7 de junho de 2016

A TOLERÂNCIA CRISTÃ


A TOLERÂNCIA CRISTÃ

TEXTO ÁUREO = “Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espirito Santo.” ( Rom 14.17 ).

VERDADE PRÁTICA = Os crentes mais maduros não devem agir egoisticamente, mas precisam atuar como modelo para os fracos.

LEITURA BIBLICA = Romanos 14.1-6

INTRODUÇÃO

Exortação especial de aceitação mútua no conflito na igreja

 

Sem mais, teria sido possível inserir uma ou duas frases sobre a aceitação mútua nas exortações havidas até aqui, como em Rm 12.9-16. Mas Paulo encerrou formalmente a parácleseem Rm 13.11-14, abrindo agora separadamente um trecho detalhado sobre este tema (36 versículos!). Faz isso consistentemente na forma da interpelação direta. A razão desse bloco especial terá de ser procurada numa dificuldade premente da igreja de Roma. Em vista da boa “infra-estrutura” do primeiro cristianismo (qi2c), Paulo não desconhecia que nas igrejas domiciliares de Roma havia dois grupos em disputa, os “fortes” (expressão que ocorre só em Rm 15.1) e os “débeis/fracos” (Rm 14.1,2; 15.1, recorrente em 1Co 8,9).

 

O objeto do conflito em Roma.Do trecho pode-se depreender três preocupações religiosas dos “fracos”: todo consumo de carne deve ser evitado (Rm 14.2), há determinadas datas para serem observadas (Rm 14.5) e deve-se renunciar ao consumo de vinho (Rm 14.17,21). A forma sintética com que Paulo trata desses três pontos depõe a favor do fato de que era o mesmo grupo que se preocupava com isto. Nele, a predileção por dias e a renúncia ao vinho ficam visivelmente ao fundo, enquanto a questão da alimentação permanece em primeiro plano.

 

A Antigüidade conhecia diversas colorações de tendências religiosas que cultivavam o ideal da frugalidade e do vegetarianismo, tanto entre gentios quanto entre judeus. Os exegetas, porém, estão amplamente de acordo que nesse grupo de Roma deve-se pressupor pelo menos uma influência judaísta. Depõe a favor dessa tese que Paulo, ao contrário da passagem muito similar de 1Co 8, não está mencionando o culto gentílico a ídolos com nenhuma sílaba sequer. Em lugar disso, ele usa o posicionamento de Jesus diante da prática judaica de pureza para argumentar em Rm 14.14, fazendo o trecho todo desembocar, a partir de Rm 15.7, no tema “judeus e gentios”. Portanto, os grupos em Roma seguramente dividiam-se entre judeus e gentios.

 

Atualidade.Para igreja de hoje, o cardápio dificilmente será assunto para a doutrina da fé. Nossos focos de tensão estão em outras áreas. Hoje o conflito gira em torno de questões de ética sexual, do divórcio, do trato da política e cultura, da posição frente ao iluminismo moderno e suas conseqüências para a compreensão da Escritura, dos serviços da mulher, da organização do culto, das formas de vida carismática, da prática evangélica etc. Se apesar disso nos tornamos leitores cheios de expectativa dos textos de Paulo, é por causa do extraordinário esmero com que ele aborda as questões prementes de então. Esse jeito é paradigmático para todos os tempos.

 

Em caso de conflito, não violar o senhorio de Cristo na igreja!, 14.1-12

 

Nesses primeiros doze versículos Paulo já consegue romper aspectos superficiais e circunstanciais e destacar com profundidade surpreendente aspectos fundamentais. No fundo tudo o que é essencial já está sendo dito. Sua solução é: como cada um dos oponentes se encontra no vínculo de fé com Cristo, todos são abarcados pelo seu senhorio (nove vezes “Senhor” nos doze versículos!). Não aceitar-se um ao outro significaria atacar o direito de soberania de Cristo.

 

A primeira linha constitui o título do bloco todo. Em interpelação direta aos que são fortes na fé, afirma-se: Acolhei ao que é débil (“fraco” [NVI, VFL, BLH, BV]) na fé. Jamais os citados teriam visto a si próprios como fracos. Contudo, Paulo sustenta essa designação. A palavra grega para “ser fraco” pode expressar falta de força dos mais variados tipos. Como no NT também é usado cerca de quarenta vezes para fisicamente doentes, é viável pensarmos aqui metaforicamente numa fé “enferma”. Uma infecção a atingiu. Por isso está debilitada, sua verdadeira essência não se pôde realizar.

 

No entanto, diante desses fiéis vigora o princípio: aceitar! Na verdade a igreja poderia livrar-se rapidamente de muitas tensões se ela se livrasse de determinados irmãos, mas o que Deus uniu, não cabe ao ser humano separar.

A possível tradução “admitir” poderia levar a pensar numa admissão legal na igreja. Contudo, este seria um entendimento demasiado estreito. Aqui está em jogo a concretização da comunhão como uma tarefa que nunca acaba (Rm 13.8), que não pode ser executada com um gesto único.

 

Esse “acolhei!”, diferente de Rm 15.7, é complementado por uma repulsa pronunciada de modo excitado: não, porém, permitam que se chegue a discutir opiniões! Uma frase fragmentada como essa deixa os exegetas em apuros e leva a diversas paráfrases. O primeiro dos dois termos-chave pertence a um grupo semântico que perpassa todo o capítulo e que parte do conceito básico: proferir uma sentença.

Paulo solicita decididamente aos fortes: desistam de apreciações sobre aquelas opiniões adoentadas e questionáveis dos fracos, i. é, não busquem realizar negociações públicas com esse intuito! Uma parte dos tradutores (p. ex., Lutero) circunscreve a frase de advertência com: “Não briguem…!” Porém, isso não atinge a intenção da frase.

 

O apóstolo não está combatendo a excrescência, não apenas as cenas desagradáveis, mas já o ponto de partida. Com preocupação ele olha para a situação da igreja. Os blocos cristãos judaico e gentílico estão a ponto de se afastar um do outro (cf já em Rm 11.17-20). Está em perigo a comunhão elementar. Nessa prova de coesão, infindáveis debates objetivos seriam um equívoco.

 

Asperamente Paulo os repele. O irmão não deve ser aceito apenas com base numa harmonização das teologias, não só depois de aceitar um determinado bloco de valores e verdades, depois de aprovado num curso bíblico, depois que sua fé convalesceu e se fortaleceu, mas “pois Deus o aceitou” (v. 3 [BLH]) e “como também Cristo nos acolheu” (Rm 15.7). Isso, porém, aconteceu, conforme Rm 5.6, sobre o seguinte fundamento: “quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios” (NVI) (“Cristo morreu por nós” [VFL]).

 

Nossa condição de cristãos deve-se ao fato de que esse amor é verdadeiro, derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm 5.5). Nessa verdade, pois, reside também a base de nossa comunhão. Nos versículos seguintes o objetivo de Paulo é que essa base, o Cristo, permaneça uma realidade eficaz e vigorosa e não se dissipe para uma retórica desbotada.

 

Fiel à própria exortação do v. 1b, Paulo agora não aborda as “opiniões”, mas apenas caracteriza as respectivas práticas. Um crê que de tudo pode comer, mas o débil (o fraco) come (apenas) legumes. Vindo do v. 1, não se poderá reduzir o “crer”, nessas duas ocorrências, a mero “achar”. A configuração do cardápio realmente está sendo afixada num ponto elevado. Em todo o bloco está em jogo a vivência da fé na salvação.

 

Começamos a perceber: o que ameaçava trazer separação às igrejas domiciliares daquele tempo em Roma não fica devendo em nada ao perigo que trazem as diferenças de opinião de hoje. Calava fundo se a comunhão de mesa era concedida ou negada. Quando alguém saía de uma mesa e se assentava numa mesa à parte com menu próprio, os que ficaram assentados na refeição anterior poderiam sentir: para que ainda somos uma igreja, se sequer podemos comer juntos!

 

Segue-se uma instrução apostólica de duas partes, que é retomada mais uma vez nessa forma no v. 10.

Primeiramente ao “forte”, que de boa consciência se dá o direito de comer carne: quem come (também carne) não despreze o que não come. O que está em vantagem, como os fortes de Roma evidentemente estavam, geralmente se preocupa pouco com seu adversário. Passa correndo por ele com um olhar de desdém. Contudo os v. 10,13,15,21 mostrarão essa pessoa como “irmão” precioso.

 

De modo diferente, o apóstolo considera aquele que não consegue admitir a liberação de consumo de carne: e o que não come (carne) não julgue o que come. Quem experimenta desprezo, precisa tanto mais da auto-estima e a encontra. No presente caso, talvez a encontre assim: como cristão sou mais sério, mais fiel à Escritura, mais consciencioso, mais obediente que eles! Condena, pois, o irmão que segundo sua opinião está entregue ao mundo. Porém essa pessoa é lembrada da palavra poderosa de Deus: Deus o acolheu!

 

Aquele que já se fez de juiz sobre seu irmão, subitamente se encontra diante de Deus e do seu próprio comportamento inadmissível. Quem és tu que julgas o servo alheio? O proprietário de escravos, em vista do contato pessoal, tinha um relacionamento mais próximo com o servo da casa que com os servos da lavoura. No sentido figurado: quando condenas teu irmão, estás interferindo num relacionamento especial, do qual não fazes parte. Negas o direito senhorial de Cristo e posas pessoalmente como senhor. Ousas fazer incursões que passam decididamente dos limites, porque desrespeitam o Senhor. Nesse ponto Paulo também manifesta sua confiança em favor do irmão. Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster (no acerto de contas final). Apesar de tudo que nele é questionável, ele se encontra em boas mãos, experimenta poderes reguladores e com certeza será aperfeiçoado um dia com todos os fiéis. A realidade da culpa não deixa de ser vista, mas também é visto o poder da graça.

 

Em seguida encontramos uma das mais belas descrições da realidade da igreja. Um faz diferença entre dia e (outro) dia; outro julga iguais todos os dias. Surge, apenas à margem, um segundo ponto de controvérsia. A frase seguinte estende sua proteção sobretudo sobre os fracos: Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Sem concordar com eles na questão (v. 14,20), Paulo concede-lhes o direito terem convicções próprias, uma vez que não se trata de verdades últimas do evangelho.

Sim, Paulo considera uma injustiça precipitá-lo em dúvidas (v. 15,20,21). Unidade no Espírito é algo diferente que igualar todas as opiniões (v. 1). Quem distingue entre dia e dia para o (em submissão ao) Senhor o faz; e quem come (carne) para o (em submissão ao) Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o (em submissão ao) Senhor não come e dagraças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si.

Porque, se vivemos, para o (em submissão ao) Senhor vivemos; se morremos, para o (em submissão ao) Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos (propriedade) do Senhor. É maravilhosamente consoladora a maneira como o apóstolo é capaz de perceber nessa igreja polarizada a relação de todos os membros com o Senhor.

 

Oito vezes ele destaca nesses versículos: para o Senhor! O irmão, afinal, não vive nem morre para ti nem para mim. Também o fraco na fé permanece território soberano de Jesus, o qual abrange até os seus escrúpulos. Eles constituem uma conseqüência equivocada, mas digna de consideração séria, de sua submissão ao Senhor. Afinal, por meio deles já obteve experiências espirituais. Sobre o parco prato de vegetais, em si desnecessário, eleva-se sua oração de gratidão (cf o exposto sobre Rm 1.21), e o céu a escuta.

 

Não devem condensar-se num chavão as oito repetições do senhorio de Jesus. É por isso que jorra, agora, em forma de uma frase de confissão da primeira igreja cristã, o conteúdo pleno do evangelho. A frase exerce um papel semelhante a um comprovante da Escritura e deve ser abordada como ápice do trecho todo. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Esse atual senhorio de Cristo foi gerado pelo morrer de Jesus por todos e pela sua coroação com vida indestrutível para todos na manhã da Páscoa. Todos os que crêem estão abrigados no seu poder salvador e protetor.

 

 

A confissão da glória oculta da igreja deve ser entendida corretamente. Paulo não está enfeitando nada, ele não justifica tudo o que se formou na igreja como uma riqueza que deve ser bem-vinda. Igualmente deve valer aqui 1Co 10.23: “nem todas (as coisas) edificam”. Por isso as opiniões dos fracos seguramente eram difíceis de escutar para ele. As “debilidades dos fracos” eram um peso e simplesmente deviam ser “suportadas” (Rm 15.1). Contudo, ele preserva uma verdade: os fracos são fracos “na fé” (v. 1,2), e o que conta é esse vínculo de fé com o Senhor. Sempre que ele existe, a comunhão essencial por princípio é possível para Paulo. Naturalmente, a fé também tem de manifestar-se como tal. Com uma filiação nominal à igreja ou com sinceridade subjetiva não se chega a nada. A fé de natureza certa leva a sinais perceptíveis na vida.

 

A pessoa que crê é ouvinte da palavra, ora, agradece, testemunha, obedece, exerce o amor e participa na troca geral de dar e receber.

 

Depois da intercalação dos v. 4-9, Paulo pode esperar por concordância, motivo pelo qual tem condições de repetir as exortações do v. 3. Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Porém, fundamento motivador de nossa atitude não é somente a soberania atual de Cristo, mas também a futura: Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito (Is 49.18; 45.23): Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará (com reverência) louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus. De acordo com essas afirmações, o acerto final se dará perante Deus, mas seu executor em tudo é Cristo. Para comparar, veja a interpretação de Rm 2.16. Encontraremos Deus na face do Senhor Jesus Cristo. Foi a ele que Deus entregou não somente nosso passado e presente, mas também nosso futuro.

 

Cabe aos fortes corresponder à sua função protetora dos fracos, 14.13-23

 

Na igreja de Roma havia sido criado um tribunal invisível. Ameaçava-a uma atmosfera que tornava gélido o louvor conjunto e unânime a Deus nos termos de Rm 15.6,9,11. Por isso Paulo exigiu logo na primeira frase (Rm 14.1) que fosse suspensa toda essa maneira estranha ao ser igreja. Novamente não abre mão dessa reivindicação (v. 13a,b,15,16,20). Enquanto havia feito brilhar, para esse fim, o senhorio de Cristo, ele agora traz à presença especialmente o irmão resgatado por alto valor.

 

O posicionamento sobre o conflito de fortes e fracos em Rm foi nitidamente moldado conforme 1Co 8–10 (redigido no máximo um ano antes!). Apesar de todos os aspectos paralelos, porém, os dois trechos possuem pontos de partida diferentes. Em relação aos coríntios Paulo parte da liberdade da consciência e da sua legitimidade, mas em relação aos cristãos romanos ele inicia com aspectos mais elementares, a saber na fé em Cristo como o Senhor (cf o exposto sobre o v. 2). Leitores de hoje naturalmente se ligam de imediato ao termo moderno “liberdade”. Porém, para não obstruir a percepção dos pensamentos de Paulo no trecho de Rm, eles não deveriam trazer para cá aquele termo, tornando-o idéia condutora da exegese.

 

De forma um tanto incisiva Paulo solicita aos fortes que dirijam seu potencial crítico a um alvo completamente diferente: Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão. Na Bíblia, os conceitos “tropeço” e “escândalo” possuem um alcance terrivelmente profundo. Paulo não está pedindo, p. ex.: não irriteis vosso irmão, não provoqueis seu desgosto!, mas conforme o v. 15: não sejais para ele motivo de perdição (“destruição [NVI])! Também Lutero ainda conferia a “irritar” o sentido original: levar alguém ao mal, à ira, deixá-lo à mercê dessa força maléfica.

Cabe nesse contexto a censura de Jesus em Mt 23.15: primeiro vocês desenvolvem máximo empenho missionário, a fim de salvar uma única pessoa, depois, porém, vocês se arrogam o direito de tratar a pessoa salva de maneira a torná-la “filho do inferno”.

 

Para prevenir mal-entendidos, segue-se uma inclusão: não se abre mão de nenhuma verdade bíblica! Onde estiver muito baixo o nível de verdade aferido, ou onde ela é apresentada empacotada em tanto algodão macio que não se sente mais o seu cerne, as declarações de amor se tornam ocas. Por isso, nessa carta pública Paulo esboça sua posição perante os ouvidos dos “fracos” de forma inequívoca. Ele emprega diversas vezes a introdução Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus, mas nas demais vezes sem o adendo “Jesus” usado aqui. Evidentemente, ao dizer: nenhuma coisa é de si mesma impura, ele está se reportando ao sentido de uma afirmação do Senhor quando esteve na terra. Há semelhança com Mc 7.19c: “Ao dizer isto, Jesus declarou „puros‟ todos os alimentos” (NVI).

 

A comida faz parte das coisas naturais obtidas da mão de Deus (1Co 10.26). Consumida com ação de graças (v. 6), ela é pura. Contudo, assim está também estabelecida a exceção: salvo para aquele que assim a considera (impura) e que por isso também não agradece, para esse é de fato impura. A expressão grega traduzida aqui por “considerar” proíbe que se encare os escrúpulos dos “fracos” de forma leviana.

 

É imenso o poder da tradição, da educação e do costume. Dn 1.8 e, de forma mais chocante, a história arrasadora de 2Macabeus 6.18-21 possibilitam uma percepção dessa atitude de espírito: melhor morrer que comer isso que foi proibido! De fato, Jesus havia dado a seus discípulos programa livre em relação aos alimentos. Mas entre nós seres humanos um programa ainda não significa prática sem mais nem menos. Não se exigia apenas ensinamento intelectual, também uma transformação da alma. At 10,11 evidenciam que até foram necessárias revelações adicionais “do céu” (At 10.11,16; 11.5,9). Mesmo no círculo mais íntimo dos discípulos, a fé no senhorio de Jesus se mesclou com descrença (Gl 2.13).

 

Sentimentos de medo impeliam de volta ao recinto protegido de antigas e poderosas tradições. Sendo, porém, o ser humano um ente integral, é possível que diante dos “fortes” lhe faltem os argumentos, que ele exteriormente até ceda, mas isso não quer dizer nem de longe que interiormente ele esteja concordando com eles.

 

Paulo confirma, portanto, a convicção dos “fortes”, mas não sua atitude, como mostra o trecho todo. Por isso ele volta a referir o v. 13, começando a fundamentar: Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece (“prejudicar a fé que seu irmão possui” [VFL]).

A causa desse sofrer é indicada de maneira muito genérica com “por causa de comida”. Por causa da comida dele ou da tua? Investiguemos inicialmente a primeira possibilidade. Pressionado autoritariamente pelos fortes na fé, um fraco deixou-se levar a consumir carne, mas com dúvidas. Imediatamente ele sente falta da alegre aceitação de seu Senhor no seu interior. Desfez-se sua paz.

 

Foi privado da sinceridade de sua vida cristã. É flagrante que o ato lhe acarretou um grave dano espiritual. No entanto, é mais plausível supormos a segunda alternativa, visto que Paulo está falando continuamente do comer do forte (especialmente no v. 21). Ou seja, o fraco é perseverante no seu prato de legumes, mas percebe que em meio à maioria forte na fé é como um fora-da-lei (v. 3,10). É precisamente contra isso que Paulo lança a acusação: não andas segundo o amor fraternal, pois o que torna o fraco mais sensível é a falta de aceitação por parte dos irmãos. Talvez a controvérsia entre os grupos seja bastante acalorada, a ponto de as pessoas não o perceberem subjetivamente dessa forma. Mas privar do amor é objetivamente nocivo para nossa existência humana. Falta de amor na igreja entristece o Espírito Santo (Ef 4.30) e a prejudica no seu todo.

 

Com isso questiona-se simultaneamente a propalada força na fé por parte dos fortes. Quem pratica o que crê, na verdade deveria praticar amor (cf o exposto sobre Rm 12.9), ou ele se encontra numa gritante contradição: não faças perecer aquele a favor de quem Cristo, no qual crês, morreu! Manifesta-se a palavra de advertência de Jesus em Mt 18.6. Quem foi convocado para ser tutor do irmão (Gn 4.9) poderia tornar-se seu destruidor.

 

A frase seguinte não contém uma interpelação direta a membros da igreja. O estilo impessoal “não seja, pois, vituperado” (“não se torne objeto de maledicência” [NVI]) leva a pensar nas reações de pessoas de fora. Paulo teme um processo que como missionário lhe teria de causar dor. O vosso bem é, aqui como em Rm 8.28 e 10.15, a extraordinária mensagem da salvação confiada aos cristãos, acerca do “senhorio de Deus” (próximo versículo!).

 

Agora, porém, o espírito de condenação perturba toda a vida da igreja, o que é percebido irremediavelmente pelo mundo ao redor. Ainda mais que o conflito interno em torno de “comida e bebida” (novamente no próximo versículo!) não deixa de parecer, para cada gentio normal, algo sem fundamento e ridículo. Repete-se Rm 2.24: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês” (NVI).

 

Paulo é enérgico com a igreja. Porque o reino (o senhorio) de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. Continua em pauta o aspecto exterior da igreja.

Se seu objetivo for de fato tornar compreensível a grandiosa palavra do reino de Deus em seu redor, então que o faça pelas três citadas formas de diferenciação. Justiça: que a vida da igreja transmita uma amostra de como uma comunidade humana se entende na terra debaixo de Deus (Rm 6.19). Paz: que ela encontre e siga caminhos de paz também nas situações em que normalmente se desiste (Rm 3.17). Alegria: que ela festeje o amor de Deus que alcançou o alvo (Rm 5.8).

 

Tudo isso, porém, não deve acontecer por mera retórica, mas no Espírito Santo, ou seja, realmente, de coração, boca e mãos (1Co 4.20). Então, a convicção de Paulo é que a igreja não apenas colherá o louvor de Deus, mas também sempre será no mínimo respeitada pelo mundo que a cerca. Aquele que deste modo serve a Cristo (como escravo ao Senhor, cf v. 9!) é agradável a Deus e aprovado pelos homens. “Contavam com a simpatia de todo o povo”, dizia-se em Jerusalém, porque lá os cristãos solucionavam seus problemas comunitários na força do Espírito Santo (cfRm 15.13). Não causa espécie que nessa situação também não deixou de haver crescimento exterior (At 2.47; 6.7).

 

Resumindo, Paulo solicita mais uma vez à igreja toda para que prossiga em frente, na direção indicada, colocando-se a si próprio do lado dela. Assim, pois, seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros. O tom de encorajamento intensifica-se no capítulo seguinte (Rm 15.5,13,14,29,32,33).

 

Porém o apóstolo não consegue separar-se tão rapidamente de sua preocupação pela igreja. Ele repete uma palavra de advertência semelhante à do v. 15: Não destruas a obra de Deus por causa da comida! Com certeza a obra de Deus é, como em 1Co 3.9, a maravilhosa criação da igreja. Há pouco falava-se do vivo processo de edificação (v. 19). Diante dele, a questão dos alimentos aparece com uma insignificância indizível. Isso motiva Paulo a deixar mais uma vez claros os critérios. Todas as coisas (as comidas), na verdade, são limpas – é o que já vimos no v. 14. Mas é (torna-se) mau para o homem o comer com escândalo – era o que cabia explicar sobre o v. 15.

 

É ameaçador para uma comunhão quando pessoas somente conseguem viver nela com consciência ferida. Segue, porém, agora a contraparte positiva para o mal: É bom (enfim, o seguinte) não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa com que teu irmão venha a tropeçar. Não, nem, nem – de forma alguma! Por mais radical que soe, tanto menos Paulo sente o peso do radicalismo. O senhorio de Cristo (v. 1-12) e a preciosidade do irmão comprado por alto preço (v. 13-23) tornam para ele essa decisão extremamente fácil.

 

O segundo “nem” parece ser um cheque em branco para a ditadura do fraco, um direito de veto como prerrogativa dele sempre que algo na vida da igreja não lhe convenha. Ele apenas tem de ficar sempre reclamando. Em parte pode ser devido ao discurso entusiasmado (cf também 1Co 8.13) que Paulo é levado a formular sua afirmação de forma extremada. Pois de maneira alguma ele exige que a idéia e a vontade do fraco sejam, para todos os demais, uma ordem. Na vida eclesial, pelo contrário, os seguintes dois pontos exercem uma função superior: a soberania de Cristo (Rm 14.1-12) e nossa função protetora frente ao irmão (Rm 14.13-23). O terceiro bloco (Rm 15.1-6) trará o auge que apresenta uma síntese.


O versículo subseqüente parece proteger o forte: A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. É verdade que a fé tem um lado voltado às pessoas (sobre isso, cf a explicação do v. 9, no final), mas sua essência é viver perante Deus, eximindo-se dessa forma das pessoas. De forma análoga soaram os v. 4,5c, ainda que fossem relacionados mais intensamente com a fé do outro. Esse respeito, que no fundo é respeito diante de Deus enquanto Criador da fé, pode-se tranqüilamente reclamar também para a própria fé. Por isso diz 1Co 7.23: “não vos torneis escravos de homens” Paulo pleiteia pela indisponibilidade da fé.

 

Para o forte na fé que tem de sofrer sob a condenação do fraco (v. 3b,10a), é acrescentada uma bem-aventurança: Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova (como bom para a prática). Para o que tem dúvidas seguirá no v. 23 uma condenação. Nele acontece a divisão entre fé e ação, sendo que cada um segue o seu caminho. Ele não pratica o que crê, e não crê o que pratica. Isso o destruirá lenta mas seguramente, ainda que pratique o que objetivamente é correto. Aquele que tem dúvidas… se comer desligado o seu vínculo pessoal com Cristo e é condenado se comer, porque o que faz não provém de fé. Esse comer e beber não é prática da fé, motivo porque tampouco é feito para o Senhor (v. 6). Tudo o que não provém de fé é pecado. Aqui ressoa mais uma vez o sinal de alarme para o forte, que está a ponto de atrair, impelir, lançar seu irmão fraco para a “liberdade”. Afinal, estará lançando-o na separação de seu Senhor, i. é, ao pecado. Embora dessa maneira tenha imposto o seu princípio, sacrificou a salvação do irmão.

 


COMENTÁRIO ESPERANÇA = Editora Evangélica Esperança


A TOLERÂNCIA PARA COM OS FRACOS NA FÉ

 

TEXTO ÁUREO = "Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão" (Lc 6.37).

VERDADE PRÁTICA = Não existe pecado que os cristãos mais "ardorosos" sejam mais inclinados a cometer do que o de criticar os outros.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 14.1-12

 

INTRODUÇÃO

 

Estudamos na primeira parte da Epístola aos Romanos a teologia paulina da justificação pela fé, sem as obras da lei, centrada em 1.17; 3.28. Nas duas últimas lições estudamos a parte prática, começando com a consagração a DEUS e depois o nosso compromisso com o Estado.De 14.1 a 15.6 o apóstolo discorre sobre a tolerância - o cristão não deve julgar e nem criticar o outro. É o tema que vamos estudar hoje.

 

I. JUDEUS E GENTIOS FORMANDO A IGREJA

 

1. A ética judaica. Os judeus tem um alto padrão de conduta e um modus vivendi exemplar porque isso aprendem nas sinagogas todos os sábados (At 15.21). Uns achavam que o padrão judaico devia ser vivido pelos gentios e não somente isso, que tal procedimento era condição para salvação. Os pontos básicos eram a guarda do sábado, a circuncisão (At 15.1.5) e a prescrição dietética da Lei de Moisés, que os judeus ainda hoje chamam de kash 'rut (At 15.20,28).

 

2. Salvação pelas obras? As seitas e as religiões falsas acrescentam algo mais que a fé para a salvação. Aplicar essa conduta judaica aos gentios era o mesmo que afirmar que a graça do Senhor não era suficiente. A Lei de Moisés seria o complemento para a salvação. Isso reduziria o Cristianismo a uma mera seita do Judaísmo e além disso confundiria aquele com a identidade judaica.

 

3. A ética dos gentios. Os gentios não aprenderam os bons costumes porque nunca tiveram quem os ensinasse, por essa razão o modus vivendi deles era precário. Agora ambos os povos formam a Igreja (1 Co 10.32). Eles foram transformados pelo poder do ESPÍRITO SANTO. Deviam, portanto, mudar sua maneira de viver, mas nem por isso estavam obrigados a viver como judeus (At 15.10,11).

 

II. QUANTO AO ALIMENTO

 

1. Enfermo e fraco (vv.l,2). As palavras "enfermo" e "fraco" não significam, nesse contexto, fé vacilante, mas imaturidade nas questões práticas, pois muitos deles são sinceros e tementes a DEUS. A questão não era sobre pontos vitais da doutrina cristã; do contrário, não seriam membros da Igreja, mas sobre assuntos secundários.

 

a) Não contender. "Recebe i-o" significa que devemos receber a cada irmão como ele é e não como queremos que ele seja. Não temos o direito de impor a ele a nossa maneira de ver o Cristianismo, nem discutir na tentativa de convencê-lo do contrário (1 Co 11.16; I Tm 6.4). Devemos recebê-lo com amor sincero dentro da fraternidade cristã.

 

b) Convivendo com os enfermos e fracos. A questão dos bêbados, por exemplo, a Bíblia diz que os tais não herdarão o reino de DEUS, a menos que se convertam (1 Co 6.10,11). O crente que se associa com os tais está pecando ( I Co 5.11). Não é o caso aqui. Esses enfermos e fracos são nossos irmãos que ainda não se emanciparam de sua escravidão espiritual.

 

2. Legumes (v.2). Convém lembrar que o vegetarianismo religioso teve a sua origem no hinduísmo. Os gnósticos eram também vegetarianos. Havia até os que considerasse canibais aquele que comesse carne. Talvez alguns judeus tivessem chegado a esse extremo por causa de uma interpretação judaica forçada de Deuteronômio 14.21: "Não cozeráso cabrito com o leite da sua mãe". Não é permitido ao judeu consumir a carne do cabrito juntamente com o leite da cabra, mãe do animal, como faziam os povos idólatras, vizinhos de Israel. Os judeus. portanto, evitandocorrer o risco de o leite comercializado ser da mãe do cabrito comprado no açougue, resolveram proibir o consumo de carne com leite.

 

3. Restrição alimentar dos cristãos. A única restrição alimentar dos cristãos está na determinação do Concílio de Jerusalém (At 15.20,28), com relação ao sangue, carne sufocada e sacrificada aos ídolos. Mesmo assim, essa determinação parece mais injunções do que ordenanças obrigatórias (Rm 14.13-16; 1 Co 8.7­13; 10.27-29), pois, Paulo defendia essa liberdade cristã (vv.14,20; 1 Co 10.25; I Tm 4.4,5).

 

4. Evitando o risco. O crente fraco ou enfermo mencionado nos vv.1,2 deve ser judeu muito escrupuloso quanto à alimentação, o qual resolveu ser vegetariano para evitar o risco de comer carne sacrificada aos ídolos ou sufocada. Abster-se de alimento por questões de saúde é algo pessoal. Praticar, porém, tal coisa como condição para ir ao céu, a ponto de criticar os que não seguem esse padrão, isso caracteriza seita.

 

III. A QUESTÃO DOS DIAS

 

Provavelmente, a expressão "um faz diferença entre dia e dia" (v.5) trata-se dos dias especiais de festa segundo as leis cerimoniais do Antigo Testamento. O comentário da Bíblia de Estudo Pentecostal é do parecer que alguns cristãos, mormente os judeus cristãos. ainda consideravam que os dIas sagrados do Antigo Testamento continuavam válidos, ao passo que muitos outros os tinham como dias comuns.

 

1. O sábado. O fim do sábado estava previsto nos profetas (Os 2.11). A palavra profética previa a chegada da Novo Concerto (Jr 31.31-33) e o fim do sábado que se cumpriu em JESUS (CI 2.14-17). A questão não é o sábado em si, mas o fato de que não estamos debaixo do Antigo Concerto (Hb 8.6­13), por essa razão o sábado não aparece nos quatro preceitos de Atos 15.20,29.

 

2. O sábado cerimonial. As festas judaicas eram anuais, mensais ou lua nova, e semanais (I Cr 23.31 ; 2 Cr 2.4; 8.13; 31.3; Ez 45.17). O sábado cerimonial ou anual já está incluído na expressão "dias de festa", que são as festas anuais; "lua nova", mensais; e "dos sábados", festas semanais (Cl 2.16). No versículo seguinte o apóstolo diz: "Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de CRISTO" (CI 2.17). Isto é: são figuras das coisas futuras, que se cumpriram em JESUS. Por isso que JESUS afirmou ser Senhor do sábado (Mc 2.28).

 

3. Constantino e o Domingo. Afirmar que o imperador romano, Constantino, substituiu o sábado pelo domingo é uma falácia. A palavra "domingo" significa. "dia do Senhor". Isso porque nesse dia JESUS ressuscitou (Mc 16.9). O primeiro culto cristão aconteceu num domingo (Jo 20.1) e o segundo também (1020.19,20). As reuniões cristãs de adoração aconteciam no primeiro dia da semana (At 20.7; I Co 16.2). Aos poucos essa prática foi se tornando comum, sem decreto e sem imposição. Foi algo espontâneo. O imperador apenas confirmou uma prática cristã antiga.

 

4. Lição prática. O apóstolo conclui que "cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo"(v .5b) e que "aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz" (v.6). Isto é: quando adoramos não é tão importante, quanto o que, como e por que adoramos. O que realmente importa é CRISTO ser o centro em tudo quanto o crente faz.

 

IV. A PREOCUPAÇÃO DO APÓSTOLO

 

1. O que o apóstolo condena? (vv.4,IO). Nem o crente enfermo ou fraco e nem o mais esclarecido espiritualmente são a preocupação do apóstolo. Isso porque ambos agiam de forma diferente com o propósito de servir a DEUS (vv.6,7).

O que ele condena é a crítica e não essas práticas: "Quem és tu que julgas o servo alheio?" (v.4) "Mas, tu, por que julgas teu irmão?" (v. 10). A preocupação do apóstolo era evitar divisões na Igreja por causa de assuntos secundários.

 

2. O respeito à consciência cristã. O apelo do apóstolo era que houvesse respeito mútuo entre os crentes. Cada um deve seguir a sua consciência cristã (v.5). Se algo lhe parece pecado, se a consciência lhe acusa, não deve praticar tal coisa, pois se assim fizer estará pecando (v .23). Nem por isso deve criticar os outros (Tg 4.11.12).

 

3. Cada um prestará contas a DEUS (vv.lO-12). Com essas palavras o apóstolo está dizendo que devemos deixar as coisas secundárias com a pessoa e DEUS. Ninguém tem o direito de interferir na vida priva­ da do cristão. As questões do alimento e dos dias são de somenos importância, mas a crítica DEUS não tolera (Pv 6.16-]9; Tg 1.26).

 

CONCLUSÃO

 

Na Igreja atual existe também os mesmos problemas, de maneira ainda mais dilatada, pois as práticas sociais vão aumentando a cada dia que se passa. A melhor solução é olhar para JESUS, Autor e Consumador da fé (Hb 12.1,2) e não à vida alheia. Seu dever é orar por aquele que, por causa de certas práticas, você considera fora da Palavra de DEUS, e não criticá-lo, pois em cada crente o desenvolvimento da sua consciência depende do conteúdo bíblico doutrinário nela entesourado e da maturidade espiritual desse crente.

 

Lições Bíblicas CPAD 2°. Trimestre 1998

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