Ronald J. Sider descreve, com vivas cores, a comunhão dos santos: “Para os primeiros cristãos, koinonia não era a ‘comunhão’ enfeitada de passeios quinzenais patrocinados pela igreja”. Não era chá, biscoitos e conversas sofisticadas no salão social depois do sermão. Era um compartilhar incondicional de suas vidas com os outros membros do corpo de Cristo
Não há como discordar do teólogo norte-americano. Infelizmente, conseguimos transformar a comunhão dos santos num clube seleto, cujo acesso só está disponível àqueles que se encontram em nosso substrato social. Quantos aos outros, alijamo-los de nosso meio. Na Igreja Primitiva, todavia, os meios da graça achavam-se disponíveis a todos os santos sem quaisquer distinções.
A Igreja Primitiva era constituída de ovelhas procedentes dos mais variados e longínquos apriscos. Lá estavam os judeus; ali, os altivos romanos e os orgulhosos gregos. Mais além, os desprezados samaritanos. Aqui, os bárbaros e africanos que, apesar de suas heranças multicoloridas e ricas, não falavam ainda o heleno. Sob o estandarte do Cristo, porém, constituíam-se todos num único povo. Assim, ia a Igreja de Deus universalizando-se até alcançar os confins da terra sem impedimento algum.
1 - 0 QUE É A COMUNHÃO DOS SANTOS
Antes de definirmos a comunhão dos santos, atentemos a esta declaração do pastor e teólogo inglês Mathew Henry:
“Não devemos impor nenhuma condição para a aceitação de nossos irmãos, a não ser as que Deus impôs para aceita-los”. Depreende-se, pois, que a comunhão dos santos implica, primacialmente, na plena acolhida daqueles por quem Cristo morreu.
1 - Definição. A comunhão dos santos é o “vínculo espiritual e social estabelecido pelo Espírito Santo entre os que recebem a Cristo como o seu Único e Suficiente Salvador, Tendo como base o amor, esse vínculo faz com que os crentes sintam-se ligados num só corpo, do qual Cristo é a cabeça” = (Ef 4.1-16). Dicionário Teológico da CPAD.
A comunhão dos santos é conhecida, ainda, por estas designações: comunhão dos fiéis e congregação dos santos.
Richard A. Muller assim a define: “Comunidade cristã, É a Igreja vista como o corpo dos crentes, Visto serem santos os membros da Igreja, pode esta ser cognominada de comunhão dos santos”
2 - A origem da nomenclatura teológica. “Embora tal expressão não se encontre nas páginas do Novo Testamento sua idéia acha-se permeada em toda a Bíblia Sagrada”.
“Ela foi usada, oficialmente, pela primeira vez, num sermão pregado por Nicéias de Remesiana por volta de 400”.
A definição de Nicéias foi prontamente aceita pela comunidade teológica. Passados mais de mil e duzentos anos, fazendo uso dela, Matthew Henry descreve a comunhão dos santos como a mais perfeita das sociedades, por ter como base o amor de Deus que o Espírito Santo nos derramou no coração: “O homem é feito para a sociedade, e os cristãos, para a comunhão dos santos”. Que sociólogo teria condições de chegar a uma conclusão tão cristalina como essa? A comunhão dos santos, por conseguinte, é a mais perfeita das sociedades conhecidas entre os filhos de Adão e Eva.
II - A COMUNHÃO DOS SANTOS NA BÍBLIA
A comunhão dos santos é uma expressão teológica e historicamente forte. Quer na comunidade de Israel, quer na Igreja Primitiva, seu conceito não é um mero casuísmo; é uma pratica que leva o povo de Deus a sentir-se como um só corpo.
1 - A comunhão dos santos em Israel. Nos momentos de emergência nacional, levantavam-se os hebreus como um só homem. Isto mostra que, se um israelita sofria os demais padeciam; se uma tribo via-se em perigo, as outras sentiam-se ameaçadas. A fim de manter o seu povo unido, suscitava-lhe o Senhor líderes carismáticos como Gideão e Davi.
O amor entre os israelitas era realçado na Lei e nos Profetas. Os hebreus, por exemplo, não podiam emprestar com usura para seus irmãos. Quando da colheita, eram obrigados a deixar, aos mais pobres, as respigas. Foi o que aconteceu à moabita Rute.
Quando a comunhão dos santos em Israel era quebrantada, instalava-se a injustiça social, a opressão e a violência. Para conter todas essas misérias, erguia Deus os seus profetas que, madrugando, repreendiam os injustos, buscando reconduzi-los aos princípios da Lei de Moisés. No tempo de Neemias, a tensão social a tal ponto chegou que os israelitas mais pobres vendiam-se aos seus credores, a fim de resgatar suas dívidas. Alguns viam suas filhas serem oferecidas como escravas a povos estrangeiros.
2 - A comunhão dos santos em o Novo Testamento. Ao retratar a comunhão entre os santos, escreve o português Camilo Castelo Branco: “O amor de Deus é inseparável do amor do próximo. É impossível no coração humano o incêndio suavíssimo do amor de Deus, quando o grito da miséria não desperta no coração a mágoa das aflições do próximo”. Mais adiante, acrescenta Camilo: “Vede como eles se amam’ diziam os pagãos, quando a sociedade cristã repartia seus haveres em comunas, onde o grande despojado de suas galas, vinha sentar-se ao lado do pobre, vestido de uma mesma túnica, e nutrido por um semelhante quinhão nos ágapes da caridade”.
Sem a comunhão dos santos não pode haver cristianismo. Aliás, protestou alguém certa vez: “O amor é a única forma de nos sentirmos realmente cristãos”.
Todos os escritores do Novo Testamento, a exemplo do Salvador, realçaram a Comunhão dos santos.
No Sermão do Monte, ensinou Jesus os seus discípulos a se amarem uns aos outros; doutra forma: não seriam contados entre os seus seguidores. Lucas ilustra, com vivas cores, como era o cotidiano da comunidade cristã (At 2.42-26). Aliás, um casal morreu fulminado pelo Senhor por haver infligido o princípio básico da comunhão dos fiéis. Saulo descreve a unidade dos discípulos como o vínculo da paz. Já o apóstolo Tiago critica os crentes que, apesar de se apresentarem como tais, eram movidos pelo desamor e por um preconceito social em nada justificado diante de Deus.
III - A COMUNIDADE DOS BENS
O que acontecia na Igreja Primitiva? Não era uma experiência comunista como querem os sectários de Marx e Lênin. A única coisa que o comunismo logrou produzir foi uma legião de excluídos e miseráveis. A Igreja de Cristo, porém, já em seu nascedouro, mostrou o que pode fazer o amor de Deus com o qual o Espírito Santo nos unge o coração. Um amor que se traduz em prática e não em meros conceitos, O que dizer, por exemplo, da comunidade de bens?
1 - Comunidade de bens. Prática observada nos primeiros dias da Igreja, quando os crentes, premidos pelas circunstâncias e urgências da época, “vendiam suas propriedades e fazendas e repartiam com todos, segundo cada um tinha necessidade” (At 2.45).
A Igreja em Jerusalém experimentava uma verdadeira koinonia. Stott elucida-nos este interessante aspecto da união cristã: “Assim, koinonia é uma experiência trinitária; é a parte que temos em comum com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Mas koinonia também expressa o que partilhamos uns com os outros, tanto o que damos como o que recebemos. Koinonia é a palavra que Paulo usou para a oferta que recolheu entre as igrejas gregas, e koinonikos é a palavra grega para generoso”.
2 - A história da comunidade de bens. Segundo alguns historiadores, a comunidade de bens nasceu entre os essênios - seita judaica que floresceu durante o período interbíblico. Todavia, não levaram eles o projeto adiante, por causa de seu legalismo e desamor. Já entre os primeiros cristãos, a prática floresceu, traduzindo-se hoje em hospitais, asilos, creches, leprosários etc. Nenhuma outra religião, em toda a história, mantém laços tão firmes de amor como o Cristianismo.
O Cristianismo, portanto, nada tem a ver com a experiência comunista que, a partir de 1917, causou a morte de milhões de pessoas e levou a miséria a várias nações.
Os camaradas da Rússia e os companheiros de Cuba, em que pese sua propaganda, jamais lograram levar o bem-estar aos seus povos através da foice e do martelo. Uma foice, aliás, que não ceifou as colheitas prometidas. E o martelo que não trouxe os empregos anunciados?
Tão cruel é o comunismo que nenhuma importância dá à vida humana, conforme afirmou Lênin: “Que importa se noventa por cento da População da Rússia morrer, se os dez por cento sobreviventes se converterem à fé comunista?” Além de ser contrário à verdadeira koinonia cristã, ele é visceralmente adversário de Deus: “Todos precisam ser ateus. Nunca alcançaremos nosso alvo enquanto o mito de Deus não for removido dos pensamentos do homem”. Pobre e miserável Lênin; morreu e foi logo esquecido. Deus, todavia, continua a ser honrado inclusive nos países dantes comunistas.
IV - COMO VIVER A COMUNHÃO DOS SANTOS
Afirmou o reformador francês, João Calvino, que os salvos não devemos jamais descurar de nossa comunhão em Cristo Jesus:
“E indubitável que a nós compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está bem alerta, seja para arrancar-nos da Igreja, ou para desacostumar-nos dela de maneira furtiva”.
Eis como poderemos viver em sua plenitude, a comunhão dos santos.
1 – Amando-nos uns aos outros. “Tendo em vista o amor fraternal não fingido, amai-vos, de coração, uns aos outros ardentemente” = (1 Pe 1.22).
O amor entre os cristãos não pode ser um mero aparato social; é algo que parte de nosso interior até que venha a tornar real a koinonia exercida pelos irmãos da era apostólica. É justamente este amor que adorna a união cristã que, intensamente praticada, faz-se na forte e substanciosa doutrina.
2 - Simpatizando-nos uns com os outros. Simpatizar- se significa participar, sincera e amorosamente, com os sentimentos de nossos irmãos, conforme enfatiza o apóstolo Paulo:
“Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” = (Rm 12.15).
A verdadeira comunhão não se manifesta apenas nos festins; torna-se real nos momentos de luto e de dor. Por isto, choramos com os que choram; com os que se alegram também nos alegramos. Em todas as instâncias da koinonia, somos senhores de nossos sentimentos conforme realça John Stott:
“O amor cristão não é vítima de nossas emoções, mas servo de nossa vontade”.
3 - Socorrendo os domésticos na fé. Quem são os domésticos na fé? Se bem atentarmos à epístola que enviou Paulo aos gálatas, verificaremos que são aqueles que fazem parte da família de Deus. Por conseguinte, devem eles ter a primazia dos santos em suas necessidades: “Então, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” = (Gl 6.10).
Socorramos os santos em suas necessidades e carências. Se um irmão tem fome, tenho eu a obrigação moral e espiritual de repartir com ele o trigo que do Senhor recebi. E, assim, com alguns peixinhos e pães, vai o Senhor Jesus nos multiplicando o alimento e saciando a fome dos que, ainda, não receberam o pão de cada dia.
4 - Orando uns pelos outros. “Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e oral uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo” = (Tg 1.16).
A comunhão dos santos traduz—se, ainda, num ministério de oração e intercessão. Se oro somente por min e por minha família, que koinonia exerço eu? Mas se oro por todos e não mais me lembro de mim, que beneficio posso usufruir? Quando oro por todos e não faço mais menção de minhas carências, é sinal que estas não existem mais; há sempre alguém orando por mim.
CONCLUSÃO
Não pode haver cristianismo sem a comunhão dos santos; esta, além de ser o vínculo da perfeição, torna visível a unidade da fé. Levemos em conta, também, ser a comunhão dos santos a recomendação que nos faz o Senhor Jesus: “Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” = (Jo 13.34).
Tem você mantido comunhão com os santos? Cultive-a, a fim de tornar-se, verdadeiramente, cristão. “Irmão amados - Santificados - Vivei unidos — Pois sois remidos, - Não mais temendo — O bem fazendo,/ No nome santo de Jesus!” (Harpa Cristã, 175).
As Disciplinas da Vida Cristã
Claudionor de Andrade
Primeira Edição 2008
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