24 de maio de 2016

A NOVA VIDA EM CRISTO


A NOVA VIDA EM CRISTO

 

TEXTO ÁUREO = “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 J0 2.15).

 

VERDADE PRÁTICA = Consagração é exclusividade para Deus e submissão diária a Ele da parte do crente; essa é a vontade de Deus.

 

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 12.1,2,9-21

 

INTRODUÇÃO

 

Depois da parte teológica na Epístola aos Romanos, o apóstolo começa a parte prática. E um apelo apostólico a fim de que os cristãos vivam uma vida de consagração a Deus. E o que Deus espera de todos os que desfrutam das bênçãos mencionadas pelo apóstolo na primeira parte de Romanos.

 

1. ELEMENTOS DO CULTO

 

1. “Rogo-vos” (v.1). No grego, o verbo é parakaleo, que vem de duas palavras: para, uma preposição grega que significa “ao lado de”; e kaleo, o verbo “chamar”, traduzido no Novo Testamento por “exortar, apelar, recomendar, solicitar”. Deus não está exigindo, mas pedindo. Muitos expositores da Bíblia se surpreendem com essa expressão. Disse um desses grandes expositores:“Surpreendente expressão vinda de Deus! De um Deus contra o qual havíamos pecado, e sob cujo juízo estávamos”.

 

2. “Apresenteis o vosso corpo (v.1)”. O verbo “apresentar”, aqui, tem o sentido de “oferecer”. É um ensino extraído dos sacrifícios que se ofereciam sobre o altar, no culto levítico. O hebreu escolhia o melhor para sacrifício e uma vez oferecido a Deus, tal oferenda era propriedade absoluta do Senhor.

 

3. Entrega total. É essa a analogia que o apóstolo faz no v.1, com relação à nossa adoração a Deus. Deste modo o apóstolo exorta os crentes para uma vida consagrada. O corpo é o invólucro da alma e do espírito, e é o meio pelo qual revelamos o nosso interior (2Co 5.10). O mesmo corpo que no passado era instrumento para o pecado, agora é o templo do Espírito Santo (1Co 3.16,17), para servir à justiça (Rm6.13).

 

4. “Sacrifício vivo” (v.1). O culto bíblico apresenta pelo menos cinco elementos: oração, cântico, leitura da Palavra de Deus, pregação com o sobrenatural ou testemunho e ofertas (1Co 14.26; 16.1-3).

A expressão “sacrifício vivo” mostra o contraste com o serviço religioso externo de Israel nos tempos do Antigo Testamento, pois era um ritual e praticado por força da lei.

 

5. Culto. “Culto racional” é a adoração cristã, muito diferente do culto do Antigo Testamento, onde se ofereciam criaturas irracionais. A palavra “culto” é latreia, na língua grega do Novo Testamento e significa “serviço sagrado, adoração”, de onde vem a palavra “liturgia”.

 

6. Racional. Do grego logikos, derivado do logos, “palavra, razão”, de onde vem a nossa palavra “lógica”. Os principais dicionários de grego afirmam que logikos significa também espiritual. A Nova Versão Internacional (NVI), no rodapé, coloca como opção a tradução “culto espiritual”. Essa palavra só aparece mais uma vez no Novo Testamento (1Pe 2.2), onde “leite racional” é traduzido por “leite espiritual” na Versão Almeida Atualizada. Então, “racional”, aqui, não se refere a racionalismo humanista, frio, sem vida e à parte de Deus, mas algo espiritual. Isto é: culto espiritual, resultado da sabedoria e da inteligência espiritual de Cl 1.9. Devemos oferecer a Deus um culto vivo e espiritual.

 

II. O MUNDO NÃO É PADRÃO PARA A IGREJA

 

1.0 cristão e o mundo (v.2). As palavras gregas para “mundo” no Novo Testamento grego são kosmos e aion. Ambas significam o mundo físico e também o pecado.

 

a) Mundo físico. “Vós sois a luz do mundo kosmos]” (Mt 5.13). “Pela fé entendemos que os mundos [aionl pela Palavra de Deus foram criados” (Hb 11.3).

 

b) Pecado. A palavra “mundo”,mencionada no (v.2), é aion, e refere-se ao pecado. Aion tem o sentido de “sistema de coisas; século” e aparece, por exemplo, na expressão. “deus deste século” (2Co 4.4).

 

2. “...mas transformai-vos” (v.2). A expressão “Não vos conformeis com este mundo” significa que não devemos nos moldar ao mundo. A transformação de nossa mente, e de nosso interior — transformação pelo Espírito Santo (2Co 3.18) repele o modelo mundano. Por isso devemos nos transformar pela renovação de nosso entendimento.

 

3. O que é mundanismo? Nenhum crente contesta o fato de que a Bíblia condena o mundanismo. Isso é ponto inquestionável. Embora a palavra “mundanismo” não se encontre na Bíblia, todavia, seu conceito sim. É tudo aquilo que desagrada a Deus (Tg 4.4; 1Jo 2.15-16).

O conceito de mundanismo nos dias dos apóstolos, segundo informa a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, consistia nos teatros, jogos e devassidão.

 

4. O mundanismo hoje. O mundanismo hoje está multiplicado em relação aos tempos do Novo Testamento. Segundo a Bíblia de Estudo Pentecostal, Satanás apresenta uma idéia mundana de moralidade, “das filosofias, psicologia, desejos, governos, cultura, educação, ciência, arte, medicina, música, sistemas econômicos, diversões, comunicação de massa, esporte, agricultura, etc, para opor-se a Deus e ao seu povo, à sua Palavra e aos seus padrões de retidão”.

 

5. O contexto. Tudo isso deve ser analisado à luz de seu respectivo contexto. Não é pecado ser médico nem o crente estudar medicina, O Diabo, porém, pode usar, como tem feito, a medicina para destruir os valores cristãos: prática do aborto e da eutanásia, etc. A ciência, para o ateísmo. A música, para o sensualismo, O mesmo pode acontecer na política, nos sistemas econômicos, etc, mas nem por isso a Bíblia condena alguém ser músico, cientista, político, empresário. Tudo depende do contexto e da finalidade.



6. A vontade de Deus. Geoffrey B. Wilson afirma com muita propriedade que os três adjetivos “boa, agradável e perfeita” mostram que a vontade de Deus é definida no “que é moralmente bom, prescreve o que é agradável a Ele, e provê um padrão que é eticamente completo (Mt 5.48)”. Devemos influenciar o mundo para o bem e não sermos influenciados por ele, para o mal.

 

III. O AMOR FRATERNAL

 

1. A fraternidade. A segunda parte de Romanos apresenta o mesmo tom das exortações de Jesus no Sermão do Monte. O texto dos vv.9- 21 trata do amor fraternal, profundo, sincero e prático, sem hipocrisia, que deve reinar entre os crentes, O amor, o respeito mútuo e a solidariedade constituem-se no padrão para o Cristianismo.

 

2. O amor sincero. A partir do v.9 o apóstolo exorta os crentes a observar alguns preceitos sociais, principalmente a comunhão fraternal. Quem não ama ao seu próximo, não ama a Deus (1 J0 4.20). Esse amor deve ser sincero. Isto é: em obras e em verdade, não só em palavras (1 J0 3.18). Essa era a característica da Igreja no primeiro século

(At 2.42-47).

 

3. Amar os crentes e os inimigos. A grandeza dessa passagem reside também no fato de o apóstolo nos exortar a amar e a perdoar até mesmo os de fora (vv.14,17-21). Isso já fora dito por Jesus no Sermão do Monte (Mt 5.42-48).

Devemos procurar essa convivência pacífica com todos, até onde for possível: “Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens” (v. 18).

 

IV. SOBRE A VINGANÇA

 

1. Não devemos retribuir mal por mal (v.19). A vingança é prerrogativa de Deus, que é o Juiz de toda a terra (Gn 18.25); Ele como justo Juiz (2Tm 4.8), além de soberano sabe fazer justiça. “Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor” (v.19) é uma citação de Dt 32.35. É difícil, mas é possível, com a ajuda do Espírito Santo. Deus nos recompensará. Não é pecado requerer seus direitos em juízo. O que não é cristão é um crente levar seu irmão a juízo por questões litigiosas, causando escândalos, quando deveria levar tais coisas ao pastor (1Co 6.1-8).

 

2. O exemplo de Jesus. Jesus fundou um império pelo amor. Conquistou as almas pelo amor. Se ele tivesse o nosso ressentimento não teria conquistado Saulo de Tarso, pois o mesmo teve participação na morte de Estêvão (At 7. 58; 8.1-3; 22.20). Por isso que a nossa oração a Deus deve ser pela salvação de tais pessoas. Nada melhor do que nosso testemunho e demonstração sincera de amor por elas. Isso fala tão forte a ponto de muitos inimigos, oponentes, persegui- dores e faladores se converterem.

 

CONCLUSÃO

 

Vida consagrada envolve todo o nosso ser e em todos os aspectos da vida. E uma entrega total ao Senhor que nos leva a estarmos cada vez mais próximos dEle e, conseqüentemente, vivermos em amor com os nossos irmãos em Cristo. Assim, teremos poder e graça para vencermos o mundo. E mais do que isso, com o nosso testemunho de fidelidade ao Senhor, conquistarmos os não-crentes para Cristo.


Lições Biblicas CPAD 2°. Trimestre 1998


 
OS FRUTOS DA JUSTIÇA DE DEUS = Romanos 12.1-21

 

Na seção doutrinária que acabamos de concluir, Paulo anunciou O Evangelho da Justiça de Deus, ou o caminho da salvação. Este é o caminho para a justificação através de Cristo, por meio do qual o pecador se reconcilia com Deus pela fé (capítulos 1-5), e a seguir é santificado em Cristo pela comunicação do Espírito (capítulos 6-8). Como a recusa de Israel em aceitar a justiça proferida por Deus foi o que ocasionou a sua rejeição do reino messiânico e a inclusão dos gentios nele, assim a futura aceitação desta justiça por Israel representará a sua salvação definitiva (capítulos 9-11).

 

Mas quais são os frutos da justiça de Deus? O que é a vida de salvação? Paulo esboça a sua resposta nesta seção prática. Nos capítulos 12-13, ele faz uma aplicação geral do amor ágape como a principal característica da vida cristã, ressaltando como este princípio se manifesta, tanto dentro como fora da comunidade cristã. A linguagem de Paulo nestes capítulos mostra um compromisso com os ensinos de Jesus, como registrados nos Evangelhos, e uma impressionante lista de paralelos pode ser traçada entre os capítulos 12-13 e o Sermão da Montanha. Ele aplica o princípio ágape ao problema das diferenças de opinião religiosa dentro da comunidade cristã (14.1—15.13).

 

Estas duas divisões principais da Epístola correspondem à diferença entre kerygma (a proclamação da salvação de Deus em Cristo) e didache (instruções dadas aos crentes, particularmente na área da ética), encontrada ao longo do Novo Testamento. Repetidas vezes, nas cartas de Paulo, a exposição doutrinária é seguida pela instrução ética. Mas aqui, assim como em Efésios (cf. Ef 4.1) a transição da doutrina à exortação é definida e, poderíamos quase dizer, abrupta.

 

No entanto, é imperativo compreender o relacionamento vital que existe entre as duas divisões da Epístola aos Romanos. A ética cristã se baseia na graça de Deus. Em nenhum lugar Paulo tenta definir um cristão, e deduzir a partir daí uma hierarquia de virtudes. Tão estranho seria a Halakha farisaica, ou a Regra de Conduta, derivada de um código fixo de mandamentos considerados divinos e inalteráveis. “Ele não pensa na conduta correta como em conformidade com um código nem como adicionando virtude sobre virtude numa disciplina de autoconhecimento. E a colheita do Espírito - uma reação espontânea do espírito interior de um homem, controlado pelo Espírito de Deus, às sucessivas situações nas quais ele se encontra ao viver com outros homens em sociedade”. Tudo o que o apóstolo faz nesta seção, portanto, é indicar uma maneira geral como o Espírito de Cristo irá levar um crente a se comportar tanto dentro da igreja quanto na sociedade em geral.

 

E por esta razão que esta divisão recebe o título de “os frutos da justiça de Deus” (cf. G1 5.22-23). Qualquer tentativa de esquematizar esta seção de forma muito organizada e lógica será inútil. Nós concordamos com a observação de John Knox: “Muitas propostas já foram feitas, e a que adotamos aqui provavelmente não seja melhor que muitas outras”

 

A Base da É tica Cristã, 12.1-2

 

1. Consagração (12.1)

 

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.

 

Em uma das melhores passagens no seu comentário definitivo sobre a Epístola aos Romanos, Godet mostra como, pois (oun) é o elo conector entre as duas partes da Epístola. A religião antiga, ele nos recorda, era um culto (latreia), ou cultus, que se centrava no sacrifício (thysia). Em Levítico, são listados quatro tipos de sacrifícios; mas eles podem ser reduzidos a somente dois: o primeiro, abrangendo aqueles sacrifícios oferecidos antes da reconciliação e os que visavam obtê-la (a oferta pelo pecado e a oferta pela desobediência); o segundo, os sacrifícios oferecidos depois da reconciliação e para celebrá-la (toda a oferta do holocausto e a oferta pacífica). Ele vê as grandes divisões da Epístola aos Romanos como explicadas por este contraste:

 

A idéia fundamental da primeira parte, capítulos 1-9, era a do sacrifício oferecido por Deus pelo pecado e pela desobediência da humanidade; testemunha isso a passagem central, 3.25 e 26. Estas são as compaixões de Deus às quais Paulo apela aqui, e o desenvolvimento do que foi o tema dos primeiros onze capítulos. Aparte prática que estamos iniciando corresponde ao segundo tipo de sacrifício, que era o símbolo da consagração depois do recebimento do perdão (o holocausto, no qual a vítima era totalmente queimada) e da comunhão restabelecida entre Jeová e o crente (a oferta pacífica, seguida por um banquete no pátio do templo). O sacrifício da expiação oferecido por Deus na pessoa do seu Filho agora deveria encontrar a sua resposta no crente no sacrifício de uma completa consagração e de uma íntima comunhão.

 

Rogo (parakalo) pode ser traduzido como “eu exorto” (Wesley), “eu apelo” (RSV), “eu insisto” (NASB), “eu imploro” (NEB). E diferente de um mandamento legal porque apela para um sentimento já existente no coração, a compaixão de Deus (tonoiktirmontoutheou, “as compaixões de Deus”; cf. 9.156).

 

A palavra também pode significar “confortar”. “Exortar é falar palavras calculadas, para levar à ação ou à perseverança”.

“Em grato reconhecimento ao que Deus na sua infinita compaixão fez por você, ao perdoar os seus pecados e ao receber você de volta à sua graça através de Cristo, eu exorto você a fazer a Ele uma consagração completa do seu corpo em sacrifício vivo”. Este é o apelo de Paulo aos irmãos romanos (adelphoi] cf. 1.13).

 

Apresenteis (parastesai) não é por si um termo de sacrifício. Em 6.13,16, 19 é traduzido como entregar e também apresentar, e é usado para expressar a idéia de colocar o corpo à disposição de Deus ou do pecado (cf. também 2Co 4.14; 11.2; Ef 5.27; Cl 1.22, 28). Parastesai é aoristo e, portanto implica que a consagração é um ato (cf. comentários sobre 6.13). O cristão é exortado a apresentar o seu corpo de uma vez por todas para o serviço a Deus. Por isso a consagração também é uma atividade, “uma crise e um processo... um presente e uma vida”.

 

Os cristãos romanos são exortados a apresentarem o seu corpo (tasomata) e o entregarem à disposição de Deus. Sanday e Headlam insistem que tasomata deve ser interpretado literalmente, como “vossos membros” em 6.13. “Os nossos membros devem ser hopladikaiosunestotheo (6.13); os nossos corpos (tasomata) devem ser mele Christou (1 Co 6.15); eles são o templo do Espírito Santo (ib. versículo 19); nós devemos ser puros, tanto no corpo quanto no espírito (ib. 7.34)”. Mas certamente Sanday e Headlam estão errados em contrastar tasomata com tounoos no versículo 2. Denney observa que vossos corpos em 12.1 não é exatamente a mesma coisa que “vos” (vós mesmos) em 6.13, “e não deve ser colocada nenhuma ênfase nas palavras como se Paulo estivesse exigindo a santificação do corpo em oposição ao espírito: o corpo está em estudo aqui como o instrumento pelo qual todo o culto humano é transmitido a Deus, e o culto que ele traduz, da maneira suposta, não é um culto de corpo mas sim espiritual”. Na psicologia bíblica, o corpo e o espírito são uma unidade (cf. os comentários sobre 6.6). O corpo do cristão é “a sua personalidade individual agindo como um todo concreto”.

 

Esta pessoa completa deve se tornar um sacrifício vivo para Deus. Crisóstomo pergunta:

 

Como pode o corpo se tornar um sacrifício? Deixe que o olho não veja nada mau, e ele se torna um sacrifício; permita que a língua não diga nada vergonhoso, e ela se torna uma oferta; deixe que a mão não faça nada ilegal, e ela se torna uma oferta em holocausto. Não, isto não será suficiente, mas precisamos ter a prática ativa do bem - a mão precisa dar esmolas, a boca precisa abençoar em lugar de amaldiçoar, o ouvido precisa dar atenção sem cessar aos ensinamentos divinos. Pois um sacrifício não tem nada impuro, um sacrifício é a primícia de outras coisas. Portanto, que nós possamos produzir frutos para Deus com as nossas mãos, com os nossos pés, com a nossa boca, e com todos os nossos outros membros.

 

Este sacrifício é vivo (zosan) em oposição aos sacrifícios do Antigo Testamento, onde o sacrifício era composto por animais mortos. Nós só morremos para o pecado, e podemos viver completamente para Aquele que morreu por nós e ressuscitou (cf. 6.11; 2Co 5.14-15, NASB, RSV). Audrey J. Williamson comenta sobre a expressão apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo: “Esta é a palavra-chave para a vida exterior de um cristão. Significa mais do que entregar-se ou render-se: nós devemos ser consumidos... sobre o sagrado altar do culto a Deus”. Assim como o soldado se sacrifica pelo seu país em tempos de guerra, ou o cientista se sacrifica para obter mais conhecimento médico que será usado para a cura da humanidade, também o Cristo se oferece pelo Reino. Isto implica num constante sacrifício da vida física pelo bem da espiritual, no sentido mencionado por Paulo em 1 Coríntios 9.24-27.

 

O sacrifício que oferecermos a Deus também deve ser santo (hagian). A vida cristã deve ser a antítese de 1.24. O cristão deve admitir que o seu corpo pertence a Deus e que deve ser separado para o seu uso. Ele deve estar sem pecado, e tornar-se verdadeiramente “o templo do Espírito Santo” (1Co 6.19-20; cf. 1 Pe 1.14-16). “Observe que o caminho foi preparado para esta prescrição em 6.13, 19, 22. Isto significa que a moralidade é erguida a partir da esfera das convenções, ou dos expedientes calculados, e associada com tudo o que é mais grandioso e profundo no universo da nossa experiência”.

 

Um sacrifício assim será agradável a Deus (totheoeuareston, bastante agradável a Deus; cf. 14.28; 2 Co 5.9; Ef 5.10; Fp 4.18). “Este corpo, cheio de vida e constantemente empregado para o bem, irá representar um espetáculo bastante agradável aos olhos de Deus; ele será uma ‘oferta de cheiro suave’ no sentido do Novo Testamento”.

 

Além disso, diz o apóstolo, esta oferta é o vosso culto racional (tenlogikenlatreianhymon). E difícil encontrar uma tradução satisfatória para esta expressão. Etimologicamente, logike significa “pertinente a logos, ou razão”, e, portanto implica num culto que é condizente com uma criatura racional. Epicteto declarou: “Se eu fosse um rouxinol, eu faria o que é próprio de um rouxinol... mas se eu sou verdadeiramente uma criatura racional (logikos), devo louvar a Deus”. Aversão RSV traduz a expressão como “a sua adoração racional”; a NASB, como “o seu culto espiritual de adoração”; a NEB, “a adoração oferecida pela mente e pelo coração” (marg., “a adoração que vocês, como criaturas racionais, deveriam oferecer”). A palavra culto (latreia) foi usada em 9.4 como “culto a Deus” ou “adoração” (RSV; cf. NEB, “a adoração no templo”) ordenada aos israelitas. Logikelatreia então parece significar “o culto da obediência, como a única resposta razoável ou lógica à graça de Deus”. Barth opina que deveria ser traduzida como “a sua adoração lógica”. “É lógico, é razoável que a vida do homem a quem Deus concedeu a misericórdia seja... uma vida tal... como deveria ser apresentada a Deus”.

 

2. A Completa Santificação (12.2)

 

No versículo 2, temos uma continuação do pensamento do versículo 1: E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. A palavra e (kai) aqui significa: e isto quer dizer. Ser sacrificado no corpo e consagrado ao serviço a Deus implica que nós: 1) não nos conformemos com este século (aioni), mas 2) nos transformemos em membros condizentes com o século futuro. “O contraste entre esta época e a época futura obviamente está na mente de Paulo quando ele usa estes verbos contrastantes”.

 

Esta época, em oposição à época futura (cf. Ef 1.21) é “má” (G1 1.4). Satanás é o “deus” deste século (2Co 4.4). Todos nós, na nossa condição não regenerada, “andáva­mos, segundo o curso deste mundo... nos desejos da nossa carne” (Ef 2.2-3). Mas como homens de fé fomos ressuscitados com Cristo e transferidos para o seu reino celestial (Ef 2.4-10; cf. Cl 1.13). Quando Cristo ressuscitou dos mortos “as virtudes do século futuro” (Hb 6.5, NASB) entraram em funcionamento na história. Aqueles que morreram com Cristo e ressuscitaram com Ele para a novidade de vida (6.4) se tornaram membros da era futura. “Em Cristo eles entraram na nova época: já receberam as primícias do Espírito (8.23) e já não estão sob as obrigações da carne, mas sim do Espírito (8.12)”.

 

Aqui as obrigações desta nova vida em Cristo são expressas de uma nova maneira. Os cristãos não devem conformar-se (syschematizesthe) com esta época, mas transfor­mar-se (metamorphousthe, lit. “serem metamorfoseados”) pela constante renovação (anakainosei) do entendimento (tounoos). Eles têm um modelo atual que deve ser rejeitado, e um novo padrão para ser compreendido e executado.

 

O modelo a ser rejeitado é aquele que lhes é apresentado pela época atual, ou, como poderíamos dizer, o costume reinante do mundo. A palavra schema indica a maneira de comportar-se - a atitude, a postura; e o verbo schematizesthai, usado aqui e derivado dela, significa a adoção ou a imitação desta atitude ou postura. O crente consagrado não deve somente rejeitar o costume do mundo, ele deve ser metamorfoseado. A palavra morphe, “forma”, indica não uma postura externa adequada para a imitação, como schema, mas uma forma orgânica, o produto natural de um princípio de vida que se manifesta assim. Sanday e Headlam parafraseiam: “Não adotem a moda exterior e transitória do mundo, mas sejam transformados na sua natureza íntima”. Phillips traduz: “Não permitam que o mundo à sua volta obrigue que vocês se moldem a ele, mas deixem que Deus molde os seus pensamentos interiores”.

O verbo grego é traduzido como “transfigurar” nos relatos da transfiguração em Mateus 17.2 e Marcos 9.2. A transformação, ou a transfiguração, se inicia do lado de dentro e é uma obra de Deus.

 

Godet ressalta que esta exortação dupla se refere a “dois atos contínuos e incessantes que ocorrem com base na nossa consagração, realizada de forma definitiva”, de uma vez por todas. Transformai-vos tem a força de “continuem sendo transformados”. Ao invés de nos entregarmos às influências que tendem a nos moldar à semelhança das coisas que estão ao nosso redor, devemos, dia após dia, empreender uma mudança na direção oposta.  O único outro lugar em que este verbo aparece, no Novo Testamento, é em 2 Coríntios 3.18, onde Paulo declara que os crentes “estão sendo transformados” à semelhança de Cristo, “de glória em glória”, pela operação do Espírito (NASB, RSV). Como Denney nos lembra, este processo é descrito adequadamente como santificação, Veja os comentários sobre 6.13,19,22 (cf. também 15.16).

 

Aqui o apóstolo explica que esta transformação se dá pela renovação (te anakainosei) do vosso entendimento (tounoos). A palavra renovação vem do adjetivo kainos, que “denota o que é novo, basicamente com referência à qualidade, o que não é antigo”. Deus entrega à “cegueira” a mente daqueles que o rejeitam (1.21), para que os valores morais já não apareçam sob a sua verdadeira luz. O resultado é a depravação do homem como um todo (1.28).

 

Mas para aqueles que crêem, Deus retribui com o poder da visão moral correta. Rejeitar os julgamentos convencionais da sociedade e sentir a graça da santificação completa significa receber um discernimento novo e independente das realidades morais.

 

“E, como o caráter de um homem é formado pela sua avaliação do que é bom e do que é mau, a restauração da visão moral gradativamente transforma todo o ser do homem”.

 

Parece haver a sugestão adicional da resistência moral. A nous do pecador desperta­ do percebe, até certo ponto, a lei de Deus, mas está muito fraca para libertar-se da escravidão do pecado (7.14-25). A idéia da renovação aqui, portanto, sugere um poder moral renovado pela ação do Espírito Santo, para que a mente que percebe a vontade de Deus com clareza crescente reine e seja vitoriosa. “Os nossos corpos devem ser puros e livres de todas as manchas da paixão: a nossa ‘mente’ e o nosso ‘intelecto’ não devem mais estar escravizados pela nossa natureza carnal, mas sim renovados e purificados pela dádiva do Espírito Santo”.

 

 

Em outra Epístola, Paulo diz: “nós temos a mente [nous] de Cristo” (1Co 2.16). Esta é a capacidade de experimentar (dokimazein, “apreciar” ou “discernir”) qual seja a vontade de Deus (ou seja, aquela que é) boa (agathon), agradável a Deus (euarestonf1 e perfeita (teleion, que nos permite perceber o verdadeiro fim da nossa existência hu­ mana e também a nossa perfeição). Dodd comenta: “podemos nos lembrar de que os nossos psicólogos consideram o impulso em direção à perfeição como ‘o impulso mais motivador da vida’, e com freqüência o encontram na base da ética ‘natural’.

 

Consequentemente, a vontade de Deus para o homem não é alguma forma misteriosa e irracional de santidade (como a que leva às distinções supersticiosas dos dias, e da comida, e de coisas semelhantes a essas; veja o capítulo 14). Ela consiste naquele tipo de vida que o entendimento renovado do homem cristão pode provar que é bom em si mesmo, satisfatório e completo.

 

Em 12.1-2 vemos que “o chamado cristão” é para a: 1) consagração - apresentai vossos corpos; 2) separação - não vos conformeis; 3) transformação - transformai-vos (Ralph Earle).

 

O Amor Cristão Dentro Da Igreja.

 

1. A Humildade do Amor (12.3-8)

 

Paulo começa dizendo Porque... Digo (3). A palavra porque igar) sugere que “a humildade é o efeito imediato da auto-entrega a Deus”. Ele exemplifica isto com o seu próprio caso. Ele fala pela graça (charitos) dada a ele como um apóstolo (1.5; 15.15), e, portanto, sem nenhum orgulho. Mas ele fala com a autoridade outorgada por Deus proporcionalmente com a sua graça, e, portanto, coloca a sua compreensão e o seu amor cristãos a serviço da igreja. Ele fala a cada um dos homens (panti) na congregação romana, pois a cada um (ekasto) é dada alguma dádiva (ou dom) espiritual (cf. v. 6).

 

A exortação do apóstolo é que não se saiba mais do que convém saber, mas que se saiba com temperança. Em grego aqui existe um jogo de palavras: phronein eis tosophronein: “Transformar a phronein, a energia da mente, em um sophronein, um reconhecimento dos seus limites, e o respeito por eles”. A temperança é uma das virtudes gregas, que Aristóteles colocou ao lado da coragem, em sua obra Ética a Nicômaco. Para ele, significa a saúde da mente, a discrição, a moderação, especialmente com respeito aos sentidos.

 

Mas para Paulo, a temperança é determinada por uma referência diferente; o seu pensamento está centrado em Deus. Devemos saber com temperança, conforme a medida da fé (metronpisteos) que Deus repartiu a cada um. Cada crente recebeu de Deus um charisma (cf. v. 6), um dom de fé “que Deus atribuiu a ele” (RSV). A fé aqui significa “a fé que realiza”, o poder de Deus que realiza coisas (cf. 1 Co 13.2). “As opiniões dos homens sobre si mesmos devem estar na proporção não das capacidades naturais, mas sim das dádivas de Deus; se isto ocorrer, eles jamais serão orgulhosos (mesmo que Deus os chame para serem apóstolos), pois se lembrarão de que não têm nada que não tenham recebido (1Co 4.7)”. Este reconheci­ mento corta a raiz-mestra do orgulho. Ele capacita o ser humano a “ter uma visão saudável de si mesmo” (Moffatt).

 

A idéia de Paulo aqui, conseqüentemente, está de acordo com a de Aristóteles e dos éticos gregos, mas o histórico religioso dos ensinos do apóstolo confere um significado mais profundo ao conceito “conheça-se a si mesmo”, ao mesmo tempo indicando a maneira de colocar isto em prática.

 

A humildade cristã ainda tem outra base. Estar “em Cristo” significa estar incorporado num contexto social no qual o individualismo pode ser dominado por uma preocupação amorosa de servir aos demais. Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que so­ mos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros (4-5). Para Paulo, a igreja é o corpo de Cristo.

 

O conjunto assim como... Assim indica que nós temos aqui somente uma comparação ou analogia, mas o significado é claro: “em Cristo” somos uma comunidade corporativa. Os crentes têm funções variadas que, não obstante, são essenciais para o funcionamento adequado do corpo que eles formam; portanto, não há lugar para que alguém pense coisas muito grandes a seu próprio respeito. O significado integral deste pensamento de Paulo fica claro se lermos 1 Coríntios 12, como um comentário a este respeito. Qualquer dádiva que alguém tenha recebido condiciona aquele indivíduo para uma linha de serviço particular, à qual ele deve se dedicar.

 

Portanto, o apóstolo prossegue: De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada (cf. v. 3): se é profecia, seja ela segundo a medida da fé (6).          A palavra dons (charismata) apareceu diversas vezes, com diferentes significados (1.11; 5.15; 6.23; 11.29); “Aqui ela significa uma atualização, uma expressão prática, da graça  ( charis) de Deus, sob a qual a igreja permanece. Neste sentido toda a vida da igreja, e não apenas o seu ministério, é ‘carismática” Profecia é o dom do discurso inspirado; algumas vezes, mas não todas, incluía o poder da predição (At 11.27-28; 21.10-11).          

 

O significado de fé (tespisteos) aqui é o mesmo do versículo 3 (veja os comentários sobre aquele versículo). Medida (analogian) tem provavelmente o mesmo significado do versículo 3. A expressão grega tespisteos pode ser traduzida como “a fé” no sentido da “fé Cristã”, mas isto não parece ser o que Paulo quer dizer. Como outros cristãos, o profeta precisa ter temperança a respeito da sua atividade e importância.Paulo prossegue: se é ministério (diakonian), seja em ministrar (7). Diakonia significa simplesmente “serviço” (NASB, RSV) e era usada de maneira geral para todo o serviço cristão (11.13; 1Co 12.5; Ef 4.12), ou especificamente para o ministério das necessidades temporais e do corpo (1 Co 16.15; 2 Co 8.4; cf. o que reparte, o que exercita misericórdia, v. 8). Já estava a caminho de tornar-se um termo técnico (cf. diácono em 16.1; Fp 1.1; 1Tm 3.8; cf. At 6.1-4).

 

Os versículos 7-8 acrescentam: Se é ensinar, haja dedicação ao ensino; ou o que exorta, use esse dom em exortar. Colocada ao lado de ensinar, a palavra exortar sugere pregação. Sobre o significado de exortação (dom de exortar), veja os comentários sobre o versículo 1. No entanto, Barrett nos lembra que precisamos evitar fazer uma distinção muito precisa entre ensinar e exortar. “Cada um destes termos significa uma comunicação da verdade do evangelho ao ouvinte, efetivada de diversas maneiras: em uma delas, é explicada - em outra, é aplicada. Contudo, esta comunicação nunca deve ser explicada sem ser aplicada, nem aplicada sem ser explicada”.

 

O que reparte, faça-o com liberalidade (8; enaploteti, NASB, RSV; “com todo o seu coração”, NEB). Esta é a generosidade liberal e sincera que vem da compaixão e da sinceridade de propósito (cf. Mt 6.1-4). (O que preside (hoproistamenos), com cuidado Genspoude, “com zelo”, RSV). Esta pode ser uma exortação aos pais cristãos para que presidam os seus lares com diligência (1Tm 3.4). Também pode ser dirigida àqueles que presidem as igrejas (1Ts 5.12; 1 Tm 5.17). Não há qualquer indicação no Novo Testa­ mento de que o “presidente” presidia um culto cristão de pregação e ensino (como o presidente de uma sinagoga judaica), na Ceia do Senhor, ou em uma reunião da igreja convocada com objetivos de deliberação ou disciplina. Também não está claro se este trabalho ou função era exercido conjunta ou alternadamente com outras pessoas. Entretanto, era um charisma do Espírito tanto quanto a profecia ou os ensinos.

 

O que exercita misericórdia, com alegria sugere que quando um homem pratica a caridade, deve fazê-lo com um coração alegre. “Para um cristão, a caridade é uma alegria e não uma obrigação”.

 

Baseando-se em 12.6-8, Maclaren faz um comentário sobre “Graça e Graças”. 1) A graça que dá os dons, 6a; 2) As graças que vêm da graça, 6ò-8; 3) O exercício das graças, 6b-8.

 

2. A Sinceridade do Amor (12.9-13)

 

Esta seção se inicia com: O amor (ágape) seja não fingido (anypokritos, “sem hipocrisia”, NASB; “genuíno”, RSV; “com toda a sinceridade”, NEB). Em 1 Coríntios 12, a lista dos dons do Espírito leva à conclusão (no capítulo 13) de que o amor ágape é maior que todos os dons. Aqui a linha de pensamento é a mesma, embora a ligação não esteja expressa.

 

Para Paulo, como também para João (1Jo 4.7-10), ágape é a natureza essencial de Deus, a sua bondade redentora expressa concretamente na cruz (5.8). Ele é derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (5.5) e, assim, é o dom supremo e abrangente do Espírito (1Co 12.31—13.13).

 

Não é por acaso que ágape aqui, assim como em outras partes dos textos de Paulo, seja mencionado em primeiro lugar entre as virtudes da vida cristã. Por exemplo, quando ele enumera “o fruto do Espírito”, ágape é menciona­ do em primeiro lugar (Gl 5.22). Não é porque o amor seja simplesmente a primeira em uma série de virtudes comparadas, mas porque ele é a manifestação abrangente do Espírito (veja Gl 5.6; 1Tm 1.5). Se o amor for sincero, tudo aquilo a que Paulo exorta a igreja virá a seguir.

 

No entanto, ágape não é um sentimentalismo insípido; é uma qualidade moral vigorosa. Quando é genuíno, ele aborrece o mal e se apega ao bem. Sobre Cristo, que foi a encarnação do amor de Deus, está escrito: “Amaste a justiça e aborreceste a iniquidade” (Hb 1.9). Sempre existe alguma coisa inexorável sobre o amor divino; ele nunca fecha os olhos para o mal. Ágape é o amor santo.

 

Embora ágape seja universal (cf. Mt 5.43-48), ele tem uma manifestação especial dentro da comunhão cristã. Paulo exorta: Amai-vos cordialmente (philostorgoi - “um termo adequado para a afeição familiar”)41uns aos outros com amor fraternal (te philadelphia; 10). A palavra philadelphia significa literalmente “amor fraterno”, isto é, o amor que une os filhos de Deus como uma família (cf. 2 Pe 1.7). “A pureza moral requerida no versículo 9 não é a única marca do amor cristão; como são membros de uma família, o seu amor deve ter a característica de uma forte afeição natural (síorge); deve ser caloroso, espontâneo e constante”. Além disso, o amor sincero considera os demais: preferindo-vos em honra uns aos outros (cf. 1 Co 13.5; Fp 2.3). A versão NASB traduz esta passagem com o sentido de “dar preferência uns aos outros em honra”.

 

O cuidado em todas as nossas obrigações cristãs é a conseqüência natural do ágape que enche os nossos corações. Não sejais vagarosos no cuidado (11; te spoude me okneroi) significa literalmente “não esmoreçais no cuidado”.

As frases seguintes mostram que as palavras estão sendo usadas em um sentido espiritual. A respeito de Jesus foi dito: “O zelo da tua casa me devorará” (Jo 2.17; cf. SI 69.9). Quando o amor que o movia habitar em nós, seremos fervorosos no espírito (topneumatizeontes). “A comparação com ‘o Senhor’ mostra que aqui ‘Espírito’ não significa o espírito humano, mas sim o Espírito Santo”. A versão RSV traduz o versículo 11 como: “No zelo, não sejais remissos; no espírito, sede fervorosos - servi ao Senhor”.

 

A exortação continua: alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração (12). Sobre esperança, veja os comentários sobre 5.2; sobre tribulação, 5.3; sobre paciência, 2.7; sobre perseverar na oração, cf. 1 Ts 5.17.

A vida cristã, com todo o seu cuidado fervoroso, nunca pode estar tão ocupada “fazendo” que deixe de olhar além de toda a atividade humana - na esperança que suporta a tribulação e na oração que traz uma constante renovação no Espírito Santo.

 

O apóstolo faz duas aplicações de ágape na comunidade cristã: comunicai com os santos nas suas necessidades, segui a hospitalidade (13). Sobre santos, veja os comentários sobre 1.7. Desde o princípio, a hospitalidade era reconhecida como uma das principais virtudes cristãs. Os primeiros cristãos se consideravam como o novo povo de Deus espalhado entre as nações, e, portanto se uniam como membros de um corpo e como irmãos em uma família. A expressão prática desta convicção exigiria que aonde quer que eles fossem, de um lugar a outro, encontrariam um lar entre os cristãos da cidade que estivessem visitando. Veja Hebreus 13.2; 1 Timóteo 3.2; Tito 1.8; 1 Pedro 4.9.

 

C. O Amor Cristão Fora Da Igreja

 

1. Amando os Nossos Inimigos (12.14-21)

 

Agora o apóstolo compõe uma passagem que ecoa notavelmente os ensinos de Jesus no Sermão da Montanha: abençoai aos que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis (14; cf. Mt 5.44; Lc 6.28). É esta capacidade do ágape para abençoar os que vos perseguem que se ergue acima de todo o amor humano. “Se amardes os que vos amam, que galardão tereis?” (Mt 5.46-47). O amor humano é condicionado pela bondade ou pela capacidade de sermos amados por aqueles a quem amamos; ágape é incondicional neste sentido - ele se dá espontaneamente pelos seus inimigos (5.8-10). Na experiência cristã, este amor é essencialmente o próprio ágape de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (5.5; cf. 1 Jo 4.10, 19). Foi este amor, demonstrado pelo mártir Estevão, que marcou profundamente a consciência de Paulo e que ajudou a preparar o caminho para a sua conversão (cf. At 7.54-60).

 

O amor reinante nos nossos corações nos impele a obedecer à ordem seguinte do apóstolo: Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram (15). Crisóstomo observou que é preciso mais graça cristã para alegrar-se com os que se alegram do que para chorar com os que choram. A “natureza” nos capacita a chorar com um ser humano que sofreu alguma calamidade, mas alegrar-se com outra pessoa na sua felicidade requer o amor divino “não somente para evitar a inveja, mas até mesmo para sentir prazer com a pessoa em questão”. Ele sugere que este é o motivo pelo qual Paulo coloca esta exortação em primeiro lugar.

 

O apelo seguinte parece se aplicar diretamente à comunidade cristã: Sede unânimes entre vós (16). Gifford parafraseia: “Que cada um entre nos sentimentos e desejos do outro para formar uma única mente com ele”. Existe uma passagem paralela em Filipenses 2.2-4, onde a ordem de “sentir o mesmo” é seguida por uma afirmação da única maneira segundo a qual isto é possível, em um sentido cristão: “Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5).

 

As ordens negativas que se seguem ajudam a reforçar a idéia de Paulo de que elas impedem aquilo que iria destruir a unanimidade do amor. Não ambicioneis coisas altas (tahypsela; cf. comentários sobre v. 3), mas acomodai-vos às humildes (toistapeinoissynapagomenoi). Embora o contraste com tahypsela tenha feito com que alguns considerassem que toistapeinois também fosse neutra, a maioria dos tradutores assume a última expressão como masculina. “Não sejam orgulhosos em pensamento, mas associados aos humildes” (NASB; cf. RSV e NEB). Phillips traduz:

“Não se tornem esnobes, mas tenham um verdadeiro interesse pelas pessoas comuns”. Não sejais sábios em vós mesmos é uma citação de Provérbios 3.7.

 

A próxima exortação de Paulo novamente amplia as obrigações cristãs: A ninguém torneis mal por mal (17; cf. 1 Ts 5.15; 1Pe 3.9). Ninguém (medeni) significa “ninguém, seja cristão ou não”. Nada poderá jamais justificar a vingança em um coração cristão (cf. Mt 5.38-48). O cristão deve ser um exemplo da nobreza de espírito.

 

Procurai as coisas honestas perante todos os homens provavelmente deveria ser traduzido como: “Considerem o que é nobre à vista de todos” (RSV). Um cristão não pode curvar-se à mesquinhez de espírito; até mesmo a consciência pagã condena a conduta ignóbil.O cristão deve ser uma pessoa de paz, sempre lutando pelas relações pacíficas com os seus semelhantes no mundo. Esta é uma das obrigações sociais básicas de ágape.

 

Assim, Paulo prossegue: Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens (18). O homem em Cristo irá até onde for necessário para manter uma relação harmoniosa com todos os homens.

Se acontecer algum antagonismo, como quase inevitavelmente irá acontecer, a provocação não deve partir do lado cristão. Quando acontecer o conflito, ele deverá manter um espírito de perdão, deixando a cargo de Deus a questão da sua vingança. Coerentemente, lemos Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira (19; dote topon te orge, “dai lugar, ou espaço, à ira de Deus”, cf. 2.5-6).

 

O significado é: “Não tomem a justiça nas suas próprias mãos; deixem que a ira de Deus seja aquela que pune” (cf. Ef 4.27), porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor (de Dt 32.35; a versão LXX apresenta: “No dia da vingança, eu recompensarei”).

 

Agora Paulo cita Provérbios 25.21-22 exatamente como a Septuaginta (LXX). Por­ tanto (alia, “mas”), se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça (20). O apóstolo não quer dizer que nós devamos ser consolados pela nossa bondade com o conhecimento de que o nosso inimigo será punido. Isto representaria um motivo mal-intencionado.

 

Esta atitude seria completamente contrária ao significado de ágape e estaria contrariando o contexto tanto da passagem de Provérbios quanto da passagem que estamos analisando. A intenção de Paulo é esclarecida com a próxima exortação:

 

Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (21). O seu pensamento é o mesmo do Mestre, expresso em Mateus 5.38-42. O que nós fizermos precisa ser para o bem do nosso inimigo; pelo poder de ágape, precisamos tentar fazer dele um amigo e um filho de Deus. “As brasas de fogo devem significar - como a maioria dos comentaristas desde Agostinho tem afirmado - ‘as dores cruciais da vergonha’ que um homem sentirá quando o bem for a recompensa do mal, e que podem produzir o remorso, a penitência e a contrição”.

 

Dodd opina que a última sentença deste capítulo é “um notável resumo do ensino do Sermão da Montanha, acerca do que é chamado de ‘não-resistência’”, e expressa, na sua opinião, “o elemento mais criativo na ética cristã”.

 
Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Comentário Bíblico Volume 08 -Romanos e 1 e 2 Corintios

 

 

A VIDA SEGUNDO O ESPÍRITO

 

TEXTO ÁUREO = “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 J0 2.15).

 

VERDADE PRÁTICA = Consagração é exclusividade para Deus e submissão diária a Ele da parte do crente; essa é a vontade de Deus.

 

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 12.1,2,9-21

 

INTRODUÇÃO

 

A PARTE EXORTATIVA DA CARTA, 12.1–15.13

 

Rm6 já apresentou a comprovação de que a justiça da fé e a justiça da vida estão profundamente entrelaçadas. Contudo, não bastam abordagens de princípios. Por isso, o apóstolo passa, no bloco final e mais longo da carta, para uma corrente de exortações práticas: é assim que deve e pode muito bem ser configurada a realidade do cotidiano daquele que crê.

 

Numerosas cartas do NT são subdivididas de modo semelhante, numa parte doutrinária e noutra exortativa, aqui intitulada no seu todo com: “Rogo-vos”. O sentido básico do verbo grego parakaléoé “anunciar a”, “gritar para”, que passa a ser usado também para “solicitar”, “exortar”. No NT acrescenta-se uma característica adicional que o termo havia adquirido como palavra para traduzir uma expressão do AT: “consolar”. A partir daí, o termo se destaca pelo seu tom amigável e cordial. Basta lermos Is 40.1,2 para sentir a atmosfera em que essa exortação consoladora subitamente nos coloca.

 

Os exortados encontram-se plena e integralmente no recinto acústico da salvação. Conforme os v. 7,8, exortação faz parte dos dons da graça. Exortar e receber exortação são processos básicos de uma vida cristã saudável. Por meio dela Deus transmite seus irrenunciáveis impulsos de direção. Assim, a igreja nada mais pode fazer do que parabenizar-se quando a exortação acontece em suas fileiras.

 

1. Convocação para cultuar a Deus com a vida, 12.1–13.14

 

Uma parcela dos cristãos em Roma já vivia na fé há mais tempo que o próprio Paulo. Eram provados por perseguições e ricos em percepção espiritual e amor ativo. O fato de Paulo expor diante deles um grande sortimento de instruções não depõe contra o apreço que tinha por essa igreja.

 

Não devemos presumir atrás de cada versículo problemas agudos em Roma. Afinal, exortação não é apenas para causadores de problemas, não só para ignorantes, novatos e pessoas passíveis de correção, não só para casos graves (cf acima a opr a toda essa parte da carta).

 

a. Prefácio: misericórdia experimentada torna-se exortação, 12.1,2

 

Depois de havermos introduzido ao bloco todo da carta, queremos referir brevemente à circunstância de que ao presente prefácio da paráclesese contrapõe, no final, em Rm 13.11-14, um epílogo de peso idêntico (cf a opor àquele texto).

 

Paulo introduz toda a sua exortação apostólica na esfera do “Pai da misericórdia” (2Co 1.4). Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus. Na verdade não é ele próprio que está exortando. Para ele, isso seria pusilânime, sim, muito temerário. A misericórdia de Deus, no entanto, é uma autoridade e uma potência sem igual, difícil de experimentar sem que nos tornemos diferentes, sem que ela produza em nós “tanto o querer como o realizar” (Fp 2.13). Se não nos cobrirmos os próprios olhos, somos “transformados, de glória em glória” pela contemplação do seu Cristo (2Co 3.18).

 

Obviamente esse ser transformado não cai sobre nós como numa anestesia, mas percorre o caminho da exortação, do ouvir obediente, da livre decisão, do querer resoluto e do agir enérgico. O que Paulo objetivamente tem em mente com “misericórdia” é revelado pela expressão anterior “pois”. Ela estabelece ligação com Rm 11.30-32, porque ali ele havia resumido todo o agir redentor de Deus sob o tópico “misericórdia, compadecer-se”. Ela abarca tudo por cuja compreensão Paulo se empenhou junto aos leitores durante onze capítulos. Desse modo, a exortação vibra agora no campo de força da mensagem de Cristo. Na verdade, o nome “Cristo” está ausente nesses dois capítulos (exceto em Rm 12.5), mas o som pleno de “Senhor Jesus Cristo” no último versículo (Rm 13.14) evidencia aquilo que esteve sempre presente.

 

Como será, agora, a vida daqueles que são carregados de um quarto de hora ao outro por essa essência da misericórdia de Deus e por nada mais?

 

A totalidade da misericórdia divina chama pela nossa totalidade. Isso é expressado aqui de forma única: Rogo-vos… que apresenteis o vosso corpo por sacrifício. Não há dúvida de que Paulo fala numa ilustração, mais precisamente evocando os cultos no templo, nos quais se colocavam “corpos” sobre o altar (Hb 13.11). Imediatamente, porém, Paulo deixa claros os limites dessa figura. Agora não se trata de corpos de animais, mas sim de “vosso corpo”, e não se trata de cadáveres, mas de sacrifício vivo.

 

Salta à vista o discurso metafórico de sacrificar justamente o corpo. No fundo está seguramente o corpo sacrificado de Cristo, o qual o NT confessa com freqüência e com muita ênfase. O seu sacrifício na corporalidade terrena, visível, pública, e os nossos sacrifícios estão interligados. Mas como? Se levarmos em consideração a continuação no v. 2 e em todo o capítulo, Paulo não está convidando para o martírio. Mas, ao exortar à entrega do corpo, está dando uma ênfase peculiar. Se ele se limitasse à exclamação genérica de Rm 6.11: “Vivam para Deus!”, com facilidade a entrega poderia voltar-se unilateralmente para dentro, assumindo um aspecto só interior, racional, religioso, místico – sem significado sério para a prática.

 

O quadro, porém, é como se Paulo lançasse um olhar desafiador a seus leitores: “Diante da misericórdia de Deus no sacrifício de Cristo vocês ainda têm vontade para a interiorização? Arquem com as conseqüências e exponham toda sua realidade de criaturas sujeitas à sua clemência!” “Corpo” diferencia-se do membro individual como sendo o abrangente. Por isso, o que Paulo vislumbra não é o culto delimitado, restrito auma hora, a um recinto, a um só estado sentimental. No NT os encontros isolados de cristãos nunca são chamados de “cultos”, uma vez que são nada mais que parcelas de um culto a Deus que abarca a vida inteira.

 

É desnecessário dizer que o “corpo” não é visto depreciativamente como acessório externo. Pois do contrário resultaria a exigência absurda: dêem a Deus o que é secundário, e o mais essencial pode ficar para vocês! Tomamos consciência do verdadeiro papel da corporalidade quando nos imaginamos sem corpo. Sem ele não poderíamos comer, nem dizer nada, nem ouvir, ver, sentir. Sem os neurônios de nosso cérebro não poderíamos pensar, ler, compreender, crer. Não seríamos capazes de amar, nem de fazer algum bem, assim como ninguém nos poderia fazer algo de bom. Finalmente tampouco poderíamos ressuscitar.

 

Não existe existência humana sem corpo. Por isso podemos aguçar a afirmação: Não temos um corpo, porém somos corpo. É essa existência corporal, de ser humano, que está sendo solicitada. Deus no-la havia concedido, contudo tornou-se esfera do pecado e da morte. Porém, comprado por Cristo, esse corpo deve tornar-se de novo área irrestrita de bênção do Espírito Santo, de modo que Cristo seja enaltecido nele.

 

Nesse ponto cabe uma objeção: quando se trata de um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, pode-se oferecer-lhe indistintamente a vida corporal que em boa medida é tão insignificante e sem brilho? Não deveríamos pelo menos selecionar o que é precioso? Por outro lado, que há de precioso nos nossos corpos mortais, corruptíveis (Rm 8.11), afetados de fraqueza, erro e culpa? De fato eles nunca são preciosos em si, mas tornam-se valiosos por chegarem às mãos de Deus como material para a sua Onipotência.

Nisso reside a perfeição do ser humano, em não resistir a Deus em nada. É assim que ele ressuscitará em incorruptibilidade, em glória e em poder (1Co 15.42-44).

Isso é que seria culto racional! Os profetas do AT já exerciam crítica contundente contra os cultos absurdos de seu tempo. Ao que parece, Paulo está referindo-se a determinados fenômenos de seu tempo. Talvez ele tenha aludido criticamente a uma expressão preferida de filósofos gentílicos da época – por isso colocamos aqui as aspas. Círculos eruditos daquele tempo distanciavam-se dos sacrifícios sangrentos e da abundância de cerimônias nos templos, enaltecendo um culto puramente a nível mental. Pois para eles deus era pensamento puro, razão suprema.

 

Por isso o pensamento também era tido por eles como a dádiva mais sublime que se podia ofertar a Deus, enquanto declaravam o corporal como desprezível. É nesse sentido que glorificavam o “culto racional”. Ocorre que Paulo contraria bruscamente essa tendência da moda. Num adendo claramente perceptível ele tira essa expressão dos filósofos e a preenche de forma nova: verdadeiramente “racional” é apenas um culto que responde de modo coerente e adequado à misericórdia de Deus em Jesus Cristo. Assim, Paulo está tão distante do paganismo refinado quanto do paganismo bárbaro. De maneira bem contrária ao helenismo, ele exorta a sacrificar justamente o corpo enquanto vosso culto racional, i. é, dos que pertencem a Cristo. Percebe-se qual seria seu veredicto sobre um cristianismo diluído em pensamentos, sobre uma teologia resultante apenas da experiência do raciocínio.

 

Até agora falava-se como se o que crê vivesse sozinho numa relação a dois com Deus. Contudo ele vive no triângulo eu – Deus – mundo. Sob esse aspecto o chamado para uma vida agradável a Deus somente pode ser: E não vos conformeis com este século, “não se amoldem ao padrão deste mundo” (NVI). O cosmos, uma vez criado belo e bom, não é mais um mundo sem problemas submetido a Deus. Um “deus deste século” anuvia o espaço, obscurece a claridade originária da existência (2Co 4.4).

 

Por isso falta a visão nítida. Para o ser humano obcecado, o sentido da vida se reduz à satisfação de suas pulsões (Rm 6.12; 7.8; 13.14). Como ela requer dinheiro, a corrida pelo lucro está em primeiro plano, ou seja, a corrida por boas notas para assegurar uma posição vantajosa. É por ela que as pessoas precisam lutar, para depois garanti-la e defendê-la, guiadas por busca de poder e ávidas por honra. Nessa situação, demasiadas vezes a comunhão se revela como um egoísmo organizado coletivamente. Porém falta no fundo a visão para o todo, a responsabilidade pelo conjunto, o envio pelo todo. Há apenas o soturno grito:

 

 

Afinal, eu quero ser feliz! Contudo, o ser humano médio pensa que é compreendido corretamente por esse esquema de vida. É por isso que o ser humano o impõe de boa fé aos demais, também aos cristãos. Contra essa expectativa vale aqui: não se conformem!

 

No entanto, o não conformar-se não é nutrido apenas pelo dizer não. Por isso a continuação: transformai-vos, deixem-se transformar pela renovação da vossa mente (“maneira de vocês pensarem” [VFL]). Trata-se de um agir no sentido de que deixamos algo acontecer conosco. Ou inversamente: algo deve suceder conosco, algo que também desejamos pessoalmente. É nova criação que devemos experimentar. Devemos continuamente inserir nossa mentalidade na novidade que está em andamento (Rm 13.12), a fim de nos expormos ao poder de configuração do Espírito de Jesus na oração e na obediência da fé (2Co 3.18). A nova existência não existe em estoque. Temos de ser chamados continuamente à razão e inseridos para dentro do novo: dia após dia, de situação em situação.

 

Finalmente Paulo mostra essa mentalidade que se encontra em constante renovação em ação: para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Praticar a vontade de Deus é, no NT, a essência do ser cristão. Na presente passagem, ela é chamada de “a boa”, um termo que retoma textos marcantes do AT e que fornece, no que se segue, várias vezes o padrão da atuação. Entretanto, também para os cristãos “o bem” nem sempre é imediatamente perceptível. Uma vida cristã ingênua correria o perigo de ser assimilada. Muitas vezes é impossível decifrar a situação, muitas vezes o seu poder conformador cai sobre nós antes que o percebamos.

 

É por isso que Paulo exige e deseja em sua carta um cristianismo que verifica criticamente: “Examinem qual é a vontade de Deus, a boa e agradável e perfeita”. Com freqüência é preciso descobrir o que é bom, investigá-lo criticamente, se possível num esforço comunitário. A reflexão também faz parte da releitura (a saber, na Bíblia). “Entende o que está lendo?” (At 8.30 [NVI]). Nosso versículo adverte contra o “esquema desse mundo”, mas não oferece em troca um esquema cristão, e sim a intenção de examinar e de aprender permanentemente para descobrir a vontade de Deus. “Aprendei de mim!” (Mt 11.29).

 

b. Exortações para quem desempenha funções na vida da igreja, 12.3-8

 

Busca e pratica em cada situação a vontade de Deus! Foi esse o prefácio nos termos de Rm 12.1,2. O sim à vontade de Deus tem como conseqüência necessariamente o não aos esquemas dessa era, i. é, ele se realiza na permanente disposição de se transformar e ser diferente. Com esse sim e não Paulo entra, agora, na vida cotidiana cristã. Ele prefere iniciar com uma negação, para depois acrescentar uma instrução na boa vontade de Deus (v. 3,11,14,16,17,19,21).

É significativo que como primeiro exemplo Paulo aborda o culto a Deus. Parece que é nele que a conformação com o mundo realiza sua penetração singular. De acordo com Rm16.5,10,11, os cristãos romanos viviam em várias igrejas domésticas dispersas pela área urbana, cada qual como uma espécie de família extensa, em que mulheres, homens, jovens e idosos se encontravam num espaço reduzido (cf o exposto sobre Rm 16.5). Com isso já havia a possibilidade de tensões pessoais e aporias práticas. Uma igreja dessas rapidamente estaria “destruída” (Rm 14.20) se seus membros não permanecessem continuamente na renovação de Rm 12.2.

 

Como primeiro e mais sério exemplo de conformação com o mundo, Paulo trata de extrapolações por parte dos portadores de funções. Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um (que é algo) dentre vós. Nossa interpretação sugere que “ser”, nessa passagem, não seja entendido palidamente como mero pertencer à igreja, mas como uma participação qualificada. As exortações estão sendo endereçadas àqueles que encontraram uma área de tarefas na igreja domiciliar e que também demonstraram possuir um dom para ela.

 

A subseqüente relação de portadores de dons confirma essa visão. Ao colaborador está sendo dito, portanto, que não pense de si mesmo além do que convém. Ele não deve tentar expandir-se além de um limite que lhe é colocado, não violar um “convém”. Nesse ponto o sim à vontade de Deus segundo o v. 2 entra no jogo. Pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Falar da medida pressupõe que diferentes proporções de fé foram distribuídas cada um pelo, note-se bem, próprio Deus. Ou seja, não se deve ter em mente agora a fé na salvação, pois nela Deus não produz diferenças: “um só Senhor, uma só fé” (Ef 4.5).

 

Tampouco tem-se em vista diferenças na intensidade da disposição de confiança pessoal em Deus, pois tais coisas são decorrentes da lerdeza ou fidelidade humanas. Pelo contrário, esta difícil expressão parece ter sido entendida no mesmo sentido de “proporção do dom” ou “justa cooperação” (Ef 4.7,16; cf1Co 7.7; 1Pe 4.10). Do ponto de vista do Doador trata-se de dádivas da graça, mas do ponto de vista do receptor trata-se de dádivas da fé, destinadas a todos os que crêem. Sob esse aspecto os membros da igreja também podem e devem realizar funções diferentes. Cabe-lhes tomar consciência dessas decisões insondáveis de Deus. É assim que seu comportamento se torna refletido e também comedido. Do contrário, o “culto racional” do v. 1 perde sua sensatez.

 

Pois duas formas de conformação com o mundo seriam imagináveis. Primeiro, um detentor de carismas não preenche a sua medida. Ele é lerdo (v. 11), não assume sua responsabilidade, ou anula-se pessoalmente em discordância com 1Co 15.10: Não sou nada, não sei fazer nada, também não espero nada.

Segundo, outro vai além do que tem, sabe e deve, enche-se, estica-se, sobrecarrega-se, avança sobre papéis de terceiros, corre ridiculamente atrás de personagens ideais que não combinam com ele. O pior, porém, é: quando um começa com esse comportamento, logo é seguido por outro e, no final, por muitos. O culto a Deus torna-se uma competição entre portadores de dádivas, ineptos para a vida eclesial. A igreja é tirada do equilíbrio. Em decorrência, o seu verdadeiro potencial fica ocioso.

 

Paulo usa a figura do corpo para ilustrar a vida sob a “medida da fé”. Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somo sum só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada. O texto constitui um eco a 1Co, que Paulo provavelmente escrevera poucos meses antes de Rm. Nele, Rm 12–14 desenvolvem a figura do corpo de forma mais larga e específica. Já somos membros do corpo, não há necessidade de nos tornarmos como tais. Foi Deus quem nos tornou membros através da sua providência.

 

Cada um de nós é um presente à igreja, pelo qual ela pode felicitar-se. Porém, somos de fato portadores de carismas segundo a graça que nos foi dada? Numa igreja de fácil supervisão como a de Roma a pessoa involuntariamente se envolve aos poucos na atividade. Às vezes é surpreendente em quem se revelam dons, quem toma iniciativas, no começo por força da necessidade, depois com entusiasmo crescente. É evidente que algumas funções se destacam de forma especial, mas ninguém as transforma logo numa hierarquia, num sistema de degraus com definição exata do que é em cima e em baixo. A função diretiva “oculta-se” aqui no v. 8 entre outras dádivas, pois “nós, os muitos, somos membros uns dos outros”.

 

Nos v. 6b-8 seguem-se instruções para diferentes portadores de serviços. Uma vez que de acordo com o v. 3 Paulo tem simplesmente o objetivo de instar com exortações, não devemos esperar ensinamentos com descrições dos serviços. Seus primeiros leitores imediatamente estavam ao par, mas nós não. Às vezes chegamos apenas a frágeis tentativas de interpretação. Quem, portanto, estiver procurado nessa passagem uma bem escorada doutrina sobre cargos, encontrará dificuldades.

 

O NT ainda não possui definições homogêneas dos serviços. Quando eles se solidificaram nos séculos posteriores, o seu número em geral encolheu para três ou quatro. Esses poucos funcionários, então, atraíram sobre si demais competências, sobressaindo-se da comunidade passiva.

 

Se profecia, seja. Aqui, como de forma geral, a profecia encontra-se no primeiro lugar da lista de dádivas, pertencendo, portanto, à provisão básica de cada igreja. Ocorre que nossas idéias a respeito dela foram fortemente estreitadas em comparação com a multiformidade do profetismo e o rico material no AT e no NT. Há profetismo contra a vontade pessoal ou como impulso súbito da parte de qualquer membro da igreja, mas também vinculado a pessoas, de modo que se chega a uma definição fixa para “profeta”. A verdadeira força propulsora do profetismo no NT é o testemunho vivo de Jesus (Ap 19.10), que corrige e edifica espiritualmente a igreja (1Co 14.3). Em relação ao seu conteúdo, a profecia dispõe de um campo vasto: retrospecto sobre o passado, visão sobre o presente, perspectiva para o futuro. Ela revela a visão de Deus sobre coisas ocultas ao ouvinte individual, a uma igreja inteira, ou a um povo todo, de forma que o profeta fala “de acordo com os oráculos de Deus” (1Pe 4.11).

 

Essa dádiva sublime ou até suprema (1Co 14.1) também está singularmente ameaçada pela conformação com o mundo. Por isso, o tema do profetismo falso e da necessidade de examiná-lo ocupa toda a Escritura Sagrada (cf “examinar” no v. 2). Aqui, portanto, a exortação: por favor, seja segundo a proporção (correta) da fé, i. é, no âmbito do conteúdo da fé transmitida, assim como é pressuposta de forma consistente em Rm. O profeta poderia abandonar a base da fé, entregar-se a suas próprias excrescências psíquicas e intelectuais (2Co 4.5). Porém, os verdadeiros profetas estão sujeitos aos apóstolos enquanto garantidores da tradição de Jesus. Seu evangelho rege as mais elevadas e brilhantes capacidades dentro da comunidade cristã. De acordo com Gl 1.8, o próprio Paulo se enquadrava nesse padrão.

 

Tentaremos inicialmente definir mais de perto as demais atividades. Ao lado da profecia aparece o ministério (“servir” [NVI, BLH, VFL]). Assim como a atuação de Jesus foi subdividida em palavras e ações, assim também acontece com o agir da comunidade de seguidores: seu serviço da palavra está rodeado de um corolário de serviços de amor. No v. 8b seguem-se exemplos. No começo, a função do que ensina era peculiarmente importante. Durante os encontros, homens com memória confiável e formação esmerada tinham de gravar as tradições essenciais para a vida da igreja. Conforme At 13.1 eles formavam um oposto especial diante dos profetas. Enquanto os profetas representavam a interpelação viva de Deus, esses professores representavam a Escritura Sagrada, a tradição de Jesus e as máximas da fé apostólica. Preservavam um tesouro e, por isso, eram um tesouro.

 

Outros membros da igreja, por sua vez, o(s) que exorta(m), dirigiam-se aos indivíduos, revelando-se aptos para o apoio fraternal, paternal e maternal. Eles colaboravam para que a pregação genérica não apenas pairasse por sobre a platéia, mas penetrasse em cada ouvido e fosse compreendida e aplicada à vida cotidiana de cada um. As três últimas definições levam ao âmbito da tarefa diaconal.

 

O que contribui (“dar” [VFL], “repartir” [BLH]) dos seus bens poderia ser, p. ex., aquele que abria sua casa para a igreja: “Venham ficar na minha casa” (At 16.15 [BLH]) – condição para o surgimento e a continuidade de uma igreja domiciliar. Tenhamos consciência do que isso representava para o espaço de moradia, a cozinha, a vida privada e também para o bolso. É fácil de explicar porque o proprietário da casa também acabava assumindo uma certa função diretiva. Talvez seja por isso que agora se diga uma palavra ao que preside.

 

Ele não está sendo enfocado por seu cargo de honra, mas por sua carga, uma vez que sua posição ainda está totalmente inserida entre outros serviços. Ele não se sobressai na igreja, mas atua para dentro dela. Ele coordena e organiza com uma visão pelo todo. Uma igreja em que a função diretiva é negligenciada é equivalente a um rio sem leito. Muitas coisas se dispersam e não produzem resultado.

 

Finalmente: assim como o Jesus terreno, também sua igreja se torna um ímã para um número enorme de fracos, doentes e pobres. Por isso, há diversos membros que recebem com clareza especial o carisma de Jesus de compadecer-se, quem exerce misericórdia.

 

O estilo telegráfico das frases consecutivas revela a energia com que Paulo profere suas instruções para a “renovação da mente” segundo o v. 2. Já explicamos a exortação aos profetas. Nos três exemplos seguintes ele tão somente duplica: ministrar em ministério, ensinar no ensino, exortar na exortação! Tão simples, portanto, é o que ele diz: proceda orientando-se pela causa e pela dádiva! As intermitentes transgressões de limites dão lugar a uma viva concentração naquilo pelo que realmente somos competentes a partir de Deus. Deixamos que sua graça seja o suficiente para nós, aproveitamo-la plenamente e trazemos muito fruto. Isso evita uma série de distúrbios, bem como equívocos, atritos, rivalidades e inveja. Os últimos três exemplos alertam para que o serviço que nos foi confiado seja executado com liberalidade, diligência e alegria.

 

Quando isso ocorrer, acontecerá a renovação do servo insatisfeito, o terceiro da parábola dos talentos (Lc 19.20,21). Finalmente ele está satisfeito. Reconhece a bondade de seu Senhor e considera bela justamente a sua própria tarefa. Encontra-se no “culto racional”.

 

c. Exortações a todos os membros da igreja, 12.9-21

 

Refletindo por mais tempo sobre esse texto, somos transportados para as bênçãos plenas do evangelho. Por meio de certas aproximações com o Sermão do Monte nos v. 14,17,21 tornam-se presentes também as bem-aventuranças do mesmo. O caminho de Jesus ao sacrifício surge como a verdadeira força motora.

O que no início parecia uma listagem confusa de ditados dá lugar ao impacto de uma forte coerência interna. Nitidamente diferente dos v. 3-8, o novo bloco não menciona com nenhuma palavra os dons espirituais, mas sim o fruto do Espírito segundo Gl 5.22 (amor, alegria, paz, longanimidade).

 

Qual é a razão dessa diferença? Os dons espirituais são distribuídos na igreja de maneira distinta, motivo pelo qual também nos v. 6-8 cada um dos diferentes portadores de serviços recebe sua exortação à parte. Em contraposição, espera-se que todos os membros apresentem os frutos do Espírito de maneira igual, como mostram as presentes exortações.

 

Independente de numerosos paralelos no AT e em escritos judaicos há também semelhanças claras com exortações entre escritores gentílicos. Em todo lugar em que se estabeleçam parâmetros éticos e onde se dê valor à formação do coração, vive uma sabedoria proverbial que é em boa parte comparável ao presente bloco. Portanto, também Paulo está levando em conta um consenso geral sobre o bem e o mal. Cristãos também não devem parecer excêntricos.

 

A ênfase cristão diferenciadora reside, antes, em de onde e para quê. Paulo parte da misericórdia de Deus (v. 1), e o alvo último não é formação e preservação do caráter pessoal, mas o desenvolvimento da igreja em direção de Cristo como o Senhor. O v. 11c pode ser considerado como chave interpretativa: “Sirvam ao Senhor!” (BLH).

 

Tão logo um cristão realmente pratica o que crê, ele estará exercendo o amor. Foi o que Paulo já constatou em Gl 5.6b. É aquele amor que não se orienta pelo que é digno de amor, mas que responde à misericórdia de Deus (v. 1). É sob esse aspecto que ele rompe com os modelos de comportamento da era presente (v. 2). Porém o amor pode decair para uma mera encenação cristã. Quando ele é desempenhado unicamente por meio de expressão facial e saudação, uma igreja inteira cai no comportamento inautêntico e mascarado. Visto que isso a alienaria consideravelmente de sua essência, o NT exorta incansavelmente para a veracidade do amor. O amor seja sem hipocrisia.

 

As exclamações seguintes mostram o amor na sua consistência: Detestai o mal. Amor verdadeiro deixa claro do que ele – por amor! – abre mão (1Co 13.6). E apegando-vos ao bem. O bem é, conforme o v. 2, a “boa, perfeita e agradável” vontade de Deus. Cabe-nos estar incondicionalmente “grudados” a ele. A imagem condutora é a coesão numa boa família. Sede amavelmente fiéis uns aos outros no amor fraternal, no empenho recíproco uns pelos outros.

 

 

A profundidade que esse engajamento alcança é demonstrada pelo convite preferindo-vos em honra uns aos outros, “prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios” (NVI). Não se tem em mente a honra que compete a um cargo ou uma categoria, mas a honra que devemos tributar a cada membro como criatura de valor inestimável.

 

Estabelecer exceções nessa honra (Tg 2.1-9) não somente constitui culpa contra o céu, mas também um grave peso para aquele que é tratado com desdém. Ser honrado, fruir da dignidade humana é condição básica para que cada ser humano de fato possa continuar vivendo. Quando esse aspecto é abreviado, a ânsia por fama toma conta.

 

Os v. 11-13 enfocam o campo de atuação da igreja. No zelo, não sejais remissos. A exortação ao zelo se aproxima do v. 8, relacionada com a disposição de engajamento do que preside, mas aqui refere-se à disposição de cada um. Todos juntos devem ter o prazer de ser igreja que sabe o que é e o que deve fazer, fazendo-o com disposição. A igreja de Laodicéia havia chegado, com sua mornidão, ao limite extremo da zona de perigo. Chamados a cooperar no maior acontecimento que pode existir, a saber, no acontecimento da vontade de Deus sobre a terra, vale para eles: sede fervorosos de espírito. E: servindo ao Senhor.

 

No nosso idioma, “senhor” pode ser usado para qualquer senhor da vizinhança, mas a igreja serve ao Senhor de todos os senhores e, não por último, Senhor do futuro. Isso é exatamente algo que somente se pode fazer de modo “ardente”, não com monotonia nem em fogo baixo. Antes, regozijai-vos na esperança. De acordo com Rm 5.2,3, as tribulações atuais nada podem senão incendiar ainda mais essa alegria. Sede pacientes na tribulação, na oração,perseverantes. Uma recapitulação dos textos que combinam “perseverar” e “oração”perseverantes. Uma recapitulação dos textos que combinam “perseverar” e “oração” também no nosso texto, faz pensar sobre a participação constante em reuniões de oração. Orar em conjunto é característica de uma igreja que crê. Onde não se ora, não se crê mais. Não se pode crer apenas no pensamento.

 

As citadas tribulações conduzem à exortação seguinte: compartilhai (ativamente) as necessidades dos santos. Às vezes o membro que passava a pertencer a uma igreja domiciliar facilmente perdia seu respaldo social anterior. P. ex., era possível que viúvas fossem excluídas da assistência pública aos pobres por causa por causa de sua fé. Com isso elas eram depositadas aos pés da igreja como uma tarefa (Tg 1.27). Os mestres da igreja também careciam de auxílio no primeiro cristianismo, porque seu serviço dedicado comprometia sua subsistência (Gl 6.6; 1Co 9.14).

 

 

Para leitores de hoje a continuação praticai a hospitalidade (incansavelmente) salta à vista. Por que essa exortação aparece no NT com tanta insistência, e qual a causa do louvor e da gratidão justamente por essa tarefa? Na Antigüidade, os que viviam “sem cidadania”, “fora da aliança” (Ef 3.12,19; Gn 4.14) eram indefesos. Isso valia em dobro quando se tratava de um missionário que pertencia a uma igreja observada com suspeita, e valia o triplo quando a pessoa já estava sendo procurada judicialmente (At 9.23-25).

 

Para tal pessoa, ocultar-se na casa de um companheiro de fé constituía o único refúgio, o que para este próprio não deixava de ser perigoso (P. ex.: At 17.6-8). Ou seja, a questão não é o comodismo da dona de casa, mas o medo que fazia retroceder na hora em que se devia exercer a hospitalidade. Mas de tais casas abertas dependia a expansão do cristianismo, ainda nos seus primeiros estágios.

 

O pensamento a respeito da perseguição à igreja leva Paulo a fazer uma breve intercalação, porém, ele retornará ao mesmo detalhadamente nos v. 17-20. Abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis. Nesse ponto todos os paralelos fracassam. Em lugar algum o amor ao inimigo encontra-se com a mesma clareza inequívoca como em Jesus, de modo que Paulo está falando diretamente com a voz do seu Senhor. Sua proximidade com Jesus mostra-se também em suas justificativas para o amor ao inimigo. Primeiro: de acordo Mt 5.44,45; Lc 6.35,36, todos os discípulos devem amar os seus inimigos, a fim de se evidenciarem como imitadores de Deus, pois Deus é misericordioso também para com os ímpios.

 

Do mesmo modo, Paulo ancora suas exortações na misericórdia de Deus (acima, v. 1). Em segundo lugar: de acordo com Mt 5.46,47 os discípulos devem amar seus inimigos para se diferenciarem da mentalidade gentílica e “fazer a mais” nesse mundo. Assim também Paulo convoca para não se conformar com a era atual (acima, v. 2). No entanto, isso somente é praticável na presença de Deus. Ali nos tornamos totalmente verdadeiros no amor. Tem lugar a intercessão que abençoa. Ela tem a intenção de afastar a ira de Deus do perseguidor, assim como Jesus o fez (Lc 23.34). Portanto, nessa exortação não está presente apenas a voz de Jesus, mas também seu morrer que abençoa.

 

Com certeza o v. 15 vigora dentro da igreja, embora também possa incluir todos os concidadãos, em continuação ao v. 14: Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram. Sofrer perseguições pode endurecer uma pessoa, de maneira que nenhum sentimento a comove mais diante da alegria e do sofrimento desse mundo. Por isso: não se tornem devotos sobrenaturais ou desumanos!

 

 

O v. 16 conduz claramente de volta à realidade da igreja. Tende o mesmo sentimento (“Vivam em harmonia” [VFL]). Pela tradução queremos evocar a bela palavra “harmonia”. Em Paulo, a exortação é formulada sete vezes de modo muito semelhante. Naturalmente ele conhece as diferenças de opinião nas igrejas. Elas são algo normal enquanto estiverem sob controle. De acordo com o v. 11 o controle é: “Sirvam ao Senhor” (BLH). Enquanto vigorar esse critério, serão encontrados meios e caminhos para superar as dificuldades. Contudo, elas começam a triunfar quando os envolvidos não estiverem mais submissos ao Senhor.

 

Uma intenção estranha se intromete: em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde (“não viseis as coisas elevadas, mas inclinai-vos aos humildes” [tradução do autor]). Coisas elevadas que se aninharam na cabeça agora deslocam para o lado as pessoas que nos atrapalham na corrida para frente. Parecem humildes, insignificantes, desinteressantes. Não sejais sábios aos vossos próprios olhos (Pv 3.7). Cheios de sabedoria própria nos sobrepomos tanto ao senhorio de Jesus como também ao fato de sermos irmãos. Está dada integralmente a circunstância da conformação com o mundo (cf o v. 2).

 

Os versículos 17-20 complementam o tema do amor ao inimigo, já abordado no v. 14, em duas direções. Por um lado, a universalidade do amor cristão perpassa as frases seguintes, que não deixa nenhuma pessoa de lado. Por outro lado, insistem em abrir mão da retaliação. No v. 14 a prática tem de corresponder também à intercessão. Não torneis a ninguém mal por mal. Dito em seguida de forma positiva: esforçai-vos por fazer o bem (Pv 3.7,27; 17.13) perante todos os homens. Quando a intenção é o “bem”, soltamo-nos da posição partidária.

 

O empenho pelo acerto e pela melhora é prioritário. O início da frase seguinte, se possível, quanto depender de vós, mostra que, ao fazer as exortações, o apóstolo está absolutamente cônscio da realidade “deste século” (v. 2). Nem sempre o amor vence, nem sempre o amor é benquisto. Mas o fato de que nem sempre o amor alcança o alvo não é motivo para que este seja mudado. Permanece valendo: tende paz com todos os homens. “Manter a paz” é mais que “Sede pacíficos!” No sentido de Mt 5.9, a perspectiva é de um papel ativo que visa uma solução do conflito.

 

Quando ela não é alcançada e a injustiça predomina, afirma-se: não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira (de Deus); porque está escrito (Dt 32.35): A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Nada contra a nossa revolta sobre injustiça, mas só Deus pode e há de solucioná-la, primeiramente de forma limitada pela autoridade estatal (Rm 13.4), e de forma perfeita no dia da ira que se aproxima. Porém, se nós nos intrometermos pessoalmente nessa função de Deus, isso seria o fim da nossa função, à qual estamos destinados na presente era, a saber, de vivermos a misericórdia de Deus (Mt 5.38-48; 13.29,30).

 

Por isso, Paulo insiste no envio cristão: Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça (Pv 25.21,22). Para usar uma expressão amena, o calor de brasas amontoadas sobre a cabeça é perceptível em todas as circunstâncias. A imagem drástica está dizendo pelo menos o seguinte: vosso agir em Deus é uma ação perceptível e eficaz no meio da vingança usual e absurda!

 

Também quando o inimigo amado não se ajoelhar imediatamente diante de vocês em sinal de arrependimento, ele certamente foi tocado pela experiência de algo novo. Por alguns segundos ele foi uma pessoa atingida, movida, admirada, talvez envergonhada (cf1Pe 2.15; 3.16) e, em todo caso, abençoado. Em sua vida futura Deus tomará conta dele.

 

Após concluir essa lição, Paulo generaliza e ao mesmo tempo aguça em termos pessoais: Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. Esse mundo é um lugar de luta entre duas maneiras de viver como pessoa, isto é, viver sob o “deus deste século” (2Co 4.4) ou viver sob o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Não nos tornamos vitoriosos só após sucessos terrenos do nosso agir, mas já o somos de modo oculto pela prática do bem propriamente dito.

 

 

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