A ILUSÓRIA PROSPERIDADE DOS
ÍMPIOS
Ev. JOSÉ COSTA JUNIOR
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta
preciosa lição trata do fato da ilusória prosperidade dos ímpios. A vida é uma pista pela qual todos têm de correr juntamente, todos devem
saltar os mesmos obstáculos e todos estão sujeitos aos mesmos riscos, e todos
chegam ao mesmo fim. Não existe antecipação do julgamento, não há discriminação
a favor daqueles que "correm na maneira dos mandamentos de Deus"; os
homens podem transformar a carreira numa avalanche com aparente impunidade.
Todavia, há um julgamento; existem alguns que se acham nas mãos de Deus, cujas
obras são aceitas por Ele, e que se podem devotar de todo coração à tarefa do
momento sem pensamentos ansiosos sobre o amanhã. Enquanto perdura a carreira,
há esperança para todos, mesmo para aqueles que parecem mais desesperados; o
conhecimento do fato que devem morrer torna os vivos mais sábios talvez; mas,
para aqueles que já ultrapassaram o limite, a esperança desapareceu; para esses
o dia da graça é passado, e "fechou-se a porta" (Mt
25:10).
O Sl 73 trata do mesmo tema. O problema é o da
aparente inversão de moralidade e sucesso: na existência deste mundo, os homens
ímpios prosperam enquanto que os homens piedosos geralmente caem em sérias
angústias e necessidades. A ênfase aqui, entretanto, não recai sobre a natureza
temporária da prosperidade do ímpio. Esta pode, e geralmente persiste por toda
esta vida (ver vers. 4 e cfr. Jó 21.7-13), ainda
que no fim lhes sobrevenha à condenação. A verdade essencial para um homem
justo, o verdadeiro teste sobre o bem-estar de um homem não consiste no poder e
nas riquezas deste mundo, mas em suas relações pessoais com Deus. A descoberta
dessa verdade é tratada como um retrospecto.
O objetivo deste estudo é trazer
algumas informações, colhidas dentro da literatura evangélica, com a
finalidade de ampliar a visão sobre
a ilusória prosperidade dos ímpios. Iniciaremos com uma análise do capítulo 73
de Salmos e depois analisaremos o capítulo 9 de Eclesiastes. Não há nenhuma
pretensão de esgotar o assunto ou de dogmatizá-lo, mas apenas trazer ao
professor da EBD alguns elementos e ferramentas que poderão enriquecer sua
aula.
I. OS PARADOXOS DA VIDA (Sl 73)
Asafe, autor do salmo 73, o inicia assim: “Verdadeiramente bom é
Deus”. Essa declaração positiva indica a ausência de dúvida na mente do
salmista, no tempo atual. No entanto, houve tempo
quando ele quase era desviado do caminho da confiança em Deus, quando quase
seus passos escorregavam para a incredulidade (cfr. Rm 4:20), quando ele
chegou ao extremo de ter inveja do sucesso daqueles que falavam arrogantemente
(3,8), nos quais superabundam as imaginações do seu coração (3,7).
As características dos ímpios são descritas, primeiro externamente
(condições e conduta), e então internamente (linguagem e motivos). Não há
apertos na sua morte (4); isto é, morrem em paz. A sua saúde é boa; sua vida
não é perturbada pelas dificuldades (cfr. Jó 5:7); nem são afligidos (5; cfr.
vers. 14), isto é, não ficam perplexos. Esse estado de coisas se reflete em sua
conduta. Portam-se com insolência e sem escrúpulos, tão regularmente como usam
suas adornadas vestes (6). Seu olhar está fixo no proveito próprio e os
pensamentos e imaginações de seus corações se tornaram totalmente vãos (7);
(cfr. Gn 6:5; contrastar com IICo 10:5).
Só se poderia esperar que tal comportamento indicasse uma exagerada
opinião própria, pois, efetivamente, aquela gente fala arrogantemente (8); isto
é, consideram que seus pronunciamentos têm a autoridade do céu.
Esses
fatos, por si sós, não constituem um mistério; há outros elementos na situação.
Seu povo (a Septuaginta diz "meu povo", cfr. Dt 7:6) volta aqui (10).
Aqueles que tinham sido chamados para fora da vida ímpia das nações e tinham
sido feitos em um povo que era a própria possessão de Deus, estavam sendo
tentados a retornar às práticas más e corruptas, e a filosofia dos ímpios
estava sendo absorvida como um homem sedento sorve um copo de água (cfr. Jó
15:16). É justamente a contradição entre os fatos e a fé que cria a
perplexidade naqueles que não são atraídos ao ceticismo, e que os leva a fazer
as perguntas dos vers. 11 e 12. O próprio salmista foi tentado a duvidar da
necessidade de uma estrita integridade de coração e consciência. Sua aderência
ao alto código moral da lei parecia vã, no que dizia respeito à vantagem
tangível; realmente, seus esforços para viver uma vida sóbria e piedosa não lhe
tinham trazido evidências da aprovação divina, mas tão somente um castigo
diário (13-14). Tivesse ele declarado em público as suas dúvidas, e teria
desviado muitos outros cuja fé era fraca (15). Quanto mais ele ponderava sobre
essa inversão de valores, mais difícil e perturbadora ela ficava (16). Mas,
finalmente, dirigiu-se ele ao santuário de Deus (17) e meditou sobre o estado
final dos ímpios. Ali descobriu uma nova concepção; percebeu que a vida o
deixara perplexo porque não tinha considerado a mesma à luz do estado final.
A
primeira fase do reajustamento do salmista foi endossar a crença tradicional na
justiça divina. Os perversos finalmente serão conduzidos à sua ruína total (a
palavra traduzida aqui como destruição (18) ocorre mais uma vez somente em Sl
74:3). E assim teria de ser, pois o caminho que os ímpios escolhem é
escorregadio e inseguro: será bastante que o julgamento comece para serem
imediatamente arrebatados pelas conseqüências de suas ações passadas, que então
os consumirá de terrores (19). Porém, foi à segunda fase de sua experiência que
mais abalou o salmista.
A
sorte do iníquo é, realmente, uma questão secundária, subordinada: no que
respeita a Deus, são apenas fantasmas, tão irreais como sonhos. (Isso não
subentende que Deus não se preocupe com os pecadores; mas o salmista usa uma
comparação exagerada a fim de salientar o ponto de vista totalmente diferente).
Aquilo que perturba o homem ímpio quase que se trata de uma questão sem
importância para Deus. Assim o meu coração se azedou (21). Seu sentimento
anterior de queixume amargo fora tão míope e estúpido como se ele fosse um
animal (a palavra é behemoth, como em Jó 40:15); isto é, sem a capacidade de
comunhão com Deus. Ele se desviara ao considerar a vida como algo puramente
natural. A grande realidade da vida, porém, é espiritual - a contínua presença
de Deus. Ele está sempre próximo para assegurar, para fortalecer, para
aconselhar, a ponto de, finalmente, o salmista ser levado a uma experiência de
honra e glória.
Existe
alguma incerteza sobre o discernimento que o salmista tinha a respeito da
existência após a morte. Aceitar os vers. 23-24 tal qual eles afirmam, faz com
que se tornem notáveis do Antigo Testamento como declaração de crença numa vida
gloriosa depois da morte, para aqueles que tiverem andado fielmente com Deus
sobre a terra. É fácil para nós interpretarmos as palavras dessa forma por
causa de nossa esperança certa e segura, na qualidade de crentes cristãos,
mediante a ressurreição de nosso Senhor. Porém, é bastante duvidoso que o
salmista tenha visto tanto de maneira tão clara. Há três pontos a ser notados:
Glória (24) não tem aqui o sentido de glória espiritual no além; mas significa
honra pessoal, tudo quanto contribui para a personalidade de um homem na vida,
quer se trate de suas habilidades ou possessões (cfr. Sl 7:5; Sl 16:9). No céu
(25), literalmente, "nos céus", ou seja, o espaço físico das estrelas
e do sol (cfr. Sl 19:1,6). Nada é dito aqui sobre o ato de morrer, pois a palavra
depois não implica senão "depois do presente período de dúvidas e
angústias ter passado".
Deve-se
notar que ao considerar o "fim" dos ímpios (17) nada parece indicar
que o salmista estivesse olhando para além de sua morte física: a aparente
discrepância entre os vers. 14,19 se deve à diferença de opinião. O mistério da
impiedade próspera fora satisfatoriamente tratado mediante a percepção de duas
coisas, a saber, que a filosofia do homem natural - "comer, beber, e
divertir-se" - é falsa; e que o problema inteiro fora revestido de uma
importância falsa devido a uma visão obscurecida sobre o caráter e a graça de
Deus.
A
minha carne e o meu coração desfalecem (26) parece indicar declínio nos poderes
físicos e mentais devido à idade avançada. O reajustamento de valores,
previamente descrito, teve de resistir à intensificação da dúvida que se
levantava devido a isso e devido às possíveis recorrências de dificuldades
materiais. Não obstante, o conhecimento que ele obtivera sobre a persistente e
abençoada comunhão com Deus também tinha amadurecido (26) e o salmista foi
capaz de, confiada e fervorosamente, estabelecer as extremidades da questão
inteira, a saber, aqueles que se afastam do caminho de Deus seriam
inevitavelmente arruinados, mas, quanto a ele mesmo, a proximidade de Deus era
a fonte e a causa de todo seu bem-estar. A declaração geral do vers. 1
tornou-se uma confissão pessoal e um testemunho. Note-se o contraste entre
alongam de ti (27) e aproximar-me de Deus (28).
II. A REALIDADE DO PRESENTE E A INCERTEZA DO
FUTURO (Ec 9)
Só precisamos usar os olhos sem preconceito, de
acordo com o Salmo 19 e Romanos 1:19ss., para ver que há um Criador poderoso e
glorioso. Mas é preciso mais do que uma simples observação para descobrir
qual a disposição dele para conosco. Quer tomemos aqui as palavras amor e
ódio como uma forma bíblica de dizer "aceitação ou rejeição",
ou simplesmente em seu sentido primário, teremos, de qualquer maneira, apenas
uma vaga resposta acerca do caráter do Criador se considerarmos o mundo em que
vivemos, com sua mistura de deleite e terror, de beleza e repugnância.[1]
Se a questão fosse colocada no lugar exato, ainda
seria desconcertante; e quanto menos à vontade nos sentíssemos, tanto mais nos
sentiríamos entregues nas mãos de Deus (v.
1a). Mas agora Coelet torna a
questão ainda mais difícil para nós, destacando um fato que parece colocar a balança decisivamente contra nós
(sempre supondo que estamos
raciocinando apenas baseados no que podemos ver). Então, ainda por cima, antes de concluir o capítulo, ele nos
faz enfrentar dois fatos associados ao anterior. O primeiro dos três é a
morte.
Se estamos certos em iniciar o
versículo 2 com as palavras "Tudo lhe está oculto no futuro (v. 1c), o fato é que, embora as coisas que nos cercam não nos dêem qualquer
indicação do que Deus pensa de nós, nossas
esperanças tornam tudo muito claro. A julgar pelas aparências, Deus simplesmente não se
importa. As coisas que supostamente deveriam lhe interessar mais acabam não
fazendo diferença alguma (pelo menos,
nenhuma que se perceba) na forma como somos descartados no final. Moral ou
imoral, religioso ou profano, somos todos ceifados da mesma maneira. Daqui a cem anos, como dizemos,
continuará sendo a mesma coisa.
Mas, embora a morte pareça dizer
isso - e ela sempre dá um jeito de ficar com a última palavra - nós imediatamente apresentamos um
protesto. O que talvez não tenhamos notado, pois ele não chama a nossa atenção
para isso neste ponto, é que este sentimento de
ultraje é um fato tão certo a nosso respeito quanto a nossa mortalidade. O que torna este livro tão
fascinante são principalmente estas colisões
entre os fatos obstinados da observação e as intuições igualmente obstinadas.
Assim ele nos impulsiona rumo a uma síntese
que fica muito além de suas páginas - neste caso, a perspectiva da recompensa e do castigo no mundo futuro.
Enquanto isso, examinamos o
mundo como ele se nos apresenta, tendo a morte como obliteradora universal e o mal aumentando em profusão. As duas coisas têm uma certa
relação. Viver em um mundo aparentemente sem significado é profundamente
frustrante, e a desilusão dá lugar à aniquilação e ao
desespero, à loucura dos violentos ou ao desespero dos solitários.
Será que o desespero é tudo que nos resta? Para nossa
surpresa, o homem de um modo geral pensa
que não, ou, então, a raça humana já teria acabado há muito tempo. E Coelet
concorda com isso. A vida decididamente
vale a pena ser vivida. Afinal, na pior das hipóteses, ou quase isso, a vida é melhor do que o nada, que
é o que a morte parece ser. O forte
senso prático do versículo 4,[2] com o
popular provérbio ilustrando o seu ponto de vista, abre caminho para uma
recusa vigorosa nos próximos dois
versículos em deixar que a morte intimide os vivos antes da hora. Antes, que a vida meta a morte no chinelo! Será que o homem vivo sabe tanto para se sentir
consolado? Mas de que valeria ser um
cadáver sem saber nada, sem esperar nada, sem nenhum valor no mundo?
Sob a própria sombra da morte,
este espírito positivo ilumina o restante da passagem (vs. 7-10) tanto quanto o faria uma coisa temporal, pois, embora não seja a resposta
completa, desfruta da aprovação de Deus. Não é à toa que ele é a fonte de todos
os dons da vida terrena: o pão e o vinho, as festas e o trabalho, o casamento
e o amor.
Este não é o único lugar onde
se encontram sentimentos deste tipo. A canção de um banquete fúnebre egípcio, talvez mais ou menos contemporâneo
de Gilgamesh, contém o seguinte conselho, após advertir os vivos acerca do que terão de enfrentar:
"Realiza os teus desejos
enquanto estiveres vivo. Unge a tua cabeça com mirra, veste-te de linho fino, e unge-te..., e não aborreças o teu coração, até que chegue o dia da lamentação."
Um escritor moderno, no
entanto, destaca acertadamente a nota diferente tocada por Coelet ainda que ele escreva nesse mesmo tom. "Os seus conselhos recomendando
aceitar e gozar o que é possível em cada caso contêm um lembrete da existência de Deus", na verdade de "uma vontade positiva de
Deus". Isto está particularmente claro na convicção do versículo 7b, de que Deus já aceitou o
gesto de gratidão. Esse gesto é considerado não
apenas de gratidão, mas de humildade e avidez, na máxima faze-o conforme as tuas forças (v. 10). E,
neste ponto, a brevidade da vida
tornou-se um impulso, como o foi para o nosso Senhor quando falou da chegada da
"noite ... quando ninguém pode
trabalhar" (Jo 9:4). Mas uma característica deste livro é que, até mesmo nesta conexão, a morte não é apresentada com
uma visão passageira, mas com um olhar fixo para os seus aspectos
desoladores. A morte, porém, não é o único perigo.
III. A IMPREVISIBILIDADE DA VIDA
O tempo e o acaso estão lado a lado, sem
dúvida porque ambos têm um jeito de arrancar subitamente as coisas de nossas
mãos. Isto é bastante óbvio no que se
refere às oportunidades, pois a providência opera em segredo, e na perspectiva
do homem a vida é feita principalmente de passos rumo ao desconhecido e de
acontecimentos que surgem do nada, que podem mudar
totalmente o padrão da nossa existência num dado momento. Quanto ao tempo, o capítulo 3, com o "tempo de nascer ... tempo de
morrer", e assim por diante, já provou quão inexoravelmente nossas vidas são jogadas de um extremo para o outro pela força das vagas da maré
que não podemos controlar. Tudo isso
vem contrabalançar a impressão que podemos adquirir das máximas acerca do trabalho duro, de que o
sucesso é nosso quando queremos. No
mar da vida somos mais como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira, ou os que são inexplicavelmente
poupados, e não os donos de nosso destino nem os capitães de
nossas almas.
A sabedoria que busca luz por detrás do horizonte da
morte, recebe confirmação das trevas e confusões da cena que há neste lado do
horizonte. Portanto, depois de ter perscrutado o horizonte, Eclesiastes
retornou e viu debaixo
do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos valentes a peleja (11). Portanto, é verdade que andamos por fé e não pela vista. “A
fé é de coisas que não aparecem. E assim, para que exista espaço para a fé, é
necessário que todas as coisas que são seus objetos estejam ocultas. Entretanto,
não podem estar mais remotamente ocultas que debaixo de seus objetos,
experiências e sentimentos contrários" (Lutero, De
servo arbítrio). O que tem valor, no julgamento do
mundo, é riqueza e auto-propaganda; o mérito genuíno e sem ostentação passa despercebido,
sem recompensas.
CONCLUSÃO
Na confecção
deste pequeno estudo, buscamos consultar literatura que mais se aproxima com o
pensamento de nossa denominação, tentando não perder a coerência teológica.
Evitamos expressar conceitos e opiniões pessoais sem o devido embasamento na
Palavra, pois a finalidade é agregar conhecimentos, enriquecer a aula da escola
dominical e proporcionar ao professor domínio sobre a matéria em tela. Caso
alcance tais finalidades, agradeço ao meu DEUS por esta grandiosa oportunidade.
Ev. JOSÉ COSTA JUNIOR
[1]
Podemos imaginar, entretanto, que o versículo 1b
fala de atitudes humanas e não divinas; cf. BJ: "O homem não
conhece o amor nem o ódio". Delitzsch e alguns outros, inclusive a BLH,
concluem a partir de 1a que o homem não é suficientemente dono de si mesmo para
saber se vai amar ou odiar numa determinada situação (embora não negando ser
responsável por aceitar ou rejeitar o sentimento que experimenta). Para mim, a
ênfase na inescrutabilidade de Deus em 8:17, imediatamente antes deste
versículo, torna mais provável (e mais relevante ao argumento) que aqui se
trata da atitude de Deus e não do homem.
[2]
O TM diz "aquele que é
escolhido" (Vbhr), que dá pouco sentido e parece ser um erro de copista na palavra
"junto" (com os vivos) (Vhbr), que tem o apoio da LXX et al.
Nenhum comentário:
Postar um comentário