A EPÍSTOLA AOS ROMANOS
TEXTO ÁUREO
= “Porque não
me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de
todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego.”
VERDADE
PRÁTICA =
A Epístola aos Romanos mostra que sem a graça divina todos os nossos esforços
são inúteis para a nossa salvação e comunhão com Deus.
LEITURA
BIBLICA = Romanos 1.1-17
INTRODUÇÃO
A
respeito da Epístola aos Romanos, Martinho Lutero escreveu: “Esta epístola é a
parte principal do Novo Testamento, e o mais puro evangelho, que certamente
merece a honra de um cristão não apenas conhecê-la de memória, palavra por
palavra, mas de também dedicar-se a ela diariamente, como alimento para a sua
alma. Pois ela nunca será exaustivamente lida ou entendida. E quanto mais é
estudada, mais agradável se torna, e melhor parece!”
Estudiosos
discutiram a reivindicação de que esta Epístola seja “a parte principal do Novo
Testamento”. Existem fortes razões para afirmar que os Evangelhos detêm esta
distinção, uma vez que eles constituem o testemunho histórico básico de Cristo,
mas devemos concordar com a opinião de que “aprende-se a conhecer o que é o
evangelho, o que é o conteúdo da fé cristã, na Epístola aos Romanos, melhor do
que em qualquer outra parte do Novo Testamento”.
Ao
longo dos séculos, esta Epístola, de uma maneira peculiar, foi capaz de dar o
impulso para a renovação espiritual. Quando a igreja se desviou do evangelho,
um profundo estudo da Epístola aos Romanos repetidamente foi o meio pelo qual
se recuperou a perda.
Em
um dia de verão do ano 386 d.C., o brilhante Agostinho de Hipona, professor de
retórica em Milão, sentou-se chorando no jardim de seu amigo Alípio. Depois de
escapar das orações da sua religiosa mãe, Mônica, ele tinha ficado sob a
influência do ministério do bispo Ambrósio, em Milão. Quando ele se sentou no
jardim, quase convencido a romper com a sua antiga vida de pecado, ouviu as
vozes de crianças que brincavam. Ele pensou ter ouvido as palavras: Tolie lege!
Toile lege! (“Apanhe e leia! Apanhe e leia!”). Interpretando isto como sendo
uma voz de Deus, ele apanhou o pergaminho que estava ao lado do seu amigo e
deixou que os seus olhos lessem as palavras: “Não em glutonarias, nem em
bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e
inveja.”
“Mas
revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não tenhais cuidado da carne em suas
concupiscências” (Rm 13.13-14). “Eu não li mais nada”, conta ele, “nem era
necessário, pois instantaneamente, ao final destas frases, como se uma luz de
serenidade tivesse entrado no meu coração, toda a escuridão da dúvida se
dissipou”. Quem pode avaliar o alcance
dos efeitos sobre a igreja e o mundo que teve a iluminação do coração e da
mente de Agostinho?
Em
novembro de 1515, Martinho Lutero, um monge agostiniano e doutor em teologia
sagrada na Universidade de Wittenberg, iniciou as suas exposições sobre a
Epístola aos Romanos. Ao preparar as suas palestras, ele começou a ver mais e
mais claramente o significado do evangelho de Paulo da justificação pela fé.
“Certamente eu tinha ficado possuído por um incomum e ardente desejo de
entender Paulo na sua Epístola aos Romanos”, escreveu. Apesar disso, a despeito
do ardor do meu coração, eu me encontrava impedido por uma expressão no
primeiro capítulo: ‘Nele se descobre a justiça de Deus.
Eu
detestava esta expressão: ‘justiça de Deus’, porque, de acordo com o uso e os
hábitos dos doutores, eu tinha sido ensinado a entender isso filosoficamente,
como significando, como eles diziam a justiça ativa ou formal, segundo a qual
Deus é justo e pune os peca- dores e os injustos... Dia e noite eu tentei
meditar sobre o significado destas palavras...
Então,
finalmente, Deus teve misericórdia de mim e comecei a compreender que a justiça
de Deus é aquela dádiva de Deus segundo a qual vive um homem justo, ou seja, a
fé... “Agora eu me sentia como se tivesse renascido completamente, e tivesse
entrado no Paraíso”. O mundo inteiro
conhece as conseqüências deste novo discernimento.
No
dia 24 de maio de 1738, John Wesley anotou no seu Jornal: “À noite, eu fui,
muito contra a minha vontade, a uma reunião em Aldersgate Street, onde alguém
estava lendo o prefácio de Lutero para a Epístola aos Romanos. Faltando uns
quinze minutos para as nove, enquanto ele descrevia a mudança que Deus opera no
coração por meio da fé em Cristo, senti o meu coração estranhamente aquecido.
Senti que eu realmente confiava em Cristo, e somente em Cristo, para a
salvação: e me foi dada a certeza de que ele tinha eliminado os meus pecados,
os meus, e que ele tinha me salvado da lei do pecado e da morte”. Este foi o momento em que nasceu o avivamento
evangélico do século XVIII.
O
que aconteceu com Agostinho, Lutero e Wesley mudou o rumo da civilização
ocidental. Em uma escala menor, coisas semelhantes podem acontecer conosco, se
permitirmos que as palavras desta Epístola cheguem vivas às nossas mentes e aos
nossos corações, pelo poder do Espírito Santo.
A.
LUGAR E DATA
EM QUE FOI ESCRITA
Em
nenhuma das outras cartas de Paulo o lugar e a data em que foi escrita estão
tão claramente indicados na própria carta, como no caso da carta aos Romanos.
Em 15.19-32 o apóstolo deixa claro que ele está se aproximando cio ponto
culminante do seu ministério no Oriente.
Ele
pregou o evangelho “desde Jerusalém e arredores até ao Ilírico”, e prossegue
dizendo que sente ter concluído a sua missão naquela vasta região. Agora ele
planeja ir à Espanha, e visitar a igreja romana no caminho, uma vez que Roma já
está evangelizada. Porém antes, ele precisa executar uma tarefa especial em
Jerusalém. Durante algum tempo ele se dedicou a fazer uma coleta entre as
igrejas da Macedônia e da Grécia, para “os pobres santos” que estavam em
Jerusalém. Esta oferta agora está praticamente completa, e Paulo só está
esperando a oportunidade para entregá-la.
Como
em 1 Coríntios 16.3-4, Paulo indica que ele planeja terminar o seu trabalho de
coleta em Corinto e partir daquela cidade em direção a Jerusalém, e como na
época da escrita da segunda carta aos coríntios (veja 9.3-5) ele está
executando esse plano e está a caminho de Corinto, é razoável supor que ele
escreveu a Epístola aos Romanos em Corinto.
Esta
opinião encontra apoio no fato de a Epístola ter sido entregue pela diaconisa
Febe, que era de Cencréia, o porto leste de Corinto (16.1). Esta teria sido a
última visita que o apóstolo fez àquela cidade, uma vez que logo depois, em
Jerusalém, teve início o seu longo período de prisão (cf. At 20.2-3). A carta
foi ditada a um certo Tércio (16.22).
Os
estudiosos não conseguiram estabelecer, com um grau de certeza, a época exata
desta última visita a Corinto. A data depende de toda a cronologia que se adote
para o ministério de Paulo. A data mais antiga sugerida é entre janeiro e março
de 53 d.C., e a mais tardia é entre janeiro e março de 59 d.C.
B.
A OCASIÃO EM
QUE FOI ESCRITA
Durante
muito tempo Paulo tinha planejado visitar a igreja romana (1.8-15; 15.22).
Agora finalmente o projeto parece ter se tornado possível, depois da entrega da
sua oferta sacramental à igreja-mãe, em Jerusalém. “Assim que, concluído isto,
e havendo-lhes consignado este fruto”, escreve, “de lá, passando por vós, irei
à Espanha” (15.28). “Nenhuma afirmação do apóstolo poderia proclamar com maior
eloqüência o que ele imagina que é o seu trabalho. Ele é um evangelista, não um
pastor. O seu chamado, como ele o entende, é plantar e não regar. Ele não
apenas não tem desejo de construir sobre a fundação de outro homem, mas
realmente não gosta de construir”. Ele espera que a sua oferta — tão importante
que ele pretende entregá-la mesmo correndo risco de perder a vida — irá curar a
ferida e trazer paz à igreja. Com a apresentação desta oferta, o trabalho que
ele começou em Antioquia (At 13.14) terá chegado ao clímax e ele estará livre
para ir ao oeste com o evangelho.
Mas
por que Paulo escreveu este tipo de carta aos Romanos? Para começar, durante
anos ele tinha estado em controvérsia com o elemento fariseu na igreja, que
dava muita importância à lei mosaica. Ele tinha escrito a carta aos Gálatas e a
segunda carta aos Coríntios no calor dessa controvérsia. Agora, em Corinto, ele
tinha tempo livre e paz. Esta era a sua oportunidade para definir
sistematicamente as conclusões às quais o Espírito o tinha guiado, a respeito da
questão entre Cristo e a lei. Até certo ponto, é uma expansão sistematizada da
carta aos Gálatas, mas a seção ética da Epístola mostra afinidades definidas
com a primeira carta aos Coríntios.
Além
disso, Paulo desejava esclarecer quaisquer mal-entendidos sobre o evangelhoque
ele pregava. Como esperava que a igreja romana apoiasse o seu plano de
evangelizar a Espanha, isto era muito importante. Falsos rumores tinham chegado
a Roma a respeito da mensagem de Paulo. Portanto, uma afirmação cautelosa da
sua posição é apresentada com a oração de que os romanos lhe dêem uma calorosa
acolhida quando ele chegar, e que tenham disposição para ajudá-lo neste
trabalho na metade ocidental do império.
C.
A IGREJA EM
ROMA
Não
dispomos de informações diretas sobre a origem do cristianismo em Roma. O seu
início está perdido na obscuridade. A tradição de que Pedro foi o seu fundador
não tem embasamento histórico, embora haja uma concordância geral de que Pedro
teria ido a Roma, e sido martirizado ali.
Existe
uma referência a “forasteiros romanos” presentes em Jerusalém no Dia de
Pentecostes (At 2.10). E possível que estes convertidos fossem os primeiros a
levar a sua nova fé de volta à “Cidade Eterna”. Sabemos que se viajava muito
naquela época e que havia uma migração contínua da capital para todos os cantos
do império. O capítulo 16 dá testemunho do fato de que muitos dos cristãos na
congregação romana tinham vindo à capital originários de outras regiões,
especialmente da Ásia Menor.
Ambrosiaster,
escritor do século IV, fornece o que é o relato mais provável do início cristão
em Roma. “E sabido que havia judeus vivendo em Roma na época dos apóstolos, e
que aqueles judeus que criam passaram aos romanos a tradição de que eles
deveriam professar Cristo e respeitar a lei... não se devia condenar os
romanos, mas sim louvar a sua fé, porque sem ver nenhum sinal ou milagre, e sem
ver nenhum dos apóstolos, ainda assim eles aceitaram a fé em Cristo, embora
segundo um rito judeu”.
Isto
parece estar de acordo com a evidência que obtemos da obra Life ofClaudius, de
Suetônio: “Ele expulsou os judeus de Roma, porque eles se agitavam sob a
instigação de Chrestus” (impulsoreChresto). Nada mais se sabe sobre este
Chrestus.
Era
um nome comum entre escravos, e possivelmente Chrestus era um agitador servil.
Mas a maioria dos estudiosos é favorável à opinião de que Chrestus é uma
alteração de ortografia de Christus (a pronúncia de e e i dificilmente diferia
na língua grega desse período). Parece que o público geral, para quem o termo
religioso cristão e judeu Christus teria sido incompreensível, o entendia como
o Chrestus familiar. Assim, seria perfeitamente possível, se não provável, que
a afirmação de Suetônio seja uma referência aos problemas que surgiram nas
sinagogas de Roma quando o cristianismo foi introduzido ali. Seja como for, os
judeus cristãos, e também os outros, foram banidos de Roma por um decreto de
Cláudio em 49 d.C. Este fato é mencionado em Atos 18.2 como sendo a razão da
presença de Áquila e Priscila em Corinto.
Portanto,
podemos supor que por volta de 49 d.C. o cristianismo tinha sido introduzido na
cidade. Se o relato de Ambrosiaster deve ser considerado como confiável, ainda
precisamos levar em consideração o fato de que na época em que Paulo escreveu
esta Epístola a igreja era predominantemente gentílica (cf. 1.13; 11.13-25).
Não
sabemos com exatidão como se desenrolaram os eventos, mas parece provável que o
decreto de Cláudio teve o resultado de provocar uma modificação, talvez
profunda, na igreja cristã, que foi privada dos seus elementos judeus.
Aparentemente no período que se seguiu a 49 d.C., a fé se espalhou rapidamente
entre os gentios de Roma. Posteriormente, a proibição aos judeus foi suavizada
e finalmente revogada, mas nesta época a igreja parece ter se separado
completamente das sinagogas da cidade. E óbvio, no entanto, que o cristianismo
romano manteve “uma aparência mais sóbria e conservadora que o cristianismo de
Paulo”. Isto resultou não somente da
influência judaica que já mencionamos, mas também, sem dúvida, refletia o
temperamento legal romano (veja 1.11, com comentários).
D.
O TEXTO
Embora
não seja um tema crucial, devemos observar dois fatos a respeito do texto desta
Epístola. 1) No início da igreja (pelo menos depois de 200 d.C.), a Epístola
aos Romanos circulava em duas formas, a mais curta delas sem os capítulos 15 e
16, exceto a doxologia (16.25-27). Não há dúvida de que Paulo escreveu
15.1—16.24 (a autenticidade de toda a Epístola é praticamente inquestionável).
No entanto, surge a dúvida se o apóstolo escreveu a versão mais curta e mais
tarde ampliou-a à sua forma atual, ou se ele escreveu a forma longa, que
posteriormente foi reduzida (talvez por outras mãos). 2) O segundo problema é
relativo ao capítulo 16. Foi sugerido por críticos modernos que este capítulo
originalmente não era parte da Epístola aos Romanos, mas foi incorporado à
Epístola por um dos primeiros editores. A maioria daqueles que são favoráveis a
esta teoria julga que o capítulo 16 provavelmente é parte de uma carta perdida
destinada à igreja de Éfeso.
1.
As Duas
Formas da Epístola aos Romanos
E
sabido que houve traduções para o latim da Epístola aos Romanos por volta de
200 d.C., que terminam em 14.23, mas que incluem a doxologia (16.25-27) e
muitos manuscritos gregos chegaram até nós nessa forma mais curta. O famoso
herege Marcião afirmava conhecer a Epístola somente nesta forma. Alguns dos
manuscritos também omitem a expressão “em Roma” em 1.7,15. Isto sugere que a
forma curta pode ter feito o seu circuito como uma carta circular.
Um
rápido exame do capítulo 15 revela que é uma continuação do tema de 14.1-23. Na
verdade, sem 15.1-6 a discussão ficaria incompleta. Além disso, o plano da
Epístola pede uma conclusão como a que encontramos em 15.7-13. A teoria mais
provável, e apoiada por todos os estudiosos conservadores, é que Paulo escreveu
a versão mais longa que foi posteriormente reduzida. Muitos estudiosos
acreditam que foi Marcião quem criou a versão reduzida. Pois é sabido que ele
cortou livre e drasticamente elementos judaicos dos livros que ele incluiu no
seu cânone d Novo Testamento. Alguns acreditam que a doxologia seja obra de
Marcião.
2.
A Questão do
Capítulo 16
Ao
estudar esta questão, devemos ter em mente que não existe nenhuma evidência nos
manuscritos para separar o capítulo 16 do 15. Aqueles que questionam se o
capítulo 16 pertence à Epístola original fazem isso baseados no fato de que: 1)
parece improvável que Paulo enviasse tão grande número de saudações a
indivíduos numa igreja para a qual ele era um estranho; 2) as exortações de
16.17-20 não estão coerentes com o conteúdo e o tom do restante da Epístola; e
3) o apóstolo coloca uma bênção em 15.33, aparentemente concluindo a Epístola
neste ponto.
Realmente
são problemas, mas ninguém foi capaz de demonstrar, a partir destas objeções,
que Paulo não escreveu esta parte da Epístola aos Romanos. Os estudiosos não
foram além das especulações sobre estes temas, e qualquer solução proposta está
sujeita a críticas.
A
respeito da primeira objeção podemos ressaltar que em nenhuma das cartas de
Paulo a igrejas onde ele é pessoalmente conhecido, o apóstolo destaca
indivíduos para fazer-lhes saudações especiais. (Aparentemente, para evitar a
demonstração de favoritismos.) Este talvez seja o argumento mais forte contra a
teoria de que o capítulo 16 é um fragmento de alguma carta perdida aos efésios.
Por outro lado, Paulo tinha razões para desejar estabelecer contatos pessoais
com a igreja romana e pode ter decidido, por essa razão, enviar saudações para
quaisquer membros que ele pudesse ter conhecido.
Não
é improvável que muitos de seus amigos tivessem se mudado para Roma, Todos os
caminhos levavam à “Cidade Eterna”, e havia uma espantosa quantidade de viagens
naquela época, especialmente as feitas por comerciantes como Priscila e Áquila
(16.3).
Também
é provável que alguns, talvez muitos, dos amigos que o apóstolo cumprimenta
fossem crentes judeus que ele tinha conhecido depois que o decreto de Cláudio
os tinha expulsado de Roma em 49 d.C. (veja o tópico D). Outros nomes na lista
de Paulo são conhecidos por terem importância identificada com a igreja romana
(veja os comentários sobre 16.3-15).
A
dificuldade de considerar a advertência contra “dissensões e escândalos contra
a doutrina” que os romanos tinham aprendido (16.17) não é imaginária. Mas Dodd
escreve: “Quanto ao seu conteúdo, não seria verdade dizer que o único perigo
que Paulo percebeu na igreja romana surgiu do grupo judeu. Ele tem em mente, de
tempos em tempos, interpretações antiéticas do cristianismo, tais como as
encontradas mais tarde em alguns textos hereges gnósticos, e dirige contra elas
os seus enfáticos ensinos sobre as exigências éticas do evangelho (por exemplo,
vi. 1-14, viii. 5-13, xii. 2). Embora no corpo da epístola ele não indique
definitivamente tais tendências como um perigo à unidade da igreja, pode ter se
sentido obrigado a fazer uma advertência contra tal perigo antes do final da
carta”.
O
problema ocasionado pela colocação da bênção em 15.33 não é importante. Ela
pode ser interpretada simplesmente como uma breve oração que completa a parte
principal da epístola antes das saudações pessoais (cf. 16.20, 24).
“Estaremos
bem acompanhados”, observa Barth, “se percebermos o problema, mas deixarmos
esse assunto em aberto e nos dedicarmos ao texto como ele nos é apresentado,
pela impressionante quantidade de evidências textuais e como ele, na verdade,
sempre foi lido pela igreja cristã”.
ESBOÇO
1. A
INTRODUÇÃO DE PAULO, 1.1-17
A.
A Saudação do Apóstolo, 1.1-7
B.
O Interesse de Paulo pela Igreja Romana, 1.8-15
C.
O Tema da Epístola, 1.16,17
II. O
EVANGELHO DA JUSTIÇA DE DEUS, 1.18—11.36
A.
A Justiça de Deus é Necessária, 1.18—3.20
B.
A Justiça de Deus é Concedida, 3.2 1—8.39
C.
A Justiça de Deus na História, 9.1—11.36
III. OS
FRUTOS DA JUSTIÇA DE DEUS, 12. 1—15.13
A.
A Base da Ética Cristã, 12.1,2
B.
O Amor Cristão dentro da Igreja, 12.3-13
C.
O Amor Cristão fora da Igreja, 12.14—13.14
D.
O Amor Cristão e as Diferenças de Opinião, 14.1—15.13
IV CONCLUSÃO
PESSOAL, 15.14—16.27
A.
Justificativa de Paulo para as suas Admoestações, 15. 14-21
B.
Os Planos de Paulo, 15.22-33
C.
Apresentação de Febe, Saudações e Advertências, 16.1-24
D.
Doxologia Final, 16.25-27
A INTRODUÇÃO
DE PAULO
Romanos
1.1-17
A.
A SAUDAÇÃO
DO APÓSTOLO, 1.1-7
Todas
as cartas antigas iniciavam-se conforme um modelo: “Gaio a Júnio, saudação”.
Paulo usa a forma habitual — Paulo... A todos os que estais em Roma — mas ele
expande e dá uma ênfase cristã a cada parte da fórmula. A extensão da saudação
é explicada pelo fato de que Paulo não havia fundado a igreja em Roma, e ainda
não a visitara. Além disso, desde o princípio, o apóstolo sentiu a necessidade
de expor os pontos de destaque da polêmica que viria a seguir. Este fato
confere uma importância incomum às suas palavras de abertura. “Elas são muito
mais do que uma introdução formal. Repetidas vezes o tremendo tema da carta
aparece nelas. O grande assunto é apresentado desde o início”
Paulo
se apresenta como sendo servo (doulos, servo sem liberdade, ou escravo) de
Jesus Cristo (1). Isto é mais do que uma expressão de humildade; Paulo está
completamente à disposição do seu Mestre. “O homem que fala agora é um
emissário, compelido a cumprir sua obrigação; o ministro do seu Rei; um servo,
não um amo. Por mais importante e grandiosa que possa ter sido a pessoa de
Paulo, o tema essencial da sua missão não está nele, mas acima dele”. Abraão
(Gn 26.24; Sl 105.6, 42), Moisés (Nm 12.7-8), Davi (2Sm 7.5-8) e os profetas
(Am 3.7; Is 20.3; Jr 7.25) foram chamados de servos do Senhor.
Este
é o primeiro exemplo de um uso similar no Novo Testamento, e “é impressionante
a maneira tranquila como Paulo assume o lugar dos profetas e líderes da Antiga
Aliança, e com que tranquilidade ele substitui pelo nome do seu próprio Mestre
uma conexão até agora reservada para o nome de Jeová”
Ele
ainda se identifica como alguém chamado para apóstolo. A expressão grega
(kletos apóstolos) significa literalmente “um apóstolo chamado”. Godet explica
que isto significa “um apóstolo pelo chamado”. Kletos também tem suas raízes no
Antigo Testamento. Abraão (Gn 12.1-3), Moisés (Ex 3.10) e os profetas (Is
6.8-9; Jr 1.4-5; Am 7.14- 15) eram servos de Deus por uma convocação divina. A
mesma coisa aconteceu com Paulo.
Apóstolos
significa literalmente “um mensageiro” (“alguém enviado”); é o equivalente
grego a “missionário”, que deriva da palavra latina missus. Apóstolo tem dois
significados. No sentido mais restrito, é aplicável aos Doze originais (Mc
3.14; Lc 6.13), mas em um sentido mais abrangente é usado para incluir Barnabé
(At 14.4, 14), talvez Tiago, o irmão de Jesus, (Gl 1.19) e outros (Rm 16.7).
Paulo era um apóstolo na concepção mais ampla do termo, mas ao referir-se a si
mesmo como kletos apóstolos ele está enfatizando o fato de que ele não é meramente
um apóstolo pelo fato de possuir as qualificações descritas em Atos 1.21-22,
mas por meio de um encontro pessoal com o Cristo ressuscitado (cf. 1 Co 15.8;
Gl 1.1, 15-16). “O seu chamado para ser um apóstolo, uma comissão especial de
Cristo, veio diretamente, ele afirma, de ‘Jesus Cristo, e de Deus Pai’ (Gl
1.1), que lhe atribuíram a responsabilidade de proclamar o evangelho ao mundo
gentílico (Gl 1.16)
Separado
para o evangelho, portanto, corresponde a kletosapostolos. Separado
(aphorismenos) tem a mesma raiz de fariseu (pharisaios). “Paulo, que se separou
da lei, foi separado por Deus para o evangelho”. “Devemos então chamá-lo de fariseu?”,
pergunta Barth. “Sim, um fariseu — ‘separado’, isolado e distinto. Mas ele é um
fariseu de uma ordem superior”. Ele está separado para o evangelho de Deus. A
dedicação é a resposta humana para o ato divino da separação. Deus separa os
seus servos, que em troca se dedicam a Ele. A aceitação humana do ato divino de
separação mostra o lugar da livre ação moral no cumprimento do plano
pré-ordenado de Deus (cf. 1 Co 9.27). O evangelho de Deus é “a sua alegre
proclamação da vitória e da exaltação do seu Filho, e a conseqüente anistia e
libertação que podemos experimentar por meio da fé nele”.
A
seguir, Paulo mostra a continuidade da revelação do evangelho com a antiga
aliança. As boas-novas (o evangelho) tinham sido prometidas pelos seus profetas
nas Santas Escrituras (2). O evangelho representa não uma ruptura com o
passado, mas uma consumação dele. Assim Paulo escreve em 1 Coríntios 15.3-4 que
“Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras.., e que ressuscitou
ao terceiro dia, segundo as Escrituras”.
A
repetição insistente de que estas coisas aconteceram de acordo com as
Escrituras mostra como este fato era vital para Paulo. “As palavras dos
profetas, durante muito tempo fechadas a chave, agora estão livres.., agora
podemos ver e compreender o que estava escrito, porque temos uma ‘entrada para
o Antigo Testamento’ (Lutero)”.”
Embora
o evangelho tenha a sua origem em Deus, as boas-novas são acerca de seu Filho
(3), em quem todas as promessas do Antigo Testamento são cumpridas (2Co L20), e
são realizados todos os atos de salvação de Deus (2 Co 5.18-19). “O evangelho
tem um centro ao redor do qual tudo gira. Do começo até o final, ele trata do
Filho de Deus”. Uma fórmula breve
(provavelmente relacionada à fé) expõe a natureza do Filho de Deus.
Ele
nasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em
poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos (3- 4).
Várias passagens do Novo Testamento confirmam que Jesus era descendente de Davi
(por exemplo, Mt 1.1; At 2.30; Ap 5.5); entretanto, esta é a única referência
indubitavelmente feita por Paulo (mas cf. 15.12). C. K. Barrett escreve: “É
provável que ele mencione isso pelo fato de citar a fórmula que não foi
composta por ele mesmo, e não é impossível que ele faça a citação para mostrar
a sua ortodoxia a pessoas que, no conhecimento dele, iriam reconhecer a
fórmula”.
Aqui
parece haver um consenso entre os estudiosos modernos. Franz J. Leenhardt ainda
observa que a fórmula era provavelmente de origem palestina, como sugere a
preocupação em conectar o Messias com a linhagem de Davi e de maneira similar
com a pregação de Pedro no Livro de Atos 14.
A
chave para entender esta fórmula cristológica está em compreender o seu caráter
antitético. Segundo a carne Jesus era descendente de Davi, de acordo com a
promessa do Antigo Testamento que chama o Messias de Filho de Davi. Mas Cristo
não compartilha somente a nossa humanidade. Segundo o Espírito de santificação,
aquele que em sua existência humana pertenceu à descendência de Davi, foi
declarado Filho de Deus em poder... pela ressurreição dos mortos. “Está
implícito que existem duas coisas que devem ser ditas a respeito de Cristo, que
na verdade não são contraditórias, mas sim complementares e diferentes entre
si. Cristo pertence a duas esferas ou ordens de existência, representadas
respectivamente pela carne e pelo Espírito”.
Entretanto,
uma verdade ainda mais básica se encontra nesta fórmula. Foi Aquele que era
desde o princípio Filho de Deus que se manifestou, primeiramente com fraqueza,
depois com poder. Foi o Filho pré-existente que encarnou que Deus “enviou” na
carne (8.3; cf. 8.32; Gl 4.4). A expressão verbal que nasceu no original
(genomenou) na verdade significa a “transição de um estado ou modo de
subsistência a outro”.
“E
corretamente parafraseada como ‘aquele que nasceu’ e é praticamente equivalente
à expressão de João ‘elthontos eis tonkosmon’ (‘aquele que entrou no mundo’)”.
Então,
Jesus como homem era da descendência de Davi, mas foi declarado Filho de Deus
em poder pela ressurreição. Declarado (horisthentos) em outros trechos é
traduzido como “determinado”, “ordenado” ou “limitado” (Lc 22.22; At 11.29;
17.26, 31; Hb 4.7). John Murray diz diretamente: “Não existe necessidade nem
garantia de recorrer a qualquer outra interpretação que não seja aquela
fornecida pelos outros exemplos do Novo Testamento, especificamente que Jesus foi
‘indicado’ ou ‘constituído’ Filho de Deus com poder, o que, portanto aponta
para uma investidura que teve um paralelo histórico com o início histórico
mencionado no versículo 357 A verdade é similar àquela expressa em Hebreus 1.5,
sobre a qual Wiley comenta:
As palavras
“hoje te gerei” (Hb 1.5a) são aplicadas por Paulo à Ressurreição em Atos 13.33,
e por João em Apocalipse 1.5. O Filho realmente era o “único gerado do Pai”
antes de todos os mundos, e a divindade do Filho necessariamente é à base da
Encarnação e da Ressurreição; de outra maneira, a sua obra como Mediador
estaria excluída. Mas o Filho também foi gerado na Ressurreição, o que marcou o
completo nascimento da humanidade de Jesus, do seu estado de humilhação ao da
sua glorificação e exaltação.
Portanto,
se traduzirmos horisthentos como declarado ou “designado” (RSV) ou “indicado”,
não estaremos ameaçando a doutrina da divindade essencial de Cristo. A frase
importante é em poder. Paulo não diz que Jesus foi indicado como Filho de Deus,
mas sim que ele foi indicado Filho de Deus em poder. Não devemos nos esquecer
de que já no versículo 3 o Filho de Deus é encarado não simplesmente como o
Filho eterno, mas como o Filho encarnado, sujeito às condições históricas — às
condições humanas de ser nascido da descendência de Davi. Nygren traz todas
estas idéias a um enfoque:
“Certamente
desde o início Ele foi o Filho de Deus, mas com fraqueza e humildade. A glória
divina, que antes estava oculta, se manifestou depois da ressurreição. A partir
daquele instante Ele é o Filho de Deus em um novo sentido: Ele é o Filho de
Deus ‘em poder’, o Filho de Deus em glória e em pleno poder”.
Três
outras expressões desta fórmula exigem um comentário. A mais difícil é a
traduzida literal e acertadamente como segundo o Espírito de santificação. Esta
é uma referência ao espírito humano de Jesus ou ao Espírito Santo? E um
contraste entre a carne e o espírito de Jesus, ou entre a sua natureza humana
(“a esfera da carne”) por um lado e a sua natureza celestial (“a esfera do Espírito
Santo”) por outro? Ao colocar a inicial maiúscula em “Espírito de
santificação”, a versão ARC identifica a expressão com o Espírito Santo.
E
verdade que Paulo não se refere ao Espírito Santo com esta expressão
(pneumahagiosynes) — provavelmente de origem semita — em nenhuma outra parte;
mas o problema é explicado se nós aceitarmos a tese de que o apóstolo está
citando uma fórmula palestina.
Uma
segunda expressão que pode parecer surpreendente àqueles que sabemgrego é a
traduzida na versão ARC como pela ressurreição dos mortos. A expressão
significa literalmente “ressurreição daqueles que estão mortos”. Na verdade,
Paulo diz que Cristo foi designado como o Filho de Deus em poder “pela
ressurreição daqueles que estão mortos”. Nygren entende que Paulo quer dizer:
“Através de Cristo a era da ressurreição se abre para nós. Aquele que crê no
Filho de Deus ‘passou da morte para a vida’ (Jo 5.24). Em Efésios 1.19—2.7
encontramos uma expansão dessa mesma verdade.
O
mesmo poder que levantou Cristo dos mortos nos ressuscitou da morte do pecado.
E o significado final é dado em 1 Coríntios 15.19-58. “Assim, a ressurreição é
o momento decisivo da existência do Filho de Deus. Antes disso, ele era o Filho
de Deus na fraqueza e na humildade. Pela Ressurreição Ele se tornou o Filho de
Deus em poder. Mas a Ressurreição também é o momento decisivo, um ponto de
mudança na existência da humanidade. Antes dela, toda a raça humana estava sob
a influência soberana da morte; mas na Ressurreição de Cristo a vida emerge
vitoriosamente, e tem início uma nova época, a época da ressurreição e da
vida”.
Finalmente,
existe a expressão Jesus Cristo, nosso Senhor. A confissão cristã primitiva era simplesmente
“Jesus é o Senhor” (1Co 12.3; Fp 2.11). Deus designou Jesus, Filho de Deus em
poder, pela Ressurreição, e deu a Ele o nome que está acima de todos os nomes,
o nome Senhor. O nome Jesus identifica uma pessoa lembrada, o Filho encarnado.
Cristo fala dele como o Messias prometido de Israel.
Senhor
o identifica com o indescritível Nome de Deus no Antigo Testamento —Yahweh —
traduzido na Septuaginta com a mesma palavra aqui atribuída a Jesus, Kyrios.
Deus exaltou Jesus Cristo como Senhor, e lhe deu o Nome que está acima de todos
os nomes, para que todos os joelhos se dobrem diante dele, e para que todas as
línguas confessem que Ele é Senhor.
A
revelação de que Jesus é Senhor conclui a fórmula “cristológica” que Paulo cita
e também amplia e explica a natureza da tarefa do apóstolo, de pregar o
evangelho em Roma. Do Senhor exaltado e glorificado, Paulo recebeu a graça e o
apostolado (5)23 Nem todos aqueles que recebem a graça são feitos apóstolos.
Mas para Paulo, as duas coisas eram inseparáveis.
Ele
não foi convertido primeiramente, e depois chamado para ser um apóstolo. Ao
contrário, ele recebeu a dupla convocação na estrada para Damasco (cf. At 9.15;
GI 1.15-16). Na ocasião da sua conversão ele recebeu o comissionamento de levar
o evangelho aos gentios, entre todas as gentes pelo seu nome.
Como
Jesus Cristo é Senhor de todos, todos os joelhos devem dobrar-se diante dele e
todas as línguas devem confessar o seu nome. A expressão traduzida como para a
obediência da fé (eis hupakoenpisteos) tem o seu significado literal nessa
tradução. O contexto deixa claro este significado. O domínio de um senhor e a
obediência a ele são coisas correlatas. J. A. Beet comenta acertadamente: “O
ato de fé é a submissão a Deus”. Como o pecado faz da individualidade o fim e a
regra de uma vida, a fé significa abdicar à individualidade e exaltar a Jesus
Cristo como Senhor. O objetivo de Paulo é trazer todo ser humano “à obediência
da fé”.
O
apóstolo agora chega ao ponto onde ele pode se dirigir diretamente à igreja
romana. A expressão entre as quais sois também vós (6) identifica a congregação
romana como predominantemente gentílica. Como apóstolo dos gentios, Paulo tem o
direito de lhes dirigir a sua Epístola, e de pregar o evangelho entre eles. No
entanto, Paulo se dirige a eles não como a gentios, mas como a cristãos. Eles
foram chamados para serem de Jesus Cristo, e, além disso, são amados de Deus,
chamados santos (7).
A
expressão chamados para serdes de Jesus Cristo é a tradução mais correta (ARC).
A versão NEB traz o texto: “Vocês ouviram o chamado e pertencem a Jesus
Cristo”. Como passamos a pertencer a Cristo? Nós temos a tendência de falar da
nossa escolha voluntária dele. O Novo Testamento se refere ao chamado de Deus.
Por
essa razão, Paulo se dirige aos romanos como kletoi, os chamados. Sanday e
Heacilam destacam que existe uma diferença entre o uso desta palavra nos
Evangelhos e nas Epístolas. “Nos Evangelhos kletoi são todos os que são
convidados a entrar no reino de Deus, aceitem ou não o convite; os eklektoi [os
escolhidos ou eleitos] formam um grupo menor, selecionados para uma honra
especial (Mt 22.14). No texto de Paulo, ambas as palavras se aplicam às mesmas
pessoas; kletos implica que o chamado não somente foi feito mas também
obedecido”. Ao se referir aos crentes
como os chamados, o Novo Testamento mantém diante de nós a verdade de suprema
importância da iniciativa divina na salvação, que é completa pela graça, “...
não das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9).
Os
cristãos romanos são também amados de Deus (agapetoistheou, 7). Aqui Paulo
emprega a grande palavra do Novo Testamento para amor — ágape. Este ágape é o
próprio amor de Deus, revelado de maneira suprema na cruz, onde Cristo morreu
por nós, “sendo nós ainda pecadores” (5.8), mesmo “... nós, sendo inimigos”
(5.10).
Esse
amor foi derramado nos corações dos cristãos pelo Espírito Santo (5.5). “Este
amor agora abrange toda a vida deles. A partir de agora, nenhum poder de nenhum
tipo pode separá-los h amor de Deus em Jesus Cristo (8.35-39). Quando Paulo
fala dos cristãos como ‘amados de Deus’, ele usa essa palavra no seu sentido
mais profundo e mais abrangente. Este substantivo caracteriza a sua existência
como cristãos”.
Finalmente,
eles são chamados santos (hietoishagiois). Godet observou que “chamados santos
é diferente de chamados para serem santos (que poderia fazer supor que eles não
o são). O significado é santos por meio do chamado, o que implica que eles já o
são na realidade”. Todos os crentes são
“santos” (hagioi) no Novo Testamento (15.25-26, 31; 16.2,15).
A
idéia básica da santificação é a separação. Os santos constituem o povo de Deus
que foi separado “de todos os povos que sobre a terra há... para sua herança”
(Dt 7.6; 1Rs 8.53; 1 Pe 2.9-10). Neste sentido, os cristãos romanos eram
santos. Eles já não eram mais simples gentios; eles tinham sido “chamados para
pertencer a Jesus Cristo”. “Eles eram homens que Deus tinha requisitado para
Si. Eles podiam ser carnais como os coríntios, 1Co 3.3; mas, como os coríntios,
eles também foram santificados em Cristo, 1 Co 1.2.28
Os
santos não são somente os separados, eles também são os purificados. “Uma vez
que todo o pecado é a elevação da individualidade à condição de finalidade e
regra de vida, o pecado é completamente contrário à santidade. A santidade de
Deus o torna intolerante ao pecado, porque o pecado rouba dele aquilo que a sua
santidade exige. Somente os santos são puros, e somente os puros são santos”.
Esta
purificação começa com a conversão. Comentando a respeito de 1 Coríntios
6.9-11, John Wesley faz esta observação esclarecedora:” Haveis sido lavados,
mas haveis sido santificados’, diz o apóstolo: especificamente purificados da
‘devassidão, da idolatria, da embriaguez’ e de todos os demais pecados
externos, e, ao mesmo tempo, em um sentido diferente da palavra, eles não
estavam santificados, nem lavados, nem purificados internamente da inveja, das
más suspeitas, da parcialidade”.3° Todos os santos foram purificados do pecado
no sentido que Deus requisita daqueles que romperam com o reinado do pecado em
suas vidas; e tendo recebido o Espírito santificador, eles anseiam por se
purificarem da raiz do pecado que ainda permanece dentro deles. Completamente
santificados são aqueles que se renderam completamente a Deus em uma
consagração decisiva, e são “transformados pela renovação das suas mentes ou
pensamentos” (6.13; 12.1-2; cf. 1 Co 7.1; 1Ts 5.23-24).
Agora
chegamos às palavras de saudação de Paulo: Graça e paz de Deus, nosso Pai, e do
Senhor Jesus Cristo (7). A saudação normal de uma carta grega antiga era
simplesmente a palavra chairein (saudações). Paulo usa uma palavra similar,
charis (graça), que significa o favor gratuito e imerecido que nos é concedido
por Deus, e acrescenta eirene (paz), a serenidade interior e o sentimento de um
homem de bem pela graça de Deus. Como paz (hebr. shalom) era a saudação normal
judaica, graça e paz, a saudação de Paulo em todas as suas cartas combina as
formas grega e hebraica de saudação.
De
Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo é uma expressão significativa, que
sugere a união íntima, na mente de Paulo, entre o Pai e Jesus Cristo. A graça
vem do Pai por meio de Cristo (3.24).
B.
O INTERESSE DE PAULO PELA IGREJA ROMANA,
1.8-15
Como
Paulo nunca tinha estado em Roma e não tomou parte na fundação da igreja
romana, ele sente que precisa anular as suspeitas dos romanos. Antes de fazer
qualquer outra coisa, ele precisa “fazer com que todas as barreiras da
estranheza e da suspeita sejam derrubadas”.
Ele
começa com um sincero elogio: dou graças ao meu Deus por Jesus Cristo, acerca
de vós todos, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé (8). “Paulo nada
sabe de uma fé que é tão escondida, que nada dela é visível. Todo o mundo fala
da fé dos irmãos romanos, e isto é motivo de gratidão”. Meu Deus evidencia a
intimidade e a realidade da fé religiosa de Paulo. Ainda assim, ele se dirige a
Deus por Jesus Cristo. Wesley observa: “Todas as dádivas de Deus a nosso favor
passam por Cristo, e os nossos agradecimentos passam por Cristo e chegam a
Deus”.34 Em todo o mundo provavelmente será melhor interpretado como: “Por toda
a igreja cristã e em todos os lugares as pessoas conhecem a sua fé”.
Paulo
prossegue acrescentando, como em todas as suas introduções, que ele ora pelos
crentes romanos. O bispo Charles Gore ressalta que ocorre uma profunda
diferença nos sentimentos de outras pessoas por nós quando elas têm motivo para
acreditar que nós oramos por elas.
Paulo
se permite esta vantagem. Porque Deus, me é testemunha, escreve, de como
incessantemente faço menção de vós ... Em minhas orações (9). O seu pedido
específico é que pela vontade de Deus, se me ofereça boa ocasião (10) de ir ter
com os romanos. Porque desejo ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual
(charismapneumcttikon, 11). Evidentemente, os romanos perderão esta capacitação
se permanecerem sem um contato pessoal com o apóstolo.
O
caráter dessecharisma é melhor interpretado pela leitura das descrições
encontradas em outras cartas de Paulo. Nele estão tanto o “fruto” do amor
divino (1Co 13; Gl 5.16, 22-25) quanto os “dons” do serviço ao corpo de Cristo
(1 Co 12.4-3 1; 14. 1-40). “Paulo provavelmente sentia que ao cristianismo
romano faltava a qualidade ‘carismática’ que para ele era tão significativa. A
concessão deste ‘dom’ seria o principal interesse da sua visita, mas
dificilmente de uma carta”.36 No entanto, Karl Barth pensa que “este particular
dom do Espírito é simplesmente o evangelho, que, de acordo com 1.5, tinha sido
confiado ao apóstolo. Outros homens têm dons diferentes... este dom em
particular, a proclamação do evangelho, é o dom do serviço apostólico sobre ele
derramado”.37 Se isto é o que Paulo quer dizer, os romanos receberiam o
Espírito ao ouvir o evangelho com fé, e, conseqüentemente, experimentariam o
charisma (cf. At 19.1-6; Gl 3.2).
Depois
desse início sem rodeios, Paulo expressa a razão do seu desejo de ir
visitá-los.., a fim de que sejais confortados. Ele não diz “para que eu possa
confortá-los”. O uso modesto da voz passiva omite a participação pessoal de
Paulo. Ele continua: isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado
pela fé mútua, tanto vossa como minha (12). A ênfase recai sobre a
reciprocidade do que irá acontecer quando ele fizer a visita. Os cristãos
romanos também terão algo para dar ao apóstolo. Paulo aqui exemplifica o
espírito de uma pessoa que é genuinamente espiritual. Ele não adota ares de
superioridade religiosa (cf. Gl 6.1).
Paulo
pode ser um estrangeiro em Roma, e a igreja pode ter sido fundada por outro
homem, mas ainda assim o apóstolo dos gentios pode escrever: Não quero, porém,
irmãos, que ignoreis que muitas vezes me propus ir ter convosco para também ter
entre vós algum fruto, como também entre os demais gentios (13). Não há dúvida
quanto ao seu direito, ou ao seu desejo, de pregar em Roma. A razão pela qual
ele ainda não havia feito essa visita é porqueaté agora tenho sido impedido.
“Aqui, Paulo não fala (como em 1Ts 2.18) de um impedimento por Satanás; na
verdade, o uso da voz passiva pode (à moda semita) esconder uma referência a
Deus — não tinha sido a vontade de Deus que Paulo fosse (cf. At 16.6ss., e
talvez 1 Co 16.12).
Isto
provavelmente deve ser interpretado como significando que tarefas urgentes
(somente recentemente terminadas, 15.l8ss., 22ss.) haviam mantido o apóstolo no
Oriente”. Paulo quer deixar claro que a razão de sua visita desejada por tanto
tempo é maior do que o seu próprio desejo; é o seu dever inevitável. A sua
introdução adequadamente atinge o seu ponto máximo na declaração: Eu sou
devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes. E
assim, quanto está em mim, estou pronto para também vos anunciar o evangelho, a
vós que estais em Roma (14-15). Os gregos e os bárbaros significam praticamente
“os cultos e os incultos”. De maneira similar, os sábios e os ignorantes significam
“os instruídos e os rudes”. Paulo
simplesmente quer reconhecer o caráter inclusivo da sua dívida. A sua tarefa,
como um apóstolo, é trazer todos os homens sob o domínio de Jesus Cristo e à
“obediência da fé”.
C.
O TEMA DA
EPÍSTOLA, 1.16,17
Estes
dois últimos versículos da seção introdutória dão a definição, nos próprios
termos de Paulo, do evangelho que ele acaba de dizer que pretende pregar em
Roma. Aqui o apóstolo começa a apresentar o motivo pelo qual a Epístola foi
escrita. Dificilmente se percebe, no entanto, a transição do tema precedente.
Ele
começa assegurando aos romanos: não me envergonho do evangelho (16).42 Ele
deseja que eles entendam que a sua demora não significa algum receio de sua
parte acerca do evangelho. “Ninguém deve pensar que ele não poderia ir por
estar evitando o desafio que Roma em particular — como o verdadeiro centro do
mundo gentílico — poderia representar à sua mensagem. Ele não tem medo de que o
evangelho não esteja à altura do seu encontro com a cultura e a vulgaridade
acumuladas pela metrópole, nem que os poderes (espirituais ou não), a cultura e
a banalidade dominantes ali, possam diminuir o evangelho e até ridicularizar o
apóstolo”.43 Mas esta intrepidez não se baseia em uma confiança nos seus
próprios recursos espirituais, nem na sua eloqüência, ou em algo deste tipo. A
sua confiança se baseia unicamente no poder do evangelho (cf. 1 Co 2.1-5).
Barth
destaca que Paulo não diz que o evangelho tem este poder, mas que é o poder de
Deus — o próprio poder de Deus, único, incomparável, onipotente. Quando o
evangelho é proclamado no Espírito Santo, o poder de Deus (dynamis) está
trabalhando. Paulo poderia ter usado o termo energeia aqui, mas a sua escolha
pela palavra dynamis coloca a ênfase sobre a Fonte e não no processo do poder
do evangelho”. Deus é a Fonte da salvação, mas Ele salva por meio da mensagem
do evangelho (cf. 1 Co 1.18-21).
“E
a implicação é que o poder de Deus só é operante para a salvação através do
evangelho. E o evangelho que é o poder de Deus para a salvação. A mensagem é a
Palavra de Deus, e a Palavra de Deus é viva e poderosa” (cf; Hb 4.12).’
Salvação
(soterian) é o efeito do evangelho. Soteria significa libertação, “tanto no
aspecto negativo de libertar da Ira sob a qual está o mundo todo (v. 18 e seguintes),
quanto no seu aspecto positivo da distribuição da vida eterna (Mc 10.10; Jo
3.15, 16; etc.)”.46 A posse destes dois privilégios é a saúde do homem
(soteria, de sos, de estar são e salvo). A salvação que o evangelho produz é
messiânica — ou seja, foi iniciada, embora não consumada, no ministério, na
morte, na ressurreição e na ascensão de Cristo, “e desde o início foi marcada
pelo poder: nos milagres, na ressurreição e, conseqüentemente, na obra do
Espírito Santo. Foi graças a este poder que o evangelho pregado por Paulo...
teve o seu efeito entre aqueles que o ouviam, e sentiam o ‘poder da era que
viria’ (Hb 6.5)”.
É
este prazer da antecipação da salvação no poder do evangelho, que é a chave do
pensamento de Paulo. O poder de Deus para salvação está trabalhando em todo
aquele que crê. No sentido estrito da palavra grega, os crentes não são salvos,
mas estão no processo de serem salvos. Paulo baseia a sua certeza da salvação
final no fato de que “Cristo morreu por nós” (5.9-10). Enquanto isto, os crentes
gemem e sofrem durante a espera pela redenção dos seus corpos, pois eles são
“salvos em esperança” (8.23). Mas eles têm a ajuda do Espírito (8.26-27) até a
consumação final da obra da salvação (13.11).
Embora
a salvação certamente esteja orientada para o final, quando Cristo irá
retornar, não é inapropriado pensar nela como tendo três partes, em relação ao
passado, ao presente e ao futuro. Quanto ao passado, o crente pode dizer, “eu
fui salvo”. Ele foi libertado da penalidade e da morte que são trazidos pelo
pecado (Ef 2.1-10). Quanto ao presente, ele pode dizer, “eu estou sendo salvo”
(1Co 1.18, RSV). Com a graciosa ajuda do Espírito Santo, ele está
“trabalhando”, ou “desenvolvendo”, a sua salvação (Fp 2.12- 13). Quanto ao
futuro, ele pode dizer, “eu serei salvo” (5.9-10; 13.11).
Ele
está antecipando a ressurreição final e a consumação de todas as coisas (1Co
15.19-26). “A salvação é da penalidade, do poder, e da presença do pecado. E a
Justificação, a Santificação, a Glorificação”. E no seu sentido mais abrangente
que Paulo aqui fala do evangelho como o poder de Deus para salvação. Paulo sabe
que uma obra foi posta em movimento, e permanecerá em movimento. “Tendo por
certo isto mesmo...” ele escreveu aos Filipenses, “... que aquele que em vós
começou a boa obra a aperfeiçoará até ao Dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6).
De
todo aquele que crê indica a única condição sob a qual o evangelho se torna o
poder de Deus para salvação. Quando Paulo escreve de todo aquele, ele está
expressando a universalidade da oferta de Deus; a expressão que crê indica a
gratuidade daquela oferta. Godet explica: “A fé da qual o apóstolo está falando
não é nada mais do que a simples aceitação da salvação oferecida na pregação”.
Ele continua:
Deus diz: Eu
dou a você; o coração responde: eu aceito; isto é fé. Assim, o ato é o receber,
mas um receber ativo. Ele não traz nada, exceto o que Deus nos dá, como foi
admiravelmente dito por um pobre Bechuana: “É a mão do coração”. Deste ato
participa toda a personalidade humana: a compressão da bênção oferecida na
promessa divina, à vontade que surge depois disso, e a confiança do coração que
se entrega à promessa, e assim garante a bênção prometida. A pregação da
salvação gratuita é o ato pelo qual Deus segura o homem em suas mãos; a fé é o
ato pelo qual o homem permite ser segurado.
Primeiro
do judeu e também do grego ressalta a verdade de que a salvação de Deus é um
presente totalmente gratuito. Tanto o judeu quanto o grego devem satisfazer as
mesmas condições. Ninguém deve pensar que o evangelho é somente para os gregos,
enquanto os judeus devem encontrar a sua salvação por meio da lei. “Nem mesmo
Abraão foi justificado pela lei (capítulo 4). Agora que a promessa está
cumprida em Cristo, ela se aplica ‘primeiro ao judeu’, mas isto não quer dizer,
de maneira alguma, que não se aplique aos gentios... o judeu, realmente
‘primeiro o judeu’, é chamado pela promessa de receber a nova justiça que Deus
profere através de Cristo. Mas o gentio é chamado de maneira igualmente
verdadeira. Nenhum tem preferência sobre o outro”.
“As
boas-novas” constituem o tema de 1.14-16. O evangelho é boas-novas sobre: 1) o
objetivo de Deus, salvação, 16; 2) o poder de Deus, 16; 3) o plano de Deus a
todo aquele que crê,(W. T. Purkiser).
Agora
Paulo chega ao que podemos chamar do tópico temático da Epístola — a justiça de
Deus (17). O evangelho é o poder de Deus para a salvação porque nele — isto é,
no evangelho — se descobre a justiça de Deus. Foi à descoberta do significado
escritural desta frase que fez de Lutero o reformista do mundo cristão.
Anteriormente, ele tinha interpretado a frase à maneira dos estudiosos, como
significando “a justiça formal ou ativa segundo a qual Deus é justo e pune os
pecadores e os injustos”
Dia e noite
tentei meditar sobre o significado destas palavras: “Nele se descobre a justiça
de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé”. Então,
finalmente, Deus teve misericórdia de mim, e comecei a compreender que a
justiça de Deus é aquela dádiva de Deus segundo a qual vive um homem justo, ou
seja, a fé, e que esta frase — no evangelho se descobre a justiça de Deus — é
passiva, indicando que o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está
escrito: “O justo viverá da fé”. Agora me sinto como se tivesse renascido
completamente, e tivesse entrado no Paraíso. No mesmo instante o rosto de toda
a Escritura tornou-se aparente para mim”.
A
compreensão da “justiça de Deus” é a chave, não apenas para esta Epístola, mas
para o próprio evangelho.
Houve
muita discussão quanto a se a justiça de Deus (dikaiosynetheou) é aqui 1) um
atributo e uma atividade divinos, ou 2) uma dádiva concedida por Deus para os
homens (“uma justiça da qual Deus é o autor, e o homem é aquele que a recebe”).
Sem dúvida, ela é as duas coisas. Sanday e Headiam destacam com propriedade: “A
‘justiça de Deus’ é uma idéia abrangente que inclui tanto Deus quanto o homem;
e nesta passagem fundamental da Epístola, nenhum deles deve ser perdido de
vista”.
Como
evidência de que o termo significa a justiça do próprio Deus, muitas considerações
podem ser feitas.
1)
Este é o significado coerente no Antigo Testamento, especialmente naquelas
passagens que formam o histórico deste versículo. Assim, em Isaías 51.5 podemos
ler: “Perto está a minha justiça, vem saindo a minha salvação” (cf. Sl 71.15-
16; Is 45.21-25; 46.13). Um versículo dos Salmos é muito parecido com o nosso
texto: “O Senhor fez notória a sua salvação; manifestou [revelou] a sua justiça
perante os olhos das nações” (Sl 98.2).
2)
Em outros trechos da carta aos Romanos, dikaiosyne tem o significado de “a
justiça do próprio Deus”. Em 3.21-22 e 10.3 a expressão tem o significado
abrangente de 1.17. Em 2.5 ela significa a punição que Deus imporá devido ao
pecado no dia do juízo. Em 3.5 é interpretada como a fidelidade com que Deus
cumpre as suas promessas.
Em
3.25-26 descreve a exibição culminante do ressentimento de Deus contra o
pecado. A morte de Cristo é a prova final do desprazer de Deus em relação ao
pecado, mas ao mesmo tempo os meios pelos quais a sua justiça “vem saindo” para
justificar todo aquele que crê em Cristo. Na morte do seu Filho, a justiça de
Deus se torna a sua misericórdia salvadora estendida a toda a humanidade.
3)
Finalmente, a maneira como Paulo fala da ira de Deus sendo revelada
(apokalyptetaí) no versículo 18 é precisamente a maneira como ele afirma que a
justiça de Deus é revelada (apokalyptetai) no versículo 17. Isto requer que o
genitivo theou (de Deus) tenha o mesmo sentido nos dois versículos.
Mas,
ao mesmo tempo, aqueles que insistem que a justiça de Deus significa “uma
dádiva concedida por Deus ao homem”, “uma justiça não tanto ‘de Deus’, mas
‘vinda de Deus”, têm também um grande apoio para as suas opiniões.
1)
A justiça em questão é descrita como sendo revelada de fé em fé (eh pisteos eis
pistin) e na passagem paralela, 3.22, é qualificada como “a justiça de Deus
pela fé [dia pisteos] em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem
[eis pantastouspisteuontas ]”. Isto é, a justiça de Deus é uma dádiva que deve
ser recebida pela fé.
2)
Além disso, na citação de Habacuque que Paulo menciona para mostrar o apoio do
Antigo Testamento aos seus ensinos, a palavra dihaios é aplicada não a Deus,
mas ao homem que tem fé: “Mas o justo viverá da fé” (17).
3)
Finalmente, na passagem paralela de Filipenses 3.9, a idéia de Paulo fica
inequivocamente clara: “Seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da
lei, mas a que vem pela fé em Cristo [ten dia pisteosChristou], a saber, a
justiça que vem de Deus, pela fé [ten eh theoudikaiosynenepite pistei]”. Sanday
e Headlam comentam: “A inserção dapreposição eh transfere a justiça de Deus ao
homem, ou podemos dizer que traça o processo da extensão pelo qual ela passa da
sua origem para o seu destino”.
As
duas opiniões anteriores podem ser interpretadas não como excludentes, mas sim
como complementares uma da outra. A justiça de que Paulo fala não é somente uma
dádiva de Deus, mas é a própria justiça de Deus. Ele combina as duas idéias em
3.26 — “para que ele seja justo [dihaion] e justificador [dikaiountaton]
daquele que tem fé em Jesus”. Deus é ao mesmo tempo justo em si mesmo, é o Justificador. Esta é a grande revelação
do evangelho, e é esta gloriosa revelação que faz do evangelho o poder de Deus
para a salvação. “Pois”, afirma Lutero, “Deus não quer nos salvar pela nossa
própria justiça, mas por uma justiça externa que não se origina em nós, mas que
nos vem de fora de nós, que não surge em nosso planeta terra, mas que vem do
céu”. Assim, o evangelho é a revelação de uma justiça que é de fé em fé (eh
pisteos eis pistin). Esta frase modifica a justiça de Deus e não o verbo
descobrir. A sentença poderia ter sido escrita assim: “Nele a justiça de Deus é
revelada — e isto, de fé em fé”.
A
expressão grega pode ser traduzida como “através da fé, para a fé”. O evangelho
revela uma justiça que é “baseada na fé e destinada à fé” 58, uma justiça que é
“pela fé do início ao fim”. Nygren vê a frase como uma sugestão de alguma coisa
como a fórmula protestante sola fide (“somente pela fé”). “Quando a justiça de
Deus é revelada no evangelho, ela é para a fé, e somente para a fé”. O evangelho fala freqüentemente de
arrependimento e fé; Paulo fala pouco sobre o arrependimento. Isto
provavelmente ocorre porque, segundo a sua interpretação, a palavra ‘fé’ (ou
‘crer’) inclui também o arrependimento correspondente.
A
fé é uma atitude com relação a Deus que envolve uma atitude em relação a si
mesmo — é eliminada toda a confiança no merecimento individual. Esta atitude de
fé — Paulo irá insistir a este respeito nesta carta — é a única condição para a
salvação”. Para dar suporte a esta tese ele cita Habacuque 2.4, Mas o justo
viverá da fé.
A
citação de Habacuque tem sido interpretada de muitas maneiras. A palavra
traduzida como fé (hebr. emunah) vem de um verbo que significa “ser firme” e
tem o significado de firmeza ou fidelidade. No texto hebraico é “sua fé”
(emunatho), mas a Septuaginta o traduz como se fosse emunathi, “minha fé” (de
Deus ou do Messias).
A
referência do profeta, entretanto, não é a Deus nem ao Messias que deverá
provar a sua identidade pela corajosa fidelidade para com a sua missão, “mas à
alma que crê, que na ‘fé’ tem a pedra de toque da perseverança” (cf.
Hb1O.38-39). “Fidelidade”, e não “fé”, é o princípio do pensamento de Habacuque.
Mas, como Kirkpatrick observa, “esta fidelida é de deve se originar da fé”.
Como pistis significa tanto “fidelidade” quanto “fé”, Paulo traduz corretamente
Habacuque 2.4, Ho dikaios eh pisteoszesetai.
Uma
segunda pergunta deve ser respondida. A expressão da fé (eh pisteos) deve se
referir ao predicado viverá (zesetai) ou ao sujeito o justo (hodikaios)? Paulo
cita
Habacuque
por que quer dizer “o justo viverá da fé” ou “o justo pela fé viverá”? Certara
mente a pessoa justa irá viver pela sua fé, mas é isto o que Paulo deseja
mostrar que a citação está provando? Ele não estará citando Habacuque para
confirmar a sua tese de que a justiça de Deus é uma justiça que vem por meio da
fé (ekpisteos)? J. B. Lightfoot, naobra Notes on the EpistiesofSt. Paul insiste
que “eh pisteos aqui corresponde a eh pisteos na primeira parte do versículo,
ao ponto que essa expressão pertence, não ao predicado, mas ao sujeito. Aqui é
separada de hodikaios, assim como ali é separada de dihaiosyne”.
O
texto grego deve ser entendido, então, como hodihaios eh pisteos, zesetai. Em
uma tradução literal isto significa “O justo pela fé, viverá”. Aversão NEB
apresenta: “Aquele que é justificado pela fé ganhará a vida”. Em Gálatas 3.11,
onde Paulo também cita Habacuque 2.4, o contexto ainda é mais decisivo. Ali, em
um profundo conflito com os judeus que atacavam o seu evangelho de justificação
somente pela fé, ele cita Habacuque especialmente para enfatizar que a justiça
vem não por meio da observância da lei, mas simplesmente pela fé em Cristo. Com
base na luz que Cristo lança sobre a afirmação do profeta, Paulo entende que
Habacuque está falando de uma justiça que é pela fé. “Tendo a Escritura
previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o
evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” (Gl 3.8).
Quando
a promessa foi feita pela primeira vez, o seu significado mais profundo não era
aparente. Mas o véu que tinha ocultado o significado mais profundo no Antigo
Testamento foi removido por Cristo (2Co 3.14). Agora podemos ver o significado
mais profundo da afirmação de Habacuque. Mesmo que o profeta não tivesse
compreendido a verdade completa sobre a fé a respeito da qual ele escreveu, o
objetivo de Deus era falar da fé que justifica.
De
acordo com a maneira como Paulo interpreta o mundo religioso, ele está dividido
em duas classes: 1) aqueles que, sendo ignorantes a respeito da justiça de
Deus, procuram definir a sua própria justiça, e 2) aqueles que recebem a
justiça de Deus através da fé em Jesus Cristo (cf. 10.3-4).
A
sua citação de Habacuque pretende estabelecer a sua tese central de que o
evangelho revela a justiça de Deus pela fé. Ou conseguimos alcançar a
obediência perfeita, e assim ganhamos o favor de Deus, ou não. Se pudéssemos
fazer isto, então todo o evangelho seria destruído, e o sacrifício de Cristo
não teria sentido. Mas como não podemos fazê-lo, então tudo depende da
misericórdia e da graça de Deus em Cristo.
CONCLUSÃO
O
propósito de Paulo nesta Epístola é mostrar que não podemos nos justificar nem
nos santificar. Em primeiro lugar, a lei nos mostra a nossa culpa perante Deus,
e, portanto a nossa necessidade de justificação (1.18—3.20). Em segundo lugar,
a lei nos revela a natureza pecaminosa dos nossos corações, e, portanto, a nossa
necessidade de santificação (7.7-25). Quando Paulo triunfantemente declara o
evangelho como sendo o poder de Deus para a salvação, ele está nos garantindo
que a graça de Cristo faz por nós aquilo que a lei nunca poderia. Pela fé
poderemos ser justificados — tornados justos perante Deus — (capítulos 1 a 4).
Pela fé poderemos ser santificados e viver “na justiça e na verdadeira
santidade” (capítulos 5 a 8). Esta vida atinge o seu clímax na verdadeira
glória (5.2; 8.30). A vida que começa na justificação resulta na santificação,
e é consumada na glorificação.
Nos
versículos 14-17 encontramos o tema “O Cristão e o Evangelho”: 1) A obrigação
trazida pelo evangelho... Sou devedor, 14; 2) A dedicação ao evangelho.., estou
pronto, 15; 3) A inspiração do evangelho.., não me envergonho, 16 (John Alian
Knight).
Evangelista
Isaias Silva de Jesus
Igreja
Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS
Comentário
Bíblico Volume 08 -Romanos e 1 e 2 Corintios
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