14 de julho de 2025

Uma Igreja fiel à pregação do Evangelho

 

Uma Igreja fiel à pregação do Evangelho

TEXTO ÁUREO

E, quando Pedro viu isto, disse ao povo: Varões israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este homem?” (At 3.12).

ENTENDA O TEXTO PRINCIPAL

 

Essa pergunta de Pedro aos israelitas, após o milagre do coxo à porta do templo, não é apenas retórica, ela é um espelho. Um espelho que, quando bem olhado, revela um erro comum e antigo: atribuir a homens o que só pode vir de Deus. Pedro, ali, não buscava aplausos nem status espiritual. Ele queria arrancar o foco humano para colocar os olhos do povo de volta em Cristo, o verdadeiro autor daquele milagre.

 

O texto original pode ser traduzido como: “Por que nos fixam o olhar como se fosse por nosso próprio poder (dýnamis) ou santidade (eusebeia) que o fizéssemos andar?”. Essa distinção é teologicamente essencial: Pedro faz questão de separar sua instrumentalidade da verdadeira causa: o nome de Jesus (v. 16). Esse não é apenas um milagre físico, mas uma manifestação da exousía (autoridade) de Cristo, ressurreto e glorificado, agindo por meio de servos submissos. Pedro sabia que o centro da fé cristã não é o instrumento, mas a fonte.

 

VERDADE PRÁTICA

 

A verdadeira pregação bíblica consiste em dar testemunho de Cristo no poder do Espírito.

ENTENDA A VERDADE PRÁTICA

 

A pregação verdadeiramente bíblica não é um espetáculo de oratória, performance, nem uma exibição de conhecimento teológico. Ela é, antes de tudo, o testemunho vivo de Cristo, proclamado com fidelidade às Escrituras e no poder do Espírito Santo.

 

LEITURA BÍBLICA- Atos3:11-19

 

Atos 3.11-19.

 

11. E, apegando-se ele a Pedro e João, todo o povo correu atônito para junto deles no alpendre chamado de Salomão.

 

Correndo para junto deles. A multidão ficou admirada com a cura do coxo e correu para Pedro e João. Esse milagre preparou o cenário para o segundo sermão de Pedro. Os sinais e maravilhas, frequentemente, servem para despertar atenção para o evangelho.

 

12. E, quando Pedro viu isto, disse ao povo: Varões israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este homem?

 

por nossa própria virtude. Pedro imediatamente redireciona a glória para Deus. Ele deixa claro que o poder para curar não vem deles mesmos, mas de Jesus. Isso destaca a humildade e a dependência do Espírito Santo no ministério apostólico.

 

13. O Deus de Abraão, e de Isaque, e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a seu Filho Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes, tendo ele determinado que fosse solto.

 

O Deus de Abraão... glorificou a seu Filho Jesus. Pedro conecta o milagre com a história redentora de Israel. Ele mostra que Jesus é o Servo glorificado prometido nas Escrituras. O uso do título “Seu Servo” faz alusão às profecias de Isaías (cf. Is 52.13; 53.11).

 

14. Mas vós negastes o Santo e o Justo e pedistes que se vos desse um homem homicida.

 

Mas vós negastes. Pedro denuncia o pecado do povo: rejeitaram o Santo e Justo, preferindo um homicida (Barrabás). Aqui há forte apelo à consciência dos ouvintes, como também uma demonstração da gravidade do pecado da incredulidade.

 

15. E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dos mortos, do que nós somos testemunhas.

 

Matastes o Príncipe da vida. Jesus é chamado de "Príncipe da vida" (gr. archegos – líder, originador), ressaltando que Ele é a fonte da vida. Apesar de O matarem, Deus O ressuscitou, e as testemunhas são os próprios apóstolos.

 

16. E, pela fé no seu nome, fez o seu nome fortalecer a este que vedes e conheceis; e a fé que é por ele deu a este, na presença de todos vós, esta perfeita saúde.

 

Pela fé no seu nome. A cura aconteceu pela fé no nome de Jesus.                         Essa fé não é meramente humana, mas operada por Deus.

 

O “nome” representa a pessoa, autoridade e poder de Cristo. O milagre é prova da autoridade do nome de Jesus.

 

17. E agora, irmãos, eu sei que o fizestes por ignorância, como também os vossos príncipes.

 

Eu sei que o fizestes por ignorância. Pedro reconhece que tanto o povo quanto os líderes agiram sem pleno entendimento. Isso abre espaço para arrependimento e misericórdia, semelhante ao que Jesus disse na cruz (Lc 23.34).

 

18. Mas Deus assim cumpriu o que já dantes pela boca de todos os seus profetas havia anunciado: que o Cristo havia de padecer.

 

Assim cumpriu Deus. Pedro mostra que o sofrimento de Cristo não foi um acidente, mas parte do plano soberano de Deus revelado pelos profetas. A morte de Cristo estava prevista e era necessária para a redenção.

 

19. Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham, assim, os tempos do refrigério pela presença do Senhor.

 

Arrependei-vos, pois, e convertei-vos. Este é o coração do apelo de Pedro: arrependimento e conversão. A promessa é clara: os pecados serão apagados, e virão tempos de refrigério da parte do Senhor.

 

O arrependimento genuíno é condição para o perdão e renovação espiritual.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Se quisermos identificar uma igreja verdadeiramente bíblica, há um ponto que não pode faltar: o compromisso sério e constante com a pregação da Palavra de Deus. Não é opcional. É uma marca essencial. A igreja fiel compreende que o centro de sua mensagem não são ideias humanas, programas modernos ou experiências emocionais, é Cristo crucificado, ressurreto e exaltado, como revelado nas Escrituras. Toda doutrina sólida e todo ensino responsável convergem para Jesus, como o próprio Senhor afirmou: “São as Escrituras que testemunham de mim” (Jo 5.39, NVI).

 

A pregação da Palavra é o meio principal pelo qual Deus revela o seu Filho ao mundo. A fé salvadora, como Paulo escreveu, vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Cristo (rēma Christou, Rm 10.17).

 

Isso nos lembra que a pregação verdadeira não é neutra: ela carrega em si a autoridade do próprio Deus, pois parte do seu sopro vivo. O termo grego kērygma, usado para se referir à proclamação apostólica, não descreve uma simples palestra, mas uma declaração comissionada e carregada de poder espiritual, que exige resposta. Por isso, a igreja bíblica não depende de estratégias humanas para comover, não é a pregação performática que quebranta corações, mas toda dependência está no Espírito Santo, é Ele quem convence. Ela prega no poder do alto, não com sabedoria de palavras (sophia logou), para que a cruz de Cristo não se esvazie do seu efeito (1Co 1.17).

 

Como ensina a Bíblia de Estudo Pentecostal, “a Palavra pregada precisa estar unida à unção do Espírito para produzir fruto eterno”.

 

O pastor Antônio Gilberto também enfatiza: “A pregação deve ser centrada na cruz, cheia do Espírito e com propósito claro: glorificar a Cristo e transformar vidas.”

 

Essa proclamação, quando inspirada por Deus, não apenas informa, mas renova. Ela alcança os cansados, consola os que perderam a esperança e aponta para tempos de refrigério (kairoi anapsyxeōs, At 3.20) que vêm da presença do Senhor. Essa expressão usada por Pedro em Atos refere-se não apenas a alívio momentâneo, mas a uma revitalização espiritual profunda, gerada pelo arrependimento e pela volta sincera a Deus.

Assim, como aqueles crentes de Beréia, avaliemos com seriedade:

      

Nossas igrejas ainda pregam com esse peso santo?

O Cristo crucificado ainda é o centro dos nossos púlpitos?

O Espírito ainda é bem-vindo para conduzir e capacitar a mensagem?

 

Que o Senhor nos desperte novamente para uma pregação que arde no coração, ilumina a mente e transforma a alma — tudo para a glória do Cordeiro.

 

I. A IGREJA QUE PREGA AS ESCRITURAS

 

1. As Escrituras revelam Deus. Uma igreja que se firma na verdade não pode abandonar as Escrituras, porque é nelas que Deus se revela. A Bíblia não é apenas um registro histórico ou moral: é a voz viva do Deus eterno falando com seu povo, ontem e hoje. Por isso, uma igreja fiel à sua vocação precisa pregar as Escrituras com autoridade, reverência e fidelidade, reconhecendo que, nelas, Deus se dá a conhecer: seu caráter, seus planos e, sobretudo, a centralidade de Cristo.

 

A segunda pregação de Pedro, registrada em Atos 3.11–26, é um modelo claro dessa postura. Ele não inventa um discurso emocional, nem se apoia em experiências pessoais; ele abre as Escrituras, interpreta os fatos à luz da Palavra, e conduz seus ouvintes diretamente a Cristo. Pedro entende que a autoridade da sua mensagem não está em si mesmo, mas na Palavra inspirada de Deus. Assim, seu sermão se torna uma verdadeira exposição bíblica, com profundidade e clareza.

 

Pedro cita diretamente Deuteronômio 18.15–19 (At 3.23), onde Moisés profetiza sobre o Profeta que viria, apontando claramente para Cristo. Ele também retoma Gênesis 22.18 (v.25), onde Deus promete a Abraão que em sua descendência todas as nações seriam abençoadas, mais uma vez, evidenciando Jesus como o cumprimento dessa promessa. Há ainda ecos de Salmos 22 (um salmo messiânico que antecipa o sofrimento de Cristo) e Daniel 9.26, que fala do “Ungido que seria morto”. Mas Pedro vai além das citações pontuais.

 

Ele demonstra que Deus esteve ativo e presente em toda a história do povo de Israel (At 3.13), conduzindo os acontecimentos rumo à plenitude dos tempos.

Isso é confirmado por várias passagens veterotestamentárias onde Deus se apresenta como “o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó” (cf. Gn 26.24; 28.13; 32.9; Êx 4.5), reafirmando sua fidelidade geracional. Profetas, patriarcas e reis reconheciam a ação contínua de Deus, e Pedro mostra que tudo isso culmina em Jesus, o Servo Glorificado.

 

Essa pregação fundamentada nas Escrituras não é um detalhe, é um princípio vital. A Igreja não tem poder de transformar vidas por si mesma, mas ao proclamar a Palavra de Deus, ela se torna instrumento do Espírito. Como diz o Comentário Bíblico Beacon: “A autoridade de Pedro vem das Escrituras e do testemunho do Espírito. Ele fala, mas é Deus quem convence.”

 

Portanto, igrejas bíblicas pregam a Bíblia. Pregam Cristo. Pregam com clareza, com temor, com unção. E quando o púlpito é ocupado pela Palavra viva, o coração do povo é tocado, os olhos são abertos e a glória de Deus se manifesta.

 

2. As Escrituras testemunham de Jesus. As Escrituras não são apenas um manual de fé ou um código moral, elas são uma revelação progressiva e cristalina da Pessoa de Jesus Cristo. Desde o Gênesis até o Apocalipse, a Bíblia revela um fio contínuo de redenção que conduz ao Messias prometido. Como afirmou o próprio Senhor: “Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam” (Jo 5.39, ARA).

 

A expressão grega usada aqui, ἐκεῖναι εἰσίν αἱ μαρτυροῦσαι περὶ ἐμοῦ (ekeinai eisin hai martyrousai peri emou), carrega o peso de um testemunho contínuo e coerente, as Escrituras “dão testemunho” de Cristo como uma testemunha ocular numa sala de julgamento. Essa era a compreensão teológica e hermenêutica dos apóstolos.

 

Em Atos 3.18, Pedro retoma esse princípio ao interpretar o sofrimento de Cristo à luz dos profetas do Antigo Testamento: “Deus, porém, assim cumpriu o que dantes anunciara por boca de todos os seus profetas: que o seu Cristo havia de padecer”. O termo grego traduzido como "havia de padecer" é παθεῖν τὸν Χριστόν (pathein ton Christon), expressão que aponta para o Messias como o Servo Sofredor, como antecipado em Isaías 53, Salmo 22, e Daniel 9.26.

 

Esse sofrimento não foi imprevisto; foi predito, planejado e cumprido com precisão divina. O escritor pentecostal Craig S. Keener destaca que Pedro, ao pregar em Atos 3, está fazendo uma releitura cristocêntrica do Antigo Testamento, entendendo que todos os acontecimentos em torno da crucificação de Jesus estavam previstos nas Escrituras Hebraicas, não como tragédias, mas como atos do plano soberano de Deus¹. O Comentário Bíblico Pentecostal reforça que essa abordagem dos apóstolos não era uma imposição artificial ao texto, mas o reconhecimento de que as promessas messiânicas estavam sendo cumpridas diante dos olhos da geração apostólica².

 

Para Pedro, portanto, não há separação entre pregação e Escritura, entre revelação e redenção. A pregação é o eco autorizado da voz profética que anunciava a vinda, os sofrimentos e a glória do Cristo. A morte de Jesus, longe de ser um tropeço no caminho da missão messiânica, era seu ponto mais alto: o Cordeiro entregue voluntariamente, o Servo ferido por nossas transgressões.

 

Frank D. Macchia observa que a abordagem dos apóstolos em Atos revela uma pneumatologia integrada à cristologia e à exegese: é o Espírito Santo que ilumina o texto, dá poder à pregação e abre os olhos do povo para reconhecer o Cristo ressurreto nas Escrituras.

 

Assim, a igreja primitiva lia a Bíblia com os olhos voltados para Jesus, e pregava com os olhos cheios do Espírito. Portanto, toda verdadeira leitura bíblica precisa ser cristocêntrica, e toda pregação autêntica precisa ser fundamentada nas Escrituras. Uma igreja que anuncia Cristo a partir das Escrituras, no poder do Espírito, cumpre sua vocação apostólica e se torna agente da revelação de Deus no mundo. Que nossas Escolas Bíblicas, nossos púlpitos e nossos corações estejam alinhados com essa verdade eterna: Cristo é o centro de tudo o que Deus revelou — e tudo o que pregamos deve apontar para Ele.

 

3. As Escrituras confrontam o pecado. Uma igreja que prega a Palavra com fidelidade não apenas consola, ela também confronta. O Evangelho verdadeiro nunca passa pano para o pecado; ele o expõe à luz da santidade de Deus e chama o pecador à mudança real. Foi exatamente isso que Pedro fez em sua pregação registrada em Atos 3.19. Ele não suavizou a verdade para agradar o público, mas declarou com coragem: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos”.

Sua mensagem cortava direto no ponto: não há salvação sem arrependimento. A palavra usada por Pedro no original grego é μετανοήσατε (metanoēsate, de metanoéō), que vai muito além de um sentimento de culpa ou remorso momentâneo. Trata-se de uma mudança profunda de mente e direção, uma reorientação total da vida segundo a vontade de Deus.

 

Segundo o Comentário Bíblico Beacon, metanoia envolve “uma reviravolta interior que conduz a uma nova conduta exterior”. Ou seja, não é só parar de pecar, é começar a viver para Deus. E é importante notar: Pedro não estava pregando a estranhos sem contexto. Ele estava falando a pessoas religiosas, dentro do templo, que conheciam as Escrituras, mas ainda precisavam se converter. Isso revela algo profundo: não basta conhecer a Bíblia, é preciso se submeter a ela. A verdadeira pregação bíblica não massageia egos espirituais; ela quebra resistências internas e nos chama ao altar da rendição total.

 

Frank D. Macchia afirma que “o arrependimento autêntico é sempre obra do Espírito, que, por meio da Palavra, convence o coração, ilumina a consciência e atrai o pecador à graça”. Uma igreja que se cala diante do pecado, ou que oferece um evangelho sem exigência de mudança, perde o poder da cruz e trai sua missão. Como enfatizou o pastor Antônio Gilberto: “O Evangelho é salvação, mas também é confronto. Ele consola, mas antes disso, transforma.”

 

Assim, a pergunta que fica para nós é direta: nossas pregações ainda confrontam o pecado com seriedade? Ou temos apenas alimentado uma espiritualidade superficial, sem exigência de transformação? Que o Senhor nos conceda graça e coragem para proclamar a verdade como Pedro fez com clareza, com autoridade, e com compaixão. Porque só o arrependimento gera refrigério, e só a Palavra viva é capaz de gerar uma nova vida.

 

II. A IGREJA QUE PREGA NO PODER DO ESPÍRITO

 

1. O Espírito capacita o mensageiro. Quando a igreja sobe ao púlpito apenas com técnica e preparo intelectual, ela até pode impressionar, mas não transforma. O que dá vida à pregação não é o carisma do mensageiro, e sim a presença do Espírito Santo que habita e opera por meio dele. Foi exatamente isso que aconteceu com Pedro em Atos 3.

Ele não estava falando por si mesmo. Estava cheio do Espírito, e isso transparecia em cada gesto e palavra. Um detalhe no texto original do versículo 4 chama atenção: “Pedro, com João, fitando os olhos nele...” (At 3.4). O verbo grego usado aqui é ἀτενίζω (atenízō), que significa mais do que simplesmente “olhar”.

 

Strong e outros estudiosos apontam que essa palavra é usada, em diversos contextos do Novo Testamento, para descrever momentos de revelação espiritual, discernimento profundo ou atenção concentrada diante de algo que Deus está prestes a fazer. Ou seja, Pedro não apenas viu o homem paralítico, ele o enxergou espiritualmente, guiado pelo Espírito, com percepção além do natural.

 

Esse “fixar os olhos” é, na verdade, uma atitude profética. É como se Pedro estivesse sendo conduzido pelo Espírito para perceber o que ninguém mais via: que aquele momento não era comum, que aquele homem não era apenas um pedinte, e que Deus queria agir ali, agora. É o Espírito quem dá ao pregador discernimento, sensibilidade e ousadia, exatamente como vemos ao longo do livro de Atos (At 4.8; 6.10; 13.9).

 

A Bíblia de Estudo Pentecostal explica que "a plenitude do Espírito não é apenas um selo de autoridade, mas uma capacitação sobrenatural para realizar o que seria impossível em termos humanos".

 

Pedro, cheio do Espírito, não apenas falou com clareza, ele agiu com poder. E esse poder não nasce de estratégias ou técnicas homiléticas, mas da intimidade com Deus e da submissão total ao Espírito Santo. O crente de Beréia certamente faria estes questionamentos: temos pregado no poder do Espírito ou apenas na força do hábito? Nossas aulas, sermões e testemunhos carregam unção ou apenas informação? Que o Senhor nos devolva a convicção de que não há igreja viva sem Palavra viva, e não há Palavra viva sem Espírito Santo. Que voltemos a pregar como Pedro, com os olhos fixos na direção de Deus e os ouvidos atentos ao que o céu deseja fazer.

 

2. “Fixar os olhos”. A expressão “fixar os olhos” aparece diversas vezes em Atos dos Apóstolos, e cada uma delas carrega um peso espiritual. O verbo grego ἀτενίζω (atenízō) não se refere a um simples olhar demorado, mas a um olhar carregado de discernimento espiritual e autoridade divina.

É o tipo de olhar de quem está cheio do Espírito e enxerga o que os olhos naturais não captam. Esse mesmo termo é usado em Atos 14.9, quando Paulo, cheio do Espírito, olha fixamente para o homem paralítico em Listra e percebe que ele tinha fé para ser curado. O olhar de Paulo não foi casual, foi guiado pelo Espírito, um momento de revelação divina. Da mesma forma, em Atos 13.9, o apóstolo, novamente “cheio do Espírito Santo”, fixa os olhos em Elimas, o mágico, para repreendê-lo com autoridade.

 

Em ambos os casos, o olhar antecede uma ação sobrenatural, seja uma cura, seja uma repreensão profética. Retomando o episódio de Pedro em Atos 3, o uso da mesma expressão nos ajuda a entender algo profundo: Pedro não apenas curou um homem paralítico, ele também pregou com poder e discernimento espiritual. Estava claro que ele agia e falava sob a influência direta do Espírito Santo. Ele viu o necessitado com os olhos do céu e falou ao povo com a boca do céu.

 

O Espírito, portanto, não age apenas para operar milagres, mas para dar autoridade à Palavra. Como ensina o pastor Antônio Gilberto, “pregar não é fazer discurso. É proclamar, sob a unção do Espírito, aquilo que Deus está dizendo à sua igreja”. Uma pregação pode ser bem estruturada, pode até emocionar, mas só transforma vidas quando vem carregada da presença do Espírito Santo.

 

Como nos lembra o Comentário Bíblico Pentecostal, a unção do Espírito “não é apenas um selo de autoridade divina, mas a capacitação para realizar aquilo que está além das possibilidades humanas”². Podemos assim concluir, com muita precisão, que ensinar e pregar não são tarefas neutras. São atos espirituais. E uma igreja que deseja ver transformação real precisa depender do Espírito não apenas em momentos extraordinários, mas também ao abrir a Bíblia e anunciar sua mensagem. Porque pregar não é repetir ideias religiosas: é declarar com fé aquilo que Deus quer comunicar ao coração do povo, no tempo e no poder do Espírito.

 

3. O Espírito glorificará a Jesus. Há uma marca inconfundível em toda obra genuína do Espírito Santo: ela glorifica Jesus. Não o pregador. Não a igreja. Não os dons. Mas o Cordeiro de Deus.

 

Em João 16.14, Jesus é categórico: “Ele me glorificará”.

O verbo grego usado aqui, δοξάσει (doxásei), carrega a ideia de tornar evidente a glória, a majestade, a beleza divina de Cristo. Isso não é opcional; é a própria essência do ministério do Espírito. Em Atos 3, Pedro e João acabaram de ser instrumentos de um milagre extraordinário (um homem paralítico desde o nascimento, agora caminhando, saltando e louvando a Deus diante de todos).

 

Era o tipo de evento que poderia facilmente inflar o ego de qualquer um. Mas Pedro, cheio do Espírito, corta toda vaidade na raiz. Ele confronta a multidão com uma pergunta incisiva: “Por que vocês estão olhando para nós, como se fosse por nosso próprio poder ou santidade (ευσεβείᾳ, eusebeía: piedade profunda e verdadeira) que fizéssemos este homem andar?” (At 3.12).

 

Pedro sabia: o foco não podia estar nele, tudo era sobre Jesus de Nazaré, exaltado à destra do Pai. Essa resposta de Pedro é profundamente pedagógica. Ela revela um princípio teológico: o Espírito opera por meio da Igreja, mas nunca para exaltar a Igreja. Ele atua por mediação, nunca em competição com o Filho.

 

Como ensina Antônio Gilberto, “toda manifestação espiritual que não aponta para Cristo deve ser examinada à luz das Escrituras”.

 

O Comentário Bíblico Pentecostal reforça: “o centro da proclamação apostólica em Atos é sempre o Cristo ressuscitado, o Espírito é o poder que torna isso possível, não o fim em si mesmo.”

 

Infelizmente, muitos púlpitos hoje desviam desse padrão. Pregações que destacam o "eu", o "ministério", o "sacerdote", mas não glorificam o nome de Jesus, são discursos humanos, não pregação bíblica.

 

Como bem alerta o teólogo pentecostal Craig Keener: “A presença do Espírito é autêntica quando Cristo é exaltado e os corações se rendem ao senhorio de Jesus.” A Igreja não precisa de mais celebridades espirituais; ela precisa de servos que, como João Batista, digam: “É necessário que Ele cresça, e que eu diminua” (Jo 3.30).

 

Que tipo de mensagem estamos ouvindo e anunciando em nossas igrejas? Estamos formando discípulos apaixonados por Jesus ou apenas admiradores de dons e milagres?

A ação autêntica do Espírito sempre nos desinstala, nos convence, nos humilha e nos coloca de joelhos diante da majestade do Cristo exaltado. Que cada professor e aluno da Escola Bíblica Dominical reflita sobre isso com seriedade. Porque se Cristo não está sendo glorificado, então, mesmo que tenhamos emoção, barulho ou espetáculo, o Espírito Santo não está ali.

 

Pedro curou? Sim e não.

 

Não, no sentido de origem e autoridade. Pedro foi claro e categórico diante da multidão: “Por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude (δύναμις, dýnamis) ou santidade (εὐσέβεια, eusebeia) fizéssemos andar este homem?” (At 3.12). Ou seja, ele está negando ser a fonte do milagre. Ele não reivindica crédito, poder ou mérito algum. O milagre não nasceu da força ou piedade de Pedro, mas da autoridade de Cristo e do agir soberano do Espírito Santo. Pedro age como um instrumento, não como a causa da cura. O poder de cura é divino, e a glória pertence unicamente a Jesus, como ele mesmo declara alguns versículos depois: “Pela fé no nome de Jesus é que este, que vedes e conheceis, foi fortalecido; sim, a fé que vem por meio dele deu a este, perante todos vós, esta perfeita saúde” (At 3.16).

 

Sim, no sentido de mediação e agência obediente. Pedro foi o canal usado por Deus para ministrar a cura. Ele não operou a cura por si mesmo, mas foi participante da operação divina, exatamente como Jesus prometera: “Em verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas, porque eu vou para junto do Pai” (Jo 14.12). Assim como Moisés abriu o mar ao estender o cajado (Êx 14.21), mas quem realmente operou foi o Senhor; ou como Eliseu purificou as águas (2Rs 2.21), mas a força era do Deus de Israel, da mesma forma, Pedro foi obediente e confiante no nome de Jesus, sendo assim cooperador com o que o Espírito já havia determinado realizar.

 

Pedro entendia bem que os dons espirituais, incluindo curas, não são possessões particulares, mas manifestações do Espírito conforme a Sua vontade (1Co 12.11). O dom de curar (χαρίσματα ἰαμάτων, charísmata iamatōn) é plural em 1 Coríntios 12, o que indica que cada cura é um ato específico de graça, não um poder permanente à disposição do indivíduo. Nós cremos e afirmamos que Deus ainda cura, ainda opera milagres, ainda manifesta Seus dons como sinais do Reino.

No entanto, é fundamental manter o equilíbrio bíblico: o poder vem de Deus, e o homem é apenas servo. Como dizia John Stott: “O maior perigo de qualquer ministério eficaz é que o povo admire o mensageiro em vez de glorificar o Senhor.” Pedro não curou por si mesmo, mas curou como instrumento consciente e disponível nas mãos de Deus. A cura foi feita em nome de Jesus e pela fé que vem dEle. O centro da narrativa não é o milagre, nem o apóstolo, é Cristo glorificado. Portanto, qualquer pregação, ensino ou ministério que rouba a glória de Jesus e a transfere ao homem está profundamente equivocado.

 

III. A IGREJA QUE PREGA A ESPERANÇA VINDOURA

 

1. Alerta a uma sociedade indiferente e insensível. Vivemos num tempo marcado pela frieza espiritual e pelo cansaço existencial. Muitos até ouvem falar de Deus, mas poucos se deixam afetar por Ele. A mensagem da cruz soa distante, irrelevante, ou simplesmente abafada pelo barulho de uma cultura que não pensa no eterno. No entanto, essa realidade não é nova.

 

Em Atos 2.40, Pedro, cheio do Espírito Santo, faz um apelo direto aos seus ouvintes: “Salvai-vos desta geração perversa”. A palavra grega aqui usada para “perversa” é σκολιᾶς (skoliás), literalmente “torta”, “desviada”, uma geração moralmente distorcida e espiritualmente perdida. Mais adiante, em Atos 3.17, Pedro reconhece que aquela geração, além de perversa, era também “ignorante” (ἠγνοεῖτε; ēgnoeíte), não por mera falta de informação, mas por um coração endurecido à verdade.

 

Era uma ignorância culpável, semelhante à que Paulo descreve em Romanos 1.21: “porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus”.

 

O Comentário Bíblico Beacon afirma que essa ignorância espiritual “não anula a responsabilidade diante de Deus, mas revela a profundidade da necessidade de arrependimento”. Esse mesmo cenário de indiferença reaparece nas cartas de Paulo.

 

Em 1 Tessalonicenses 4.13, ele contrasta os cristãos com aqueles que “não têm esperança” — οἱ λοιποὶ οἱ μὴ ἔχοντες ἐλπίδα (hoi loipoì hoi mē échontes elpída).

O apóstolo fala aqui de uma ausência completa de expectativa escatológica, ou seja, uma vida sem perspectiva de eternidade. E logo depois, em 1 Tessalonicenses 4.5, ele descreve os gentios que “não conhecem a Deus” como dominados pelas paixões, termo que traduz πάθει ἐπιθυμίας (páthei epithymías), uma entrega sem freios aos impulsos da carne, fruto direto da cegueira espiritual. É nesse contexto de frieza, desvio e ignorância espiritual, que a Igreja é chamada a ser mensageira da esperança vindoura.

 

A missão da Igreja não é apenas informar, mas confrontar e iluminar. Como ensina Antônio Gilberto: “O Espírito Santo capacita a Igreja para que ela denuncie o pecado, proclame a graça e aponte para o Reino que virá.”² Pregadores, professores e líderes da Escola Bíblica Dominical têm uma responsabilidade solene: anunciar com convicção a vinda gloriosa de Cristo e o juízo que se aproxima.

 

Como afirma o teólogo pentecostal Douglas Oss, “a expectativa escatológica alimenta a santidade no presente.” O desafio, portanto, é urgente. Estamos preparando crentes para a eternidade ou entretendo ouvintes na superficialidade? Uma igreja que perde de vista a esperança futura também perde sua identidade no presente. Que cada aula, sermão e testemunho nos leve de volta ao essencial: uma vida centrada em Cristo, firmada na Palavra, moldada pelo Espírito e voltada para o Reino que não pode ser abalado (Hb 12.28).

 

2. A promessa da Segunda Vinda.  Ao concluir sua pregação no templo, Pedro não encerra com condenação, mas com esperança. Em Atos 3.19, ele convida seus ouvintes ao arrependimento, afirmando que, por meio desse retorno sincero ao Senhor, “venham, assim, os tempos do refrigério pela presença do Senhor”.

 

A expressão usada no texto grego é καιροὶ ἀναψύξεως (kairoì anapsýxeōs), literalmente, “tempos de renovação refrescante”. O verbo ἀναψύχω (anapsýchō) transmite a ideia de um alívio que vem depois de uma opressão intensa, como um vento suave após um dia escaldante. Pedro está, ao mesmo tempo, olhando para o presente e para o futuro. Naquele momento, a promessa feita a Abraão, de que todas as famílias da terra seriam abençoadas por meio de sua descendência (Gn 12.3; cf. At 3.25), já começava a se cumprir em Jesus, o Servo glorificado (At 3.13).

A graça salvadora estava disponível ali, diante deles. Mas Pedro não se limita à bênção presente. Ele projeta o olhar da Igreja para a consumação da promessa: “até os tempos da restauração de todas as coisas” (At 3.21).

 

A palavra grega ἀποκατάστασις (apokatástasis) aponta para um retorno à ordem original criada por Deus, um mundo redimido e reconciliado com o Criador. Essa restauração não é simbólica. Ela é escatológica, literal, e se cumprirá com a Segunda Vinda de Cristo. O Comentário Bíblico Pentecostal esclarece que esses “tempos de refrigério” são antecipações do Reino vindouro, mas sua plenitude ocorrerá quando Jesus, o Cristo designado, for enviado novamente pelo Pai (At 3.20-21).

 

A Igreja, portanto, não é apenas herdeira da promessa, ela é portadora da esperança. Em uma geração marcada por desesperança e confusão, temos uma mensagem que fala de redenção, de justiça futura e de consolo eterno. É essa consciência escatológica que dá firmeza à nossa missão.

 

Como afirma Craig Keener, “a expectativa do retorno de Cristo moldava todas as dimensões da vida e da fé da igreja primitiva.”² Pregadores, mestres e líderes da EBD não devem apenas ensinar fatos bíblicos, mas formar corações esperançosos, olhos voltados para o alto, almas firmadas na certeza de que “aquele que há de vir virá, e não tardará” (Hb 10.37).

 

Vivemos entre a primeira vinda de Cristo e a segunda. Já experimentamos a salvação, mas ainda aguardamos a restauração de todas as coisas. Que a esperança da Segunda Vinda reacenda a chama nos nossos púlpitos, motive a santidade em nossas salas de aula e fortaleça os corações cansados. A Igreja não vive do acaso, ela caminha rumo à consumação da promessa. E isso muda tudo.

 

CONCLUSÃO

 

Chegamos ao final de mais uma lição, e com ela fomos lembrados de algo essencial: a centralidade da exposição bíblica; somente com a exposição bíblica, o crente em Cristo poderá aprender o precioso valor das Escrituras para atender as necessidades mais importantes na vida do ser humano. A exposição bíblica significa tirar do texto bíblico a mensagem que Deus colocou lá de maneira fiel, clara, prática, ousada e ao mesmo tempo humilde, com certeza e amor e sob o poder do Espírito Santo (Ne 8.8; 1Ts 1.5).

Não se trata apenas de falar sobre a Bíblia, mas de anunciá-la com fidelidade, clareza e poder, assim mesmo como fazia o apóstolo Pedro. Mesmo sem formação acadêmica ou recursos linguísticos refinados, Pedro era um homem cheio do Espírito Santo, e isso fazia toda a diferença. Sua autoridade não vinha da retórica, mas da convicção espiritual e do profundo enraizamento nas Escrituras. Ele não apenas conhecia a Palavra, ele a vivia e a anunciava com paixão.

 

Esse é o nosso chamado também. Não somos chamados a impressionar, mas a ser fiéis à Palavra viva de Deus, deixando que o Espírito nos capacite em cada aula, sermão ou testemunho. Uma igreja verdadeiramente bíblica não é aquela que apenas ouve a Escritura, mas aquela que a compreende, ensina e vive com integridade. Que essa lição desperte em nós um desejo renovado: sermos ministros da Palavra, não apenas com conhecimento, mas com cheio do Espírito e zelo pela verdade. Onde a Bíblia é proclamada com fidelidade, há vida, luz e transformação. Que sejamos essa igreja.

 

Amem

 

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