7 de junho de 2016

A TOLERÂNCIA CRISTÃ


A TOLERÂNCIA CRISTÃ

TEXTO ÁUREO = “Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espirito Santo.” ( Rom 14.17 ).

VERDADE PRÁTICA = Os crentes mais maduros não devem agir egoisticamente, mas precisam atuar como modelo para os fracos.

LEITURA BIBLICA = Romanos 14.1-6

INTRODUÇÃO

O Amor Cristão E As Diferenças De Opinião

O parágrafo final da seção anterior parece concluir a seção ética da Epístola. Knox observa que, embora diferente em forma e conteúdo, esta passagem é idêntica, em função, à exortação que conclui o Sermão da Montanha, tanto em Mateus 7.24-29 quanto em Lucas 6.46-49. Portanto, temos em 14.1—15.13 algo como um pós-escrito relacionado à ética de Paulo.


E costumeiro encarar este apelo pela unidade entre a diversidade de opiniões religiosas como sendo dirigido a uma situação específica que existia na igreja romana, mas os esforços para identificar a seita ou o grupo que criou este problema não tiveram sucesso.


A princípio, o homem que está enfermo na fé 1) parece ser um judeu convertido que ainda não se libertou dos escrúpulos da lei Mosaica. Mas o fato de ele ser um vegetariano, (2) um homem que não come carne nem bebe vinho (21), aponta para os essênios, que ficaram conhecidos por serem vegetarianos e abstêmios.

 
Mas também é possível que o irmão enfermo seja um gentio recentemente convertido da idolatria, que se recusa a comer carne porque aquela que ele consegue comprar nos mercados foi previamente consagrada às divindades pagãs. Paulo dedica três capítulos da primeira Epístola aos Coríntios a este problema (1Co 8-10).

 

Estas exortações, portanto, não podem ser motivadas por alguma informação que Paulo tivesse sobre alguma situação especial na igreja romana. Ao contrário, como todo o resto da seção ética, elas podem ser instruções gerais motivadas por problemas com que Paulo teve que lidar em outros lugares.

Knox destaca que em Corinto, onde o apóstolo estava na época em que escreveu a Epístola aos Romanos, ele tinha visto a unidade e a harmonia da igreja serem ameaçadas por duas forças: as diversidades de dons e as diferenças de opiniões religiosas. Ele nos lembra que Romanos 12.3-8 corresponde a 1 Coríntios 12 e 14, onde Paulo lidou com o primeiro destes problemas, ao passo que Romanos 12.9-21 pode ser comparado a 1 Coríntios 13. Além disso, esta seção traz uma notável semelhança com 1 Coríntios 8-10.

 

Assim, descobrimos que duas das maiores fontes da desordem em Corinto são consideradas na discussão ex­ pressa na Epístola aos Romanos, e são consideradas em relação a uma discussão do amor que traz muitas semelhanças com o tratamento daquele mesmo tema, naquela mesma conexão, na carta aos Coríntios. Knox opina que a inferência que devemos extrair é a de que Paulo trata destes temas na Epístola aos Romanos por causa das dificuldades que ele teve em Corinto, e não por causa de algum conhecimento específico que ele possa ter tido sobre a igreja em Roma.

 

Esta inferência encontra apoio adicional no fato de que o tratamento destes temas é mais geral na Epístola aos Romanos do que nas Epístolas aos Coríntios. Em 1 Coríntios fica claro que o assunto em relação aos dons espirituais é específico sobre o falar em línguas, ao passo que o texto em Romanos 12.3-8 apresenta uma discussão mais generalizada sobre os dons. E com respeito aos fracos, embora na primeira carta aos Coríntios a preocupação de Paulo seja basicamente com aqueles que têm escrúpulos em comer a carne oferecida aos ídolos, à referência na Epístola aos Romanos, como já vimos, é mais geral e difusa.

 

1. O forte e o fraco (14.1-12)

 

Paulo começa com uma ordem abrupta: Quanto ao que está enfermo na fé (ton de asthenounta te piste), recebei-o (1). “Aquele que é fraco na fé, é aquele que não entende que a salvação é pela fé do princípio até o fim, e que aquela fé é garanti­ da pela sua própria perfeição e intensidade, não por tímidos escrúpulos de consciência”.

Apesar disso, os romanos deveriam receber (proslambanesthe) este crente temeroso em uma completa comunhão cristã. O verbo é freqüentemente usado a res­ peito da graciosa aceitação dos homens por parte de Deus: se Deus recebe este homem hesitante, nós devemos fazer o mesmo.

Godet destaca que o emprego que Paulo faz da partícula asthenounta, em lugar do adjetivo que significa fraco (asthene) indica alguém que é momentaneamente fraco, mas que pode tornar-se forte. Dentro da igreja ele pode chegar a uma compreensão mais adequada do evangelho, e assim passar a desfrutar a “completa certeza da fé” (cf. Hb 10.19-23).

 

O irmão enfermo deve ser recebido, mas não em contendas sobre dúvidas (me eis diakriseisdialogismon). A frase em grego quer dizer “não fazer julgamentos sobre os seus pensamentos”. Ele não pode ser interpelado sobre as suas opiniões; as discussões só iriam fixar mais essas opiniões na mente desta pessoa. Ele deve crescer e ultrapassar as suas idéias limitadas, e, enquanto isto, não deve ser criticado nem censurado, mas sim amado (cf. 1 Ts 5.14).

 

O apóstolo prossegue descrevendo as duas classes às quais ele está se referindo. Um crê (pisteuei, tem fé) que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes (2; lachanaesthiei, “come somente legumes”, RSV). Sanday e Headlam entendem que Paulo está escrevendo de maneira geral. “Por um lado, ele toma o homem de fé espiritualmente forte, que compreendeu o pleno significado do cristianismo, e, por outro, aquele que é, como seria normalmente admitido, excessivamente escrupuloso, e, portan­ to, adequado como um exemplo de qualquer tipo de escrúpulos que possa existir em relação à comida”.

 

Então Paulo atribui palavras adequadas a cada grupo. O que come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu (3). O homem que tem conhecimento é propenso a desprezar o seu irmão escrupuloso, ao passo que a tentação do homem excessivamente consciente é a de julgar o homem que não acompanha os seus escrúpulos. Paulo recorda, a este último homem, que Deus recebeu o seu irmão. Por meio de Cristo, Deus Pai o admitiu à sua graça sem lhe impor regras minuciosas e exatas. O irmão, portanto, não deve ser criticado nem censurado por práticas negligentes que Deus não exigiu.

 

A força da censura que se segue mostra que Paulo, com todo o seu amor e a sua consideração pelos fracos, estava alerta para a sempre presente tendência que a pessoa muito consciente tem de passar dos escrúpulos a respeito da sua própria conduta ao farisaísmo sem amor em relação à conduta dos demais. Quem és tu que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai (4). “Quem é você para constituir-se como um juiz ou senhor de um irmão?

Você não sabe que ele responde a Deus, e não a você?” (Cf. 1 Co 4.3-5). Mas ele estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar (cf. Fp 1.6). “Não tenha uma visão tão sombria sobre as chances de salvação do seu irmão. A graça de Deus é suficiente para firmá-lo”. Paulo está ciente dos perigos da sofisticação espiritual (veja 1Co 8.1-3; 10.12), mas “ele está confiante de que a liberdade cristã, por meio da graça e do poder de Cristo, experimentará um sucesso moral triunfante”,

 

O apóstolo agora passa para outro problema essencialmente da mesma natureza - a observância religiosa dos dias. Um faz diferença entre dia e dia (5). Este é um homem que insiste em guardar o sábado judeu, ou talvez os dias de banquete e jejum do judaísmo. Na Epístola aos Gálatas, Paulo expressou preocupação por estes convertidos que tinham caído em tal legalismo: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós que haja eu trabalhado em vão para convosco” (4.10-11).

 

Como os gálatas tinham começado na liberdade da plena fé cristã (1.6; 3.1-3), Paulo considerava o erro deles uma queda da graça (5.4). Nesta carta aos romanos, ele simplesmente considera os princípios em que se baseiam tais práticas.

 

No entanto, aqui há outro homem que julga iguais todos os dias. Isto não quer dizer que outro trate cada dia como secular, mas pode querer dizer que ele considera todos os dias como sendo sagrados, como dedicados ao serviço a Deus. Na Epístola aos Hebreus, lemos: “Resta ainda um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no seu repouso, ele próprio repousou de suas obras, como Deus das suas. Procure­ mos, pois, entrar naquele repouso” (4.8-11). Para o cristão que entrar “naquele repouso”, todos os dias serão um sábado para Deus. Esta certamente era a atitude de Paulo.

 

Que solução o apóstolo propõe? Simplesmente esta: Cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo. Ou seja, que cada um decida com base no seu relacionamento pessoal com o Senhor. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz.O que come para o Senhor come, porque dá graças a Deus (6). O homem escrupuloso que observa o sábado judeu (e/ou qualquer outro dia de banquete ou de jejum no calendário judaico) o faz porque acredita que é isto o que o Senhor exige; aquele que não observa estes dias, não os considera porque ele está convencido de que a morte de Cristo na Cruz cancelou “a lei dos mandamentos contida nos costumes”, incluindo a observância do sábado mosaico (Ef 2.11-22; Cl 2.13-17).

Mas tais assuntos ainda são escrúpulos da consciência privada, e cada cristão deve decidir por si mesmo qual é a vontade de Deus para a sua vida em tais assuntos. Por isso, O que come para oSenhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come para o Senhor não come e dá graças a Deus.

 

Paulo continua detalhando esta verdade da responsabilidade do crente para com o Senhor: Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, ou vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi para isto que morreu Cristo e tomou a viver; para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos (7-9). Com base no contexto, é evidente que, quando o apóstolo diz nenhum de nós vive para si, ele não quer dizer (como freqüentemente se supõe) que as nossas ações afetam os nossos companheiros; Ele quer dizer que nós vivemos em relação a Cristo.

Tanto a nossa vida quanto a nossa morte são para o Senhor - nada na vida nem na morte nos pode separar dele (cf. 8.35-39), pois pela sua morte e ressurreição Ele se tornou Senhor tanto dos mortos como dos vivos.

 

Agora Paulo aplica o argumento especificamente às questões que ele está discutindo. Mas tu, por que julgas teu irmão? Ou tu, também, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo (10; cf. 2 Co 5.10). Somos responsáveis perante Cristo: vamos comparecer diante dele; portanto não existe lugar para julgamentos sem caridade ou uma exclusividade de justiça própria entre os cristãos. O apóstolo apóia esta advertência sobre o caráter universal do julgamento de Deus ao citar Isaías 45.23.

 

Porque está escrito: Pela minha vida, diz o Senhor, todo joelho se dobrará diante de mim, e toda língua confessará a Deus (11). Portanto, concluímos que é a Deus, e não aos homens, que cada um de nós deve prestar contas. De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus (12). Observe com que facilidade Paulo passa de Senhor a Deus. O Pai e o Filho estavam tão unidos na sua mente que eles são freqüentemente intercambiados. “Deus, ou Cristo, ou Deus através de Cristo, irá julgar o mundo. A nossa vida está em Deus, ou em Cristo, ou com Cristo em Deus. A união do homem com Deus depende da união íntima entre o Pai e o Filho”.


2. Caminhando em Amor (14.13-23)

 

A idéia do parágrafo anterior é retomada e resumida: Assim que não nos julgue­ mos mais uns aos outros (13). Nem o forte nem o fraco estão em posição de adotar uma atitude superior, de juiz. Todos os sentimentos de crítica e de censura devem ser extirpa­ dos. Então Paulo enfatiza ainda mais, usando a palavra julgar em um jogo de palavras: antes, seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo (skandalon) ao irmão. Sanday e Headlam pensam que Paulo derivou a palavra skandalon e toda a idéia contida nesta frase das palavras do nosso Senhor registradas em Mateus 18.6-7 (cf. 1 Co 8.9-13).

 

E evidente que o apóstolo agora se dirige ao forte. Falando como um homem de conhecimento, ele diz: Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda (14). Isto pode querer dizer que Paulo conhecia o ensino de Jesus sobre o assunto (veja Mc 7.14-23). Uma comparação cuidadosa dos ensinos éticos nas suas Epístolas revela que o apóstolo estava intimamente familiarizado com os preceitos do nosso Senhor. A expressão no Senhor Jesus (enkyrio lesou), entretanto, pode significar “no Senhor Jesus” (NASB, RSV) no sentido de “como um cristão” (NEB). A afirmação de que nenhuma coisa é de si mesma imunda não deve ser arrancada do seu contexto aqui; Paulo está falando da comida (cf. At 10.13-15).

 

Mas ainda é possível encontrar muitas pessoas que considerem imunda alguma espécie de comida; se ela fosse comer isso, se sentiria suja, não porque a comida propriamente dita seja imunda, ou ofensiva a Deus, mas porque o seu ato é uma ofensa contra a sua consciência (cf. v. 23). Para esta pessoa, é imunda; por comer com dúvidas, ela não pode dar graças a Deus (v. 6).

 

Tendo em mente este último ponto, entendemos a afirmação seguinte de Paulo. Mas (gar, pois), se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor (15). Como pode este irmão estar triste? Por um lado, a sua consciência excessivamente sensível irá se ferir ao ver que você faz o que ele (embora errado) considera pecaminoso. Mas o verdadeiro dano acontece quando ele é incentivado pelo seu exemplo a fazer o que ele acredita que Deus o proíbe de fazer. Aquele que come com um peso na consciência é um indeciso que está condenado pelas suas dúvidas.

Portanto, Paulo adverte: Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu. “E, pela tua ciência, perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu. Ora, pecando assim contra os irmãos e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo” (1Co 8.11-12). Entristecer ou ofender um irmão, portanto, irá fazer com que ele caia no pecado e talvez venha a perecer sem Cristo.

 

Os versículos 1-15 mostram “a atitude do cristão em relação ao seu irmão”.

 

A verdade do versículo 15 é expressa de maneira mais geral no versículo seguinte:Não seja, pois, blasfemado o vosso bem (16). A expressão o vosso bem (hymontonagathon) é relativamente indefinida, mas em vista do contexto só pode querer dizer “a sua liberdade cristã”, “a liberdade de consciência que foi conquistada por Cristo, mas que irá inevitavelmente ganhar um mau nome se for exercida de uma maneira consideravelmente sem amor”.

 

Insistir na nossa liberdade sem considerar os escrúpulos de consciência dos demais não somente é falhar no amor cristão, mas também interpretar erroneamente a natureza da experiência cristã. Porque o Reino de Deus não é comida nem bebi­ da (brosiskaiposis, NASB), mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo (17). “A fé não é a ‘fé para comer todas as coisas’ (v. 2); o privilégio cristão não é o privilégio de ser capaz de comer e beber o que se gosta”. Em vez disso, a fé é aquela relação com Deus que traz “o fruto do Espírito” (cf. G1 5.22-23).
 

De maneira geral, nas cartas de Paulo a justiça e a paz descrevem uma relação objetiva com Deus, mas aqui a alegria certamente é subjetiva e provavelmente determina o sentido das outras duas palavras. Justiça, portanto, é uma ação justa, e paz é um estado de mente tranqüilo que nasce de uma relação de paz com Deus.

 

No Espírito Santo os crentes antecipam as bênçãos do futuro reino de Deus (cf. 8.11,23). Para Paulo, o reino de Deus (diferente do atual reino de Cristo) é a herança futura do povo de Deus (cf. 1 Co 6.9-10; 15.50; Gl 5.21; Ef 5.5; 1Ts 2.12; 2 Ts 1.5); mas no Espírito Santo as suas bênçãos podem ser desfrutadas aqui e agora.83 É esta alegria no Espírito Santo que deveríamos procurar, e não os prazeres de comer e beber.

O versículo 17 nos mostra “O Significado da Verdadeira Religião”. Não é um assunto externo - não é comida nem bebida, mas é 1) Justiça, interior e exterior; 2) paz, “com Deus” e “de Deus”; 3) alegria, “o eco da vida de Deus dentro de nós” (Ralph Earle).

 

A próxima sentença vem imediatamente. Porque quem nisto (entouto, nisto; “no princípio implicado por estas virtudes”) serve a Cristo agradável é a Deus e aceito aos homens (18). Ou seja, o homem é agradável a Deus se servir a Cristo sendo justo, conciliatório e caridoso em relação aos demais, não insistindo de forma egoísta na sua liberdade cristã (cf. 1 Co 9.1-23). Este homem diz, juntamente com Paulo: “Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos” (1Co 9.19).

 

Sigamos, pois, as coisas que servem para a paz e para a edificação de uns para com os outros (19). “A regra prática implicada aqui é a de que, quando alguma coisa é moralmente indiferente para mim, antes de agir com esta convicção, eu devo perguntar como tal ação irá afetar a paz da igreja e o crescimento cristão dos demais”.

 

Isto determina o sentido da sentença seguinte. Não destruas por causa da comida a obra de Deus (20), isto é, não o indivíduo cristão (como no versículo 15), mas a igreja como o templo de Deus (cf. 1 Co 3.15-16).

 

Agora Paulo retorna a um ponto no seu argumento: E verdade que tudo é limpo, mas mal vai para o homem que come com escândalo (cf. v. 14). As duas afirmações são verdadeiras, mas o apóstolo, de repente, passa a dar um conselho específico ao forte: Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece (21). O significado é: “Eu preferiria viver como um essênio a fazer alguma coisa que ofendesse o meu irmão”. Isto é disciplinar a minha vida por meio do ágape cristão.

 

Tens tu fé? (no sentido dos versículos 1-6) Tem-na em ti mesmo diante de Deus (22). “A verdadeira fé é uma relação invisível entre o homem e Deus, uma confiança tão completa em Deus, que o homem que a tem sabe que nenhum escrúpulo religioso pode alterar a confiança do seu relacionamento com Deus”. Mas no momento em que tal fé começa a desfilar como uma exibição egoísta de liberdade, ela deixa de ser fé.

O apóstolo claramente sanciona a posição do irmão forte, como ele já fez com muito tato neste capítulo. “Mas é o homem que está certo da sua liberdade nestas coisas em Cristo, assim como é o homem que tem uma riqueza real ou um aprendizado real, que não faz uma exibição ofensiva”. Isto leva à próxima afirmação: Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Um homem pode “permitir-se” uma indulgência que a sua própria consciência poderá vir a condenar posteriormente. Por esta razão, o crente “forte” deve “tomar cuidado para não cair” (1Co 10.12; cf. G1 6.1).

 

Mas (de) aquele que tem dúvidas, se come, está condenado (katakekritai), porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado (23). A condenação que vem para o cristão que age contra os seus escrúpulos não é puramente subjetiva: “Não se trata apenas da sua própria consciência se pronunciar claramente contra ele depois do ato, mas que tal ato leva à condenação de Deus... tudo o que um cristão faz que não pode justificá-lo com base no seu relacionamento com Cristo é pecado... tudo o que um homem não pode fazer, lembrando-se de que pertence a Cristo - tudo o que ele não pode fazer com o tribunal (v. 10), a Cruz (v. 15), e todos os limites e as inspirações presentes na sua mente - é pecado”.

 

À luz da posição de Paulo (que o identifica com o irmão mais forte, veja 15.1) não devemos concluir que um cristão deva sempre estar escravizado a tais escrúpulos, como temos considerado. A consciência cristã deve se “tornar verdadeira” através da mente de Cristo. Estudar os Evangelhos é se dar conta do fato de que para Jesus os maiores assuntos da fé e da vida estão na posição oposta de assuntos como tabus de dieta (Mc 7.18-23) ou até mesmo a observância meticulosa do sábado (Mt 12.1-13). Para o nosso Senhor, os “principais temas da lei” têm a ver com o que Deus exige quanto à “justiça, misericórdia e fé” (Mt 23.23).

 

O crente que é “enfermo na fé” deve compreender que a sua salvação é completamente pela graça, por meio da fé (como Paulo argumentou por toda esta Epístola). Portanto, ela não depende de uma observância escrupulosa de todos os detalhes da lei. “A exigência justa da lei” é que um homem expresse em todos os seus relacionamentos pessoais e sociais o espírito do ágape cristão (cf. 13.8-11). A palavra que este homem deve ouvir é a do profeta Miquéias: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8) Mas até que estas palavras estejam claramente entendidas, ele deve ser fiel à luz limitada que recebeu.

 

3. Seguindo o Exemplo de Cristo (15.1-13)

 

O capítulo 14 é, de certa maneira, completo em si mesmo, e podemos entender que, se algumas cópias da Epístola foram enviadas como uma circular a diferentes igrejas, algumas devem ter terminado em 14.23, onde a Doxologia (16.25-27) pode ter sido anexada, como em muitos manuscritos. Mas este é inquestionavelmente o mesmo assunto abordado nesta seção. Ainda é com o tema das relações entre o forte e o fraco que Paulo está preocupado, mas agora ele faz um novo apelo pela unidade, com base no exemplo de Cristo. O forte deve agir com o Espírito de Cristo (vs. 1-6), e no seu Espírito o forte e o fraco devem receber um ao outro (vs. 7-12). Então ele pronuncia a primeira de diversas bênçãos (v. 13).

 

a) O exemplo de Cristo para o forte (15.1-6). Agora Paulo se identifica com o forte: Mas nós que somos fortes devemos suportar as fraquezas (taasthenemata) dos fracos e não agradar a nós mesmos (1). Os escrúpulos do fraco são um peso que o forte deve suportar. Esta admoestação é necessária, porque é fácil agradar a si mesmo abrigando-se sob a aparência do princípio cristão. Se o fraco é deficiente em conheci­ mento, o forte tem a tendência de ter pouco amor. Paulo achou necessário avisar os que tinham conhecimento em Corinto: “A ciência’ incha, mas o amor edifica” (1Co 8.1). É por este amor que edifica que Paulo apela (cf. G1 6.2). Cada um de nós agrade ao seu próximo (2). Comer e beber pode agradar o paladar, mas o cristão deve procurar agra­ dar o seu próximo. Mas o próximo pode ser agradado na sua dor, então Paulo acrescenta que ele deve ser agradado no que é bom para edificação. Dar a ele um prazer que não o edifica, é algo que não é para o seu bem (cf. 14.16,19).

 

“Se parecesse difícil e triste para algum romano forte viver limitado em benefício do mais fraco, o consolo e a dignidade de uma vida assim seriam saber que Cristo a viveu” 92 - Porque também Cristo não agradou a si mesmo (3). O verbo usado por Paulo resume a vida e o caráter de Cristo: a sua própria existência consistiu em dar-se a si mesmo pelos outros (cf. Fp 2.5-8). Mas em lugar de apelar para a vida de Cristo como um apoio para a sua afirmação, o apóstolo cita uma profecia: mas, como está escrito: Sobre mim caíram as injúrias dos que te injuriavam (SI 69.9). Este salmo é citado por todo o Novo Testamento como tendo alguma referência a Cristo, e o descreve como estando tão identificado com a causa de Deus que suporta na sua própria pessoa os ataques dos inimigos de Deus. As injúrias caíram sobre Cristo porque Ele não agradou a si mesmo, mas viveu para agradar a Deus na obra da redenção.

Se o objetivo da sua vida tivesse sido agradar a si mesmo, Ele teria escapado à vergonha e à censura que o atingiram; mas vivendo como Ele viveu, para agradar a Deus, para servir à sua vontade para a salvação dos homens, estas injúrias vieram, e passaram a ser propriedade de Deus.

 

Paulo justifica este uso das Escrituras com o princípio: Porque tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança (4). Este versículo único, escolhido do Antigo Testamento, leva Paulo a dizer que todas as partes das mesmas Escrituras foram escritas com o mesmo propósito - o nosso ensino (cf. 2 Tm 3.16). No Antigo Testamento abundam exemplos de uma vida de autonegação, para trazer glória a Deus; assim, ele estimula a nossa paciência e nos dá consolação ou coragem. O registro destes exemplos se torna uma prova de que, assim como Deus lidou com os seus servos naquela ocasião, da mesma maneira Ele irá lidar conosco agora. E por meio dessa paciência e consolação, derivadas do Antigo Testamento, que nasce a esperança (cf. 5:3-4).

 

Depois da digressão do versículo anterior, Paulo retorna ao seu tema e resume o seu apelo com uma oração pela unidade da igreja romana: Ora, o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus, para que concordes, a uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo (5-6). Deus é a fonte da paciência e consolação que nos são oferecidas nas Escrituras. Estas graças são dádivas de Deus, mas são distribuídas por Ele por meio da Palavra escrita. E por meio destas duas qualidades cristãs, também, que Deus fará com que tenham o mesmo sentimento uns para com os outros. Mais uma vez vem à mente a admoestação de Paulo aos Filipenses: “Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus” (Fp 2.5). Isto não quer dizer que eles chegarão a um entendimento comum sobre as questões da comida vegetariana, da observância do sábado e de outros assuntos desse tipo. No entanto, eles chegarão à unanimidade do Espírito, para que concordes, a uma boca, possam glorificar a Deus. Esta é uma autêntica unidade cristã, “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.3; cf. Jo 17.21-23,26).

 

b) O exemplo de Cristo para todos (15.7-13). Agora Paulo faz um apelo a toda à igreja: Portanto, recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu para glória de Deus (7). O verbo receber nos traz de volta à sentença principal desta seção, em 14.1. Knox parafraseia a intenção geral dos versículos 7-12 da seguinte forma:

“Assim como Cristo veio sob a lei para que pudesse cumprir o propósito da salvação de Deus, tanto para os judeus quanto para os gentios, algo que já ficou estabelecido nos capítulos 9-11, vocês, gentios, deveriam estar ansiosos para apoiar alguns dos seus irmãos menos amadurecidos e menos completamente emancipados”. Como Cristo recebeu os dois grupos, eles devem receber uns aos outros.

 

Os versículos 1-7 nos mostram “A Atitude do Cristão em Relação ao seu Irmão Mais Fraco”. 1) Uma abordagem altruísta; 2) Uma compreensão altruísta, 5-6; 3) Uma unida­ de altruísta, 7 (Ralph Earle).

 

A aceitação graciosa que Cristo deu aos homens leva a dois resultados diferentes:Digo, pois, que Jesus Cristo foi ministro da circuncisão, por causa da verdade de Deus, para que confirmasse as promessas feitas aos pais; e para que os gentios glorifiquem a Deus pela sua misericórdia (8-9). A recepção dos judeus por parte de Deus os levou a glorificar ao Senhor pela sua verdade, ou seja, pela fidelidade às promessas feitas aos pais. A recepção dos gentios por parte de Deus levou à glorificação de Deus pela sua misericórdia, pois mesmo sem ter-lhes prometido nada, diretamente, Ele lhes deu tudo, assim como aos judeus. “E é por isto que com a voz que se levanta do povo de Israel para celebrar a fidelidade de Deus, deveria estar unida a palavra dos gentios louvando a sua graça”. Godet prossegue e observa que o Evangelho de Mateus mostra o que chocava os judeus com referência à vinda de Cristo, ou seja, o cumprimento da profecia do Antigo Testamento. Por outro lado, o Evangelho de Lucas revela que o coração do gentio se comove com a visão da misericórdia de Deus em Cristo.

 

Para cumprir o seu duplo objetivo, Paulo declara que Cristo foi feito um ministro da circuncisão. Isto pode querer significar somente o que ele diz na sua carta aos Gálatas: “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos” (4.4-5). O Filho de Deus se submeteu às enfadonhas limitações da lei mosaica para colocar em prática o esquema da salvação. Assim, Ele fornece um exemplo para todos os cristãos fortes (cf. v. 3). Se Jesus Cristo se submeteu às pesadas restrições que lhe foram impostas pela interpretação farisaica do Antigo Testamento, para possibilitar o plano da salvação tanto para os judeus quanto para os gentios, os gentios deveriam estar desejosos de suportar os escrúpulos dos seus irmãos menos esclarecidos.

 

A inclusão dos gentios não deve ser considerada acidental; ela estava prevista nas Escrituras. Como está escrito: Portanto, eu te louvarei entre os gentios e canta­ rei ao teu nome (9; Sl 18.49). O ponto principal desta citação, como daquelas que se seguem nos versículos 10-12, está na referência aos gentios e, em segundo lugar, na oferta de louvor pela fidelidade e misericórdia de Deus. E outra vez diz: Alegrai-vos, gentios, com o seu povo (10; Dt 32.43). E outra vez: Louvai ao Senhor, todos os gentios, e celebrai-o todos os povos (11; SI 117.1). E outra vez diz Isaías: Uma raiz em Jessé haverá, e, naquele que se levantar para reger os gentios, os gentios esperarão (elpiousin, esperança; Is 11.10).

 

A abordagem sobre as relações entre o forte e o fraco na igreja romana é concluída com uma breve bênção sobre os leitores. Ora, o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pela virtude do Espírito Santo (13). Deus é descrito como o Deus de esperança, evidentemente por causa das últimas palavras da citação anterior: “os gentios esperarão”.

 

Quanto mais rica a posse das bênçãos (gozo e paz) o crente obtiver da sua crença, mais a sua alma alcançará uma compreensão das bênçãos futuras, e, de acordo com a expressão de Paulo aqui, “abundar em esperança”. As últimas palavras, a virtude do Espírito Santo, uma vez mais levam o leitor de volta (como em 14.17) ao verdadeiro poder que ele deve procurar, em contraste com a falsa expressão de poder pelo qual alguém demonstra a sua liberdade de forma egoísta. Quando a nossa liberdade está sob a virtude do Espírito Santo, dizemos com o apóstolo o que ele disse a respeito de si mesmo: “Sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos, para ganhar ainda mais. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns. E eu faço isso por causa do evangelho” (1Co 9.19, 22-23).


Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Comentário Bíblico Volume 08 -Romanos e 1 e 2 Corintios

 

 

A TOLERÂNCIA CRISTÃ


A TOLERÂNCIA CRISTÃ

TEXTO ÁUREO = “Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espirito Santo.” ( Rom 14.17 ).

VERDADE PRÁTICA = Os crentes mais maduros não devem agir egoisticamente, mas precisam atuar como modelo para os fracos.

LEITURA BIBLICA = Romanos 14.1-6

INTRODUÇÃO

Exortação especial de aceitação mútua no conflito na igreja

 

Sem mais, teria sido possível inserir uma ou duas frases sobre a aceitação mútua nas exortações havidas até aqui, como em Rm 12.9-16. Mas Paulo encerrou formalmente a parácleseem Rm 13.11-14, abrindo agora separadamente um trecho detalhado sobre este tema (36 versículos!). Faz isso consistentemente na forma da interpelação direta. A razão desse bloco especial terá de ser procurada numa dificuldade premente da igreja de Roma. Em vista da boa “infra-estrutura” do primeiro cristianismo (qi2c), Paulo não desconhecia que nas igrejas domiciliares de Roma havia dois grupos em disputa, os “fortes” (expressão que ocorre só em Rm 15.1) e os “débeis/fracos” (Rm 14.1,2; 15.1, recorrente em 1Co 8,9).

 

O objeto do conflito em Roma.Do trecho pode-se depreender três preocupações religiosas dos “fracos”: todo consumo de carne deve ser evitado (Rm 14.2), há determinadas datas para serem observadas (Rm 14.5) e deve-se renunciar ao consumo de vinho (Rm 14.17,21). A forma sintética com que Paulo trata desses três pontos depõe a favor do fato de que era o mesmo grupo que se preocupava com isto. Nele, a predileção por dias e a renúncia ao vinho ficam visivelmente ao fundo, enquanto a questão da alimentação permanece em primeiro plano.

 

A Antigüidade conhecia diversas colorações de tendências religiosas que cultivavam o ideal da frugalidade e do vegetarianismo, tanto entre gentios quanto entre judeus. Os exegetas, porém, estão amplamente de acordo que nesse grupo de Roma deve-se pressupor pelo menos uma influência judaísta. Depõe a favor dessa tese que Paulo, ao contrário da passagem muito similar de 1Co 8, não está mencionando o culto gentílico a ídolos com nenhuma sílaba sequer. Em lugar disso, ele usa o posicionamento de Jesus diante da prática judaica de pureza para argumentar em Rm 14.14, fazendo o trecho todo desembocar, a partir de Rm 15.7, no tema “judeus e gentios”. Portanto, os grupos em Roma seguramente dividiam-se entre judeus e gentios.

 

Atualidade.Para igreja de hoje, o cardápio dificilmente será assunto para a doutrina da fé. Nossos focos de tensão estão em outras áreas. Hoje o conflito gira em torno de questões de ética sexual, do divórcio, do trato da política e cultura, da posição frente ao iluminismo moderno e suas conseqüências para a compreensão da Escritura, dos serviços da mulher, da organização do culto, das formas de vida carismática, da prática evangélica etc. Se apesar disso nos tornamos leitores cheios de expectativa dos textos de Paulo, é por causa do extraordinário esmero com que ele aborda as questões prementes de então. Esse jeito é paradigmático para todos os tempos.

 

Em caso de conflito, não violar o senhorio de Cristo na igreja!, 14.1-12

 

Nesses primeiros doze versículos Paulo já consegue romper aspectos superficiais e circunstanciais e destacar com profundidade surpreendente aspectos fundamentais. No fundo tudo o que é essencial já está sendo dito. Sua solução é: como cada um dos oponentes se encontra no vínculo de fé com Cristo, todos são abarcados pelo seu senhorio (nove vezes “Senhor” nos doze versículos!). Não aceitar-se um ao outro significaria atacar o direito de soberania de Cristo.

 

A primeira linha constitui o título do bloco todo. Em interpelação direta aos que são fortes na fé, afirma-se: Acolhei ao que é débil (“fraco” [NVI, VFL, BLH, BV]) na fé. Jamais os citados teriam visto a si próprios como fracos. Contudo, Paulo sustenta essa designação. A palavra grega para “ser fraco” pode expressar falta de força dos mais variados tipos. Como no NT também é usado cerca de quarenta vezes para fisicamente doentes, é viável pensarmos aqui metaforicamente numa fé “enferma”. Uma infecção a atingiu. Por isso está debilitada, sua verdadeira essência não se pôde realizar.

 

No entanto, diante desses fiéis vigora o princípio: aceitar! Na verdade a igreja poderia livrar-se rapidamente de muitas tensões se ela se livrasse de determinados irmãos, mas o que Deus uniu, não cabe ao ser humano separar.

A possível tradução “admitir” poderia levar a pensar numa admissão legal na igreja. Contudo, este seria um entendimento demasiado estreito. Aqui está em jogo a concretização da comunhão como uma tarefa que nunca acaba (Rm 13.8), que não pode ser executada com um gesto único.

 

Esse “acolhei!”, diferente de Rm 15.7, é complementado por uma repulsa pronunciada de modo excitado: não, porém, permitam que se chegue a discutir opiniões! Uma frase fragmentada como essa deixa os exegetas em apuros e leva a diversas paráfrases. O primeiro dos dois termos-chave pertence a um grupo semântico que perpassa todo o capítulo e que parte do conceito básico: proferir uma sentença.

Paulo solicita decididamente aos fortes: desistam de apreciações sobre aquelas opiniões adoentadas e questionáveis dos fracos, i. é, não busquem realizar negociações públicas com esse intuito! Uma parte dos tradutores (p. ex., Lutero) circunscreve a frase de advertência com: “Não briguem…!” Porém, isso não atinge a intenção da frase.

 

O apóstolo não está combatendo a excrescência, não apenas as cenas desagradáveis, mas já o ponto de partida. Com preocupação ele olha para a situação da igreja. Os blocos cristãos judaico e gentílico estão a ponto de se afastar um do outro (cf já em Rm 11.17-20). Está em perigo a comunhão elementar. Nessa prova de coesão, infindáveis debates objetivos seriam um equívoco.

 

Asperamente Paulo os repele. O irmão não deve ser aceito apenas com base numa harmonização das teologias, não só depois de aceitar um determinado bloco de valores e verdades, depois de aprovado num curso bíblico, depois que sua fé convalesceu e se fortaleceu, mas “pois Deus o aceitou” (v. 3 [BLH]) e “como também Cristo nos acolheu” (Rm 15.7). Isso, porém, aconteceu, conforme Rm 5.6, sobre o seguinte fundamento: “quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios” (NVI) (“Cristo morreu por nós” [VFL]).

 

Nossa condição de cristãos deve-se ao fato de que esse amor é verdadeiro, derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm 5.5). Nessa verdade, pois, reside também a base de nossa comunhão. Nos versículos seguintes o objetivo de Paulo é que essa base, o Cristo, permaneça uma realidade eficaz e vigorosa e não se dissipe para uma retórica desbotada.

 

Fiel à própria exortação do v. 1b, Paulo agora não aborda as “opiniões”, mas apenas caracteriza as respectivas práticas. Um crê que de tudo pode comer, mas o débil (o fraco) come (apenas) legumes. Vindo do v. 1, não se poderá reduzir o “crer”, nessas duas ocorrências, a mero “achar”. A configuração do cardápio realmente está sendo afixada num ponto elevado. Em todo o bloco está em jogo a vivência da fé na salvação.

 

Começamos a perceber: o que ameaçava trazer separação às igrejas domiciliares daquele tempo em Roma não fica devendo em nada ao perigo que trazem as diferenças de opinião de hoje. Calava fundo se a comunhão de mesa era concedida ou negada. Quando alguém saía de uma mesa e se assentava numa mesa à parte com menu próprio, os que ficaram assentados na refeição anterior poderiam sentir: para que ainda somos uma igreja, se sequer podemos comer juntos!

 

Segue-se uma instrução apostólica de duas partes, que é retomada mais uma vez nessa forma no v. 10.

Primeiramente ao “forte”, que de boa consciência se dá o direito de comer carne: quem come (também carne) não despreze o que não come. O que está em vantagem, como os fortes de Roma evidentemente estavam, geralmente se preocupa pouco com seu adversário. Passa correndo por ele com um olhar de desdém. Contudo os v. 10,13,15,21 mostrarão essa pessoa como “irmão” precioso.

 

De modo diferente, o apóstolo considera aquele que não consegue admitir a liberação de consumo de carne: e o que não come (carne) não julgue o que come. Quem experimenta desprezo, precisa tanto mais da auto-estima e a encontra. No presente caso, talvez a encontre assim: como cristão sou mais sério, mais fiel à Escritura, mais consciencioso, mais obediente que eles! Condena, pois, o irmão que segundo sua opinião está entregue ao mundo. Porém essa pessoa é lembrada da palavra poderosa de Deus: Deus o acolheu!

 

Aquele que já se fez de juiz sobre seu irmão, subitamente se encontra diante de Deus e do seu próprio comportamento inadmissível. Quem és tu que julgas o servo alheio? O proprietário de escravos, em vista do contato pessoal, tinha um relacionamento mais próximo com o servo da casa que com os servos da lavoura. No sentido figurado: quando condenas teu irmão, estás interferindo num relacionamento especial, do qual não fazes parte. Negas o direito senhorial de Cristo e posas pessoalmente como senhor. Ousas fazer incursões que passam decididamente dos limites, porque desrespeitam o Senhor. Nesse ponto Paulo também manifesta sua confiança em favor do irmão. Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster (no acerto de contas final). Apesar de tudo que nele é questionável, ele se encontra em boas mãos, experimenta poderes reguladores e com certeza será aperfeiçoado um dia com todos os fiéis. A realidade da culpa não deixa de ser vista, mas também é visto o poder da graça.

 

Em seguida encontramos uma das mais belas descrições da realidade da igreja. Um faz diferença entre dia e (outro) dia; outro julga iguais todos os dias. Surge, apenas à margem, um segundo ponto de controvérsia. A frase seguinte estende sua proteção sobretudo sobre os fracos: Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente. Sem concordar com eles na questão (v. 14,20), Paulo concede-lhes o direito terem convicções próprias, uma vez que não se trata de verdades últimas do evangelho.

Sim, Paulo considera uma injustiça precipitá-lo em dúvidas (v. 15,20,21). Unidade no Espírito é algo diferente que igualar todas as opiniões (v. 1). Quem distingue entre dia e dia para o (em submissão ao) Senhor o faz; e quem come (carne) para o (em submissão ao) Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o (em submissão ao) Senhor não come e dagraças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si.

Porque, se vivemos, para o (em submissão ao) Senhor vivemos; se morremos, para o (em submissão ao) Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos (propriedade) do Senhor. É maravilhosamente consoladora a maneira como o apóstolo é capaz de perceber nessa igreja polarizada a relação de todos os membros com o Senhor.

 

Oito vezes ele destaca nesses versículos: para o Senhor! O irmão, afinal, não vive nem morre para ti nem para mim. Também o fraco na fé permanece território soberano de Jesus, o qual abrange até os seus escrúpulos. Eles constituem uma conseqüência equivocada, mas digna de consideração séria, de sua submissão ao Senhor. Afinal, por meio deles já obteve experiências espirituais. Sobre o parco prato de vegetais, em si desnecessário, eleva-se sua oração de gratidão (cf o exposto sobre Rm 1.21), e o céu a escuta.

 

Não devem condensar-se num chavão as oito repetições do senhorio de Jesus. É por isso que jorra, agora, em forma de uma frase de confissão da primeira igreja cristã, o conteúdo pleno do evangelho. A frase exerce um papel semelhante a um comprovante da Escritura e deve ser abordada como ápice do trecho todo. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Esse atual senhorio de Cristo foi gerado pelo morrer de Jesus por todos e pela sua coroação com vida indestrutível para todos na manhã da Páscoa. Todos os que crêem estão abrigados no seu poder salvador e protetor.

 

 

A confissão da glória oculta da igreja deve ser entendida corretamente. Paulo não está enfeitando nada, ele não justifica tudo o que se formou na igreja como uma riqueza que deve ser bem-vinda. Igualmente deve valer aqui 1Co 10.23: “nem todas (as coisas) edificam”. Por isso as opiniões dos fracos seguramente eram difíceis de escutar para ele. As “debilidades dos fracos” eram um peso e simplesmente deviam ser “suportadas” (Rm 15.1). Contudo, ele preserva uma verdade: os fracos são fracos “na fé” (v. 1,2), e o que conta é esse vínculo de fé com o Senhor. Sempre que ele existe, a comunhão essencial por princípio é possível para Paulo. Naturalmente, a fé também tem de manifestar-se como tal. Com uma filiação nominal à igreja ou com sinceridade subjetiva não se chega a nada. A fé de natureza certa leva a sinais perceptíveis na vida.

 

A pessoa que crê é ouvinte da palavra, ora, agradece, testemunha, obedece, exerce o amor e participa na troca geral de dar e receber.

 

Depois da intercalação dos v. 4-9, Paulo pode esperar por concordância, motivo pelo qual tem condições de repetir as exortações do v. 3. Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Porém, fundamento motivador de nossa atitude não é somente a soberania atual de Cristo, mas também a futura: Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito (Is 49.18; 45.23): Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará (com reverência) louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus. De acordo com essas afirmações, o acerto final se dará perante Deus, mas seu executor em tudo é Cristo. Para comparar, veja a interpretação de Rm 2.16. Encontraremos Deus na face do Senhor Jesus Cristo. Foi a ele que Deus entregou não somente nosso passado e presente, mas também nosso futuro.

 

Cabe aos fortes corresponder à sua função protetora dos fracos, 14.13-23

 

Na igreja de Roma havia sido criado um tribunal invisível. Ameaçava-a uma atmosfera que tornava gélido o louvor conjunto e unânime a Deus nos termos de Rm 15.6,9,11. Por isso Paulo exigiu logo na primeira frase (Rm 14.1) que fosse suspensa toda essa maneira estranha ao ser igreja. Novamente não abre mão dessa reivindicação (v. 13a,b,15,16,20). Enquanto havia feito brilhar, para esse fim, o senhorio de Cristo, ele agora traz à presença especialmente o irmão resgatado por alto valor.

 

O posicionamento sobre o conflito de fortes e fracos em Rm foi nitidamente moldado conforme 1Co 8–10 (redigido no máximo um ano antes!). Apesar de todos os aspectos paralelos, porém, os dois trechos possuem pontos de partida diferentes. Em relação aos coríntios Paulo parte da liberdade da consciência e da sua legitimidade, mas em relação aos cristãos romanos ele inicia com aspectos mais elementares, a saber na fé em Cristo como o Senhor (cf o exposto sobre o v. 2). Leitores de hoje naturalmente se ligam de imediato ao termo moderno “liberdade”. Porém, para não obstruir a percepção dos pensamentos de Paulo no trecho de Rm, eles não deveriam trazer para cá aquele termo, tornando-o idéia condutora da exegese.

 

De forma um tanto incisiva Paulo solicita aos fortes que dirijam seu potencial crítico a um alvo completamente diferente: Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão. Na Bíblia, os conceitos “tropeço” e “escândalo” possuem um alcance terrivelmente profundo. Paulo não está pedindo, p. ex.: não irriteis vosso irmão, não provoqueis seu desgosto!, mas conforme o v. 15: não sejais para ele motivo de perdição (“destruição [NVI])! Também Lutero ainda conferia a “irritar” o sentido original: levar alguém ao mal, à ira, deixá-lo à mercê dessa força maléfica.

Cabe nesse contexto a censura de Jesus em Mt 23.15: primeiro vocês desenvolvem máximo empenho missionário, a fim de salvar uma única pessoa, depois, porém, vocês se arrogam o direito de tratar a pessoa salva de maneira a torná-la “filho do inferno”.

 

Para prevenir mal-entendidos, segue-se uma inclusão: não se abre mão de nenhuma verdade bíblica! Onde estiver muito baixo o nível de verdade aferido, ou onde ela é apresentada empacotada em tanto algodão macio que não se sente mais o seu cerne, as declarações de amor se tornam ocas. Por isso, nessa carta pública Paulo esboça sua posição perante os ouvidos dos “fracos” de forma inequívoca. Ele emprega diversas vezes a introdução Eu sei e estou persuadido, no Senhor Jesus, mas nas demais vezes sem o adendo “Jesus” usado aqui. Evidentemente, ao dizer: nenhuma coisa é de si mesma impura, ele está se reportando ao sentido de uma afirmação do Senhor quando esteve na terra. Há semelhança com Mc 7.19c: “Ao dizer isto, Jesus declarou „puros‟ todos os alimentos” (NVI).

 

A comida faz parte das coisas naturais obtidas da mão de Deus (1Co 10.26). Consumida com ação de graças (v. 6), ela é pura. Contudo, assim está também estabelecida a exceção: salvo para aquele que assim a considera (impura) e que por isso também não agradece, para esse é de fato impura. A expressão grega traduzida aqui por “considerar” proíbe que se encare os escrúpulos dos “fracos” de forma leviana.

 

É imenso o poder da tradição, da educação e do costume. Dn 1.8 e, de forma mais chocante, a história arrasadora de 2Macabeus 6.18-21 possibilitam uma percepção dessa atitude de espírito: melhor morrer que comer isso que foi proibido! De fato, Jesus havia dado a seus discípulos programa livre em relação aos alimentos. Mas entre nós seres humanos um programa ainda não significa prática sem mais nem menos. Não se exigia apenas ensinamento intelectual, também uma transformação da alma. At 10,11 evidenciam que até foram necessárias revelações adicionais “do céu” (At 10.11,16; 11.5,9). Mesmo no círculo mais íntimo dos discípulos, a fé no senhorio de Jesus se mesclou com descrença (Gl 2.13).

 

Sentimentos de medo impeliam de volta ao recinto protegido de antigas e poderosas tradições. Sendo, porém, o ser humano um ente integral, é possível que diante dos “fortes” lhe faltem os argumentos, que ele exteriormente até ceda, mas isso não quer dizer nem de longe que interiormente ele esteja concordando com eles.

 

Paulo confirma, portanto, a convicção dos “fortes”, mas não sua atitude, como mostra o trecho todo. Por isso ele volta a referir o v. 13, começando a fundamentar: Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece (“prejudicar a fé que seu irmão possui” [VFL]).

A causa desse sofrer é indicada de maneira muito genérica com “por causa de comida”. Por causa da comida dele ou da tua? Investiguemos inicialmente a primeira possibilidade. Pressionado autoritariamente pelos fortes na fé, um fraco deixou-se levar a consumir carne, mas com dúvidas. Imediatamente ele sente falta da alegre aceitação de seu Senhor no seu interior. Desfez-se sua paz.

 

Foi privado da sinceridade de sua vida cristã. É flagrante que o ato lhe acarretou um grave dano espiritual. No entanto, é mais plausível supormos a segunda alternativa, visto que Paulo está falando continuamente do comer do forte (especialmente no v. 21). Ou seja, o fraco é perseverante no seu prato de legumes, mas percebe que em meio à maioria forte na fé é como um fora-da-lei (v. 3,10). É precisamente contra isso que Paulo lança a acusação: não andas segundo o amor fraternal, pois o que torna o fraco mais sensível é a falta de aceitação por parte dos irmãos. Talvez a controvérsia entre os grupos seja bastante acalorada, a ponto de as pessoas não o perceberem subjetivamente dessa forma. Mas privar do amor é objetivamente nocivo para nossa existência humana. Falta de amor na igreja entristece o Espírito Santo (Ef 4.30) e a prejudica no seu todo.

 

Com isso questiona-se simultaneamente a propalada força na fé por parte dos fortes. Quem pratica o que crê, na verdade deveria praticar amor (cf o exposto sobre Rm 12.9), ou ele se encontra numa gritante contradição: não faças perecer aquele a favor de quem Cristo, no qual crês, morreu! Manifesta-se a palavra de advertência de Jesus em Mt 18.6. Quem foi convocado para ser tutor do irmão (Gn 4.9) poderia tornar-se seu destruidor.

 

A frase seguinte não contém uma interpelação direta a membros da igreja. O estilo impessoal “não seja, pois, vituperado” (“não se torne objeto de maledicência” [NVI]) leva a pensar nas reações de pessoas de fora. Paulo teme um processo que como missionário lhe teria de causar dor. O vosso bem é, aqui como em Rm 8.28 e 10.15, a extraordinária mensagem da salvação confiada aos cristãos, acerca do “senhorio de Deus” (próximo versículo!).

 

Agora, porém, o espírito de condenação perturba toda a vida da igreja, o que é percebido irremediavelmente pelo mundo ao redor. Ainda mais que o conflito interno em torno de “comida e bebida” (novamente no próximo versículo!) não deixa de parecer, para cada gentio normal, algo sem fundamento e ridículo. Repete-se Rm 2.24: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês” (NVI).

 

Paulo é enérgico com a igreja. Porque o reino (o senhorio) de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. Continua em pauta o aspecto exterior da igreja.

Se seu objetivo for de fato tornar compreensível a grandiosa palavra do reino de Deus em seu redor, então que o faça pelas três citadas formas de diferenciação. Justiça: que a vida da igreja transmita uma amostra de como uma comunidade humana se entende na terra debaixo de Deus (Rm 6.19). Paz: que ela encontre e siga caminhos de paz também nas situações em que normalmente se desiste (Rm 3.17). Alegria: que ela festeje o amor de Deus que alcançou o alvo (Rm 5.8).

 

Tudo isso, porém, não deve acontecer por mera retórica, mas no Espírito Santo, ou seja, realmente, de coração, boca e mãos (1Co 4.20). Então, a convicção de Paulo é que a igreja não apenas colherá o louvor de Deus, mas também sempre será no mínimo respeitada pelo mundo que a cerca. Aquele que deste modo serve a Cristo (como escravo ao Senhor, cf v. 9!) é agradável a Deus e aprovado pelos homens. “Contavam com a simpatia de todo o povo”, dizia-se em Jerusalém, porque lá os cristãos solucionavam seus problemas comunitários na força do Espírito Santo (cfRm 15.13). Não causa espécie que nessa situação também não deixou de haver crescimento exterior (At 2.47; 6.7).

 

Resumindo, Paulo solicita mais uma vez à igreja toda para que prossiga em frente, na direção indicada, colocando-se a si próprio do lado dela. Assim, pois, seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros. O tom de encorajamento intensifica-se no capítulo seguinte (Rm 15.5,13,14,29,32,33).

 

Porém o apóstolo não consegue separar-se tão rapidamente de sua preocupação pela igreja. Ele repete uma palavra de advertência semelhante à do v. 15: Não destruas a obra de Deus por causa da comida! Com certeza a obra de Deus é, como em 1Co 3.9, a maravilhosa criação da igreja. Há pouco falava-se do vivo processo de edificação (v. 19). Diante dele, a questão dos alimentos aparece com uma insignificância indizível. Isso motiva Paulo a deixar mais uma vez claros os critérios. Todas as coisas (as comidas), na verdade, são limpas – é o que já vimos no v. 14. Mas é (torna-se) mau para o homem o comer com escândalo – era o que cabia explicar sobre o v. 15.

 

É ameaçador para uma comunhão quando pessoas somente conseguem viver nela com consciência ferida. Segue, porém, agora a contraparte positiva para o mal: É bom (enfim, o seguinte) não comer carne, nem beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa com que teu irmão venha a tropeçar. Não, nem, nem – de forma alguma! Por mais radical que soe, tanto menos Paulo sente o peso do radicalismo. O senhorio de Cristo (v. 1-12) e a preciosidade do irmão comprado por alto preço (v. 13-23) tornam para ele essa decisão extremamente fácil.

 

O segundo “nem” parece ser um cheque em branco para a ditadura do fraco, um direito de veto como prerrogativa dele sempre que algo na vida da igreja não lhe convenha. Ele apenas tem de ficar sempre reclamando. Em parte pode ser devido ao discurso entusiasmado (cf também 1Co 8.13) que Paulo é levado a formular sua afirmação de forma extremada. Pois de maneira alguma ele exige que a idéia e a vontade do fraco sejam, para todos os demais, uma ordem. Na vida eclesial, pelo contrário, os seguintes dois pontos exercem uma função superior: a soberania de Cristo (Rm 14.1-12) e nossa função protetora frente ao irmão (Rm 14.13-23). O terceiro bloco (Rm 15.1-6) trará o auge que apresenta uma síntese.


O versículo subseqüente parece proteger o forte: A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. É verdade que a fé tem um lado voltado às pessoas (sobre isso, cf a explicação do v. 9, no final), mas sua essência é viver perante Deus, eximindo-se dessa forma das pessoas. De forma análoga soaram os v. 4,5c, ainda que fossem relacionados mais intensamente com a fé do outro. Esse respeito, que no fundo é respeito diante de Deus enquanto Criador da fé, pode-se tranqüilamente reclamar também para a própria fé. Por isso diz 1Co 7.23: “não vos torneis escravos de homens” Paulo pleiteia pela indisponibilidade da fé.

 

Para o forte na fé que tem de sofrer sob a condenação do fraco (v. 3b,10a), é acrescentada uma bem-aventurança: Bem-aventurado é aquele que não se condena naquilo que aprova (como bom para a prática). Para o que tem dúvidas seguirá no v. 23 uma condenação. Nele acontece a divisão entre fé e ação, sendo que cada um segue o seu caminho. Ele não pratica o que crê, e não crê o que pratica. Isso o destruirá lenta mas seguramente, ainda que pratique o que objetivamente é correto. Aquele que tem dúvidas… se comer desligado o seu vínculo pessoal com Cristo e é condenado se comer, porque o que faz não provém de fé. Esse comer e beber não é prática da fé, motivo porque tampouco é feito para o Senhor (v. 6). Tudo o que não provém de fé é pecado. Aqui ressoa mais uma vez o sinal de alarme para o forte, que está a ponto de atrair, impelir, lançar seu irmão fraco para a “liberdade”. Afinal, estará lançando-o na separação de seu Senhor, i. é, ao pecado. Embora dessa maneira tenha imposto o seu princípio, sacrificou a salvação do irmão.

 


COMENTÁRIO ESPERANÇA = Editora Evangélica Esperança


A TOLERÂNCIA PARA COM OS FRACOS NA FÉ

 

TEXTO ÁUREO = "Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão" (Lc 6.37).

VERDADE PRÁTICA = Não existe pecado que os cristãos mais "ardorosos" sejam mais inclinados a cometer do que o de criticar os outros.

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE ROMANOS 14.1-12

 

INTRODUÇÃO

 

Estudamos na primeira parte da Epístola aos Romanos a teologia paulina da justificação pela fé, sem as obras da lei, centrada em 1.17; 3.28. Nas duas últimas lições estudamos a parte prática, começando com a consagração a DEUS e depois o nosso compromisso com o Estado.De 14.1 a 15.6 o apóstolo discorre sobre a tolerância - o cristão não deve julgar e nem criticar o outro. É o tema que vamos estudar hoje.

 

I. JUDEUS E GENTIOS FORMANDO A IGREJA

 

1. A ética judaica. Os judeus tem um alto padrão de conduta e um modus vivendi exemplar porque isso aprendem nas sinagogas todos os sábados (At 15.21). Uns achavam que o padrão judaico devia ser vivido pelos gentios e não somente isso, que tal procedimento era condição para salvação. Os pontos básicos eram a guarda do sábado, a circuncisão (At 15.1.5) e a prescrição dietética da Lei de Moisés, que os judeus ainda hoje chamam de kash 'rut (At 15.20,28).

 

2. Salvação pelas obras? As seitas e as religiões falsas acrescentam algo mais que a fé para a salvação. Aplicar essa conduta judaica aos gentios era o mesmo que afirmar que a graça do Senhor não era suficiente. A Lei de Moisés seria o complemento para a salvação. Isso reduziria o Cristianismo a uma mera seita do Judaísmo e além disso confundiria aquele com a identidade judaica.

 

3. A ética dos gentios. Os gentios não aprenderam os bons costumes porque nunca tiveram quem os ensinasse, por essa razão o modus vivendi deles era precário. Agora ambos os povos formam a Igreja (1 Co 10.32). Eles foram transformados pelo poder do ESPÍRITO SANTO. Deviam, portanto, mudar sua maneira de viver, mas nem por isso estavam obrigados a viver como judeus (At 15.10,11).

 

II. QUANTO AO ALIMENTO

 

1. Enfermo e fraco (vv.l,2). As palavras "enfermo" e "fraco" não significam, nesse contexto, fé vacilante, mas imaturidade nas questões práticas, pois muitos deles são sinceros e tementes a DEUS. A questão não era sobre pontos vitais da doutrina cristã; do contrário, não seriam membros da Igreja, mas sobre assuntos secundários.

 

a) Não contender. "Recebe i-o" significa que devemos receber a cada irmão como ele é e não como queremos que ele seja. Não temos o direito de impor a ele a nossa maneira de ver o Cristianismo, nem discutir na tentativa de convencê-lo do contrário (1 Co 11.16; I Tm 6.4). Devemos recebê-lo com amor sincero dentro da fraternidade cristã.

 

b) Convivendo com os enfermos e fracos. A questão dos bêbados, por exemplo, a Bíblia diz que os tais não herdarão o reino de DEUS, a menos que se convertam (1 Co 6.10,11). O crente que se associa com os tais está pecando ( I Co 5.11). Não é o caso aqui. Esses enfermos e fracos são nossos irmãos que ainda não se emanciparam de sua escravidão espiritual.

 

2. Legumes (v.2). Convém lembrar que o vegetarianismo religioso teve a sua origem no hinduísmo. Os gnósticos eram também vegetarianos. Havia até os que considerasse canibais aquele que comesse carne. Talvez alguns judeus tivessem chegado a esse extremo por causa de uma interpretação judaica forçada de Deuteronômio 14.21: "Não cozeráso cabrito com o leite da sua mãe". Não é permitido ao judeu consumir a carne do cabrito juntamente com o leite da cabra, mãe do animal, como faziam os povos idólatras, vizinhos de Israel. Os judeus. portanto, evitandocorrer o risco de o leite comercializado ser da mãe do cabrito comprado no açougue, resolveram proibir o consumo de carne com leite.

 

3. Restrição alimentar dos cristãos. A única restrição alimentar dos cristãos está na determinação do Concílio de Jerusalém (At 15.20,28), com relação ao sangue, carne sufocada e sacrificada aos ídolos. Mesmo assim, essa determinação parece mais injunções do que ordenanças obrigatórias (Rm 14.13-16; 1 Co 8.7­13; 10.27-29), pois, Paulo defendia essa liberdade cristã (vv.14,20; 1 Co 10.25; I Tm 4.4,5).

 

4. Evitando o risco. O crente fraco ou enfermo mencionado nos vv.1,2 deve ser judeu muito escrupuloso quanto à alimentação, o qual resolveu ser vegetariano para evitar o risco de comer carne sacrificada aos ídolos ou sufocada. Abster-se de alimento por questões de saúde é algo pessoal. Praticar, porém, tal coisa como condição para ir ao céu, a ponto de criticar os que não seguem esse padrão, isso caracteriza seita.

 

III. A QUESTÃO DOS DIAS

 

Provavelmente, a expressão "um faz diferença entre dia e dia" (v.5) trata-se dos dias especiais de festa segundo as leis cerimoniais do Antigo Testamento. O comentário da Bíblia de Estudo Pentecostal é do parecer que alguns cristãos, mormente os judeus cristãos. ainda consideravam que os dIas sagrados do Antigo Testamento continuavam válidos, ao passo que muitos outros os tinham como dias comuns.

 

1. O sábado. O fim do sábado estava previsto nos profetas (Os 2.11). A palavra profética previa a chegada da Novo Concerto (Jr 31.31-33) e o fim do sábado que se cumpriu em JESUS (CI 2.14-17). A questão não é o sábado em si, mas o fato de que não estamos debaixo do Antigo Concerto (Hb 8.6­13), por essa razão o sábado não aparece nos quatro preceitos de Atos 15.20,29.

 

2. O sábado cerimonial. As festas judaicas eram anuais, mensais ou lua nova, e semanais (I Cr 23.31 ; 2 Cr 2.4; 8.13; 31.3; Ez 45.17). O sábado cerimonial ou anual já está incluído na expressão "dias de festa", que são as festas anuais; "lua nova", mensais; e "dos sábados", festas semanais (Cl 2.16). No versículo seguinte o apóstolo diz: "Que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de CRISTO" (CI 2.17). Isto é: são figuras das coisas futuras, que se cumpriram em JESUS. Por isso que JESUS afirmou ser Senhor do sábado (Mc 2.28).

 

3. Constantino e o Domingo. Afirmar que o imperador romano, Constantino, substituiu o sábado pelo domingo é uma falácia. A palavra "domingo" significa. "dia do Senhor". Isso porque nesse dia JESUS ressuscitou (Mc 16.9). O primeiro culto cristão aconteceu num domingo (Jo 20.1) e o segundo também (1020.19,20). As reuniões cristãs de adoração aconteciam no primeiro dia da semana (At 20.7; I Co 16.2). Aos poucos essa prática foi se tornando comum, sem decreto e sem imposição. Foi algo espontâneo. O imperador apenas confirmou uma prática cristã antiga.

 

4. Lição prática. O apóstolo conclui que "cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo"(v .5b) e que "aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz" (v.6). Isto é: quando adoramos não é tão importante, quanto o que, como e por que adoramos. O que realmente importa é CRISTO ser o centro em tudo quanto o crente faz.

 

IV. A PREOCUPAÇÃO DO APÓSTOLO

 

1. O que o apóstolo condena? (vv.4,IO). Nem o crente enfermo ou fraco e nem o mais esclarecido espiritualmente são a preocupação do apóstolo. Isso porque ambos agiam de forma diferente com o propósito de servir a DEUS (vv.6,7).

O que ele condena é a crítica e não essas práticas: "Quem és tu que julgas o servo alheio?" (v.4) "Mas, tu, por que julgas teu irmão?" (v. 10). A preocupação do apóstolo era evitar divisões na Igreja por causa de assuntos secundários.

 

2. O respeito à consciência cristã. O apelo do apóstolo era que houvesse respeito mútuo entre os crentes. Cada um deve seguir a sua consciência cristã (v.5). Se algo lhe parece pecado, se a consciência lhe acusa, não deve praticar tal coisa, pois se assim fizer estará pecando (v .23). Nem por isso deve criticar os outros (Tg 4.11.12).

 

3. Cada um prestará contas a DEUS (vv.lO-12). Com essas palavras o apóstolo está dizendo que devemos deixar as coisas secundárias com a pessoa e DEUS. Ninguém tem o direito de interferir na vida priva­ da do cristão. As questões do alimento e dos dias são de somenos importância, mas a crítica DEUS não tolera (Pv 6.16-]9; Tg 1.26).

 

CONCLUSÃO

 

Na Igreja atual existe também os mesmos problemas, de maneira ainda mais dilatada, pois as práticas sociais vão aumentando a cada dia que se passa. A melhor solução é olhar para JESUS, Autor e Consumador da fé (Hb 12.1,2) e não à vida alheia. Seu dever é orar por aquele que, por causa de certas práticas, você considera fora da Palavra de DEUS, e não criticá-lo, pois em cada crente o desenvolvimento da sua consciência depende do conteúdo bíblico doutrinário nela entesourado e da maturidade espiritual desse crente.

 

Lições Bíblicas CPAD 2°. Trimestre 1998