TEXTO ÁUREO = “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o
mundo, o amor do Pai não está nele” (1 J0 2.15).
VERDADE PRÁTICA = Consagração é exclusividade para Deus e
submissão diária a Ele da parte do crente; essa é a vontade de Deus.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 12.1,2,9-21
INTRODUÇÃO
Depois da
parte teológica na Epístola aos Romanos, o apóstolo começa a parte prática. E
um apelo apostólico a fim de que os cristãos vivam uma vida de consagração a
Deus. E o que Deus espera de todos os que desfrutam das bênçãos mencionadas
pelo apóstolo na primeira parte de Romanos.
1. ELEMENTOS
DO CULTO
1. “Rogo-vos” (v.1). No grego, o verbo é parakaleo, que vem de
duas palavras: para, uma preposição grega que significa “ao lado de”; e kaleo,
o verbo “chamar”, traduzido no Novo Testamento por “exortar, apelar,
recomendar, solicitar”. Deus não está exigindo, mas pedindo. Muitos expositores
da Bíblia se surpreendem com essa expressão. Disse um desses grandes
expositores:“Surpreendente expressão vinda de Deus! De um Deus contra o qual
havíamos pecado, e sob cujo juízo estávamos”.
2. “Apresenteis o vosso corpo (v.1)”. O verbo
“apresentar”, aqui, tem o sentido de “oferecer”. É um ensino extraído dos
sacrifícios que se ofereciam sobre o altar, no culto levítico. O hebreu
escolhia o melhor para sacrifício e uma vez oferecido a Deus, tal oferenda era
propriedade absoluta do Senhor.
3. Entrega total. É essa a analogia que o apóstolo faz no v.1,
com relação à nossa adoração a Deus. Deste modo o apóstolo exorta os crentes
para uma vida consagrada. O corpo é o invólucro da alma e do espírito, e é o
meio pelo qual revelamos o nosso interior (2Co 5.10). O mesmo corpo que no
passado era instrumento para o pecado, agora é o templo do Espírito Santo (1Co
3.16,17), para servir à justiça (Rm6.13).
4. “Sacrifício vivo” (v.1). O culto bíblico apresenta pelo menos cinco
elementos: oração, cântico, leitura da Palavra de Deus, pregação com o
sobrenatural ou testemunho e ofertas (1Co 14.26; 16.1-3).
A expressão
“sacrifício vivo” mostra o contraste com o serviço religioso externo de Israel
nos tempos do Antigo Testamento, pois era um ritual e praticado por força da
lei.
5. Culto. “Culto racional” é a adoração cristã, muito diferente do culto
do Antigo Testamento, onde se ofereciam criaturas irracionais. A palavra
“culto” é latreia, na língua grega do Novo Testamento e significa “serviço
sagrado, adoração”, de onde vem a palavra “liturgia”.
6. Racional. Do grego logikos, derivado do logos, “palavra, razão”, de onde
vem a nossa palavra “lógica”. Os principais dicionários de grego afirmam que
logikos significa também espiritual. A Nova Versão Internacional (NVI), no
rodapé, coloca como opção a tradução “culto espiritual”. Essa palavra só
aparece mais uma vez no Novo Testamento (1Pe 2.2), onde “leite racional” é
traduzido por “leite espiritual” na Versão Almeida Atualizada. Então,
“racional”, aqui, não se refere a racionalismo humanista, frio, sem vida e à
parte de Deus, mas algo espiritual. Isto é: culto espiritual, resultado da
sabedoria e da inteligência espiritual de Cl 1.9. Devemos oferecer a Deus um
culto vivo e espiritual.
II. O MUNDO
NÃO É PADRÃO PARA A IGREJA
1.0 cristão e o mundo (v.2). As palavras gregas para “mundo”
no Novo Testamento grego são kosmos e aion. Ambas significam o mundo físico e
também o pecado.
a) Mundo físico. “Vós sois a luz do mundo kosmos]” (Mt 5.13).
“Pela fé entendemos que os mundos [aionl pela Palavra de Deus foram criados”
(Hb 11.3).
b) Pecado. A palavra “mundo”,mencionada no (v.2), é aion, e refere-se ao
pecado. Aion tem o sentido de “sistema de coisas; século” e aparece, por
exemplo, na expressão. “deus deste século” (2Co 4.4).
2. “...mas transformai-vos” (v.2). A expressão
“Não vos conformeis com este mundo” significa que não devemos nos moldar ao
mundo. A transformação de nossa mente, e de nosso interior — transformação pelo
Espírito Santo (2Co 3.18) repele o modelo mundano. Por isso devemos nos
transformar pela renovação de nosso entendimento.
3. O que é mundanismo? Nenhum crente contesta o fato de que a
Bíblia condena o mundanismo. Isso é ponto inquestionável. Embora a palavra
“mundanismo” não se encontre na Bíblia, todavia, seu conceito sim. É tudo
aquilo que desagrada a Deus (Tg 4.4; 1Jo 2.15-16).
O conceito
de mundanismo nos dias dos apóstolos, segundo informa a Enciclopédia
Histórico-Teológica da Igreja Cristã, consistia nos teatros, jogos e
devassidão.
4. O mundanismo hoje. O mundanismo hoje está multiplicado em
relação aos tempos do Novo Testamento. Segundo a Bíblia de Estudo Pentecostal,
Satanás apresenta uma idéia mundana de moralidade, “das filosofias, psicologia,
desejos, governos, cultura, educação, ciência, arte, medicina, música, sistemas
econômicos, diversões, comunicação de massa, esporte, agricultura, etc, para
opor-se a Deus e ao seu povo, à sua Palavra e aos seus padrões de retidão”.
5. O contexto. Tudo isso deve ser analisado à luz de seu respectivo contexto.
Não é pecado ser médico nem o crente estudar medicina, O Diabo, porém, pode
usar, como tem feito, a medicina para destruir os valores cristãos: prática do
aborto e da eutanásia, etc. A ciência, para o ateísmo. A música, para o
sensualismo, O mesmo pode acontecer na política, nos sistemas econômicos, etc,
mas nem por isso a Bíblia condena alguém ser músico, cientista, político,
empresário. Tudo depende do contexto e da finalidade.
6. A vontade de Deus. Geoffrey B. Wilson afirma com muita
propriedade que os três adjetivos “boa, agradável e perfeita” mostram que a
vontade de Deus é definida no “que é moralmente bom, prescreve o que é
agradável a Ele, e provê um padrão que é eticamente completo (Mt 5.48)”.
Devemos influenciar o mundo para o bem e não sermos influenciados por ele, para
o mal.
III. O AMOR
FRATERNAL
1. A fraternidade. A segunda parte de Romanos apresenta o mesmo
tom das exortações de Jesus no Sermão do Monte. O texto dos vv.9- 21 trata do
amor fraternal, profundo, sincero e prático, sem hipocrisia, que deve reinar
entre os crentes, O amor, o respeito mútuo e a solidariedade constituem-se no
padrão para o Cristianismo.
2. O amor sincero. A partir do v.9 o apóstolo exorta os crentes
a observar alguns preceitos sociais, principalmente a comunhão fraternal. Quem
não ama ao seu próximo, não ama a Deus (1 J0 4.20). Esse amor deve ser sincero.
Isto é: em obras e em verdade, não só em palavras (1 J0 3.18). Essa era a
característica da Igreja no primeiro século
(At
2.42-47).
3. Amar os crentes e os inimigos. A grandeza
dessa passagem reside também no fato de o apóstolo nos exortar a amar e a
perdoar até mesmo os de fora (vv.14,17-21). Isso já fora dito por Jesus no
Sermão do Monte (Mt 5.42-48).
Devemos
procurar essa convivência pacífica com todos, até onde for possível: “Se for
possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens” (v. 18).
IV. SOBRE A
VINGANÇA
1. Não devemos retribuir mal por mal (v.19). A vingança
é prerrogativa de Deus, que é o Juiz de toda a terra (Gn 18.25); Ele como justo
Juiz (2Tm 4.8), além de soberano sabe fazer justiça. “Minha é a vingança; eu
recompensarei, diz o Senhor” (v.19) é uma citação de Dt 32.35. É difícil, mas é
possível, com a ajuda do Espírito Santo. Deus nos recompensará. Não é pecado
requerer seus direitos em juízo. O que não é cristão é um crente levar seu
irmão a juízo por questões litigiosas, causando escândalos, quando deveria
levar tais coisas ao pastor (1Co 6.1-8).
2. O exemplo de Jesus. Jesus fundou um império pelo amor.
Conquistou as almas pelo amor. Se ele tivesse o nosso ressentimento não teria
conquistado Saulo de Tarso, pois o mesmo teve participação na morte de Estêvão
(At 7. 58; 8.1-3; 22.20). Por isso que a nossa oração a Deus deve ser pela
salvação de tais pessoas. Nada melhor do que nosso testemunho e demonstração
sincera de amor por elas. Isso fala tão forte a ponto de muitos inimigos,
oponentes, persegui- dores e faladores se converterem.
CONCLUSÃO
Vida
consagrada envolve todo o nosso ser e em todos os aspectos da vida. E uma
entrega total ao Senhor que nos leva a estarmos cada vez mais próximos dEle e,
conseqüentemente, vivermos em amor com os nossos irmãos em Cristo. Assim,
teremos poder e graça para vencermos o mundo. E mais do que isso, com o nosso
testemunho de fidelidade ao Senhor, conquistarmos os não-crentes para Cristo.
Lições
Biblicas CPAD 2°. Trimestre 1998
OS FRUTOS DA JUSTIÇA DE DEUS = Romanos 12.1-21
Na seção doutrinária que acabamos de concluir, Paulo
anunciou O Evangelho da Justiça de Deus, ou o caminho da salvação. Este é o
caminho para a justificação através de Cristo, por meio do qual o pecador se
reconcilia com Deus pela fé (capítulos 1-5), e a seguir é santificado em Cristo
pela comunicação do Espírito (capítulos 6-8). Como a recusa de Israel em
aceitar a justiça proferida por Deus foi o que ocasionou a sua rejeição do
reino messiânico e a inclusão dos gentios nele, assim a futura aceitação desta
justiça por Israel representará a sua salvação definitiva (capítulos 9-11).
Mas quais são os frutos da justiça de Deus? O que é a vida
de salvação? Paulo esboça a sua resposta nesta seção prática. Nos capítulos
12-13, ele faz uma aplicação geral do amor ágape como a principal
característica da vida cristã, ressaltando como este princípio se manifesta,
tanto dentro como fora da comunidade cristã. A linguagem de Paulo nestes
capítulos mostra um compromisso com os ensinos de Jesus, como registrados nos
Evangelhos, e uma impressionante lista de paralelos pode ser traçada entre os
capítulos 12-13 e o Sermão da Montanha. Ele aplica o princípio ágape ao
problema das diferenças de opinião religiosa dentro da comunidade cristã
(14.1—15.13).
Estas duas divisões principais da Epístola correspondem à
diferença entre kerygma (a proclamação da salvação de Deus em Cristo) e didache
(instruções dadas aos crentes, particularmente na área da ética), encontrada ao
longo do Novo Testamento. Repetidas vezes, nas cartas de Paulo, a exposição
doutrinária é seguida pela instrução ética. Mas aqui, assim como em Efésios
(cf. Ef 4.1) a transição da doutrina à exortação é definida e, poderíamos quase
dizer, abrupta.
No entanto, é imperativo compreender o relacionamento vital
que existe entre as duas divisões da Epístola aos Romanos. A ética cristã se
baseia na graça de Deus. Em nenhum lugar Paulo tenta definir um cristão, e
deduzir a partir daí uma hierarquia de virtudes. Tão estranho seria a Halakha
farisaica, ou a Regra de Conduta, derivada de um código fixo de mandamentos
considerados divinos e inalteráveis. “Ele não pensa na conduta correta como em
conformidade com um código nem como adicionando virtude sobre virtude numa
disciplina de autoconhecimento. E a colheita do Espírito - uma reação
espontânea do espírito interior de um homem, controlado pelo Espírito de Deus,
às sucessivas situações nas quais ele se encontra ao viver com outros homens em
sociedade”. Tudo o que o apóstolo faz nesta seção, portanto, é indicar uma
maneira geral como o Espírito de Cristo irá levar um crente a se comportar
tanto dentro da igreja quanto na sociedade em geral.
E por esta razão que esta divisão recebe o título de “os
frutos da justiça de Deus” (cf. G1 5.22-23). Qualquer tentativa de esquematizar
esta seção de forma muito organizada e lógica será inútil. Nós concordamos com
a observação de John Knox: “Muitas propostas já foram feitas, e a que adotamos
aqui provavelmente não seja melhor que muitas outras”
A Base da É tica Cristã, 12.1-2
1. Consagração (12.1)
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que
apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o
vosso culto racional.
Em uma das melhores passagens no seu comentário definitivo
sobre a Epístola aos Romanos, Godet mostra como, pois (oun) é o elo conector
entre as duas partes da Epístola. A religião antiga, ele nos recorda, era um
culto (latreia), ou cultus, que se centrava no sacrifício (thysia). Em
Levítico, são listados quatro tipos de sacrifícios; mas eles podem ser
reduzidos a somente dois: o primeiro, abrangendo aqueles sacrifícios oferecidos
antes da reconciliação e os que visavam obtê-la (a oferta pelo pecado e a
oferta pela desobediência); o segundo, os sacrifícios oferecidos depois da
reconciliação e para celebrá-la (toda a oferta do holocausto e a oferta
pacífica). Ele vê as grandes divisões da Epístola aos Romanos como explicadas
por este contraste:
A idéia fundamental da
primeira parte, capítulos 1-9, era a do sacrifício oferecido por Deus pelo pecado
e pela desobediência da humanidade; testemunha isso a passagem central, 3.25 e
26. Estas são as compaixões de Deus às quais Paulo apela aqui, e o
desenvolvimento do que foi o tema dos primeiros onze capítulos. Aparte prática
que estamos iniciando corresponde ao segundo tipo de sacrifício, que era o
símbolo da consagração depois do recebimento do perdão (o holocausto, no qual a
vítima era totalmente queimada) e da comunhão restabelecida entre Jeová e o
crente (a oferta pacífica, seguida por um banquete no pátio do templo). O
sacrifício da expiação oferecido por Deus na pessoa do seu Filho agora deveria
encontrar a sua resposta no crente no sacrifício de uma completa consagração e
de uma íntima comunhão.
Rogo (parakalo) pode ser traduzido como “eu exorto”
(Wesley), “eu apelo” (RSV), “eu insisto” (NASB), “eu imploro” (NEB). E
diferente de um mandamento legal porque apela para um sentimento já existente
no coração, a compaixão de Deus (tonoiktirmontoutheou, “as compaixões de Deus”;
cf. 9.156).
A palavra também pode significar “confortar”. “Exortar é
falar palavras calculadas, para levar à ação ou à perseverança”.
“Em grato reconhecimento ao que Deus na sua infinita
compaixão fez por você, ao perdoar os seus pecados e ao receber você de volta à
sua graça através de Cristo, eu exorto você a fazer a Ele uma consagração
completa do seu corpo em sacrifício vivo”. Este é o apelo de Paulo aos irmãos
romanos (adelphoi] cf. 1.13).
Apresenteis (parastesai) não é por si um termo de
sacrifício. Em 6.13,16, 19 é traduzido como entregar e também apresentar, e é
usado para expressar a idéia de colocar o corpo à disposição de Deus ou do
pecado (cf. também 2Co 4.14; 11.2; Ef 5.27; Cl 1.22, 28). Parastesai é aoristo
e, portanto implica que a consagração é um ato (cf. comentários sobre 6.13). O
cristão é exortado a apresentar o seu corpo de uma vez por todas para o serviço
a Deus. Por isso a consagração também é uma atividade, “uma crise e um
processo... um presente e uma vida”.
Os cristãos romanos são exortados a apresentarem o seu corpo
(tasomata) e o entregarem à disposição de Deus. Sanday e Headlam insistem que
tasomata deve ser interpretado literalmente, como “vossos membros” em 6.13. “Os
nossos membros devem ser hopladikaiosunestotheo (6.13); os nossos corpos
(tasomata) devem ser mele Christou (1 Co 6.15); eles são o templo do Espírito
Santo (ib. versículo 19); nós devemos ser puros, tanto no corpo quanto no
espírito (ib. 7.34)”. Mas certamente Sanday e Headlam estão errados em
contrastar tasomata com tounoos no versículo 2. Denney observa que vossos
corpos em 12.1 não é exatamente a mesma coisa que “vos” (vós mesmos) em 6.13,
“e não deve ser colocada nenhuma ênfase nas palavras como se Paulo estivesse
exigindo a santificação do corpo em oposição ao espírito: o corpo está em
estudo aqui como o instrumento pelo qual todo o culto humano é transmitido a
Deus, e o culto que ele traduz, da maneira suposta, não é um culto de corpo mas
sim espiritual”. Na psicologia bíblica, o corpo e o espírito são uma unidade
(cf. os comentários sobre 6.6). O corpo do cristão é “a sua personalidade
individual agindo como um todo concreto”.
Esta pessoa completa deve se tornar um sacrifício vivo para
Deus. Crisóstomo pergunta:
Como pode o corpo se tornar
um sacrifício? Deixe que o olho não veja nada mau, e ele se torna um
sacrifício; permita que a língua não diga nada vergonhoso, e ela se torna uma
oferta; deixe que a mão não faça nada ilegal, e ela se torna uma oferta em
holocausto. Não, isto não será suficiente, mas precisamos ter a prática ativa
do bem - a mão precisa dar esmolas, a boca precisa abençoar em lugar de
amaldiçoar, o ouvido precisa dar atenção sem cessar aos ensinamentos divinos.
Pois um sacrifício não tem nada impuro, um sacrifício é a primícia de outras
coisas. Portanto, que nós possamos produzir frutos para Deus com as nossas
mãos, com os nossos pés, com a nossa boca, e com todos os nossos outros
membros.
Este sacrifício é vivo (zosan) em oposição aos sacrifícios
do Antigo Testamento, onde o sacrifício era composto por animais mortos. Nós só
morremos para o pecado, e podemos viver completamente para Aquele que morreu
por nós e ressuscitou (cf. 6.11; 2Co 5.14-15, NASB, RSV). Audrey J. Williamson
comenta sobre a expressão apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo: “Esta é
a palavra-chave para a vida exterior de um cristão. Significa mais do que
entregar-se ou render-se: nós devemos ser consumidos... sobre o sagrado altar
do culto a Deus”. Assim como o soldado se sacrifica pelo seu país em tempos de
guerra, ou o cientista se sacrifica para obter mais conhecimento médico que
será usado para a cura da humanidade, também o Cristo se oferece pelo Reino.
Isto implica num constante sacrifício da vida física pelo bem da espiritual, no
sentido mencionado por Paulo em 1 Coríntios 9.24-27.
O sacrifício que oferecermos a Deus também deve ser santo
(hagian). A vida cristã deve ser a antítese de 1.24. O cristão deve admitir que
o seu corpo pertence a Deus e que deve ser separado para o seu uso. Ele deve
estar sem pecado, e tornar-se verdadeiramente “o templo do Espírito Santo” (1Co
6.19-20; cf. 1 Pe 1.14-16). “Observe que o caminho foi preparado para esta
prescrição em 6.13, 19, 22. Isto significa que a moralidade é erguida a partir
da esfera das convenções, ou dos expedientes calculados, e associada com tudo o
que é mais grandioso e profundo no universo da nossa experiência”.
Um sacrifício assim será agradável a Deus (totheoeuareston,
bastante agradável a Deus; cf. 14.28; 2 Co 5.9; Ef 5.10; Fp 4.18). “Este corpo,
cheio de vida e constantemente empregado para o bem, irá representar um
espetáculo bastante agradável aos olhos de Deus; ele será uma ‘oferta de cheiro
suave’ no sentido do Novo Testamento”.
Além disso, diz o apóstolo, esta oferta é o vosso culto
racional (tenlogikenlatreianhymon). E difícil encontrar uma tradução
satisfatória para esta expressão. Etimologicamente, logike significa
“pertinente a logos, ou razão”, e, portanto implica num culto que é condizente
com uma criatura racional. Epicteto declarou: “Se eu fosse um rouxinol, eu
faria o que é próprio de um rouxinol... mas se eu sou verdadeiramente uma
criatura racional (logikos), devo louvar a Deus”. Aversão RSV traduz a
expressão como “a sua adoração racional”; a NASB, como “o seu culto espiritual
de adoração”; a NEB, “a adoração oferecida pela mente e pelo coração” (marg.,
“a adoração que vocês, como criaturas racionais, deveriam oferecer”). A palavra
culto (latreia) foi usada em 9.4 como “culto a Deus” ou “adoração” (RSV; cf.
NEB, “a adoração no templo”) ordenada aos israelitas. Logikelatreia então
parece significar “o culto da obediência, como a única resposta razoável ou
lógica à graça de Deus”. Barth opina que deveria ser traduzida como “a sua
adoração lógica”. “É lógico, é razoável que a vida do homem a quem Deus
concedeu a misericórdia seja... uma vida tal... como deveria ser apresentada a
Deus”.
2. A Completa Santificação
(12.2)
No versículo 2, temos uma continuação do pensamento do
versículo 1: E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável e perfeita vontade de Deus. A palavra e (kai) aqui significa: e isto
quer dizer. Ser sacrificado no corpo e consagrado ao serviço a Deus implica que
nós: 1) não nos conformemos com este século (aioni), mas 2) nos transformemos
em membros condizentes com o século futuro. “O contraste entre esta época e a
época futura obviamente está na mente de Paulo quando ele usa estes verbos
contrastantes”.
Esta época, em oposição à época futura (cf. Ef 1.21) é “má”
(G1 1.4). Satanás é o “deus” deste século (2Co 4.4). Todos nós, na nossa condição
não regenerada, “andávamos, segundo o curso deste mundo... nos desejos da
nossa carne” (Ef 2.2-3). Mas como homens de fé fomos ressuscitados com Cristo e
transferidos para o seu reino celestial (Ef 2.4-10; cf. Cl 1.13). Quando Cristo
ressuscitou dos mortos “as virtudes do século futuro” (Hb 6.5, NASB) entraram
em funcionamento na história. Aqueles que morreram com Cristo e ressuscitaram
com Ele para a novidade de vida (6.4) se tornaram membros da era futura. “Em
Cristo eles entraram na nova época: já receberam as primícias do Espírito
(8.23) e já não estão sob as obrigações da carne, mas sim do Espírito (8.12)”.
Aqui as obrigações desta nova vida em Cristo são expressas
de uma nova maneira. Os cristãos não devem conformar-se (syschematizesthe) com
esta época, mas transformar-se (metamorphousthe, lit. “serem metamorfoseados”)
pela constante renovação (anakainosei) do entendimento (tounoos). Eles têm um
modelo atual que deve ser rejeitado, e um novo padrão para ser compreendido e
executado.
O modelo a ser rejeitado é aquele que lhes é apresentado
pela época atual, ou, como poderíamos dizer, o costume reinante do mundo. A
palavra schema indica a maneira de comportar-se - a atitude, a postura; e o
verbo schematizesthai, usado aqui e derivado dela, significa a adoção ou a
imitação desta atitude ou postura. O crente consagrado não deve somente
rejeitar o costume do mundo, ele deve ser metamorfoseado. A palavra morphe,
“forma”, indica não uma postura externa adequada para a imitação, como schema,
mas uma forma orgânica, o produto natural de um princípio de vida que se
manifesta assim. Sanday e Headlam parafraseiam: “Não adotem a moda exterior e
transitória do mundo, mas sejam transformados na sua natureza íntima”. Phillips
traduz: “Não permitam que o mundo à sua volta obrigue que vocês se moldem a
ele, mas deixem que Deus molde os seus pensamentos interiores”.
O verbo grego é traduzido como “transfigurar” nos relatos da
transfiguração em Mateus 17.2 e Marcos 9.2. A transformação, ou a
transfiguração, se inicia do lado de dentro e é uma obra de Deus.
Godet ressalta que esta exortação dupla se refere a “dois
atos contínuos e incessantes que ocorrem com base na nossa consagração,
realizada de forma definitiva”, de uma vez por todas. Transformai-vos tem a
força de “continuem sendo transformados”. Ao invés de nos entregarmos às
influências que tendem a nos moldar à semelhança das coisas que estão ao nosso
redor, devemos, dia após dia, empreender uma mudança na direção oposta. O único outro lugar em que este verbo
aparece, no Novo Testamento, é em 2 Coríntios 3.18, onde Paulo declara que os
crentes “estão sendo transformados” à semelhança de Cristo, “de glória em
glória”, pela operação do Espírito (NASB, RSV). Como Denney nos lembra, este
processo é descrito adequadamente como santificação, Veja os comentários sobre
6.13,19,22 (cf. também 15.16).
Aqui o apóstolo explica que esta transformação se dá pela
renovação (te anakainosei) do vosso entendimento (tounoos). A palavra renovação
vem do adjetivo kainos, que “denota o que é novo, basicamente com referência à
qualidade, o que não é antigo”. Deus entrega à “cegueira” a mente daqueles que
o rejeitam (1.21), para que os valores morais já não apareçam sob a sua
verdadeira luz. O resultado é a depravação do homem como um todo (1.28).
Mas para aqueles que crêem, Deus retribui com o poder da
visão moral correta. Rejeitar os julgamentos convencionais da sociedade e
sentir a graça da santificação completa significa receber um discernimento novo
e independente das realidades morais.
“E, como o caráter de um homem é formado pela sua avaliação
do que é bom e do que é mau, a restauração da visão moral gradativamente
transforma todo o ser do homem”.
Parece haver a sugestão adicional da resistência moral. A
nous do pecador desperta do percebe, até certo ponto, a lei de Deus, mas está
muito fraca para libertar-se da escravidão do pecado (7.14-25). A idéia da
renovação aqui, portanto, sugere um poder moral renovado pela ação do Espírito
Santo, para que a mente que percebe a vontade de Deus com clareza crescente
reine e seja vitoriosa. “Os nossos corpos devem ser puros e livres de todas as
manchas da paixão: a nossa ‘mente’ e o nosso ‘intelecto’ não devem mais estar
escravizados pela nossa natureza carnal, mas sim renovados e purificados pela
dádiva do Espírito Santo”.
Em outra Epístola, Paulo diz: “nós temos a mente [nous] de
Cristo” (1Co 2.16). Esta é a capacidade de experimentar (dokimazein, “apreciar”
ou “discernir”) qual seja a vontade de Deus (ou seja, aquela que é) boa
(agathon), agradável a Deus (euarestonf1 e perfeita (teleion, que nos permite
perceber o verdadeiro fim da nossa existência hu mana e também a nossa
perfeição). Dodd comenta: “podemos nos lembrar de que os nossos psicólogos
consideram o impulso em direção à perfeição como ‘o impulso mais motivador da
vida’, e com freqüência o encontram na base da ética ‘natural’.
Consequentemente, a vontade de Deus para o homem não é
alguma forma misteriosa e irracional de santidade (como a que leva às
distinções supersticiosas dos dias, e da comida, e de coisas semelhantes a
essas; veja o capítulo 14). Ela consiste naquele tipo de vida que o
entendimento renovado do homem cristão pode provar que é bom em si mesmo,
satisfatório e completo.
Em 12.1-2 vemos que “o chamado cristão” é para a: 1)
consagração - apresentai vossos corpos; 2) separação - não vos conformeis; 3)
transformação - transformai-vos (Ralph Earle).
O Amor Cristão Dentro Da Igreja.
1. A Humildade do Amor (12.3-8)
Paulo começa dizendo Porque... Digo (3). A palavra porque
igar) sugere que “a humildade é o efeito imediato da auto-entrega a Deus”. Ele
exemplifica isto com o seu próprio caso. Ele fala pela graça (charitos) dada a
ele como um apóstolo (1.5; 15.15), e, portanto, sem nenhum orgulho. Mas ele fala
com a autoridade outorgada por Deus proporcionalmente com a sua graça, e,
portanto, coloca a sua compreensão e o seu amor cristãos a serviço da igreja.
Ele fala a cada um dos homens (panti) na congregação romana, pois a cada um
(ekasto) é dada alguma dádiva (ou dom) espiritual (cf. v. 6).
A exortação do apóstolo é que não se saiba mais do que
convém saber, mas que se saiba com temperança. Em grego aqui existe um jogo de
palavras: phronein eis tosophronein: “Transformar a phronein, a energia da
mente, em um sophronein, um reconhecimento dos seus limites, e o respeito por
eles”. A temperança é uma das virtudes gregas, que Aristóteles colocou ao lado
da coragem, em sua obra Ética a Nicômaco. Para ele, significa a saúde da mente,
a discrição, a moderação, especialmente com respeito aos sentidos.
Mas para Paulo, a temperança é determinada por uma
referência diferente; o seu pensamento está centrado em Deus. Devemos saber com
temperança, conforme a medida da fé (metronpisteos) que Deus repartiu a cada
um. Cada crente recebeu de Deus um charisma (cf. v. 6), um dom de fé “que Deus
atribuiu a ele” (RSV). A fé aqui significa “a fé que realiza”, o poder de Deus
que realiza coisas (cf. 1 Co 13.2). “As opiniões dos homens sobre si mesmos devem
estar na proporção não das capacidades naturais, mas sim das dádivas de Deus;
se isto ocorrer, eles jamais serão orgulhosos (mesmo que Deus os chame para
serem apóstolos), pois se lembrarão de que não têm nada que não tenham recebido
(1Co 4.7)”. Este reconheci mento corta a raiz-mestra do orgulho. Ele capacita
o ser humano a “ter uma visão saudável de si mesmo” (Moffatt).
A idéia de Paulo aqui, conseqüentemente, está de acordo com
a de Aristóteles e dos éticos gregos, mas o histórico religioso dos ensinos do
apóstolo confere um significado mais profundo ao conceito “conheça-se a si
mesmo”, ao mesmo tempo indicando a maneira de colocar isto em prática.
A humildade cristã ainda tem outra base. Estar “em Cristo”
significa estar incorporado num contexto social no qual o individualismo pode
ser dominado por uma preocupação amorosa de servir aos demais. Porque assim
como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma
operação, assim nós, que so mos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas
individualmente somos membros uns dos outros (4-5). Para Paulo, a igreja é o
corpo de Cristo.
O conjunto assim como... Assim indica que nós temos aqui
somente uma comparação ou analogia, mas o significado é claro: “em Cristo”
somos uma comunidade corporativa. Os crentes têm funções variadas que, não
obstante, são essenciais para o funcionamento adequado do corpo que eles
formam; portanto, não há lugar para que alguém pense coisas muito grandes a seu
próprio respeito. O significado integral deste pensamento de Paulo fica claro
se lermos 1 Coríntios 12, como um comentário a este respeito. Qualquer dádiva
que alguém tenha recebido condiciona aquele indivíduo para uma linha de serviço
particular, à qual ele deve se dedicar.
Portanto, o apóstolo prossegue: De modo que, tendo
diferentes dons, segundo a graça que nos é dada (cf. v. 3): se é profecia, seja
ela segundo a medida da fé (6).
A palavra dons (charismata) apareceu diversas vezes, com diferentes
significados (1.11; 5.15; 6.23; 11.29); “Aqui ela significa uma atualização, uma
expressão prática, da graça ( charis) de
Deus, sob a qual a igreja permanece. Neste sentido toda a vida da igreja, e não
apenas o seu ministério, é ‘carismática” Profecia é o dom do discurso
inspirado; algumas vezes, mas não todas, incluía o poder da predição (At
11.27-28; 21.10-11).
O significado de fé (tespisteos) aqui é o mesmo do versículo
3 (veja os comentários sobre aquele versículo). Medida (analogian) tem
provavelmente o mesmo significado do versículo 3. A expressão grega tespisteos
pode ser traduzida como “a fé” no sentido da “fé Cristã”, mas isto não parece
ser o que Paulo quer dizer. Como outros cristãos, o profeta precisa ter
temperança a respeito da sua atividade e importância.Paulo prossegue: se é
ministério (diakonian), seja em ministrar (7). Diakonia significa simplesmente
“serviço” (NASB, RSV) e era usada de maneira geral para todo o serviço cristão
(11.13; 1Co 12.5; Ef 4.12), ou especificamente para o ministério das
necessidades temporais e do corpo (1 Co 16.15; 2 Co 8.4; cf. o que reparte, o
que exercita misericórdia, v. 8). Já estava a caminho de tornar-se um termo
técnico (cf. diácono em 16.1; Fp 1.1; 1Tm 3.8; cf. At 6.1-4).
Os versículos 7-8 acrescentam: Se é ensinar, haja dedicação
ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar. Colocada ao lado de
ensinar, a palavra exortar sugere pregação. Sobre o significado de exortação
(dom de exortar), veja os comentários sobre o versículo 1. No entanto, Barrett
nos lembra que precisamos evitar fazer uma distinção muito precisa entre
ensinar e exortar. “Cada um destes termos significa uma comunicação da verdade
do evangelho ao ouvinte, efetivada de diversas maneiras: em uma delas, é
explicada - em outra, é aplicada. Contudo, esta comunicação nunca deve ser
explicada sem ser aplicada, nem aplicada sem ser explicada”.
O que reparte, faça-o com liberalidade (8; enaploteti, NASB,
RSV; “com todo o seu coração”, NEB). Esta é a generosidade liberal e sincera
que vem da compaixão e da sinceridade de propósito (cf. Mt 6.1-4). (O que
preside (hoproistamenos), com cuidado Genspoude, “com zelo”, RSV). Esta pode
ser uma exortação aos pais cristãos para que presidam os seus lares com
diligência (1Tm 3.4). Também pode ser dirigida àqueles que presidem as igrejas
(1Ts 5.12; 1 Tm 5.17). Não há qualquer indicação no Novo Testa mento de que o
“presidente” presidia um culto cristão de pregação e ensino (como o presidente
de uma sinagoga judaica), na Ceia do Senhor, ou em uma reunião da igreja
convocada com objetivos de deliberação ou disciplina. Também não está claro se
este trabalho ou função era exercido conjunta ou alternadamente com outras
pessoas. Entretanto, era um charisma do Espírito tanto quanto a profecia ou os
ensinos.
O que exercita misericórdia, com alegria sugere que quando
um homem pratica a caridade, deve fazê-lo com um coração alegre. “Para um
cristão, a caridade é uma alegria e não uma obrigação”.
Baseando-se em 12.6-8, Maclaren faz um comentário sobre
“Graça e Graças”. 1) A graça que dá os dons, 6a; 2) As graças que vêm da graça,
6ò-8; 3) O exercício das graças, 6b-8.
2. A Sinceridade do Amor (12.9-13)
Esta seção se inicia com: O amor (ágape) seja não fingido
(anypokritos, “sem hipocrisia”, NASB; “genuíno”, RSV; “com toda a sinceridade”,
NEB). Em 1 Coríntios 12, a lista dos dons do Espírito leva à conclusão (no
capítulo 13) de que o amor ágape é maior que todos os dons. Aqui a linha de
pensamento é a mesma, embora a ligação não esteja expressa.
Para Paulo, como também para João (1Jo 4.7-10), ágape é a
natureza essencial de Deus, a sua bondade redentora expressa concretamente na
cruz (5.8). Ele é derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (5.5) e,
assim, é o dom supremo e abrangente do Espírito (1Co 12.31—13.13).
Não é por acaso que ágape aqui, assim como em outras partes
dos textos de Paulo, seja mencionado em primeiro lugar entre as virtudes da
vida cristã. Por exemplo, quando ele enumera “o fruto do Espírito”, ágape é
menciona do em primeiro lugar (Gl 5.22). Não é porque o amor seja simplesmente
a primeira em uma série de virtudes comparadas, mas porque ele é a manifestação
abrangente do Espírito (veja Gl 5.6; 1Tm 1.5). Se o amor for sincero, tudo
aquilo a que Paulo exorta a igreja virá a seguir.
No entanto, ágape não é um sentimentalismo insípido; é uma
qualidade moral vigorosa. Quando é genuíno, ele aborrece o mal e se apega ao
bem. Sobre Cristo, que foi a encarnação do amor de Deus, está escrito: “Amaste
a justiça e aborreceste a iniquidade” (Hb 1.9). Sempre existe alguma coisa
inexorável sobre o amor divino; ele nunca fecha os olhos para o mal. Ágape é o
amor santo.
Embora ágape seja universal (cf. Mt 5.43-48), ele tem uma
manifestação especial dentro da comunhão cristã. Paulo exorta: Amai-vos
cordialmente (philostorgoi - “um termo adequado para a afeição familiar”)41uns
aos outros com amor fraternal (te philadelphia; 10). A palavra philadelphia
significa literalmente “amor fraterno”, isto é, o amor que une os filhos de
Deus como uma família (cf. 2 Pe 1.7). “A pureza moral requerida no versículo 9
não é a única marca do amor cristão; como são membros de uma família, o seu
amor deve ter a característica de uma forte afeição natural (síorge); deve ser
caloroso, espontâneo e constante”. Além disso, o amor sincero considera os
demais: preferindo-vos em honra uns aos outros (cf. 1 Co 13.5; Fp 2.3). A
versão NASB traduz esta passagem com o sentido de “dar preferência uns aos
outros em honra”.
O cuidado em todas as nossas obrigações cristãs é a
conseqüência natural do ágape que enche os nossos corações. Não sejais
vagarosos no cuidado (11; te spoude me okneroi) significa literalmente “não
esmoreçais no cuidado”.
As frases seguintes mostram que as palavras estão sendo
usadas em um sentido espiritual. A respeito de Jesus foi dito: “O zelo da tua casa
me devorará” (Jo 2.17; cf. SI 69.9). Quando o amor que o movia habitar em nós,
seremos fervorosos no espírito (topneumatizeontes). “A comparação com ‘o
Senhor’ mostra que aqui ‘Espírito’ não significa o espírito humano, mas sim o
Espírito Santo”. A versão RSV traduz o versículo 11 como: “No zelo, não sejais
remissos; no espírito, sede fervorosos - servi ao Senhor”.
A exortação continua: alegrai-vos na esperança, sede
pacientes na tribulação, perseverai na oração (12). Sobre esperança, veja os
comentários sobre 5.2; sobre tribulação, 5.3; sobre paciência, 2.7; sobre
perseverar na oração, cf. 1 Ts 5.17.
A vida cristã, com todo o seu cuidado fervoroso, nunca pode
estar tão ocupada “fazendo” que deixe de olhar além de toda a atividade humana
- na esperança que suporta a tribulação e na oração que traz uma constante
renovação no Espírito Santo.
O apóstolo faz duas aplicações de ágape na comunidade
cristã: comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade
(13). Sobre santos, veja os comentários sobre 1.7. Desde o princípio, a
hospitalidade era reconhecida como uma das principais virtudes cristãs. Os
primeiros cristãos se consideravam como o novo povo de Deus espalhado entre as
nações, e, portanto se uniam como membros de um corpo e como irmãos em uma
família. A expressão prática desta convicção exigiria que aonde quer que eles
fossem, de um lugar a outro, encontrariam um lar entre os cristãos da cidade
que estivessem visitando. Veja Hebreus 13.2; 1 Timóteo 3.2; Tito 1.8; 1 Pedro
4.9.
C. O Amor Cristão Fora Da Igreja
1. Amando os Nossos Inimigos (12.14-21)
Agora o apóstolo compõe uma passagem que ecoa notavelmente
os ensinos de Jesus no Sermão da Montanha: abençoai aos que vos perseguem;
abençoai e não amaldiçoeis (14; cf. Mt 5.44; Lc 6.28). É esta capacidade do
ágape para abençoar os que vos perseguem que se ergue acima de todo o amor
humano. “Se amardes os que vos amam, que galardão tereis?” (Mt 5.46-47). O amor
humano é condicionado pela bondade ou pela capacidade de sermos amados por aqueles
a quem amamos; ágape é incondicional neste sentido - ele se dá espontaneamente
pelos seus inimigos (5.8-10). Na experiência cristã, este amor é essencialmente
o próprio ágape de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (5.5;
cf. 1 Jo 4.10, 19). Foi este amor, demonstrado pelo mártir Estevão, que marcou
profundamente a consciência de Paulo e que ajudou a preparar o caminho para a
sua conversão (cf. At 7.54-60).
O amor reinante nos nossos corações nos impele a obedecer à
ordem seguinte do apóstolo: Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os
que choram (15). Crisóstomo observou que é preciso mais graça cristã para
alegrar-se com os que se alegram do que para chorar com os que choram. A
“natureza” nos capacita a chorar com um ser humano que sofreu alguma
calamidade, mas alegrar-se com outra pessoa na sua felicidade requer o amor
divino “não somente para evitar a inveja, mas até mesmo para sentir prazer com
a pessoa em questão”. Ele sugere que este é o motivo pelo qual Paulo coloca esta
exortação em primeiro lugar.
O apelo seguinte parece se aplicar diretamente à comunidade
cristã: Sede unânimes entre vós (16). Gifford parafraseia: “Que cada um entre
nos sentimentos e desejos do outro para formar uma única mente com ele”. Existe
uma passagem paralela em Filipenses 2.2-4, onde a ordem de “sentir o mesmo” é
seguida por uma afirmação da única maneira segundo a qual isto é possível, em
um sentido cristão: “Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus” (Fp 2.5).
As ordens negativas que se seguem ajudam a reforçar a idéia
de Paulo de que elas impedem aquilo que iria destruir a unanimidade do amor.
Não ambicioneis coisas altas (tahypsela; cf. comentários sobre v. 3), mas
acomodai-vos às humildes (toistapeinoissynapagomenoi). Embora o contraste com
tahypsela tenha feito com que alguns considerassem que toistapeinois também
fosse neutra, a maioria dos tradutores assume a última expressão como
masculina. “Não sejam orgulhosos em pensamento, mas associados aos humildes”
(NASB; cf. RSV e NEB). Phillips traduz:
“Não se tornem esnobes, mas tenham um verdadeiro interesse
pelas pessoas comuns”. Não sejais sábios em vós mesmos é uma citação de
Provérbios 3.7.
A próxima exortação de Paulo novamente amplia as obrigações
cristãs: A ninguém torneis mal por mal (17; cf. 1 Ts 5.15; 1Pe 3.9). Ninguém
(medeni) significa “ninguém, seja cristão ou não”. Nada poderá jamais
justificar a vingança em um coração cristão (cf. Mt 5.38-48). O cristão deve
ser um exemplo da nobreza de espírito.
Procurai as coisas honestas perante todos os homens
provavelmente deveria ser traduzido como: “Considerem o que é nobre à vista de
todos” (RSV). Um cristão não pode curvar-se à mesquinhez de espírito; até mesmo
a consciência pagã condena a conduta ignóbil.O cristão deve ser uma pessoa de
paz, sempre lutando pelas relações pacíficas com os seus semelhantes no mundo.
Esta é uma das obrigações sociais básicas de ágape.
Assim, Paulo prossegue: Se for possível, quanto estiver em
vós, tende paz com todos os homens (18). O homem em Cristo irá até onde for
necessário para manter uma relação harmoniosa com todos os homens.
Se acontecer algum antagonismo, como quase inevitavelmente
irá acontecer, a provocação não deve partir do lado cristão. Quando acontecer o
conflito, ele deverá manter um espírito de perdão, deixando a cargo de Deus a
questão da sua vingança. Coerentemente, lemos Não vos vingueis a vós mesmos,
amados, mas dai lugar à ira (19; dote topon te orge, “dai lugar, ou espaço, à
ira de Deus”, cf. 2.5-6).
O significado é: “Não tomem a justiça nas suas próprias
mãos; deixem que a ira de Deus seja aquela que pune” (cf. Ef 4.27), porque está
escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor (de Dt 32.35; a
versão LXX apresenta: “No dia da vingança, eu recompensarei”).
Agora Paulo cita Provérbios 25.21-22 exatamente como a Septuaginta
(LXX). Por tanto (alia, “mas”), se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer;
se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo
sobre a sua cabeça (20). O apóstolo não quer dizer que nós devamos ser
consolados pela nossa bondade com o conhecimento de que o nosso inimigo será
punido. Isto representaria um motivo mal-intencionado.
Esta atitude seria completamente contrária ao significado de
ágape e estaria contrariando o contexto tanto da passagem de Provérbios quanto
da passagem que estamos analisando. A intenção de Paulo é esclarecida com a
próxima exortação:
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (21).
O seu pensamento é o mesmo do Mestre, expresso em Mateus 5.38-42. O que nós
fizermos precisa ser para o bem do nosso inimigo; pelo poder de ágape,
precisamos tentar fazer dele um amigo e um filho de Deus. “As brasas de fogo
devem significar - como a maioria dos comentaristas desde Agostinho tem
afirmado - ‘as dores cruciais da vergonha’ que um homem sentirá quando o bem
for a recompensa do mal, e que podem produzir o remorso, a penitência e a
contrição”.
Dodd opina que a última sentença deste capítulo é “um
notável resumo do ensino do Sermão da Montanha, acerca do que é chamado de
‘não-resistência’”, e expressa, na sua opinião, “o elemento mais criativo na
ética cristã”.
Evangelista Isaias Silva de Jesus
Igreja Evangélica Assembléia de Deus
Ministério Belém Em Dourados – MS
Comentário Bíblico Volume 08 -Romanos e 1 e 2
Corintios
A VIDA
SEGUNDO O ESPÍRITO
TEXTO ÁUREO = “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o
mundo, o amor do Pai não está nele” (1 J0 2.15).
VERDADE PRÁTICA = Consagração é exclusividade para Deus e
submissão diária a Ele da parte do crente; essa é a vontade de Deus.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 12.1,2,9-21
INTRODUÇÃO
A PARTE EXORTATIVA DA CARTA, 12.1–15.13
Rm6 já
apresentou a comprovação de que a justiça da fé e a justiça da vida estão
profundamente entrelaçadas. Contudo, não bastam abordagens de princípios. Por
isso, o apóstolo passa, no bloco final e mais longo da carta, para uma corrente
de exortações práticas: é assim que deve e pode muito bem ser configurada a
realidade do cotidiano daquele que crê.
Numerosas
cartas do NT são subdivididas de modo semelhante, numa parte doutrinária e
noutra exortativa, aqui intitulada no seu todo com: “Rogo-vos”. O sentido
básico do verbo grego parakaléoé “anunciar a”, “gritar para”, que passa
a ser usado também para “solicitar”, “exortar”. No NT acrescenta-se uma
característica adicional que o termo havia adquirido como palavra para traduzir
uma expressão do AT: “consolar”. A partir daí, o termo se destaca pelo seu tom
amigável e cordial. Basta lermos Is 40.1,2 para sentir a atmosfera em que essa
exortação consoladora subitamente nos coloca.
Os exortados
encontram-se plena e integralmente no recinto acústico da salvação. Conforme os
v. 7,8, exortação faz parte dos dons da graça. Exortar e receber exortação são
processos básicos de uma vida cristã saudável. Por meio dela Deus transmite
seus irrenunciáveis impulsos de direção. Assim, a igreja nada mais pode fazer
do que parabenizar-se quando a exortação acontece em suas fileiras.
1. Convocação para cultuar a Deus com a vida,
12.1–13.14
Uma parcela
dos cristãos em Roma já vivia na fé há mais tempo que o próprio Paulo. Eram
provados por perseguições e ricos em percepção espiritual e amor ativo. O fato
de Paulo expor diante deles um grande sortimento de instruções não depõe contra
o apreço que tinha por essa igreja.
Não devemos
presumir atrás de cada versículo problemas agudos em Roma. Afinal, exortação
não é apenas para causadores de problemas, não só para ignorantes, novatos e
pessoas passíveis de correção, não só para casos graves (cf acima a opr a toda
essa parte da carta).
a. Prefácio: misericórdia experimentada
torna-se exortação, 12.1,2
Depois de
havermos introduzido ao bloco todo da carta, queremos referir brevemente à
circunstância de que ao presente prefácio da paráclesese contrapõe, no
final, em Rm 13.11-14, um epílogo de peso idêntico (cf a opor àquele texto).
Paulo
introduz toda a sua exortação apostólica na esfera do “Pai da misericórdia”
(2Co 1.4). Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus. Na
verdade não é ele próprio que está exortando. Para ele, isso seria pusilânime,
sim, muito temerário. A misericórdia de Deus, no entanto, é uma autoridade e
uma potência sem igual, difícil de experimentar sem que nos tornemos
diferentes, sem que ela produza em nós “tanto o querer como o realizar” (Fp
2.13). Se não nos cobrirmos os próprios olhos, somos “transformados, de glória
em glória” pela contemplação do seu Cristo (2Co 3.18).
Obviamente
esse ser transformado não cai sobre nós como numa anestesia, mas percorre o
caminho da exortação, do ouvir obediente, da livre decisão, do querer resoluto
e do agir enérgico. O que Paulo objetivamente tem em mente com “misericórdia” é
revelado pela expressão anterior “pois”. Ela estabelece ligação com Rm
11.30-32, porque ali ele havia resumido todo o agir redentor de Deus sob o
tópico “misericórdia, compadecer-se”. Ela abarca tudo por cuja compreensão
Paulo se empenhou junto aos leitores durante onze capítulos. Desse modo, a
exortação vibra agora no campo de força da mensagem de Cristo. Na verdade, o
nome “Cristo” está ausente nesses dois capítulos (exceto em Rm 12.5), mas o som
pleno de “Senhor Jesus Cristo” no último versículo (Rm 13.14) evidencia aquilo
que esteve sempre presente.
Como será,
agora, a vida daqueles que são carregados de um quarto de hora ao outro por
essa essência da misericórdia de Deus e por nada mais?
A totalidade
da misericórdia divina chama pela nossa totalidade. Isso é expressado aqui de
forma única: Rogo-vos… que apresenteis o vosso corpo por sacrifício. Não
há dúvida de que Paulo fala numa ilustração, mais precisamente evocando os
cultos no templo, nos quais se colocavam “corpos” sobre o altar (Hb 13.11).
Imediatamente, porém, Paulo deixa claros os limites dessa figura. Agora não se
trata de corpos de animais, mas sim de “vosso corpo”, e não se trata de
cadáveres, mas de sacrifício vivo.
Salta à
vista o discurso metafórico de sacrificar justamente o corpo. No fundo está
seguramente o corpo sacrificado de Cristo, o qual o NT confessa com freqüência
e com muita ênfase. O seu sacrifício na corporalidade terrena, visível,
pública, e os nossos sacrifícios estão interligados. Mas como? Se levarmos em
consideração a continuação no v. 2 e em todo o capítulo, Paulo não está
convidando para o martírio. Mas, ao exortar à entrega do corpo, está dando uma
ênfase peculiar. Se ele se limitasse à exclamação genérica de Rm 6.11: “Vivam
para Deus!”, com facilidade a entrega poderia voltar-se unilateralmente para
dentro, assumindo um aspecto só interior, racional, religioso, místico – sem
significado sério para a prática.
O quadro,
porém, é como se Paulo lançasse um olhar desafiador a seus leitores: “Diante da
misericórdia de Deus no sacrifício de Cristo vocês ainda têm vontade para a
interiorização? Arquem com as conseqüências e exponham toda sua realidade de
criaturas sujeitas à sua clemência!” “Corpo” diferencia-se do membro individual
como sendo o abrangente. Por isso, o que Paulo vislumbra não é o culto
delimitado, restrito auma hora, a um recinto, a um só
estado sentimental. No NT os encontros isolados de cristãos nunca são chamados
de “cultos”, uma vez que são nada mais que parcelas de um culto a Deus que
abarca a vida inteira.
É
desnecessário dizer que o “corpo” não é visto depreciativamente como acessório
externo. Pois do contrário resultaria a exigência absurda: dêem a Deus o que é
secundário, e o mais essencial pode ficar para vocês! Tomamos consciência do
verdadeiro papel da corporalidade quando nos imaginamos sem corpo. Sem ele não
poderíamos comer, nem dizer nada, nem ouvir, ver, sentir. Sem os neurônios de
nosso cérebro não poderíamos pensar, ler, compreender, crer. Não seríamos
capazes de amar, nem de fazer algum bem, assim como ninguém nos poderia fazer
algo de bom. Finalmente tampouco poderíamos ressuscitar.
Não existe
existência humana sem corpo. Por isso podemos aguçar a afirmação: Não temos um
corpo, porém somos corpo. É essa existência corporal, de ser humano, que
está sendo solicitada. Deus no-la havia concedido, contudo tornou-se esfera do
pecado e da morte. Porém, comprado por Cristo, esse corpo deve tornar-se de
novo área irrestrita de bênção do Espírito Santo, de modo que Cristo seja
enaltecido nele.
Nesse ponto
cabe uma objeção: quando se trata de um sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus, pode-se oferecer-lhe indistintamente a vida corporal que em boa
medida é tão insignificante e sem brilho? Não deveríamos pelo menos selecionar
o que é precioso? Por outro lado, que há de precioso nos nossos corpos mortais,
corruptíveis (Rm 8.11), afetados de fraqueza, erro e culpa? De fato eles nunca
são preciosos em si, mas tornam-se valiosos por chegarem às mãos de Deus como
material para a sua Onipotência.
Nisso reside
a perfeição do ser humano, em não resistir a Deus em nada. É assim que ele
ressuscitará em incorruptibilidade, em glória e em poder (1Co 15.42-44).
Isso é que
seria culto racional! Os profetas do AT já exerciam crítica contundente
contra os cultos absurdos de seu tempo. Ao que parece, Paulo está referindo-se
a determinados fenômenos de seu tempo. Talvez ele tenha aludido criticamente a
uma expressão preferida de filósofos gentílicos da época – por isso colocamos
aqui as aspas. Círculos eruditos daquele tempo distanciavam-se dos sacrifícios
sangrentos e da abundância de cerimônias nos templos, enaltecendo um culto
puramente a nível mental. Pois para eles deus era pensamento puro, razão
suprema.
Por isso o
pensamento também era tido por eles como a dádiva mais sublime que se podia
ofertar a Deus, enquanto declaravam o corporal como desprezível. É nesse
sentido que glorificavam o “culto racional”. Ocorre que Paulo contraria
bruscamente essa tendência da moda. Num adendo claramente perceptível ele tira
essa expressão dos filósofos e a preenche de forma nova: verdadeiramente
“racional” é apenas um culto que responde de modo coerente e adequado à
misericórdia de Deus em Jesus Cristo. Assim, Paulo está tão distante do
paganismo refinado quanto do paganismo bárbaro. De maneira bem contrária ao
helenismo, ele exorta a sacrificar justamente o corpo enquanto vosso culto
racional, i. é, dos que pertencem a Cristo. Percebe-se qual seria seu veredicto
sobre um cristianismo diluído em pensamentos, sobre uma teologia resultante
apenas da experiência do raciocínio.
Até agora
falava-se como se o que crê vivesse sozinho numa relação a dois com Deus.
Contudo ele vive no triângulo eu – Deus – mundo. Sob esse aspecto o chamado
para uma vida agradável a Deus somente pode ser: E não vos conformeis com
este século, “não se amoldem ao padrão deste mundo” (NVI). O cosmos, uma
vez criado belo e bom, não é mais um mundo sem problemas submetido a Deus. Um
“deus deste século” anuvia o espaço, obscurece a claridade originária da
existência (2Co 4.4).
Por isso
falta a visão nítida. Para o ser humano obcecado, o sentido da vida se reduz à
satisfação de suas pulsões (Rm 6.12; 7.8; 13.14). Como ela requer dinheiro, a
corrida pelo lucro está em primeiro plano, ou seja, a corrida por boas notas
para assegurar uma posição vantajosa. É por ela que as pessoas precisam lutar,
para depois garanti-la e defendê-la, guiadas por busca de poder e ávidas por
honra. Nessa situação, demasiadas vezes a comunhão se revela como um egoísmo
organizado coletivamente. Porém falta no fundo a visão para o todo, a
responsabilidade pelo conjunto, o envio pelo todo. Há apenas o soturno grito:
Afinal, eu
quero ser feliz! Contudo, o ser humano médio pensa que é compreendido
corretamente por esse esquema de vida. É por isso que o ser humano o impõe de
boa fé aos demais, também aos cristãos. Contra essa expectativa vale aqui: não
se conformem!
No entanto,
o não conformar-se não é nutrido apenas pelo dizer não. Por isso a continuação:
transformai-vos, deixem-se transformar pela renovação da vossa mente (“maneira
de vocês pensarem” [VFL]). Trata-se de um agir no sentido de que deixamos algo
acontecer conosco. Ou inversamente: algo deve suceder conosco, algo que também
desejamos pessoalmente. É nova criação que devemos experimentar. Devemos
continuamente inserir nossa mentalidade na novidade que está em andamento (Rm
13.12), a fim de nos expormos ao poder de configuração do Espírito de Jesus na
oração e na obediência da fé (2Co 3.18). A nova existência não existe em
estoque. Temos de ser chamados continuamente à razão e inseridos para dentro do
novo: dia após dia, de situação em situação.
Finalmente
Paulo mostra essa mentalidade que se encontra em constante renovação em ação: para
que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Praticar
a vontade de Deus é, no NT, a essência do ser cristão. Na presente passagem,
ela é chamada de “a boa”, um termo que retoma textos marcantes do AT e que
fornece, no que se segue, várias vezes o padrão da atuação. Entretanto, também
para os cristãos “o bem” nem sempre é imediatamente perceptível. Uma vida
cristã ingênua correria o perigo de ser assimilada. Muitas vezes é impossível
decifrar a situação, muitas vezes o seu poder conformador cai sobre nós antes
que o percebamos.
É por isso
que Paulo exige e deseja em sua carta um cristianismo que verifica
criticamente: “Examinem qual é a vontade de Deus, a boa e agradável e
perfeita”. Com freqüência é preciso descobrir o que é bom, investigá-lo
criticamente, se possível num esforço comunitário. A reflexão também faz parte
da releitura (a saber, na Bíblia). “Entende o que está lendo?” (At 8.30 [NVI]).
Nosso versículo adverte contra o “esquema desse mundo”, mas não oferece em
troca um esquema cristão, e sim a intenção de examinar e de aprender
permanentemente para descobrir a vontade de Deus. “Aprendei de mim!” (Mt
11.29).
b. Exortações para quem desempenha funções na
vida da igreja, 12.3-8
Busca e
pratica em cada situação a vontade de Deus! Foi esse o prefácio nos termos de
Rm 12.1,2. O sim à vontade de Deus tem como conseqüência necessariamente o não
aos esquemas dessa era, i. é, ele se realiza na permanente disposição de se
transformar e ser diferente. Com esse sim e não Paulo entra, agora, na vida
cotidiana cristã. Ele prefere iniciar com uma negação, para depois acrescentar
uma instrução na boa vontade de Deus (v. 3,11,14,16,17,19,21).
É
significativo que como primeiro exemplo Paulo aborda o culto a Deus. Parece que
é nele que a conformação com o mundo realiza sua penetração singular. De acordo
com Rm16.5,10,11, os cristãos romanos viviam em várias igrejas domésticas
dispersas pela área urbana, cada qual como uma espécie de família extensa, em
que mulheres, homens, jovens e idosos se encontravam num espaço reduzido (cf o
exposto sobre Rm 16.5). Com isso já havia a possibilidade de tensões pessoais e
aporias práticas. Uma igreja dessas rapidamente estaria “destruída” (Rm 14.20)
se seus membros não permanecessem continuamente na renovação de Rm 12.2.
Como
primeiro e mais sério exemplo de conformação com o mundo, Paulo trata de
extrapolações por parte dos portadores de funções. Porque, pela graça que me
foi dada, digo a cada um (que é algo) dentre vós. Nossa interpretação
sugere que “ser”, nessa passagem, não seja entendido palidamente como mero
pertencer à igreja, mas como uma participação qualificada. As exortações estão
sendo endereçadas àqueles que encontraram uma área de tarefas na igreja
domiciliar e que também demonstraram possuir um dom para ela.
A
subseqüente relação de portadores de dons confirma essa visão. Ao colaborador
está sendo dito, portanto, que não pense de si mesmo além do que convém.
Ele não deve tentar expandir-se além de um limite que lhe é colocado, não
violar um “convém”. Nesse ponto o sim à vontade de Deus segundo o v. 2 entra no
jogo. Pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada
um. Falar da medida pressupõe que diferentes proporções de fé foram
distribuídas cada um pelo, note-se bem, próprio Deus. Ou seja, não se deve ter
em mente agora a fé na salvação, pois nela Deus não produz diferenças: “um
só Senhor, uma só fé” (Ef 4.5).
Tampouco
tem-se em vista diferenças na intensidade da disposição de confiança pessoal em
Deus, pois tais coisas são decorrentes da lerdeza ou fidelidade humanas. Pelo
contrário, esta difícil expressão parece ter sido entendida no mesmo sentido de
“proporção do dom” ou “justa cooperação” (Ef 4.7,16; cf1Co 7.7;
1Pe 4.10). Do ponto de vista do Doador trata-se de dádivas da graça, mas do
ponto de vista do receptor trata-se de dádivas da fé, destinadas a todos os que
crêem. Sob esse aspecto os membros da igreja também podem e devem realizar
funções diferentes. Cabe-lhes tomar consciência dessas decisões insondáveis de
Deus. É assim que seu comportamento se torna refletido e também comedido. Do
contrário, o “culto racional” do v. 1 perde sua sensatez.
Pois duas
formas de conformação com o mundo seriam imagináveis. Primeiro, um detentor de
carismas não preenche a sua medida. Ele é lerdo (v. 11), não assume sua
responsabilidade, ou anula-se pessoalmente em discordância com 1Co 15.10: Não
sou nada, não sei fazer nada, também não espero nada.
Segundo,
outro vai além do que tem, sabe e deve, enche-se, estica-se, sobrecarrega-se,
avança sobre papéis de terceiros, corre ridiculamente atrás de personagens
ideais que não combinam com ele. O pior, porém, é: quando um começa com esse
comportamento, logo é seguido por outro e, no final, por muitos. O culto a Deus
torna-se uma competição entre portadores de dádivas, ineptos para a vida
eclesial. A igreja é tirada do equilíbrio. Em decorrência, o seu verdadeiro
potencial fica ocioso.
Paulo usa a
figura do corpo para ilustrar a vida sob a “medida da fé”. Porque assim como
num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma
função, assim também nós, conquanto muitos, somo sum só corpo em Cristo
e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos
foi dada. O texto constitui um eco a 1Co, que Paulo provavelmente escrevera
poucos meses antes de Rm. Nele, Rm 12–14 desenvolvem a figura do corpo de forma
mais larga e específica. Já somos membros do corpo, não há necessidade de nos
tornarmos como tais. Foi Deus quem nos tornou membros através da sua
providência.
Cada um de
nós é um presente à igreja, pelo qual ela pode felicitar-se. Porém, somos de
fato portadores de carismas segundo a graça que nos foi dada? Numa igreja de
fácil supervisão como a de Roma a pessoa involuntariamente se envolve aos
poucos na atividade. Às vezes é surpreendente em quem se revelam dons, quem
toma iniciativas, no começo por força da necessidade, depois com entusiasmo
crescente. É evidente que algumas funções se destacam de forma especial, mas
ninguém as transforma logo numa hierarquia, num sistema de degraus com
definição exata do que é em cima e em baixo. A função diretiva “oculta-se” aqui
no v. 8 entre outras dádivas, pois “nós, os muitos, somos membros uns dos
outros”.
Nos v. 6b-8
seguem-se instruções para diferentes portadores de serviços. Uma vez que de
acordo com o v. 3 Paulo tem simplesmente o objetivo de instar com exortações,
não devemos esperar ensinamentos com descrições dos serviços. Seus primeiros
leitores imediatamente estavam ao par, mas nós não. Às vezes chegamos apenas a
frágeis tentativas de interpretação. Quem, portanto, estiver procurado nessa
passagem uma bem escorada doutrina sobre cargos, encontrará dificuldades.
O NT ainda
não possui definições homogêneas dos serviços. Quando eles se solidificaram nos
séculos posteriores, o seu número em geral encolheu para três ou quatro. Esses
poucos funcionários, então, atraíram sobre si demais competências,
sobressaindo-se da comunidade passiva.
Se profecia,
seja. Aqui, como
de forma geral, a profecia encontra-se no primeiro lugar da lista de dádivas,
pertencendo, portanto, à provisão básica de cada igreja. Ocorre que nossas
idéias a respeito dela foram fortemente estreitadas em comparação com a
multiformidade do profetismo e o rico material no AT e no NT. Há profetismo
contra a vontade pessoal ou como impulso súbito da parte de qualquer membro da
igreja, mas também vinculado a pessoas, de modo que se chega a uma definição
fixa para “profeta”. A verdadeira força propulsora do profetismo no NT é o
testemunho vivo de Jesus (Ap 19.10), que corrige e edifica espiritualmente a
igreja (1Co 14.3). Em relação ao seu conteúdo, a profecia dispõe de um campo
vasto: retrospecto sobre o passado, visão sobre o presente, perspectiva para o
futuro. Ela revela a visão de Deus sobre coisas ocultas ao ouvinte individual,
a uma igreja inteira, ou a um povo todo, de forma que o profeta fala “de acordo
com os oráculos de Deus” (1Pe 4.11).
Essa dádiva
sublime ou até suprema (1Co 14.1) também está singularmente ameaçada pela
conformação com o mundo. Por isso, o tema do profetismo falso e da necessidade
de examiná-lo ocupa toda a Escritura Sagrada (cf “examinar” no v. 2). Aqui,
portanto, a exortação: por favor, seja segundo a proporção (correta) da
fé, i. é, no âmbito do conteúdo da fé transmitida, assim como é pressuposta
de forma consistente em Rm. O profeta poderia abandonar a base da fé, entregar-se
a suas próprias excrescências psíquicas e intelectuais (2Co 4.5). Porém, os
verdadeiros profetas estão sujeitos aos apóstolos enquanto garantidores da
tradição de Jesus. Seu evangelho rege as mais elevadas e brilhantes capacidades
dentro da comunidade cristã. De acordo com Gl 1.8, o próprio Paulo se
enquadrava nesse padrão.
Tentaremos
inicialmente definir mais de perto as demais atividades. Ao lado da profecia
aparece o ministério (“servir” [NVI, BLH, VFL]). Assim como a atuação de
Jesus foi subdividida em palavras e ações, assim também acontece com o agir da
comunidade de seguidores: seu serviço da palavra está rodeado de um corolário
de serviços de amor. No v. 8b seguem-se exemplos. No começo, a função do que
ensina era peculiarmente importante. Durante os encontros, homens com
memória confiável e formação esmerada tinham de gravar as tradições essenciais
para a vida da igreja. Conforme At 13.1 eles formavam um oposto especial diante
dos profetas. Enquanto os profetas representavam a interpelação viva de Deus,
esses professores representavam a Escritura Sagrada, a tradição de Jesus e as
máximas da fé apostólica. Preservavam um tesouro e, por isso, eram um tesouro.
Outros
membros da igreja, por sua vez, o(s) que exorta(m), dirigiam-se
aos indivíduos, revelando-se aptos para o apoio fraternal, paternal e maternal.
Eles colaboravam para que a pregação genérica não apenas pairasse por sobre a
platéia, mas penetrasse em cada ouvido e fosse compreendida e aplicada à vida
cotidiana de cada um. As três últimas definições levam ao âmbito da tarefa
diaconal.
O que
contribui (“dar” [VFL], “repartir” [BLH])
dos seus bens poderia ser, p. ex., aquele que abria sua casa para a igreja:
“Venham ficar na minha casa” (At 16.15 [BLH]) – condição para o surgimento e a
continuidade de uma igreja domiciliar. Tenhamos consciência do que isso
representava para o espaço de moradia, a cozinha, a vida privada e também para
o bolso. É fácil de explicar porque o proprietário da casa também acabava
assumindo uma certa função diretiva. Talvez seja por isso que agora se diga uma
palavra ao que preside.
Ele não está
sendo enfocado por seu cargo de honra, mas por sua carga, uma vez que sua
posição ainda está totalmente inserida entre outros serviços. Ele não se
sobressai na igreja, mas atua para dentro dela. Ele coordena e organiza com uma
visão pelo todo. Uma igreja em que a função diretiva é negligenciada é
equivalente a um rio sem leito. Muitas coisas se dispersam e não produzem
resultado.
Finalmente:
assim como o Jesus terreno, também sua igreja se torna um ímã para um número
enorme de fracos, doentes e pobres. Por isso, há diversos membros que recebem
com clareza especial o carisma de Jesus de compadecer-se, quem exerce
misericórdia.
O estilo
telegráfico das frases consecutivas revela a energia com que Paulo profere suas
instruções para a “renovação da mente” segundo o v. 2. Já explicamos a
exortação aos profetas. Nos três exemplos seguintes ele tão somente duplica:
ministrar em ministério, ensinar no ensino, exortar na exortação! Tão simples,
portanto, é o que ele diz: proceda orientando-se pela causa e pela dádiva! As
intermitentes transgressões de limites dão lugar a uma viva concentração
naquilo pelo que realmente somos competentes a partir de Deus. Deixamos que sua
graça seja o suficiente para nós, aproveitamo-la plenamente e trazemos muito
fruto. Isso evita uma série de distúrbios, bem como equívocos, atritos,
rivalidades e inveja. Os últimos três exemplos alertam para que o serviço que
nos foi confiado seja executado com liberalidade, diligência e alegria.
Quando isso
ocorrer, acontecerá a renovação do servo insatisfeito, o terceiro da parábola
dos talentos (Lc 19.20,21). Finalmente ele está satisfeito. Reconhece a bondade
de seu Senhor e considera bela justamente a sua própria tarefa. Encontra-se no
“culto racional”.
c. Exortações a todos os membros da igreja,
12.9-21
Refletindo
por mais tempo sobre esse texto, somos transportados para as bênçãos plenas do
evangelho. Por meio de certas aproximações com o Sermão do Monte nos v.
14,17,21 tornam-se presentes também as bem-aventuranças do mesmo. O caminho de
Jesus ao sacrifício surge como a verdadeira força motora.
O que no
início parecia uma listagem confusa de ditados dá lugar ao impacto de uma forte
coerência interna. Nitidamente diferente dos v. 3-8, o novo bloco não menciona
com nenhuma palavra os dons espirituais, mas sim o fruto do Espírito segundo Gl
5.22 (amor, alegria, paz, longanimidade).
Qual é a
razão dessa diferença? Os dons espirituais são distribuídos na igreja de
maneira distinta, motivo pelo qual também nos v. 6-8 cada um dos diferentes
portadores de serviços recebe sua exortação à parte. Em contraposição,
espera-se que todos os membros apresentem os frutos do Espírito de maneira
igual, como mostram as presentes exortações.
Independente
de numerosos paralelos no AT e em escritos judaicos há também semelhanças
claras com exortações entre escritores gentílicos. Em todo lugar em que se
estabeleçam parâmetros éticos e onde se dê valor à formação do coração, vive
uma sabedoria proverbial que é em boa parte comparável ao presente bloco.
Portanto, também Paulo está levando em conta um consenso geral sobre o bem e o
mal. Cristãos também não devem parecer excêntricos.
A ênfase
cristão diferenciadora reside, antes, em de onde e para quê. Paulo parte da
misericórdia de Deus (v. 1), e o alvo último não é formação e preservação do
caráter pessoal, mas o desenvolvimento da igreja em direção de Cristo como o
Senhor. O v. 11c pode ser considerado como chave interpretativa: “Sirvam ao
Senhor!” (BLH).
Tão logo um
cristão realmente pratica o que crê, ele estará exercendo o amor. Foi o que
Paulo já constatou em Gl 5.6b. É aquele amor que não se orienta pelo que é
digno de amor, mas que responde à misericórdia de Deus (v. 1). É sob esse
aspecto que ele rompe com os modelos de comportamento da era presente (v. 2).
Porém o amor pode decair para uma mera encenação cristã. Quando ele é
desempenhado unicamente por meio de expressão facial e saudação, uma igreja
inteira cai no comportamento inautêntico e mascarado. Visto que isso a
alienaria consideravelmente de sua essência, o NT exorta incansavelmente para a
veracidade do amor. O amor seja sem hipocrisia.
As
exclamações seguintes mostram o amor na sua consistência: Detestai o mal.
Amor verdadeiro deixa claro do que ele – por amor! – abre mão (1Co 13.6). E apegando-vos
ao bem. O bem é, conforme o v. 2, a “boa, perfeita e agradável”
vontade de Deus. Cabe-nos estar incondicionalmente “grudados” a ele. A imagem
condutora é a coesão numa boa família. Sede amavelmente fiéis uns aos outros no
amor fraternal, no empenho recíproco uns pelos outros.
A
profundidade que esse engajamento alcança é demonstrada pelo convite preferindo-vos
em honra uns aos outros, “prefiram dar honra aos outros mais do que a si
próprios” (NVI). Não se tem em mente a honra que compete a um cargo ou uma
categoria, mas a honra que devemos tributar a cada membro como criatura de
valor inestimável.
Estabelecer
exceções nessa honra (Tg 2.1-9) não somente constitui culpa contra o céu, mas
também um grave peso para aquele que é tratado com desdém. Ser honrado, fruir
da dignidade humana é condição básica para que cada ser humano de fato possa
continuar vivendo. Quando esse aspecto é abreviado, a ânsia por fama toma
conta.
Os v. 11-13
enfocam o campo de atuação da igreja. No zelo, não sejais remissos. A
exortação ao zelo se aproxima do v. 8, relacionada com a disposição de
engajamento do que preside, mas aqui refere-se à disposição de cada um. Todos
juntos devem ter o prazer de ser igreja que sabe o que é e o que deve fazer,
fazendo-o com disposição. A igreja de Laodicéia havia chegado, com sua
mornidão, ao limite extremo da zona de perigo. Chamados a cooperar no maior
acontecimento que pode existir, a saber, no acontecimento da vontade de Deus
sobre a terra, vale para eles: sede fervorosos de espírito. E: servindo
ao Senhor.
No nosso
idioma, “senhor” pode ser usado para qualquer senhor da vizinhança, mas a
igreja serve ao Senhor de todos os senhores e, não por último, Senhor do
futuro. Isso é exatamente algo que somente se pode fazer de modo “ardente”, não
com monotonia nem em fogo baixo. Antes, regozijai-vos na esperança. De
acordo com Rm 5.2,3, as tribulações atuais nada podem senão incendiar ainda
mais essa alegria. Sede pacientes na tribulação, na oração,perseverantes. Uma
recapitulação dos textos que combinam “perseverar” e “oração”perseverantes. Uma
recapitulação dos textos que combinam “perseverar” e “oração” também no nosso
texto, faz pensar sobre a participação constante em reuniões de oração. Orar em
conjunto é característica de uma igreja que crê. Onde não se ora, não se crê
mais. Não se pode crer apenas no pensamento.
As citadas
tribulações conduzem à exortação seguinte: compartilhai (ativamente) as
necessidades dos santos. Às vezes o membro que passava a pertencer a uma
igreja domiciliar facilmente perdia seu respaldo social anterior. P. ex., era
possível que viúvas fossem excluídas da assistência pública aos pobres por
causa por causa de sua fé. Com isso elas eram depositadas aos pés da igreja
como uma tarefa (Tg 1.27). Os mestres da igreja também careciam de auxílio no
primeiro cristianismo, porque seu serviço dedicado comprometia sua subsistência
(Gl 6.6; 1Co 9.14).
Para
leitores de hoje a continuação praticai a hospitalidade (incansavelmente)
salta à vista. Por que essa exortação aparece no NT com tanta insistência, e
qual a causa do louvor e da gratidão justamente por essa tarefa? Na
Antigüidade, os que viviam “sem cidadania”, “fora da aliança” (Ef 3.12,19; Gn
4.14) eram indefesos. Isso valia em dobro quando se tratava de um missionário
que pertencia a uma igreja observada com suspeita, e valia o triplo quando a
pessoa já estava sendo procurada judicialmente (At 9.23-25).
Para tal
pessoa, ocultar-se na casa de um companheiro de fé constituía o único refúgio,
o que para este próprio não deixava de ser perigoso (P. ex.: At 17.6-8). Ou
seja, a questão não é o comodismo da dona de casa, mas o medo que fazia
retroceder na hora em que se devia exercer a hospitalidade. Mas de tais casas
abertas dependia a expansão do cristianismo, ainda nos seus primeiros estágios.
O pensamento
a respeito da perseguição à igreja leva Paulo a fazer uma breve intercalação,
porém, ele retornará ao mesmo detalhadamente nos v. 17-20. Abençoai os que
vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. Nesse ponto todos os paralelos
fracassam. Em lugar algum o amor ao inimigo encontra-se com a mesma clareza
inequívoca como em Jesus, de modo que Paulo está falando diretamente com a voz
do seu Senhor. Sua proximidade com Jesus mostra-se também em suas
justificativas para o amor ao inimigo. Primeiro: de acordo Mt 5.44,45; Lc
6.35,36, todos os discípulos devem amar os seus inimigos, a fim de se
evidenciarem como imitadores de Deus, pois Deus é misericordioso também para
com os ímpios.
Do mesmo
modo, Paulo ancora suas exortações na misericórdia de Deus (acima, v. 1). Em
segundo lugar: de acordo com Mt 5.46,47 os discípulos devem amar seus inimigos
para se diferenciarem da mentalidade gentílica e “fazer a mais” nesse mundo.
Assim também Paulo convoca para não se conformar com a era atual (acima, v. 2).
No entanto, isso somente é praticável na presença de Deus. Ali nos tornamos
totalmente verdadeiros no amor. Tem lugar a intercessão que abençoa. Ela tem a
intenção de afastar a ira de Deus do perseguidor, assim como Jesus o fez (Lc
23.34). Portanto, nessa exortação não está presente apenas a voz de Jesus, mas
também seu morrer que abençoa.
Com certeza
o v. 15 vigora dentro da igreja, embora também possa incluir todos os
concidadãos, em continuação ao v. 14: Alegrai-vos com os que se alegram e
chorai com os que choram. Sofrer perseguições pode endurecer uma pessoa, de
maneira que nenhum sentimento a comove mais diante da alegria e do sofrimento
desse mundo. Por isso: não se tornem devotos sobrenaturais ou desumanos!
O v. 16
conduz claramente de volta à realidade da igreja. Tende o mesmo sentimento (“Vivam
em harmonia” [VFL]). Pela tradução queremos evocar a bela palavra “harmonia”.
Em Paulo, a exortação é formulada sete vezes de modo muito semelhante.
Naturalmente ele conhece as diferenças de opinião nas igrejas. Elas são algo
normal enquanto estiverem sob controle. De acordo com o v. 11 o controle é:
“Sirvam ao Senhor” (BLH). Enquanto vigorar esse critério, serão encontrados
meios e caminhos para superar as dificuldades. Contudo, elas começam a triunfar
quando os envolvidos não estiverem mais submissos ao Senhor.
Uma intenção
estranha se intromete: em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que
é humilde (“não viseis as coisas elevadas, mas inclinai-vos aos humildes”
[tradução do autor]). Coisas elevadas que se aninharam na cabeça agora deslocam
para o lado as pessoas que nos atrapalham na corrida para frente. Parecem
humildes, insignificantes, desinteressantes. Não sejais sábios aos vossos
próprios olhos (Pv 3.7). Cheios de sabedoria própria nos sobrepomos tanto
ao senhorio de Jesus como também ao fato de sermos irmãos. Está dada
integralmente a circunstância da conformação com o mundo (cf o v. 2).
Os
versículos 17-20 complementam o tema do amor ao inimigo, já abordado no v. 14,
em duas direções. Por um lado, a universalidade do amor cristão perpassa as
frases seguintes, que não deixa nenhuma pessoa de lado. Por outro lado,
insistem em abrir mão da retaliação. No v. 14 a prática tem de corresponder
também à intercessão. Não torneis a ninguém mal por mal. Dito em seguida
de forma positiva: esforçai-vos por fazer o bem (Pv 3.7,27; 17.13) perante
todos os homens. Quando a intenção é o “bem”, soltamo-nos da posição
partidária.
O empenho
pelo acerto e pela melhora é prioritário. O início da frase seguinte, se
possível, quanto depender de vós, mostra que, ao fazer as exortações, o
apóstolo está absolutamente cônscio da realidade “deste século” (v. 2). Nem
sempre o amor vence, nem sempre o amor é benquisto. Mas o fato de que nem
sempre o amor alcança o alvo não é motivo para que este seja mudado. Permanece
valendo: tende paz com todos os homens. “Manter a paz” é mais que “Sede
pacíficos!” No sentido de Mt 5.9, a perspectiva é de um papel ativo que visa
uma solução do conflito.
Quando ela
não é alcançada e a injustiça predomina, afirma-se: não vos vingueis a vós
mesmos, amados, mas dai lugar à ira (de Deus); porque está escrito (Dt
32.35): A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.
Nada contra a nossa revolta sobre injustiça, mas só Deus pode e há de
solucioná-la, primeiramente de forma limitada pela autoridade estatal (Rm
13.4), e de forma perfeita no dia da ira que se aproxima. Porém, se nós nos
intrometermos pessoalmente nessa função de Deus, isso seria o fim da nossa
função, à qual estamos destinados na presente era, a saber, de vivermos a
misericórdia de Deus (Mt 5.38-48; 13.29,30).
Por isso,
Paulo insiste no envio cristão: Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome,
dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto,
amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça (Pv 25.21,22). Para usar uma
expressão amena, o calor de brasas amontoadas sobre a cabeça é perceptível em
todas as circunstâncias. A imagem drástica está dizendo pelo menos o seguinte:
vosso agir em Deus é uma ação perceptível e eficaz no meio da vingança usual e
absurda!
Também
quando o inimigo amado não se ajoelhar imediatamente diante de vocês em sinal
de arrependimento, ele certamente foi tocado pela experiência de algo novo. Por
alguns segundos ele foi uma pessoa atingida, movida, admirada, talvez
envergonhada (cf1Pe 2.15; 3.16) e, em todo caso, abençoado. Em sua vida futura
Deus tomará conta dele.
Após
concluir essa lição, Paulo generaliza e ao mesmo tempo aguça em termos
pessoais: Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. Esse mundo é
um lugar de luta entre duas maneiras de viver como pessoa, isto é, viver sob o
“deus deste século” (2Co 4.4) ou viver sob o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo. Não nos tornamos vitoriosos só após sucessos terrenos do nosso agir,
mas já o somos de modo oculto pela prática do bem propriamente dito.
COMENTÁRIO
ESPERANÇA= Editora Evangélica Esperança
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