31 de julho de 2009

AMOR: O TESTE SOCIAL

AMOR: O TESTE SOCIAL

l João 2.7-11

Irmãos, não vos escrevo mandamento novo, mas o mandamento antigo, que desde o princípio tivestes. Este mandamento antigo é a palavra que desde o princípio ou vistes. Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro nele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia. Aquele que diz que está na luz e aborrece a seu irmão até agora está em trevas. Aquele que ama a seu irmão está na luz e nele não há escândalo. Mas aquele que aborrece a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir: porque as trevas lhe cegaram os olhos.

Em um apêndice de seu excelente livro e The Church at the End of the 20° Century (A Igreja no Final do Século XX), Francis Schaeffer fala sobre o amor como a “marca do cristão”. Seu estudo é baseado em João 13.34-35, em que se registra que Cristo deu um novo mandamento aos seus discípulos:

Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. Schaeffer ressalta que “apenas com essa marca o mundo pode saber que os cristãos são de fato cristãos e que Jesus foi de fato enviado pelo Pai”.

Ele está certo. Pode-se acrescentar a isso, no entanto, que é também pelo amor que os cristãos podem saber que são cristãos. Ou seja, o cristão pode saber que realmente foi vivificado por Cristo quando começa a amar e de fato ama as pessoas por quem Cristo morreu.

Esse é o tema do próximo trecho de 1 João, pois é nesses versículos (2.7-11) que o apóstolo ancião desenvolve o segundo teste, o social, para verificar se uma pessoa que considera conhecer a Deus de fato o conhece ou não. O primeiro teste se encontra nos versículos 3-6. É o teste moral, o teste de retidão.

O terceiro teste está nos versículos 18- 27. É o teste da crença ou doutrinário. Aqui, porém, o teste é de amor. Será que a pessoa que professa amar a Deus ama também o seu próximo? Se ama, pode ter certeza de que foi vivificado por Deus. Se não ama, João diz que essa pessoa não tem mais direito de se considerar um filho de Deus o que aquela que diz que conhece a Deus mas desobedece aos seus mandamentos.

Esse trecho é dividido em duas partes: primeiro, a lei cio amor, segundo, a vicia de amor. A segunda parte contém três aplicações contrastantes cio princípio básico.

A Lei do Amor (vv. 7,8)

Nos versículos precedentes, João exortou os crentes a guardar os mandamentos dc Deus. Mas isso era urna declaração geral. Agora ele traz à luz um mandamento específico: o mandamento de amar.

É verdade que os versículos 7 e 8 não contém a palavra amor e que, de fato, ele só é mencionado uma vez em todo esse trecho (no versículo 10). Mas o mandamento cio amor é o que João obviamente tinha em mente, como a referência ao “novo mandamento” de João 13 indica de modo evidente. A progressão de pensamento é que, se urna pessoa conhece a Deus, vai aguardar os mandamentos dEle, e se guardar os mandamentos de Deus, vai amar o próximo de acordo com o ensinamento de Cristo.

Amor como um antigo mandamento

No entanto, não existe nada fundamentalmente novo em tudo isso, pois João lembra seus leitores de que o mandamento é o que eles tinham recebido desde o princípio. É possível compreender essa última frase de duas formas diferentes. Ela pode se referir ao princípio do cristianismo, como a mesma frase parece fazer no capítulo 1. Ou pode ser entendida como uma referência ao princípio da religião revelada, ou seja, ao mandamento como existia na era do Antigo Testamento.

Provavelmente, é melhor optar pelo último sentido, pois é mais fácil ver um contraste antigo-novo entre a lei do amor contida no Antigo Testamento e a lei do amor restabelecida por Jesus para os cristãos do que imaginar um contraste entre o que existia no princípio do cristianismo e o cicie de algum modo ainda soa novo quando João escreve sua epístola.

O mandamento do amor é antigo, pois já existia e era conhecido antes da vinda de Cristo. Em sua forma mais simples, pode ser encontrado em Levítico 19.18, que diz: “Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor”. É a esse versículo que Jesus se refere quando lhe pedem sua opinião quanto ao primeiro e maior mandamento. Ele disse que o maior mandamento era o registrado em Deuteronômio 6.5: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder”. Mas o segundo, ele disse, era aquele encontrado em Levítico 19.18.

Amor como um novo mandamento

Em que sentido, então, o mandamento de amar é um novo mandamento? É novo no sentido que recebeu uma ênfase inteiramente nova e foi elevado a tini novo nível pelos ensinamentos e pelo exemplo de Jesus. Willian l3arclay sugere dois modos de como isso é verdade, aos quais também vamos acrescentar um terceiro.

Primeiro, em Jesus o amor se torna novo quanto à sua extensão. Na época de Cristo, o amor não era algo novo, mas ao mesmo tempo havia alguns que consideravam o amor como uma obrigação limitada a um círculo fechado de amigos ou, numa extensão maior, a uma nação. Para os judeus ortodoxos, o pecador não deveria ser amacio. Em vez disso, ele era alguém que Deus desejava destruir. Tampouco os gentios deveriam ser amados. Eles foram criados por Deus para o inferno. Em contraste, Jesus estendeu seu amor a todos.

Ele se tornou o “amigo dos pecadores”, um ouvinte simpático e professor de mulheres (que também eram desprezadas), e eventualmente alguém por quem a salvação foi estendida até para o mundo gentílico. Suas últimas palavras aos discípulos foram para que fizessem discípulos de todas as nações (Mt 28.19) e que eles deveriam ser testemunhas “em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (At 1.8).

Segundo, em Jesus o amor se tornou novo quanto à sua distância. Aqui as pessoas precisam olhar para a cruz, pois é na cruz que a altura e a profundidade do amor de Deus são vistas, e não são vistas com a mesma gradação em nenhum outro lugar. A que distância vai o amor de Deus? A distância até a qual o Filho de Deus assume sobre si a forma humana, morre na cruz, carrega sobre si os pecados de toda uma raça caída para que, ao receber a punição por aquele pecado, Ele esteja de fato alienado de Deus, o Pai, e assim grita em profunda agonia: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mc 15.34). Essa é a distância até aonde o amor de Deus vai. É aí que o amor se torna uma coisa inteiramente nova em Cristo.

Terceiro, em Jesus o amor se faz novo quanto à sua intensidade. João indica isso ao acrescentar no versículo 8 “é verdadeiro nele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz alumia”. Nesse versículo, “verdadeira” (alethes, alethinos) significa “genuína”, e a questão é que o amor verdadeiro ou genuíno, como a retidão genuína, agora está presente não apenas em Jesus, mas também naqueles que nele foram feitos vivos. Nesse sentido, o que não era possível na dispensação do Antigo Testamento agora é possível; pois a vicia de Jesus, que se expressa em amor, está em seu povo.

A Vida de Amor (vv. 9-11)

João estabeleceu que as trevas se passaram e a verdadeira luz está brilhando; porém as trevas não se firam completamente ainda, nem a luz é vista em toda parte ou em todas pessoas. Assim, ele destaca três exemplos daqueles para quem o teste do amor deve ser aplicado. Existem dois exemplos negativos e um positivo

Confissão sem amor

O primeiro exemplo é o da pessoa que “alega estar na luz ruas odeia seu irmão”.

João diz que tal pessoa “está em trevas”. O sujeito desse versículo (“Aquele que diz”) lembra declarações similares e de algum modo paralelas cio capítulo 1 ( “Se dissermos”, vv. 6,8,10), seu lugar no argumento corresponde diretamente com 2.4:

“Aquele que diz: Eu conheço-o e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade”. Nesse caso, porém, João não diz que a pessoa que confessa conhecer a Deus enquanto na verdade odeia seu irmão é um mentiroso, embora isso também seja verdade, mas em vez disso que ele está em trevas e anda em trevas até agora. Nesse versículo a referência é obviamente aos oponentes gnósticos de João, como também é o caso nos outros versículos que começam com “Se dissermos”.

Os gnósticos alegavam ser os iluminados. Mas eles na verdade estão em trevas, diz João, se falharem em amar seus irmãos.

Paulo disse a mesma coisa quando escreveu aos coríntios sobre o amor: “E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria” (1 Co 13.2). Plummer declara: “A luz em um homem são trevas até que seja aquecida pelo amor”.

Amor brotando da luz

O segundo exemplo é positivo. É o da pessoa que demonstra que habita na luz por amar seu irmão. João diz que nesse comportamento “não há escândalo”.

A idéia cio escândalo pode ser aplicada de dois modos. Primeiro, pode ser aplicada aos outros no sentido de que uma pessoa que ama seu irmão não apenas caminha na luz, mas também é livre de ter ofendido o próximo. Esse é o sentido geral do mundo no restante cio Novo ‘Testamento. Por outro lado, também pode se aplicar ao indivíduo no sentido de que, se ele ama, caminha na luz e assim não causa escândalo.

O contexto quase exige essa segunda explicação, pois a questão levantada pelos versículos não é sobre o que acontece aos outros, mas sim sobre o efeito cio amor sobre o ódio do próprio indivíduo. O equivalente negativo dessa declaração ocorre apenas um versículo depois. Nesses versículos, João introduz a importante idéia de que “nosso amor e ódio não apenas revelam se já estamos na luz ou nas trevas, mas contribuem de fato para a luz ou as trevas na qual nós já estamos”.2 Aquele que anda na luz tem mais luz dia a dia. Aquele que caminha em trevas está cada vez mais imerso em trevas.

Ódio levando a mais trevas

O último dos exemplos de João também é negativo e segue-se naturalmente ao que o antecede. Ele falou sobre o homem que ama seu irmão e demonstrou as conseqüências disso. Agora ele volta ao caso daquele que odeia seu irmão e demonstra as conseqüências disso. Existem três conseqüências. Depois delas, João dá uma explicação final e resumida.

A primeira conseqüência está na natureza de uma observação: aquele que odeia seu irmão está em trevas. Essa é a expressão mais simples do teste em sua forma negativa.

A segunda conseqüência é que ele anda em trevas. Isso acrescenta a idéia de uma ação contínua ou de uma esfera contínua de atividade. Não é apenas um homem que falha em amar seu irmão que não tem conhecimento de Deus; também é que tudo o que ele faz está em trevas e é caracterizado pelas trevas. Ele continua nelas. Finalmente, João acrescenta que embora continue em sua caminhada de trevas, ele faz isso sem ter o conhecimento claro de um objetivo. Ele prossegue, pois o caminho da pessoa sem Deus é o de uma atividade sem descanso. Mas ele “não sabe para onde vai” (Jo 12.35).

Só existe uma explicação para essa incrível situação, uma situação na qual os homens andam em trevas, muito embora a luz verdadeira esteja brilhando, sem um objetivo, muito embora o objetivo de Deus em Cristo seja muito claro, O problema é que os homens são cegos e não conseguem ver a luz nem discernir o objetivo. Claramente não existe esperança para essas pessoas exceto em Deus, que é capaz de dar vista ao cego e conduzir os pés do pecador num caminho de retidão,

Conclusão

Esse último versículo introduz um termo qe pode ser aplicado à vicia de amor. É o termo “andar”, que sugere dar passos. O que é o amor afinal? Não é apenas um certo sentimento agraciável. Não é um sorriso. É uma atitude que determina o que alguém faz. Assim, é impossível falar sobre o amor sem pelo menos sugerir algumas das ações que deveriam fluir a partir cicie, assim como é impossível falar sobre o amor de Deus sem mencionar coisas tais quais a criação cio homem à sua imagem, a entrega da revelação cio Antigo Testamento, a vinda de Cristo, a cruz, o derramamento cio Espírito Santo e outras realidades.

O que significa amar? O que vai acontecer se aqueles que professam a vicia de Cristo amarem de fato uns aos outros? Francis Schaeffer, a quem me referi no início deste capítulo, tem diversas sugestões.

Primeiro, significa que quando o cristão falhou em amar seu irmão e, assim, agiu de modo errado com relação a ele, então irá até ele e dirá que sente muito. Parece fácil, mas não é, como qualquer um que já tenha tentado fazer isso sabe. Mesmo assim, mais do que qualquer outra coisa, expressa o amor e restaura aquela unidade que Jesus disse que deveria fluir do fato de que os cristãos amam uns aos outros e pela qual sua confissão é verificada ante o mundo.

Segundo, como a ofensa vem freqüentemente da parte dos outros, devemos demonstrar nosso amor pelo perdão. Isso é muito difícil, em particular quando a outra pessoa não pede desculpas. Schaeffer diz:

Devemos reconhecer continuamente que não praticamos o coração perdoador como deveríamos. E uma vez mais a oração é “perdoe nossas dívidas, nossas ofensas, assim como nós perdoamos nossos devedores”. Devemos ter um espírito perdoador antes mesmo de a outra pessoa expressar arrependimento pelos seus erros.

A oração do Senhor não sugere que quando a outra pessoa diz que sente muito então é que nós devemos demonstrar unidade ao ter um espírito perdoador. Em vez disso, somos chamados para ter um espírito perdoador sem que o outro tenha dado o primeiro passo. Podemos ainda dizer que ele está errado, mas ao mesmo tempo em que dizemos devemos perdoar.

O próprio João aprendeu a amar a esse ponto, pois anteriormente em sua vida ele era conhecido como um dos “Filhos do trovão”.

Certa vez ele desejou que viesse fogo do céu sobre aqueles que rejeitavam a Jesus (Lc 9.54). Mas à medida que passou a conhecer mais sobre o Espírito, passou a amar cada vez mais e mais.

Terceiro, precisamos demonstrar o amor com ações práticas, mesmo quando isso custa muito, O amor custou ao samaritano da parábola de Cristo. Custou a ele tempo e dinheiro, O amor custou ao pastor que se esforçou para encontrar sua ovelha, O amor custou a Maria de Betânia que, com seu amor, trouxe um frasco com líquido caríssimo aos pés de Jesus. O amor vai custar para todos que o praticam. Mas o que é comprado com ele será de grande valor, embora intangível; pois será a prova da presença da vida de Deus tanto para o indivíduo cristão quanto para o mundo que o observa.

Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus (auxiliar)

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

As Epístolas de João de James M. Boice

20 de julho de 2009

UMA CHAMADA Á SANTIDADE

UMA CHAMADA À SANTIDADE

1 João 2.1,2

Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis; e, se alguém pecar temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.

Nada do que João escreveu pode ser considerado um endosso para o pecado. Mas é possível que algumas pessoas possam compreender de forma errada suas declarações e assim chegar a essa conclusão. Ele não argumentou que todos os homens pecam? “Bem, se o pecado é inevitável, por que lutar com ele? Você vai pecar não importa o que faça. Então, é melhor resignar-se aos fatos”, podem sugerir. Ou, outra coisa, João não disse que existe perdão para o pecado através daquilo que Jesus fez e, de fato, continua a fazer? “Tudo bem”, eles podem acrescentar. “por que se preocupar sobre cometer peca- dos? Se Deus nos perdoa, o resultado está garantido. Na verdade, por que não pecar mais, para que Deus possa perdoar mais e obter uma glória maior cru tais circunstâncias?”

As palavras de João não dizem isso, é claro, nem seus princípios levam a essa direção. De fato, levam precisamente a conclusões opostas. Para demonstrar isso, ele agora interrompe o formato que vinha adotando, de apresentar e responder as visões falsas dos gnósticos (teria havido um “se caminharmos’ ou um “se confessarmos” seguindo o texto em 1.10), e começa uma nova frase na qual o problema do pecado do cristão é trabalhado de forma bem direta, A frase contém uma chamada clara à santidade, que por sua vez é baseada em duas grandes certezas cristãs. A primeira é a promessa de Deus de perdoar o pecado, já estabelecida no capítulo 1. A segunda é a obra de Cristo, sobre a qual a primeira é elaborada.

A Promessa de Deus (v. 1)

O objetivo da mensagem de João é evidente, tanto no apelo em si quanto no tom no qual ele é feito: “Meus filhinhos, estas coisas VOS escrevo, para que não pequeis”. É um apelo amoroso e tem o efeito de garantir aos seus leitores que, sejam lá quais sejam as implicações de suas declarações anteriores, sua preocupação com eles é precisamente nisto, que eles não pequem. Nada do que ele disse deveria ser visto como a valorização da falta de retidão.

Uma pergunta ainda permanece, no entanto. João obviamente deseja que as pessoas a quem está escrevendo permaneçam livres do pecado, mas, de forma precisa, como será que as verdades sobre as quais ele está falando levam à perfeição? O que no capítulo 1 realmente promove esse objetivo? Ou, para colocar numa linguagem diferente, a que exatamente isso se refere? É possível, primeiro, que seja uma referência a quase tudo o que vem antes. Mas não é provável que o prefácio esteja envolvido (o que limita o material aos versículos 5-10); e, se isso é assim, então a referência pode ser ainda mais restrita.

Em segundo lugar, é possível que João esteja se referindo à tese principal dos versículos anteriores; a saber, que Deus é luz. Se isso é assim, a lógica é óbvia. Os cristãos não devem pecar porque Deus não tem pecado.

Terceiro, existe a possibilidade de que João esteja se referindo à declaração do versículo 9, na qual disse que Deus vai perdoar nossos pecados se os confessarmos. Essa referência pode ser a mais provável em virtude da proximidade dos 2 versículos, e por causa do tom e cio conteúdo de 2.1,2, que fala sobre o perdão num relacionamento familiar.

Mas como a garantia do perdão realmente leva à santidade? Não seria o contrário? Se sabemos que estamos perdoados de antemão, não nos sentimos livres para pecar? A objeção parece lógica, mas não é. De fato, ela se contradiz pela experiência humana. Na verdade, o conhecimento desse amor tão grande e desse perdão imerecido torna o cristão profundamente desejoso de não pecar contra eles.

Uma ilustração torna-se necessária para deixar essa questão mais clara. Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, Donald Grey Barnhouse, que na época era pastor da Décima Igreja Presbiteriana em Filadélfia, estava aconselhando um certo jovem. Ele era professor em uma grande universidade e tinha uma história triste para contar. Ele fora segundo-tenente do exército americano e havia partido para a França, onde caiu em más companhias. Não era cristão na época, e enquanto serviu naquele país viveu uma vida de muitos pecados.

Agora, porém, tinha voltado para casa, se tornado cristão, conheceu urna jovem cristã e desejava casar-se com ela. Mas havia um problema. Ele se lembrava de seu passado de pecados e tinha medo de voltar a cair neles. Se isso acontecesse, ele feriria a jovem que amava. O que deveria fazer? Por causa de sua incerteza, havia hesitado sobre declarar seu amor por ela.

O pastor aconselhou que ele conversasse francamente com a jovem e lhe contasse sobre sua vicia no passado. “Ela precisa saber que você a ama e que algo o está impedindo”, disse. “Por isso, você precisa deixar tu cio claro. Se vocês vão passar o resto de suas vidas juntos, não pode haver barreiras entre os dois”. Ainda assim, o jovem hesitava.

Nesse momento, Barnhouse lhe contou uma história que é contada aqui para introduzir o comentário que foi feito pelo jovem professor quando ele terminou.

“Algum tempo atrás, conversei com um homem cuja história não era muito diferente da sua. Ele também tinha vivido uma vida de pecado sob condições similares àquelas que existem numa missão de resgate. Ele se casou então com uma jovem mulher cristã para quem tinha contado sua sórdida história. Depois de ter contado a sua esposa tudo isso, ela o beijou e disse: “John, queria que você compreenda algo de modo pleno. Conheço bem a minha Bíblia e sei quais são as obras de Satanás. Sei que você é um homem completamente convertido, mas também sei que você teve uma velha natureza para a qual Satanás decerto vai apelar.

Ele vai fazer tudo o que puder para colocar a tentação no seu caminho. Pode chegar o dia e oro para que nunca chegue — em que você vai sucumbir à tentação e cair em pecado. Imediatamente o Diabo vai dizer que você estragou tudo, que Você pode então continuar a pecar e que acima de tudo você não deveria me falar nada porque vai me magoar. Mas, John, quero que você saiba que este é o seu lar. Você pertence a este lugar. E quero que você saiba que existe perdão total e de antemão para qualquer mal que possa vir a acontecer em sua vida.

À medida que o Dr. Barnhouse contava essa história, o professor abaixava sua cabeça até as mãos. Porém, quando chegou ao fim, o jovem levantou sua cabeça e disse com reverência “meu Deus, se qualquer coisa pudesse manter um homem direito, seria isso”.

Esse é o princípio de 1 João 2.1,2: perdão de antemão para qualquer pecado que pode ocorrer em nossas vidas. Essa é a promessa de Deus que nos é dada precisamente para que não pequemos. Deus não fica chocado com o comportamento humano, como ficamos com freqüência, pois Ele vê tudo de antemão, incluindo os pecados dos cristãos. Mais ainda, e apesar disso, Ele nos enviou seu Filho para morrer pelos pecados de seu POVO a fim de que possa haver perdão total. Esse amor é incomparável. Tal graça fica além da compreensão. Mas Deus nos fala sobre esse amor e essa graça para que possamos vencer por eles e determinar, dando-nos Deus a força, que não vamos falhar com Ele.

A Obra de Cristo (vv. 1,2)

Às vezes falhamos com Ele, apesar de sua garantia de perdão. E então? Nesse caso, diz João, devemos ir a Deus para confessar o pecado e buscar perdão, sabendo que somos capazes de chegar a Ele por meio da obra de Cristo, como os filhos se aproximam de um pai. Nessa declaração, as referências à purificação por meio do sangue de Cristo (1.7), à promessa de perdão e purificação para aqueles que confessarem seus pecados (1.9), e à chamada à santidade (2.1,2) estão juntas.

Jesus, nosso advogado

A obra de Cristo é a base sobre a qual o cristão pode se aproximar de Deus em busca de pleno perdão e total purificação. João usa três termos para descrever isso. O primeiro é “advogado”, ou “alguém que fala em nossa defesa”. Esse é um termo legal, em grego e em português; mas em grego, ao contrário do português, a palavra tem um sentido passivo, e não ativo. Descreve alguém que é chamado para ajudar outro, em particular num tribunal.

É fácil de ver, então, como João consegue usar a palavra para Jesus; pois ele simplesmente quer dizer que Jesus é aquEle que chamamos para nos ajudar perante o tribunal de Deus. Como diz I3arclay, “não devemos pensar sobre Ele como alguém que passou sua vida na Terra, morreu na cruz e então não tem mais nada a ver com a humanidade”. Em vez disso, “Ele ainda carrega a preocupação com a humanidade dentro de seu coração”.

A palavra advogado não aparece fora dos escritos de João, mas o ministério de Cristo ao qual se refere ocorre em muitos lugares. Jesus prometeu a Pedro que iria interceder por ele para que sua fé não falhasse após ter negado seu Senhor (Lc 22.32). João 17 registra uma oração com esse mesmo objetivo em favor de todos os crentes.

Jesus declarou: “E digo-vos que todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos anjos de Deus” (Lc 12.8). Paulo descreve Jesus como sendo aquEle que “Quem os condenará? Pois é Cristo quem morreu ou, antes, quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8.34).

Porém, existe uma coisa que deve ser percebida no uso feito por João da palavra “advogado”. Quando o termo é usado no sentido legal nos dias de hoje, normalmente pensamos sobre o trabalho de um advogado ao apresentar todo o caso a respeito do réu; ou seja, ao defender o acusado a respeito dos méritos de seu caso. Em João, a idéia de mérito da parte do acusado é ausente; em vez disso, o mérito vem da parte do advogado. A antiga idéia é ilustrada pelo uso de um termo do antigo tratado rabínico Pirke Aboth: “Aquele que segue a lei ganha para si um advogado, e aquele que comete uma transgressão ganha para si um acusador” (4.13). No Novo Testamento, é inteiramente uma questão da graça de Deus.

Jesus, o justo

O segundo termo usado por João a respeito de Jesus é “justo”. De fato, essa é a palavra que é enfatizada.

Em que sentido ela é utilizada? É possível que João esteja se referindo à retidão judicial que o Pai aplicou aos crentes com base no sacrifício de Cristo por eles, o significado usualmente dado ao termo por Paulo, como em Romanos 10.4:

"Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê”. Mas isso é improvável por diversas razões. Primeiro, é estranho compreender a palavra em dois sentidos em tão pouco espaço (em 1.9 sobre o Pai e em 2.1 sobre o Filho), algo que precisamos fazer se essa interpretação é adotada.

No primeiro caso, a palavra se refere à justiça da ação de Deus ao perdoar o pecado.

No segundo, a idéia das bases suficientes da advocacia de nosso Senhor é adequadamente desenvolvida na expressão que se segue, que nos diz que Ele é “propiciação pelos nossos pecados”. Assim, não é necessário aqui. Finalmente, a idéia dominante nesses versículos não é a da justificação feita com base na retidão de Cristo.

Em vez disso, é a advocacia de Cristo direcionada para o crente que pecou. Por essas razões, parece melhor assumir a palavra como descrevendo não a retidão legal que Cristo tem e representa, que nos é oferecida no evangelho, mas a retidão de seu caráter, que governa a natureza de sua advocacia direcionada a nós.

Nem todos os advogados são assim, como qualquer pessoa que já tenha enfrentado alguma causa na justiça sabe. Freqüentemente eles são injustos. Muitas vezes servem a seus próprios interesses em vez de servir aos interesses de seus clientes. Alguns usam detalhes técnicos para escapar da justa censura da lei. Mas Jesus não opera desse modo. Em vez disso, Ele é fiel à nossa causa e apresenta o caso com fidelidade e perfeição.

Jesus, a propiciação

Por fim, João chama Jesus de “propiciação pelos nossos pecados”, acrescentando “e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. A palavra propiciação) era utilizada extensivamente em antigos escritos pagãos para referir—se a oferendas dadas a um deus raivoso de modo a aplacar a sua ira. Mas isso é incompatível com o caráter do Deus cristão, dizem alguns acadêmicos. Deus não é um Deus raivoso, de acordo com a revelação cristã. Ele é gracioso e amoroso.

Mais ainda, não é Deus quem fica separado de nós por causa cio nosso pecado, mas sim nós que nos separamos de Deus. Ou, ainda, não é Ele que tem de ser propiciado, mas nós mesmos. De acordo com esse pensamento, devemos nos referir à propiciação não como aquilo que Jesus fez com relação a Deus, mas com o que foi feito por Deus em Cristo pela nossa culpa. Ela foi” coberta”, “desinfectada” ou “expiada” por sua morte. Assim, por essa vi.são, a Bíblia nunca faz de Deus o objeto da propiciação.

Mais isso não é tudo. Em primeiro lugar, mesmo sendo verdade não podemos misturar o conceito cristão de Deus com o caráter petulante de deidades do mundo antigo, ao mesmo tempo também não podemos esquecer sua justa ira contra o pecado, de acordo com a qual ele será punido, seja em Cristo ou na pessoa do pecador. Aqui, todo o âmbito da revelação bíblica precisa ser levado em consideração.

Segundo, embora a palavra propiciação seja utilizada nos escritos bíblicos, não é usada exatamente com o mesmo sentido que nos escritos pagãos. Nos rituais pagãos o sacrifício era o meio pelo qual um homem aplacava um deus ofendido. No cristianismo nunca é um homem que toma a iniciativa ou faz o sacrifício, mas o próprio Deus que, em virtude de seu imenso amor pelo pecador, providencia o meio pelo qual a sua própria ira contra o pecado possa ser aplacada.

Em 1 João 4.10, a única outra passagem do Novo Testamento que usa exatamente a mesma forma da palavra encontrada em 2.2, o amor de Deus é enfatizado. Essa é a verdadeira explicação para que Deus nunca seja o objeto explícito da propiciação nos escritos bíblicos. Ele não é o objeto porque é, o que é mais importante ainda, o sujeito. Em outras palavras, Deus aplaca a sua própria ira contra o pecado para que seu amor possa abraçar e salvar totalmente o pecador.

É no sistema sacrificial do Antigo Testamento que a idéia verdadeira da propiciação é observada mais claramente, pois se alguma coisa é estabelecida pelo sistema de sacrifícios (no sentido bíblico de sacrifício), é que o próprio Deus forneceu o meio pelo qual um pecador pode se aproximar dEle.

Pecado significa morte. “Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá. [.1 A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai, nem o pai levará a maldade cio filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (Ez 18.4,20).

Todavia os sacrifícios ensinam que existe um modo de escapar e de se aproximar de Deus. Outra pessoa pode morrer no lugar do pecador. Isso pode parecer impressionante, e até mesmo (como alguns sugeriram erroneamente) imoral; mas é isso o que o sistema de sacrifícios ensina.

Como conseqüência, o indivíduo israelita era instruído a levar o animal para o sacrifício sempre que se aproximasse de Deus; a família tinha que matar e consumir um animal na observância anual da Páscoa; a nação tinha que ser representada pelo sumo sacerdote anualmente no Dia do Perdão, quando sangue era aspergido sobre o trono de misericórdia da Arca da Aliança dentro do Santo dos Santos no templo judaico. Essa última cerimônia pode ser no que João está pensando nessa passagem. É bom lembrar que João referiu-se ao derramar do sangue de Cristo poucos versículos antes (1.7).

O próprio Jesus é a propiciação, então, é pela virtude de seu ser que Ele pode ser nosso advogado. “Nosso advogado não alega nossa inocência; ele reconhece nossa culpa e apresenta o seu sacrifício vicário como a base para nossa absolvição”, como indica Ross.3 Mais ainda aqui repousa a confiança do cristão, pois não é com base em nosso mérito, mas com base apenas na obra completa de Cristo que temos a ousadia de nos aproximar de um Pai reto e celestial.

A última frase do versículo 2 nos apresenta problemas não usuais, mas pode ser que a idéia cio sacrifício propiciatório, que sublinha essa passagem, explique. A frase é “e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo”. Ela vem seguindo a descrição de Jesus como “a propiciação pelos nossos pecados” de modo a ampliá-la ou de algum modo universalizá-la. Isso é claro o bastante; mas não é claro que isso pode ser dito para ser verdade. Conseqüentemente, comentaristas não acharam fácil averiguar a natureza precisa do universalismo visto aqui. Em geral, eles desenvolveram urna resposta fácil e outra muito comum, mas nenhuma satisfatória.

A resposta fácil é uma afirmação do universalismo em seu sentido completo; ou seja, que Jesus de fato morreu pelos pecados de cada ser humano e que como resultado todos são salvos por Ele. Todos estarão no céu. Essa é uma interpretação popular para aqueles que estão abertos ao universalismo de qualquer modo, mas dificilmente é apoiado por qualquer escritor bíblico, incluindo João.

De fato, é João quem, entre todos os escritores do Novo Testamento, distingue com mais clareza aquele que pertence a Cristo e o mundo (Jo 13.1; 17.9; 1 Jo 3.1,10). Nem todos serão salvos. Assim, seja lá o que a frase signifique, é evidente que não pode ser tomada como representando um universalismo amplo.

A resposta mais comum é que a morte de Cristo se aplica a todo o mundo potencialmente, mas que se torna eficaz para a salvação apenas no caso daqueles que se apropriam dela por meio da fé. Aqueles que se apegam a essa visão mais naturalmente enxergam o texto como uma refutação importante ao terceiro argumento do calvinismo, comumente chamado de “reconciliação limitada”, e o opõem à idéia da eleição em si. Isso não é, no entanto, de todo satisfatório, pois se a reconciliação de Cristo deve ser tornada como apenas reconciliação em potencial, então não é de fato reconciliação. Ou seja, seria algo ineficaz; pois, a não ser que alguém se mova para o campo do universalismo, ele não salva de fato o mundo, uma vez que muitos que estão no mundo vão perecer.

Qual é a resposta então? Uma resposta é dada por B. B. Warfield em um artigo intitulado “Jesus Cristo. a Propiciação para o Mundo”. De acordo com Warfield, João está pensando sobre a salvação do mundo em termos temporais mais cio que espaciais. Assim, Jesus “veio ao inundo por causa do amor ao mundo, para que pudesse salvar o mundo, e Ele de lato salva o mundo” mas apenas, como conseqüência, à medida que o impacto da mensagem cristã é proclamada cada vez mais e torna-se largamente alvo da fé. “Hoje somos um pequeno grupo: amanhã seremos o mundo”. No final, embora não no início, Cristo deverá ter um mundo salvo para apresentar a seu Pai.

A resposta de Warfield poderia ser a correta, embora haja razões para duvidar que a I3íblia ensina que o mundo como um todo será salvo (1 Tm 4.1,2; 2 Tm 4.3,4; 2 Pe 2.1-3; Jd 18). Contudo, uma resposta melhor é possível.

Se João, como judeu, está realmente pensando sobre o sacrifício propiciatório como era praticado em Israel, em particular no Dia do Perdão e corno não poderia? — então pode ser sobre ele mesmo e outros judeus, em oposição aos gentios, que usou a palavra “nossos” nessa frase. O contraste seria, então, não entre cristãos e o mundo não salvo, mas entre aqueles judeus por quem Cristo morreu e aqueles gentios por quem Cristo morreu, ambos que agora formam ou viriam a formar a Igreja. Esse uso do pronome na primeira pessoa do plural não é impossível, já que João o utilizou em diversos sentidos diferentes até aqui.

Segundo essa visão, o que João deseja dizer é que Jesus cumpriu um padrão estabelecido pelos sacrifícios do Antigo Testamento mas que o fez de tal modo que tanto os gentios quanto os judeus são salvos.

Isso é uma maravilha e causa de grande louvor, pois, como Paulo diz ao concluir uma série similar de observações no final de Romanos 11,

Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia. Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas: glória, pois, a ele eternamente. Amém! (Rm 11.32-36)

Conclusão

A conclusão dessa avalanche de reflexões é evidente. Se Jesus fez tanto por nós, e não apenas por nós mas também por homens e mulheres espalhados por todo o mundo, e se isso naturalmente nos leva a louvá-lo, será que isso também não nos deveria levar à santidade? Não deveria nos impelir a cumprir o desejo de João de que seus filhos não pecassem? Claro que sim, hoje e sempre. De fato, deveríamos dizer com Paulo: “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Co 5.14,15).

Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus (auxiliar)

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

As Epístola de João de James M. Boice