a milhares de gerações, considerando que a “terceira e a quarta geração” representam o número máximo de gerações que vivem juntas na extensão de uma família. O contexto desse preceito é a idolatria, pois o mandamento começa com as palavras: “Não farás para ti imagem de escultura, [...] Não te encurvarás a elas nem as servirás”.

Logo, as ameaças sobre as gerações daqueles que aborrecem a Javé são para os descendentes que continuam envolvidos na idolatria dos pais. Quando alguém se converte a Cristo, deixa de aborrecer a Deus; logo, essa passagem bíblica não pode se aplicar aos crentes nascidos de novo (Rm 5.8-10), pois eles se tornaram novas criaturas, “as coisas velhas já passaram, e eis que tudo se fez novo” (2 Co 5.17).

Havia em Israel um provérbio muito antigo: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram?” (Ez 18.2). Essa máxima parece estar arraigada no segundo mandamento.

Esse dito popular refletia o ceticismo dos exilados na Babilônia, pois se consideravam injustiçados, ou seja, estavam sendo condenados e punidos por causa do pecado dos seus antepassados.

Era uma crítica à justiça divina. “Uvas verdes” são os pecados, e os “dentes embotados” são a consequência deles. Essa máxima aparece de forma literal em Lamentações: “Nossos pais pecaram e já não existem; nós levamos as suas maldades” (5.7).

O conceito de responsabilidade continuada pelos pecados ancestrais era herança do segundo mandamento, uma vez que a continuidade das gerações humanas impede que a pessoa se isole do grupo. Os pecados do povo foram acumulados geração após geração, mas o castigo do cativeiro era responsabilidade daquela geração.
O profeta Jeremias exortou a casa real com todos os seus príncipes, os sacerdotes e o povo ao arrependimento, e isso ele fez durante mais de quarenta anos. Sua mensagem foi rejeitada: “E fez o que era mau aos olhos do SENHOR, seu Deus; nem se humilhou perante o profeta Jeremias, que falava da parte do SENHOR” (2 Cr 36.12). Era uma rebelião generalizada contra Deus (2 Cr 36.15, 16).

Os profetas Jeremias e Ezequiel rejeitaram esse ditado do povo, mostrando que a responsabilidade é pessoal. Jeremias anunciou que na Nova Aliança nunca mais dirão: “Os pais comeram uvas verdes, mas foram os dentes dos filhos que se embotaram” (Jr 31.19). Note que até em Jerusalém esse dito se propagava. Mas a palavra profética em Ezequiel proíbe desde então esse provérbio, e não no futuro: “Vivo eu, diz o Senhor Deus, que nunca mais direis esta parábola em Israel” (Ez 18.3).

Todo o capítulo 18 de Ezequiel gira em torno da responsabilidade individual de cada pessoa diante de Deus: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18.20). Não há espaço no cristianismo para essa crença estranha da maldição de família.

Não há contradição alguma entre o segundo mandamento e Deuteronômio 24.16. Em Êxodo, trata-se da administração da justiça divina, ao passo que, em Deuteronômio, o propósito é instruir a sociedade israelita sobre os abusos de não condenar nem punir inocentes por causa dos pecados dos pais culpados:

“Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos, pelos pais; cada qual morrerá pelo seu pecado” (Dt 24.16). Esse preceito é aplicado na vida prática posteriormente (2 Rs 14.5, 6).

Outra tentativa para dar roupagem bíblica a essas inovações é a interpretação errônea da expressão “espíritos familiares”. O argumento é o seguinte: “Há uma nova vida, uma nova natureza em você. Mas seus filhos podem herdar seu ponto fraco. Sua geração foi purificada, mas eles têm de purificar-se também!
A maldição precisa ser quebrada neles, ou eles herdarão sua fraqueza, que veio de seu pai e, antes dele, de seu avô e seu bisavô (HICKEY, 1993, p. 61). Em seguida, aparecem duas citações bíblicas para fundamentar a sua declaração: “Não vos virareis para os adivinhadores e encantadores; não os busqueis, contaminando-vos com eles.

Eu sou o SENHOR, vosso Deus...Quando uma alma se virar para os adivinhadores e encantadores, para se prostituir após eles, eu porei a minha face contra aquela alma e a extirparei do meio do seu povo (Lv 19.31; 20.6).

O termo “adivinhadores” é substituído por “espírito familiares”, pois a citação é da versão inglesa, a King James Version. Uma vez apresentadas as referências bíblicas, vem a definição de “espíritos familiares”: “São maus espíritos decaídos que se tornaram familiares numa família” (HICKEY, 1993, p. 62).

O termo hebraico usado nas passagens bíblicas citadas aqui para “espírito familiares” é obh, ou obhoth, no plural, que os dicionários e léxicos hebraicos traduzem por “médium, espírito, espírito de mortos, necromante e mágico” (HARRIS e ARCHER, 1998, p. 24); “médium, adivinho, necromante, feiticeiro, espírito dos mortos, fantasma” (VANGERMEREN, vol. 1, 2011, p. 294); “espírito de morto, vaticinador” (HOLLADAY, 2010, p. 7).

O homônimo de obh, palavra de mesma grafia com significado diferente, é “odres” (Jó 32.19). Essa palavra é traduzida apenas uma vez por “espírito familiar” na ARC (Is 8.19) e nenhuma vez na ARA. Trata-se de um termo muito disputado, o que já sinaliza a fragilidade em desenvolver uma doutrina baseada em passagens controversas.

É o relato do encontro de Saul com a médium de En-Dor (1 Sm 28.5-19) que lança luz sobre o significado do termo. Os lexicógrafos mais respeitados e mundialmente reconhecidos como Gesenius, Koehler Baumgartner, David J. A. Clines, entre outros, seguem nessa mesma linha.


O termo obh, seja no singular ou no plural, obhoth, aparece 16 vezes no Antigo Testamento hebraico, assim traduzido na ARC: “adivinhadores” (Lv 19.31; 20.6); “espírito adivinho” (Lv 20.27); “espírito adivinhante” (Dt
18.11); “adivinhos” (1 Sm 28.3, 9; 2 Rs 21.6; 23.24; 2 Cr 33.6; Is 19.3); “espírito de feiticeira” (1 Sm 28.7, 8); “adivinhadora” (1 Cr 10.13); “espíritos familiares” (Is 8.19) e “feiticeiro” (Is 29.4).

A expressão “espírito familiar” aparece cinco vezes na TB para traduzir o hebraico yddeoni, “espírito dos mortos, adivinhador”, que aparece 11 vezes no Antigo Testamento, todas elas combinadas com o substantivo obh (2 Rs 21.6; 23.24; 2 Cr 33.6; Is 8.19; 19.3) A TB, então, combina os termos, traduzindo-os por “espírito familiares e feiticeiros”.

A Septuaginta traduz obh e obhoth 12 vezes por engastrímythos, “adivinho, adivinhador”, literalmente, “ventríloquo”, aquele que faz predições desde o ventre usando a ventriloquia (Lv 19.31; 20.6, 27; Dt 18.11; 1 Sm 28.3, 7 [duas vezes], 8, 9 [duas vezes]; 1 Cr 10.13; 2 Cr 33.6; Is 8.19; 19.3). A expressão “espírito familiar”, ou “espírito familiares”, é uma tradução pouco usada e de origem desconhecida. Muitos dicionários e léxicos não usam a expressão, e pouquíssimos fazem menção dela com ressalva, como “provavelmente chamado ‘familiar’ porque era... como um servo...” (ORR, 1996, vol. II, p. 1094).

2. O mapeamento espiritual

Esse novo movimento, cujos líderes chamam de batalha espiritual ou guerra espiritual, acrescenta ainda no seu bojo a doutrina dos espíritos territoriais. Seus expositores fundamentam essa crença em experiências humanas, nos relatos de missionários, e não na Palavra de Deus. Peter Wagner, no capítulo 3 do livro Espíritos Territoriais, demonstra isso. Em resumo, a doutrina consiste na crença de que Satanás designou seus correligionários para cada país, região ou cidade. O evangelho só pode prosperar nesses lugares quando alguém, cheio do Espírito Santo, expulsar esse espírito maligno. Em decorrência, surgiu a necessidade de uma geografia espiritual, daí o mapeamento espiritual. Os espíritos territoriais são identificados por nomes que eles mesmos teriam revelado com suas respectivas regiões que supostamente comandam.

Para sustentar a ideia de que há uma organização territorial, é citada a passagem do apóstolo Paulo: “o deus desse século cegou o entendimento dos incrédulos” (2 Co 4.4). Peter Wagner usa o mesmo método das seitas no sentido de tirar conclusões em mera possibilidade. Ele julga ser possível considerar o termo “incrédulos” como “territórios”, incluindo “nações, estados, cidades, grupos culturais, tribos, estruturas sociais” (p. 72) e, sobre essa falsa premissa, constrói seu pensamento doutrinário.

Ainda de maneira sutil, o autor procura fundamentar sua ideia nas palavras: “príncipe do reino da Pérsia” (Dn 10.13), “príncipe da Grécia” (v. 20), para justificar o mapeamento espiritual. O capítulo 3 da citada obra apresenta até nomes desses supostos espíritos territoriais, os quais teriam revelado a si mesmos como Tata Pembele, Guarda dos Antepassados e Espírito de Viagens, entre outros. Narai seria o espírito chefe na Tailândia. Isso evidencia que os defensores da crença dos espíritos territoriais creem na mensagem demoníaca, e isso é muito perigoso, pois Satanás é o pai da mentira (Jo 8.44).

Não existe vínculo entre a doutrina do mapeamento espiritual e a passagem de Daniel 10.13, 20, pois o texto sagrado trata de guerra angelical, e não há indícios da presença humana. O profeta está completamente alheio a essa batalha, pois seu papel é outro. Os promotores da doutrina dos espíritos territoriais costumam, também, citar a passagem do endemoninhado gadareno (Mc 5.10), quando o demônio, porta-voz da legião, “rogava muito que os não enviasse para fora daquela província”. Isso faz parecer, à primeira vista, que os promotores do tal ensino estão certos.

Mas o texto deve ser interpretado à luz do contexto. A passagem paralela mostra que tal pedido aconteceu porque Jesus havia mandado os tais espíritos para o abismo: “E rogavam-lhe que não os mandasse para o abismo” (Lc 8.31), e por isso eles pediram para ficar na região; não se trata, portanto, de espíritos territoriais. Essas inovações são perturbadoras e destoam completamente do pensamento do Novo Testamento.

Evangelista Isaias Silva de Jesus 

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Setor I - Em Dourados – MS

Fonte: SOARES, Esequias/ SOARES, Daniele. Batalha Espiritual. O povo de Deus e a Guerra Contra as Potestades do Mal. 1ª edição de 2018 - CPAD

28 de dezembro de 2018

A HUMILDADE O E AMOR DESINTERESSADO

A HUMILDADE O E AMOR DESINTERESSADO

(A PARÁBOLA DOS PRIMEIROS ASSENTOS E DOS CONVIDADOS OU DAS BODAS– Lc.14:7- 14)

O amor de Deus é humilde e desinteressado.

INTRODUÇÃO
-     
-    Completando o estudo das parábolas de Jesus, analisaremos a parábola dos primeiros assentos e dos convidados, também chamada de parábola das bodas, registrada em Lc.14:7-14.

-   O amor de Deus é humilde e desinteressado

I  – AS CIRCUNSTÂNCIAS DA PARÁBOLA E A PARÁBOLA PROPRIAMENTE DITA

-   Estamos chegando ao término de mais um ano letivo da Escola Bíblica Dominical e agradecemos a Deus por mais esta oportunidade que nos concedeu de, com liberdade de culto e crença, podermos crescer espiritualmente e nos santificar, rumando aos céus, mediante o estudo e meditação das Escrituras Sagradas.

-   Completando o estudo das parábolas de Jesus, analisaremos, nesta lição, a parábola dos primeiros assentos e dos convidados, também chamada de parábola das bodas, mais uma das parábolas registradas apenas por Lucas, em Lc.14:7-14.

-   Já temos dito ao longo deste estudo das parábolas, que Lucas é o evangelista que mais parábolas registra precisamente porque, tendo como público alvo os gregos, cuja cultura privilegia a sabedoria (I Co.1:22), mostrava Jesus como o homem perfeito e, como tal, alguém que teria de ter excelente sabedoria e tal sabedoria se demonstra pelo uso do mecanismo das parábolas.

-   A parábola dos primeiros assentos e dos convidados, segundo os cronologistas bíblicos Edward Reese e Frank Klassen, foi proferida entre novembro e dezembro de 28 d.C., quando Jesus estava exercendo o seu ministério na Pereia, quando participava de uma festa (daí o nome “parábola das bodas”), para
o qual foi convidado.

-   Esta festa acontecia num dia de sábado, um jantar, na casa de um dos principais dos fariseus, onde todos iriam a comer pão (Lc.14:1). Estava-se, pois, no início da celebração do sábado, que se iniciava no pôr-do- sol, e, por se tratar de uma casa de um dos principais dos fariseus, ter-se-ia todo um formalismo e toda uma solenidade no início daquela celebração, até porque a tradição judaica exigia e tinha como obrigatórias a participação em três refeições no sábado.
-    
OBS: “…Mesmo a preparação e o sentar-se para comer três refeições (cada uma das quais era obrigatória) no Sabath eram dotados de significados espirituais. O povo estava convencido de que havia algo de especial que aumentava o prazer de comer naquele dia.
Que algo especial era este? Os rabinos de antigamente, com espírito didático, chamavam-no ‘observância do Sabath’. O místico talmúdico Simão ensinava: ‘Os que comem as três refeições do Sabath num espírito de santidade entram num estado de bem-aventurança’. Tornou-se costume fixo, durante os últimos dias da época do Segundo Templo, o homem da casa também tomar parte, na preparação das três refeições do Sabath. Ele fazia as compras ou cozinha um ou mais pratos. Cumpria essas rarefas ao hóspede ‘real’ – a ‘Rainha Sabath’ – que estava para entrar em sua casa.…” (AUSUBEL, Nathan. Sabath. In: A JUDAICA, v.6, p.739).

-     Nesta festa, ao qual Jesus foi convidado, estava um homem hidrópico e Jesus, após perguntar aos convidados, se era lícito curar no sábado, pergunta que não foi respondida pelos fariseus ali presentes, curou aquele homem e se dirigindo aos convidados, disse-lhes quem deles, caindo um jumento ou boi num poço num dia de sábado, não o tiraria dali, tendo, então, todos se calado, pois não tinham como argumentar em sentido contrário (Lc.14:1-6).

-    O Senhor, então, observando os convidados daquela cerimônia social, percebeu o comportamento dos convidados, que buscavam tomar os primeiros assentos, a fim de poderem ter proeminência no evento. Ante tal observação, o Senhor passou a dizer que, quando alguém for convidado, deve evitar ocupar os primeiros lugares, pois, em o fazendo, não correrá o risco de ter de dar o lugar proeminente que eventualmente escolha a alguém que tenha maior dignidade, mas, pelo contrário, ocupando um lugar derradeiro, seja honrado ao ser convidado para ir a um lugar mais proeminente, pois os que se humilham serão exaltados, mas os que se exaltam, humilhado. Na sequência, o Senhor se dirige ao próprio anfitrião, dizendo-lhe que deveria ele dar um jantar ou uma ceia não para os amigos, irmãos, parentes ou vizinhos ricos, visando ser também convidados por eles em outra oportunidade, mas que convidasse as pessoas que não tivessem como recompensá-lo, pois, assim fazendo, recompensado seria na ressurreição dos justos.

-   Vemos, portanto, que nesta parábola, há dois momentos bem definidos: um, que servia de lição para os convidados, a lição da humildade; outra, que servia de lição para o anfitrião, a lição do desinteresse.

-   Num momento social, Jesus delineia qual deve ser o comportamento dos Seus discípulos, a conduta agradável a Deus em meio à sociedade onde vivemos.

I     – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA (I) : OS CONVIDADOS

-   Notemos que a parábola é registrada por Lucas logo após o episódio da cura de um hidrópico em dia de sábado pelo Senhor Jesus, que ocorreu na casa de um dos principais dos fariseus, onde o Senhor estava para comer o pão.

-   Trata-se, portanto, de uma parábola que é dirigida aos fariseus, aos religiosos mais extremados daquela época, e num momento extremamente importante para a religião judaica, que era a celebração do sábado, que a lei de Moisés apresentava como a primeira solenidade a ser observada pelo povo de Israel (Lv.23:2,3).

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-    Com efeito, como afirma Nathan Ausubel, “…do ponto de vista do historiador da religião, esse dia [o sábado, observação nossa] tem representado um dos principais elos de unidade para os judeus através de sua história milenar.(…) No estágio mais avançado de desenvolvimento, o Sabath representa, em seu simbolismo, uma das expressões mais elevadas da ética social entre os judeus.…” (ibid., p.735).
OBS: Ainda hoje, o início do sábado é celebrado com uma refeição festiva, como nos dá conta Benjamin Belch: “…o Shabat começa na tarde da sexta-feira antes do crepúsculo, quando as velas são acesas. Após o serviço religioso na sinagoga, a família se reúne para uma refeição festiva.…” (O mais completo guia sobre judaísmo, p.152).

-    Primeira observação que devemos fazer é que o Senhor Jesus foi convidado para a celebração do sábado. Verdade é que, pelo que se nota do texto, todos estavam curiosos com relação a Jesus, já então famoso em todo Israel, não sendo desarrazoado pensar que muitos dos que ali estavam queriam até, de algum modo, angariar informações para terem de que O acusar, já que é dito que todos O estavam observando (Lc.14:1), sendo também curioso que um homem doente ali estivesse, como se se tratasse de um teste para Jesus.

-   Ainda que não fosse de boa intenção o convite ao Senhor Jesus, o fato é que tendo um dos principais dos fariseus convidado o Mestre para a celebração do sábado, isto nos traz importantes lições que têm relação com a parábola que Cristo haveria de ali contar para aquelas pessoas.

-   A primeira é que o Senhor Jesus Se mostrava como uma pessoa escrupulosa com os deveres religiosos. Se não fosse tida como uma pessoa que levava em conta as coisas concernentes a Deus, um fiel observador da adoração e do culto ao Senhor, jamais seria convidado para uma celebração de sábado na casa de um dos principais dos fariseus, numa localidade que não era grande e que, portanto, era um lugar onde todos se conheciam e sabemos todos como os fariseus eram extremamente cuidadosos com a sua reputação na comunidade.

-    Assim como o Senhor Jesus, temos, também, de ter uma imagem de servos de Deus diante dos homens com quem convivemos. É evidente que não podemos querer viver de aparência, ter uma ostentação de santidade, que nada mais é que santarronice, como soía ocorrer com os fariseus, mas é impensável que um servo de Deus não seja visto perante a sociedade como uma pessoa piedosa. Precisamos ser como o profeta Eliseu, que foi chamado pela sunamita, pelo comportamento que tinha quando passava por Suném, como “um santo homem de Deus” (II Rs.4:8,9).

-   A segunda lição é que Jesus foi convidado para uma celebração religiosa, ou seja, tinha um perfil que animava as pessoas a lhe chamarem para uma festividade sadia, dedicada ao Senhor. Jesus não foi convidado para uma celebração pecaminosa, para uma reunião frequentada por pessoas mundanas ou de reputação duvidosa. Sua conduta representava um freio para que pessoas desta estirpe lhe viessem convidar, algo que, aliás, foi preservado por Seus discípulos, que, pela sua conduta, geravam um distanciamento daqueles que não querem ter qualquer compromisso com Deus (At.5:13).




-   Vejamos que não era Jesus que Se distanciava dos pecadores contumazes e inveterados, pois Ele veio para buscar e salvar os que se haviam perdido (Lc.19:10), mas Seu porte, naturalmente, afastava d’Ele todos aqueles que nada queriam saber da parte de Deus.

-   Como têm sido as nossas companhias? Estamos, assim como Jesus e a igreja primitiva, tendo um porte que afasta naturalmente de nós os escarnecedores, os que não têm respeito algum pelas coisas divinas, ou temos tido uma conduta que nos faz ficar no meio deste tipo de gente? A que festas temos sido convidados e que tipo de festas frequentamos?

-   A terceira lição é que, convidado, o Senhor Jesus, mesmo sabendo haver alguma má intenção da parte de alguém, aceitou o convite, como era seu costume. Jesus era sociável, sempre estava a participar de festas e isto era até alvo de censura por parte de alguns (Mt.11:19; Lc.7:34; 15:2).

-    Devemos ser sociáveis, pois Deus fez o homem um ser social, que não pode viver sozinho, mas, sim, conviver, pois desta convivência até depende a sua sobrevivência. O Senhor foi claríssimo ao dizer, ao ver Adão solitário, que não era bom que o homem vivesse só (Gn.2:18), algo que não se refere apenas ao casamento, mas a toda vida social, que, logicamente, se inicia com a família, mas não se resume a ela.

-    É, aliás, emblemático que o Senhor Jesus vá contar de uma parábola que nos traz lições sobre o relacionamento social precisamente quando está a participar de uma cerimônia social, quando é convidado de uma celebração festiva de natureza religiosa, onde é alvo da observação de todos e onde trará ensinamentos tanto aos convidados quanto ao anfitrião.

-    Depois de ter curado o hidrópico naquela casa, o Senhor Jesus passou a observar os convidados. Certamente, estava ali a nata da sociedade daquela cidade ou aldeia da Pereia, região situada a leste do rio Jordão, onde atualmente é a Jordânia, é que era povoada principalmente por judeus, estando sob o governo de Herodes, o tetrarca da Galileia. A cada era de um dos principais dos fariseus e, portanto, todos aqueles convidados eram escrupulosos religiosos, tidos e havidos, na sociedade, como pessoas de vida exemplar, paradigmas de santidade e piedade.

-   O simples fato de a pessoa ter sido convidada para celebrar o sábado na casa daquele principal dos fariseus já era um motivo de honra e de reconhecimento. Sua simples presença naquele ambiente já seria suficiente para que as pessoas pudessem se apresentar como dignas diante de seus concidadãos.

-   Entretanto, tais pessoas não levaram em consideração este fato, estavam interessadas em escolher os primeiros assentos, a fim de se apresentarem como mais santas, mais honrosas. Os primeiros assentos eram os mais próximos às cabeceiras das mesas. Queriam se sobressair em relação aos demais e isto numa cerimônia onde estavam a celebrar o sábado, onde o alvo deveria ser outro, qual seja, o de adorar a Deus, pois o sábado fora instituído para que o israelita se dedicasse ao Senhor.


-   Nos dias hodiernos, os judeus, antes de comer a refeição festiva do sábado, a primeira das três refeições obrigatórias desse dia, recitam uma oração denominada “Kidush” (santificação), onde se exalta que Deus é o Criador e o Shabat, um dia santo. O sábado é a primeira das solenidades do Senhor mencionada em Lv.23, de modo que tudo deve ser comemorado tendo em vista a Deus, voltando-se para o Senhor.

-    Entretanto, aqueles convidados estavam voltados para si mesmo, queriam “aparecer” diante dos demais, queriam ser o centro das atenções, desvirtuando, por completo, o próprio sentido daquela reunião.

-   Jesus a tudo observava e, como afirma o comentarista bíblico Matthew Henry (1662-1714): “…Note bem que, mesmo nas ações comuns da vida, o olhar de Cristo está sobre nós. E Ele observa o que fazemos, não  só em nossas reuniões religiosas, mas em nossas mesas. E faz observações sobre isso.…” (Comentário bíblico Novo Testamento: Mateus a João edição completa. Trad. Degmar Ribas Júnior, p.642).

-   Tal comportamento não agradou o Senhor Jesus. Havia ali uma demonstração de individualismo, de egocentrismo que não se coaduna com o espírito de adoração a Deus, com o próprio serviço ao  Senhor. Se queremos, realmente, servir ao Senhor, adorá-l’O, devemos nos despir de nós mesmos, renunciar a nós mesmos, pois não podemos ser discípulos de Cristo se não renunciarmos a nós mesmos (Mt.16:24; Lc.14:33), se não se negar a si mesmo (Mc.8:34; Lc.9:23).

-    Negar-se é a palavra grega “aparneomai” (απαρνέομαι), cujo significado é de “negar peremptoriamente, i.e., repudiar, abster-se…” (Bíblia de Estudo Palavras-Chave, verbete 533 do Dicionário do Novo Testamento, p.2077). Trata-se, portanto, de uma atitude de total e completa negação de si próprio, uma recusa a que o ego possa significar algo, possa ter alguma participação na tomada de decisões e de atitudes.

-   Jesus, então, voltou-se para os convidados, repreendendo aquela atitude, dizendo que, quando fossem convidados às bodas, não se assentassem no primeiro lugar, para que não passassem a vergonha de ter de ceder o seu lugar para outra pessoa considerada mais importante e honrada do que eles, mas que procurasse se assentar nos lugares últimos, para que ocorresse a honra de ser chamado para um lugar mais proeminente, pois quem se humilha será exaltado e quem se exalta será humilhado.

-   Jesus, por primeiro, mostra-nos que é inevitável que haja diferenciação de honra e de proeminência entre os seres humanos. Haverá, sempre, os lugares primeiros e os lugares derradeiros e, o que é mais importante, pessoas que devam ocupar uns e outros.

-   O Senhor Jesus ensina-nos, assim, que é mentirosa e fantasiosa a doutrina do igualitarismo, que diz que todos os seres humanos são idênticos, que não qualquer diferença entre os indivíduos, pensamento e mentalidade que têm se disseminado nos últimos anos e que, inclusive, já encontrou guarida em muitas mentes daqueles que cristãos se dizem ser.


-     Deus não faz acepção de pessoas (Dt.10:17; At.10:38) e, portanto, a todos trata igualmente. Este tratamento igual, no entanto, não é igualitário, pois não há dois seres humanos idênticos sobre a face da Terra, como estão a provas os métodos de identificação, que demonstram claramente que dois seres

humanos não são iguais, tendo diferentes digitais, diferentes íris, diferentes códigos genéticos. Como disse o pastor norte-americano Rick Warren, Deus, quando cria alguém, lança para trás de si a fôrma utilizada.

-    Por isso até, as pessoas são chamadas de “indivíduos”, palavra cujo significado, segundo o Dicionário Houaiss   da                                      Língua                        Portuguesa                         é qualquer ser concreto, conhecido por meio da experiência, que possui uma unidade de ccaracteres e forma u m todo reconhecível”, palavra que vem do latim “individuus”, que significa “indivisível, uno, que não foi separado”.

-   Como se não bastasse isso, tem-se que o ser humano não pode viver solitariamente, precisa conviver com os demais e, nesta convivência, efetivamente vão exercer funções, tarefas e atividades diferentes, que faz com que haja diversos níveis de importância e de ação, a trazer, assim, maior reconhecimento, honra e posição a uns em detrimento de outros, posições que devem ser tratadas de modo diferenciado, inclusive para que haja justiça, pois, como diz o próprio Senhor Jesus, “…a qualquer que tiver lhe será dado, e a qualquer que não tiver até o que parece ter lhe será tirado” (Lc.8:18).

-     Este tratamento divino para com os seres humanos, mantendo a igualdade sem confundi-la com o igualitarismo, vemos na distribuição do maná ao povo. Cada um recolhia a sua porção, que era suficiente para o sustento de cada indivíduo, embora não se tivesse a mesma ração para cada um (Ex.16:16-18).

-   Assim, todos nós devemos saber que temos uma posição na sociedade e que devemos corresponder a esta posição, não querendo ser tratados acima desta posição nem admitindo ser tratado abaixo dela, porquanto isto é conforme a vontade do Senhor, até porque, lembremos, nos céus também há posições e de forma até mais rígida, porquanto os anjos são organizados como exércitos (Sl.103:21), expressão que nos indica que há, portanto, uma hierarquia e uma disciplina militares entre as multidões dos seres celestiais.

-   Ora, esta postura deve nos levar a considerar os outros como superiores a nós mesmos (Fp.2:3), pois não devemos nos esquecer que, por amor, o Senhor Jesus, sendo Deus, aniquilou-Se a Si mesmo, tomou a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens e, achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz (Fp.2:7,8).

-   Cada um tem sua posição na sociedade e deve considerar os outros como superiores a si, porquanto devemos sempre nos comportar com humildade, pois, além de termos o amor de Deus, aprendemos com Cristo, que é manso e humilde de coração (Mt.11:29).




-     Aqueles convidados estavam em uma cerimônia social vinculada à guarda do sábado, iniciando um momento de separação para Deus e, como tal, deveriam se posicionar diante do Senhor, reconhecendo serem menos do que nada, pois é assim a nossa posição diante do Todo-Poderoso (Is.40:17; 41:24). No entanto, queriam os primeiros assentos, achando-se mais importantes do que os outros.

-    Devemos ser humildes e a humildade nada mais é que uma virtude onde se tem consciência das próprias limitações, onde se sabe precisamente o que se é, ou seja, “menos do que nada”. A palavra “humildade” vem de “húmus”, que significa terra, lembrando-nos que somos pó (Gn.2:19; Sl.103:14) e que, destarte, não podemos nos achar coisa alguma.

-     Considerando os outros como superiores a nós mesmos, jamais correremos o risco de sermos envergonhados pela presunção. Jesus foi bem claro ao dizer que, se ocuparmos os lugares últimos, poderemos ser honrados sendo conduzidos aos lugares primeiros, mas que o inverso ocorrerá se formos presunçosos, se não levarmos em consideração o outro.

-   Este sentimento de humildade é o sentimento do próprio Jesus, como nos mostra o apóstolo Paulo na passagem já mencionada da epístola aos filipenses e como o próprio Cristo fez questão de ressaltar ao dizer que devemos aprender com Ele o que é humildade.

-    Seu despojamento completo, que O fez deixar a Sua glória para Se humanizar e, na própria sociedade, assumir posição extremamente humilde, pois não veio à Terra como príncipe, mas, mesmo sendo o herdeiro da coroa real da dinastia de Davi, nascendo numa manjedoura em Belém, “adotando” como pais pessoas simples e pobres, como se pode verificar pela oferta apresentada no templo para a purificação de Maria (Lc.2:22-24), é a prova grandiloquente de que Jesus é a própria humildade em pessoa e que, portanto, nós, se somos Seus irmãos (Rm.8:29), outro comportamento não podemos ter senão o de sermos igualmente humildes.

-   Naquela festa, Jesus poderia, humanamente falando, querer tomar os primeiros assentos. Afinal de contas, havia sido convidado para a cerimônia e não era daquela cidade ou aldeia, de modo que, naturalmente, seria a pessoa especial daquela reunião, o convidado diferente, o convidado principal daquela noite.

-   Além disto, era o centro das atenções, todos O estavam observando e, muito provavelmente, aquele homem hidrópico ali havia sido posto de propósito, para testá-l’O. Deste modo, natural que procurasse os primeiros assentos.

-   Mas não é só! Jesus havia acabado de curar o homem hidrópico, demonstrando o Seu poder, o que, com muito mais razão, faria com que buscasse ocupar os primeiros assentos, máxime depois de ter mostrado, nas Escrituras, que não havia quebrantado o sábado com aquela cura, já que todos haveriam de tirar do poço um jumento ou boi que ali caísse. Tinha, dentro da lei, mostrado a correção de sua conduta e, como tal, também poderia pleitear sentar nos primeiros assentos naquela festa, ainda mais que se encontrava na casa de um dos principais dos fariseus, que zelavam pelo estudo e observância rigorosos da Palavra de Deus.

-    Jesus, porém, não fez isto, mas apenas observou como os convidados ansiavam por ocupar os primeiros assentos, demonstrando soberba, arrogância e presunção. O Senhor foi bem prático no ensinamento dado, sem sair da própria mentalidade de ostentação de santidade reinante naquele meio: a pessoa presunçosa, em vez de honra, passaria vergonha se fosse mandada sair dos primeiros assentos para dar lugar a pessoas mais importantes, enquanto que poderia ser alvo de duplicada honra se aguardasse nos lugares derradeiros ser chamado para os primeiros assentos, o que lhe traria muito maior prestígio perante a coletividade.

-   Jesus ensina-nos que a melhor maneira de nos comportarmos na convivência social, nos relacionamentos interpessoais é seguindo o Seu exemplo, o Seu modelo. Ele conviveu entre nós e, portanto, mister se faz que Lhe sigamos as pisadas também neste aspecto da vida.

-    Neste mundo, tudo fazemos para a glória de Deus (I Co.10:31), estamos aqui neste mundo não só para glorificar ao Senhor, mas para que, por nossas atitudes, os homens também glorifiquem a Deus (Mt.5:16). Assim, em todo lugar que estivermos, lembremos que estamos a levar o nome de Cristo conosco e não podemos tomar o nome de Deus em vão (Ex.20:7; Dt.5:11), jamais podemos dar margem a escândalos (I Co.10:32; Mt.18:6,7), ou seja, a decepções e censuras ao Senhor e à fé por causa de nossa conduta.

-   Sendo esta a realidade, torna-se absolutamente necessário que, na nossa convivência com as pessoas, não sejamos presunçosos, mas ajamos com humildade, não querendo posições que não são as nossas e sempre nos posicionando considerando os outros superiores a nós, pois, se for o caso, seremos honrados, e o nome do Senhor, glorificado, jamais sendo envergonhados e, com isto, dando margem a que o nome do Senhor seja tomado em vão.

-    

-   Em nossos relacionamentos, devemos nos comportar com humildade, pois, humilhando-nos, seremos exaltados pelo Senhor, ao passo que todos os que se exaltam, serão inevitavelmente humilhados, pois a autoexaltação é, antes de tudo, uma desconsideração da soberania divina e de que devemos nos negar a nós mesmos.

II     – A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA (II) : O ANFITRIÃO

-   Mas Jesus não faz observação apenas aos convidados. Ele também se dirige ao anfitrião, que era um dos principais dos fariseus naquela cidade ou aldeia da Pereia.

-     O texto permite-nos inferir que Jesus foi chamado, como era esperado, a se assentar nos primeiros assentos, estando, assim, próximo ao anfitrião, de modo que pôde lhe dirigir palavras, conversar com ele, já que dele próximo estava.

-   Aquele principal dos fariseus havia convidado Jesus para aquela festividade porque o Senhor era famoso, havia se tornado uma “celebridade” naquele tempo. Passando pela Pereia, com destino a Jerusalém (Lc.9:51), o Senhor é, então, convidado por esta pessoa importante daquela localidade, para que, com ele, celebrasse a chegada do sábado.

-    Aquele homem, como já visto, não estava apenas convidando Jesus, diante da Sua fama, mas também queria testar o Senhor, tanto que a presença daquele hidrópico o confirma, pois queria saber se Jesus era, mesmo, aquela pessoa de se que se falava.

-   Jesus curou aquele homem hidrópico, fazendo, pois, um milagre na casa daquele homem, que, assim, tinha até que satisfeita a sua curiosidade, tendo, também, o Mestre mostrado o Seu conhecimento da lei, dando uma aula a respeito da guarda do sábado. Parecia, pois, que o anfitrião havia sido muito feliz na escolha do convidado daquela noite e que, portanto, a cerimônia tinha sido um “sucesso”.

-   Porém, o Senhor Jesus queria aprofundar o pensamento e as convicções daquele homem. Dirigiu-se a ele e lhe disse que ele, quando desse um jantar, não deveria chamar os amigos, os irmãos nem tampouco os parentes e vizinhos ricos, visando, com isso, também ser convidado por eles em outras oportunidades, querendo, com tais convites, conseguir alguma recompensa, alguma compensação, mas que que chamasse os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos, pessoas que não tinham como recompensá-lo, pois, fazendo isto, ele seria recompensado na ressurreição dos justos.

-   Aquele principal dos fariseus era, sem dúvida, um religioso escrupuloso e o convite a várias pessoas para participar com ele da celebração do sábado era uma prova deste seu zelo religioso. Tinha também tomado o cuidado de convidar Jesus para as bodas, o que não deixa de ser um gesto nobre e sábio.

-   Todavia, o que o motivava para a realização de tais cerimônias era o interesse próprio, que é irmão da presunção e soberba denunciados por Cristo aos convidados. O interesse próprio é nascido também do egoísmo, do individualismo e era também uma conduta que não se poderia esperar de quem estava disposto a adorar a Deus, a agradar o Senhor.

-    Em vez de se voltar para Deus, a quem se devia dedicar o tempo do sábado, o anfitrião dedicava-se a defender e a proteger os seus próprios interesses, convidando pessoas que, de alguma maneira, poderiam lhe beneficiar e lhe favorecer. O próprio convite a Jesus tinha sido feito com base neste interesse, pois, além de um certo prestígio diante de todos, o anfitrião poderia receber alguma benesse, fosse em conhecimentos e ensinamentos do Senhor, fosse na realização de algum sinal, como aliás, acabou ocorrendo.

-     No entanto, o Senhor Jesus quis ensinar aquele anfitrião que não podemos nos guiar pelos nossos interesses, não devemos buscar a satisfação daquilo que nos beneficia, daquilo que nos favorece, porque devemos agir desinteressadamente.

-   O servo de Deus recebe o amor de Deus em seu coração pelo Espírito Santo (Rm.5:5) e, por conta disso, age desinteressadamente, pois o amor divino não busca os seus próprios interesses (I Co.13:5).


-   Que interesse próprio Jesus defendeu ao Se despojar da Sua glória e vir a este mundo para nos salvar? Que interesse próprio, enquanto homem, defendeu ou buscou durante a Sua peregrinação terrena? Absolutamente nenhum!

-    Esta verdade espiritual trazida pelo Senhor àquele anfitrião precisa ser claramente entendida por nós. Aquele homem havia levado Jesus para a sua adoração a Deus, propusera ter, como vantagem, a realização de algum sinal e a ministração de algum ensinamento, tendo obtido ambas as coisas, mas Cristo fez questão de lhe dizer que ele não poderia mais agir daquela forma, mas, sim, agir desinteressadamente.

-   O anfitrião somente havia convidado pessoas ricas, que era seus amigos, irmãos, parentes e vizinhos, além de Jesus, mas visava, com isso, ser também convidado por eles para outras festividades, de modo a que se mantivesse nas “colunas sociais” da sua localidade. Agia por interesse próprio e isto, disse Jesus, não era correto nem bom.

-      Em nossos relacionamentos sociais, não podemos agir interessadamente, não podemos ser interesseiros. Não devemos criar, manter e sustentar relacionamentos em que tudo o que se objetiva é a vantagem própria, o crescimento individual.

-   Agir interessadamente é demonstrar um amor egoísta, em que se ama somente a si mesmo e onde se menospreza ou despreza o próximo, que é tratado como mero objeto ou simples instrumento do crescimento individual. Rebaixa-se o próximo, que é um ser humano e, como tal, imagem e semelhança de Deus, como se fosse uma coisa que está a nossa disposição para o nosso bem, como algo que pode ser usado e, posteriormente, descartado.

-   Este comportamento interesseiro não é, lamentavelmente, ausente das igrejas locais e dos ambientes frequentados pelos que cristãos se dizem ser. O apóstolo Paulo já denunciara aos filipenses a existência de pessoas quetais no meio dos salvos, ressaltando que seu filho na fé, Timóteo, não era deste naipe (Fp.2:19- 21).

-    Interesse, diz o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, significa “aquilo que é importante, útil ou vantajoso, moral, social ou materialmente”. Assim, o interesse é aquilo que achamos relevante, a que damos valor. Ao procurar convidar pessoas que lhe pudessem retribuir o convite, o anfitrião estava se considerando mais importante do que o próprio Deus que, em última análise, estava sendo adorado naquela cerimônia e, desta maneira, estava na mesma vala dos convidados que, também, se acham mais importantes ao buscar ocupar os primeiros assentos.

-   Se o anfitrião queria demonstrar seu zelo e piedade para com Deus, deveria convidar pessoas que não lhe poderiam retribuir, que não lhe dessem vantagem alguma, pois, aí, sim, estaria achando importante que todos adorassem ao Senhor, que a lei fosse observada, que o nome do Senhor fosse glorificado e, em virtude disto, seria, sim, recompensado por Deus quando viesse a ressurreição dos justos.

-    A menção que Jesus faz da recompensa na ressurreição dos justos não é à toa nem aleatória. O Senhor estava na casa de um fariseu e uma das doutrinas características do farisaísmo era a crença na ressurreição dos justos, o que os diferenciava dos saduceus (At.23:8).

-   Os fariseus criam na ressurreição dos justos, que chamavam de “ressurreição do último dia” (Jo.11:24) e procuravam observar a lei com todo zelo e rigor para poderem alcançá-la e ter a vida eterna (Dn.12:2).

-    Jesus mostra, então, àquele anfitrião que muito mais importante do que ter os favores de amigos, vizinhos, parentes e irmãos ricos, de ter uma notória posição social na localidade onde vivia, era alcançar esta ressurreição dos justos e, nela, ser devidamente recompensado pelo Senhor. Tal recompensa somente viria se ele não buscasse os seus interesses, mas, sim, satisfazer os interesses divinos, entre os quais, estava o bem-estar dos desvalidos, daqueles que nada tinham e que não podiam a ninguém convidar para, com eles, adorarem ao Senhor.

-    Isto porque estas pessoas completamente desamparadas mencionadas por Jesus eram o alvo do Senhor, eram cuidadas pelo próprio Deus (Dt.10:18; Sl.68:5), que, inclusive, havia criado institutos na lei de Moisés para suprir-lhes o necessário para sua sobrevivência, como a lei da respiga da colheita (Dt.24:19-21) e a lei dos dízimos do terceiro ano (Dt.26:12,13), entre outros.

-   Em nossos relacionamentos sociais, não devemos buscar os nossos interesses, mas, sim, os de Cristo Jesus. Devemos tudo fazer para a glória de Deus e agir de tal maneira que façamos o bem sem buscar, com este bem, tirar qualquer vantagem, seja de que ordem for, moral, social ou material.

-   Se somos realmente salvos, se somos movidos pelo amor de Deus, o amor “agape”, não podemos agir para ter vantagem, mas única e exclusivamente porque queremos o bem do outro e a supressão de suas necessidades, sabendo que, ao atuar desta maneira, Deus, que é o justo juiz de toda a Terra (Gn.18:25), saberá recompensar todos quantos realizaram boas obras neste mundo (Hb.6:10), pois o próprio Cristo disse estar com o Seu galardão para dar a cada um conforme a Sua obra (Ap.22:12).

III   – OS ENSINAMENTOS DA PARÁBOLA

-   Esta parábola é até um tanto quanto diferenciada da maioria das parábolas de Jesus, pois, em seu registro, Lucas prioriza mais os ensinamentos do que a própria narrativa, de forma que, ao longo da exposição da parábola, já apresentamos os ensinamentos dela, de forma que seremos bem sucintos neste ponto.

-    Jesus ensina-nos que devemos agir, nos relacionamentos sociais, que são necessários e inevitáveis, como Ele agiu em Sua peregrinação terrena: com humildade e com desinteresse.

-     Quem tem o amor de Deus em seu coração, por ter crido em Cristo Jesus, somente pode atuar humildemente, pois aprende com o Senhor, que é manso e humilde de coração, considerando, assim, todos os outros como superiores a si e, deste modo, jamais será instrumento de escândalo e contribuirá para que o nome do Senhor seja glorificado.

-     Quem tem o amor de Deus em seu coração, por ter crido em Cristo Jesus, somente pode atuar desinteressadamente, pois sabe que o que realmente é importante nesta vida é agradar a Deus e, desta maneira, não busca tirar proveito em suas ações, mas, sim, fazer bem precisamente a quem nada lhe pode favorecer, sabendo que, ao agir assim, receberá o devido galardão do Senhor.


FELIZ 2019

Colaboração para o Portal Escola Dominical – Ev. Caramuru Afonso Francisco