11 de dezembro de 2013

A ILUSÓRIA PROSPERIDADE DOS ÍMPIOS




A ILUSÓRIA PROSPERIDADE DOS ÍMPIOS

                                                       Ev. JOSÉ COSTA JUNIOR

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

  Esta preciosa lição trata do fato da ilusória prosperidade dos ímpios. A vida é uma pista pela qual todos têm de correr juntamente, todos devem saltar os mesmos obstáculos e todos estão sujeitos aos mesmos riscos, e todos chegam ao mesmo fim. Não existe antecipação do julgamento, não há discriminação a favor daqueles que "correm na maneira dos mandamentos de Deus"; os homens podem transformar a carreira numa avalanche com aparente impunidade. Todavia, há um julgamento; existem alguns que se acham nas mãos de Deus, cujas obras são aceitas por Ele, e que se podem devotar de todo coração à tarefa do momento sem pensamentos ansiosos sobre o amanhã. Enquanto perdura a carreira, há esperança para todos, mesmo para aqueles que parecem mais desesperados; o conhecimento do fato que devem morrer torna os vivos mais sábios talvez; mas, para aqueles que já ultrapassaram o limite, a esperança desapareceu; para esses o dia da graça é passado, e "fechou-se a porta" (Mt 25:10).

O Sl 73 trata do mesmo tema. O problema é o da aparente inversão de moralidade e sucesso: na existência deste mundo, os homens ímpios prosperam enquanto que os homens piedosos geralmente caem em sérias angústias e necessidades. A ênfase aqui, entretanto, não recai sobre a natureza temporária da prosperidade do ímpio. Esta pode, e geralmente persiste por toda esta vida (ver vers. 4 e cfr. Jó 21.7-13), ainda que no fim lhes sobrevenha à condenação. A verdade essencial para um homem justo, o verdadeiro teste sobre o bem-estar de um homem não consiste no poder e nas riquezas deste mundo, mas em suas relações pessoais com Deus. A descoberta dessa verdade é tratada como um retrospecto.

  O objetivo deste estudo é trazer algumas informações, colhidas dentro da literatura evangélica, com a finalidade de ampliar a visão sobre a ilusória prosperidade dos ímpios. Iniciaremos com uma análise do capítulo 73 de Salmos e depois analisaremos o capítulo 9 de Eclesiastes. Não há nenhuma pretensão de esgotar o assunto ou de dogmatizá-lo, mas apenas trazer ao professor da EBD alguns elementos e ferramentas que poderão enriquecer sua aula.

I.     OS PARADOXOS DA VIDA (Sl 73)

Asafe, autor do salmo 73, o inicia assim: “Verdadeiramente bom é Deus”. Essa declaração positiva indica a ausência de dúvida na mente do salmista, no tempo atual. No entanto, houve tempo quando ele quase era desviado do caminho da confiança em Deus, quando quase seus passos escorregavam para a incredulidade (cfr. Rm 4:20), quando ele chegou ao extremo de ter inveja do sucesso daqueles que falavam arrogantemente (3,8), nos quais superabundam as imaginações do seu coração (3,7).

As características dos ímpios são descritas, primeiro externamente (condições e conduta), e então internamente (linguagem e motivos). Não há apertos na sua morte (4); isto é, morrem em paz. A sua saúde é boa; sua vida não é perturbada pelas dificuldades (cfr. Jó 5:7); nem são afligidos (5; cfr. vers. 14), isto é, não ficam perplexos. Esse estado de coisas se reflete em sua conduta. Portam-se com insolência e sem escrúpulos, tão regularmente como usam suas adornadas vestes (6). Seu olhar está fixo no proveito próprio e os pensamentos e imaginações de seus corações se tornaram totalmente vãos (7); (cfr. Gn 6:5; contrastar com IICo 10:5).

Só se poderia esperar que tal comportamento indicasse uma exagerada opinião própria, pois, efetivamente, aquela gente fala arrogantemente (8); isto é, consideram que seus pronunciamentos têm a autoridade do céu.

Esses fatos, por si sós, não constituem um mistério; há outros elementos na situação. Seu povo (a Septuaginta diz "meu povo", cfr. Dt 7:6) volta aqui (10). Aqueles que tinham sido chamados para fora da vida ímpia das nações e tinham sido feitos em um povo que era a própria possessão de Deus, estavam sendo tentados a retornar às práticas más e corruptas, e a filosofia dos ímpios estava sendo absorvida como um homem sedento sorve um copo de água (cfr. Jó 15:16). É justamente a contradição entre os fatos e a fé que cria a perplexidade naqueles que não são atraídos ao ceticismo, e que os leva a fazer as perguntas dos vers. 11 e 12. O próprio salmista foi tentado a duvidar da necessidade de uma estrita integridade de coração e consciência. Sua aderência ao alto código moral da lei parecia vã, no que dizia respeito à vantagem tangível; realmente, seus esforços para viver uma vida sóbria e piedosa não lhe tinham trazido evidências da aprovação divina, mas tão somente um castigo diário (13-14). Tivesse ele declarado em público as suas dúvidas, e teria desviado muitos outros cuja fé era fraca (15). Quanto mais ele ponderava sobre essa inversão de valores, mais difícil e perturbadora ela ficava (16). Mas, finalmente, dirigiu-se ele ao santuário de Deus (17) e meditou sobre o estado final dos ímpios. Ali descobriu uma nova concepção; percebeu que a vida o deixara perplexo porque não tinha considerado a mesma à luz do estado final.

A primeira fase do reajustamento do salmista foi endossar a crença tradicional na justiça divina. Os perversos finalmente serão conduzidos à sua ruína total (a palavra traduzida aqui como destruição (18) ocorre mais uma vez somente em Sl 74:3). E assim teria de ser, pois o caminho que os ímpios escolhem é escorregadio e inseguro: será bastante que o julgamento comece para serem imediatamente arrebatados pelas conseqüências de suas ações passadas, que então os consumirá de terrores (19). Porém, foi à segunda fase de sua experiência que mais abalou o salmista.

A sorte do iníquo é, realmente, uma questão secundária, subordinada: no que respeita a Deus, são apenas fantasmas, tão irreais como sonhos. (Isso não subentende que Deus não se preocupe com os pecadores; mas o salmista usa uma comparação exagerada a fim de salientar o ponto de vista totalmente diferente). Aquilo que perturba o homem ímpio quase que se trata de uma questão sem importância para Deus. Assim o meu coração se azedou (21). Seu sentimento anterior de queixume amargo fora tão míope e estúpido como se ele fosse um animal (a palavra é behemoth, como em Jó 40:15); isto é, sem a capacidade de comunhão com Deus. Ele se desviara ao considerar a vida como algo puramente natural. A grande realidade da vida, porém, é espiritual - a contínua presença de Deus. Ele está sempre próximo para assegurar, para fortalecer, para aconselhar, a ponto de, finalmente, o salmista ser levado a uma experiência de honra e glória.

Existe alguma incerteza sobre o discernimento que o salmista tinha a respeito da existência após a morte. Aceitar os vers. 23-24 tal qual eles afirmam, faz com que se tornem notáveis do Antigo Testamento como declaração de crença numa vida gloriosa depois da morte, para aqueles que tiverem andado fielmente com Deus sobre a terra. É fácil para nós interpretarmos as palavras dessa forma por causa de nossa esperança certa e segura, na qualidade de crentes cristãos, mediante a ressurreição de nosso Senhor. Porém, é bastante duvidoso que o salmista tenha visto tanto de maneira tão clara. Há três pontos a ser notados: Glória (24) não tem aqui o sentido de glória espiritual no além; mas significa honra pessoal, tudo quanto contribui para a personalidade de um homem na vida, quer se trate de suas habilidades ou possessões (cfr. Sl 7:5; Sl 16:9). No céu (25), literalmente, "nos céus", ou seja, o espaço físico das estrelas e do sol (cfr. Sl 19:1,6). Nada é dito aqui sobre o ato de morrer, pois a palavra depois não implica senão "depois do presente período de dúvidas e angústias ter passado". 

Deve-se notar que ao considerar o "fim" dos ímpios (17) nada parece indicar que o salmista estivesse olhando para além de sua morte física: a aparente discrepância entre os vers. 14,19 se deve à diferença de opinião. O mistério da impiedade próspera fora satisfatoriamente tratado mediante a percepção de duas coisas, a saber, que a filosofia do homem natural - "comer, beber, e divertir-se" - é falsa; e que o problema inteiro fora revestido de uma importância falsa devido a uma visão obscurecida sobre o caráter e a graça de Deus.

A minha carne e o meu coração desfalecem (26) parece indicar declínio nos poderes físicos e mentais devido à idade avançada. O reajustamento de valores, previamente descrito, teve de resistir à intensificação da dúvida que se levantava devido a isso e devido às possíveis recorrências de dificuldades materiais. Não obstante, o conhecimento que ele obtivera sobre a persistente e abençoada comunhão com Deus também tinha amadurecido (26) e o salmista foi capaz de, confiada e fervorosamente, estabelecer as extremidades da questão inteira, a saber, aqueles que se afastam do caminho de Deus seriam inevitavelmente arruinados, mas, quanto a ele mesmo, a proximidade de Deus era a fonte e a causa de todo seu bem-estar. A declaração geral do vers. 1 tornou-se uma confissão pessoal e um testemunho. Note-se o contraste entre alongam de ti (27) e aproximar-me de Deus (28).

II.   A REALIDADE DO PRESENTE E A INCERTEZA DO FUTURO (Ec 9)

Só precisamos usar os olhos sem preconceito, de acordo com o Sal­mo 19 e Romanos 1:19ss., para ver que há um Criador poderoso e glo­rioso. Mas é preciso mais do que uma simples observação para desco­brir qual a disposição dele para conosco. Quer tomemos aqui as pala­vras amor e ódio como uma forma bíblica de dizer "aceitação ou re­jeição", ou simplesmente em seu sentido primário, teremos, de qual­quer maneira, apenas uma vaga resposta acerca do caráter do Criador se considerarmos o mundo em que vivemos, com sua mistura de delei­te e terror, de beleza e repugnância.[1]

Se a questão fosse colocada no lugar exato, ainda seria desconcertante; e quanto menos à vontade nos sentíssemos, tanto mais nos sentiríamos entregues nas mãos de Deus (v. 1a). Mas agora Coelet torna a questão ainda mais difícil para nós, destacando um fato que parece colocar a balança decisivamente contra nós (sempre supondo que esta­mos raciocinando apenas baseados no que podemos ver). Então, ain­da por cima, antes de concluir o capítulo, ele nos faz enfrentar dois fatos associados ao anterior. O primeiro dos três é a morte.

Se estamos certos em iniciar o versículo 2 com as palavras "Tudo lhe está oculto no futuro (v. 1c), o fato é que, embora as coisas que nos cercam não nos dêem qualquer indicação do que Deus pensa de nós, nossas esperanças tornam tudo muito claro. A julgar pelas apa­rências, Deus simplesmente não se importa. As coisas que supostamente deveriam lhe interessar mais acabam não fazendo diferença alguma (pe­lo menos, nenhuma que se perceba) na forma como somos descarta­dos no final. Moral ou imoral, religioso ou profano, somos todos cei­fados da mesma maneira. Daqui a cem anos, como dizemos, continuará sendo a mesma coisa.

Mas, embora a morte pareça dizer isso - e ela sempre dá um jeito de ficar com a última palavra - nós imediatamente apresentamos um protesto. O que talvez não tenha­mos notado, pois ele não chama a nossa atenção para isso neste pon­to, é que este sentimento de ultraje é um fato tão certo a nosso respeito quanto a nossa mortalidade. O que torna este livro tão fascinante são principalmente estas colisões entre os fatos obstinados da observação e as intuições igualmente obstinadas. Assim ele nos impulsiona rumo a uma síntese que fica muito além de suas páginas - neste caso, a pers­pectiva da recompensa e do castigo no mundo futuro.

Enquanto isso, examinamos o mundo como ele se nos apresenta, tendo a morte como obliteradora universal e o mal aumentando em profusão. As duas coisas têm uma certa relação. Viver em um mundo aparentemente sem significado é profundamente frustrante, e a desilu­são dá lugar à aniquilação e ao desespero, à loucura dos violentos ou ao desespero dos solitários.

Será que o desespero é tudo que nos resta? Para nossa surpresa, o homem de um modo geral pensa que não, ou, então, a raça humana já teria acabado há muito tempo. E Coelet concorda com isso. A vida decididamente vale a pena ser vivida. Afinal, na pior das hipóteses, ou quase isso, a vida é melhor do que o nada, que é o que a morte parece ser. O forte senso prático do versículo 4,[2] com o popular pro­vérbio ilustrando o seu ponto de vista, abre caminho para uma recusa vigorosa nos próximos dois versículos em deixar que a morte intimide os vivos antes da hora. Antes, que a vida meta a morte no chinelo! Será que o homem vivo sabe tanto para se sentir consolado? Mas de que valeria ser um cadáver sem saber nada, sem esperar nada, sem nenhum valor no mundo?

Sob a própria sombra da morte, este espírito positivo ilumina o res­tante da passagem (vs. 7-10) tanto quanto o faria uma coisa temporal, pois, embora não seja a resposta completa, desfruta da aprovação de Deus. Não é à toa que ele é a fonte de todos os dons da vida terrena: o pão e o vinho, as festas e o trabalho, o casamento e o amor.

Este não é o único lugar onde se encontram sentimentos deste tipo. A canção de um banquete fúnebre egípcio, talvez mais ou menos con­temporâneo de Gilgamesh, contém o seguinte conselho, após advertir os vivos acerca do que terão de enfrentar:

"Realiza os teus desejos enquanto estiveres vivo. Unge a tua cabe­ça com mirra, veste-te de linho fino, e unge-te..., e não aborreças o teu coração, até que chegue o dia da lamentação."

Um escritor moderno, no entanto, destaca acertadamente a nota diferente tocada por Coelet ainda que ele escreva nesse mesmo tom. "Os seus conselhos recomendando aceitar e gozar o que é possível em cada caso contêm um lembrete da existência de Deus", na verdade de "uma vontade positiva de Deus". Isto está particularmente claro na convicção do versículo 7b, de que Deus já aceitou o gesto de gratidão. Esse gesto é considerado não apenas de gratidão, mas de humildade e avidez, na máxima faze-o conforme as tuas forças (v. 10). E, neste ponto, a brevidade da vida tornou-se um impulso, como o foi para o nosso Senhor quando falou da chegada da "noite ... quando ninguém pode trabalhar" (Jo 9:4). Mas uma característica deste livro é que, até mesmo nesta conexão, a morte não é apresentada com uma visão pas­sageira, mas com um olhar fixo para os seus aspectos desoladores. A morte, porém, não é o único perigo.

III.   A IMPREVISIBILIDADE DA VIDA

O tempo e o acaso estão lado a lado, sem dúvida porque ambos têm um jeito de arrancar subitamente as coisas de nossas mãos. Isto é bastante óbvio no que se refere às oportunidades, pois a providência opera em segredo, e na perspectiva do homem a vida é feita principal­mente de passos rumo ao desconhecido e de acontecimentos que sur­gem do nada, que podem mudar totalmente o padrão da nossa exis­tência num dado momento. Quanto ao tempo, o capítulo 3, com o "tempo de nascer ... tempo de morrer", e assim por diante, já provou quão inexoravelmente nossas vidas são jogadas de um extremo para o outro pela força das vagas da maré que não podemos controlar. Tu­do isso vem contrabalançar a impressão que podemos adquirir das má­ximas acerca do trabalho duro, de que o sucesso é nosso quando que­remos. No mar da vida somos mais como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira, ou os que são inexplicavelmente poupados, e não os donos de nosso destino nem os capitães de nossas almas.

A sabedoria que busca luz por detrás do horizonte da morte, recebe confirmação das trevas e confusões da cena que há neste lado do horizonte. Portanto, depois de ter perscrutado o horizonte, Eclesiastes retornou e viu debaixo do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos valentes a peleja (11). Portanto, é verdade que andamos por fé e não pela vista. “A fé é de coisas que não aparecem. E assim, para que exista espaço para a fé, é necessário que todas as coisas que são seus objetos estejam ocultas. Entretanto, não podem estar mais remotamente ocultas que debaixo de seus objetos, experiências e sentimentos contrários" (Lutero, De servo arbítrio). O que tem valor, no julgamento do mundo, é riqueza e auto-propaganda; o mérito genuíno e sem ostentação passa despercebido, sem recompensas.

CONCLUSÃO

Na confecção deste pequeno estudo, buscamos consultar literatura que mais se aproxima com o pensamento de nossa denominação, tentando não perder a coerência teológica. Evitamos expressar conceitos e opiniões pessoais sem o devido embasamento na Palavra, pois a finalidade é agregar conhecimentos, enriquecer a aula da escola dominical e proporcionar ao professor domínio sobre a matéria em tela. Caso alcance tais finalidades, agradeço ao meu DEUS por esta grandiosa oportunidade.


                                                       Ev. JOSÉ COSTA JUNIOR





[1] Podemos imaginar, entretanto, que o versículo 1b fala de atitudes humanas e não divinas; cf. BJ: "O homem não conhece o amor nem o ódio". Delitzsch e alguns ou­tros, inclusive a BLH, concluem a partir de 1a que o homem não é suficientemente dono de si mesmo para saber se vai amar ou odiar numa determinada situação (embora não negando ser responsável por aceitar ou rejeitar o sentimento que experimenta). Para mim, a ênfase na inescrutabilidade de Deus em 8:17, imediatamente antes deste versículo, tor­na mais provável (e mais relevante ao argumento) que aqui se trata da atitude de Deus e não do homem.
[2] O TM diz "aquele que é escolhido" (Vbhr), que dá pouco sentido e parece ser um erro de copista na palavra "junto" (com os vivos) (Vhbr), que tem o apoio da LXX et al.

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