SANTIFICARÁS O SÁBADO
TEXTO ÁUREO = "E disse-lhes: O sábado
foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do
sábado." (Mc 2.27)
VERDADE PRÁTICA = O quarto mandamento envolve os
aspectos espiritual e social, diz respeito ao relacionamento do homem com Deus
e ao mesmo tempo com o próximo.
LEITURA
BÍBLICA EM CLASSE = Êxodo
20.8-11; 31.12-17
INTRODUÇÃO
O
quarto mandamento é uma ponte que liga os mandamentos teológicos com os
mandamentos éticos. Os três primeiros preceitos do Decálogo dizem respeito à
responsabilidade do homem com o Criador; os demais falam sobre o compromisso do
homem com o seu próximo. A guarda do sábado fica entre esse dois grupos, pois a
lei é clara em mostrar seu caráter social e humanitário e também sua função
religiosa.
As controvérsias
em torno deste mandamento se referem à sua interpretação, O que acontece é que
existe o sábado institucional e o sábado legal, e quem não consegue separar
estas duas instituições terminam radicalizando indo aos extremos. Esse é o
principal problema dos sabatistas da atualidade, como os adventistas do sétimo
dia. Todos os mandamentos do Decálogo dependem de definições e de como
aplicá-los na vida diária, e essas instruções são dadas no próprio sistema
mosaico. Mas as definições nem sempre são conclusivas. Por exemplo, o que a
Bíblia define como trabalho? o mandamento de santificar o sábado é mais bem
compreendido quando se analisa o propósito pelo qual ele foi dado.
O
SÁBADO
O
substantivo hebraico shabbar, “sábado”, ou sábbaton, em grego, “sábado,
semana”, indica no calendário de Israel o sétimo dia da semana marcado pelo
descanso do trabalho para cerimônias religiosas especiais, além de significar
um período de sete dias, uma semana (BAIJER 2000, p. 909). O termo shabbãtôn67
significa “sabatismo, guarda ou observância do sábado”, pois a desinência —ôn é
característica de substantivo abstrato.
Ele
aparece no relato da criação: “E, havendo Deus acabado no dia sétimo a sua
obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha
feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de
toda a sua obra, que Deus criara e fizera” (Gn 2.2, 3).
Deus
celebrou o sétimo dia após a criação e abençoou este dia e o santificou.
Gênesis é o livro das origens de todas as coisas: dos céus e da terra, do homem
e do pecado, do sacrifício e da promessa de redenção, do casamento, da família,
das nações, das línguas, da nação de Israel, do sábado e da semana, O sábado e
a semana tiveram a sua origem em Deus. A divisão hebdomadária do tempo aparece
desde os dias pré-diluvianos e no período patriarcal (Gn 7.4, 10; 8.10, 12;
29.27, 28). Mas a semana na Mesopotâmia seguia as fases da lua, por isso nem
sempre o sábado coincidia com o sétimo dia. A semana dos egípcios era de dez
dias.
Aqui
está a base do sábado institucional e do sábado legal. Deus completou a sua
obra da criação no sétimo dia, Duas vezes o texto sagrado declara que Deus
“descansou” ou seja, cessou; esse é o significado do verbo hebraico usado aqui,
shã bar,68 “cessar, desistir, descansar” (Gn 8.22; Jó 32.1; Ez 16.41).
Descansar é sinônimo de cessar de criar. Esse repouso indica a obra concluída e
não ociosidade, poís Deus não para nem se cansa (Is 40.28; Jo 5.17). Ele
continua sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder (Hb 1.3).
O
Senhor Jesus também assentou-se à destra de Deus depois de concluir a obra da
redenção (Hb 8.1; 10.12). A expressão
“acabado no sétimo dia” parece indicar que houve mais alguma atividade de Deus
na criação nesse dia, É o que pensam muitos expositores da atualidade. Deus
terminou a sua obra no dia sexto: segundo a Septuaginta, en tê hêméra lê hektê,
“no dia sexto”, e também no Pentateuco Samaritano, bayyôm hashishí, “no dia sexto”. A Peshita segue também essa
linha, mas tudo indica que se trata de alguma emenda deliberada. Segundo
Umberto Cassuto, um estudo cuidadoso desse versículo mostra que “sétimo dia” é
a forma correta (1998, p. 61).
O
substantivo hebraico shabbat, ‘o dia de sábado”, não aparece aqui; sua
primeira ocorrência acontece no relato
do maná (Éx 16.23). Mas este termo vem da raiz do verbo “descansar” shãbat. Há
quem afirme que essa omissão foi intencional porque o shãbat é o término da
semana e há fortes evidências da identificação filológica do termo aqui com o
acádico shabaru [mJ ou shapattu, que aparece nas inscrições babilônicas como o
dia da lua cheia. Trata-se do 15° dia de um mês lunar, dedicado à adoração do
deus lua, Sin-Nanar e a outros deuses.
Este
dia se chamava também um núch libbi, “dia de descanso do coração” (ORR, vol.
lv, 1996, p. 2630). Outros afirmam que se trata mais de um dia de expiação ou
pacificação, e não necessariamente de um dia de descanso. No entanto, foram
descobertos tabletes em que revelam o shabatu como os dias 7°, 14°, 21º e 28°,
que segundo o registro dessas inscrições ocupavam espaço destacado no
calendário mesopotâmio. Neles havia restrições a diversos tipos de trabalho, já
que o dia era dedicado aos deuses (TENNEY, vol. 5, 2008, p. 267). O sábado dos
israelitas era o dia de descanso reservado a cada seis dias de trabalho para todo
o povo; entretanto, o shabatu era computado com base nas quatro fases da lua.
Há
muitas discussões sobre a relação do shabatum com o sábado dos israelitas, e Umberto
Cassuto explica o que está por trás de tudo isso. Os críticos liberais insistem
em afirmar que os israelitas copiaram o sábado dos mesopotâmios e com isso
querem associar o sábado de Israel com as quatro fases da lua. Cassuto
questiona a existência da proibição de trabalho nos dias 7°, 14º, 21º e 28º do
mês do luna na Babilônia e na Assíria.
Segundo
esse autor, o pensamento da Torá é justamente o oposto ao sistema babilônico e
desvincula completamente o sábado da adoração aos astros: “O dia de sábado de
Israel não será como o sábado das nações pagãs; não será o dia da lua cheia, ou
outro dia conectado com as fases da lua, nem ligado, em consequência, com a
adoração da lua, mas será o sétimo dia” (1998, p. 68).
É um
sábado completamente desassociado de sinais nos céus, das hostes celestiais e
de qualquer conceito astrológico, “mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu
Deus” (Êx 20.10). Assim, o propósito da omissão do termo hebraico shabbat,
“sábado”, no relato da criação é evitar sua identificação com o shabatu dos
mesopotâmios. o sétimo dia da criação não era mandamento, mas revela a
necessidade natural do descanso de toda natureza, homem, animal, máquina,
agricultura.
O
repouso noturno de cada dia não é suficiente para isso. Deus abençoou e
santificou esse dia não somente para comemorar a obra da criação, mas para que
nesse dia todos cessem o trabalho tendo em vista o descanso fisico e mental e
também o culto de adoração a Deus. É importante que todos os seres humanos
possam refletir que o universo foi criado por um Deus pessoal, Todo-Poderoso,
sábio e transcendente, que planejou todas as coisas que foram criadas. Parece
que esse dia foi logo esquecido pelo gênero humano, mas há resquício dele em
muitos povos da antiguidade.
Deus
abençoou e santificou o sétimo dia como um repouso contínuo, a dispensação da
inocência, interrompido por causa do pecado. Agostinho de Hipona lembra que não
houve tarde no dia sétimo, pois Deus o santificou para que ele permanecesse
para sempre: “Ora o sétimo dia não tem crepúsculo. Não possui ocaso porque Vós
o santificastes para permanecer eternamente” (Confissões, Livro XIIl.36).
Adão e
Eva viveram esse repouso durante a inocência até a Queda: “Foi o princípio e o
tipo de repouso ao que a criação, depois que caiu da comunhão com Deus pelo
pecado do homem, recebeu a promessa de que uma vez mais seria restaurada pela
redenção, em sua consumação final” (KEIL & DELITZSCH, tomo 1,2008, p. 41).
O sábado da criação aponta para o descanso de Deus para o mundo inteiro no fim
dos tempos: “Portanto, resta ainda um repouso para o povo de Deus” (Hb 4.9).
O
sábado legal não foi instituído aqui. Isso só aconteceu com a promulgação da
lei. O sétimo dia é o fundamento da guarda do sábado dada aos israelitas, visto
que este dia foi santificado desde o princípio do mundo. O sábado institucional
é para toda a humanidade e por isso Deus o santificou antes de estabelecê-lo
como mandamento para Israel.
“A
santificação do sábado institui uma ordem para a humanidade segundo a qual o
tempo é dividido em tempo e tempo sagrado... Por santificar o sétimo dia, Deus
instituiu uma polaridade entre o dia a dia e o solene, entre dias de trabalho e
dias de descanso, a qual deveria ser determinante para a existência humana”
(WESTERMANN, 1994, p. 171). O sábado institucional não é necessariamente o
sétimo dia da semana, mas um a cada seis dias.
O
QUARTO MANDAMENTO
A
instituição do sábado legal no Decálogo tinha o propósito duplo, social e
espiritual, de cessar os trabalhos a cada seis dias de labor para dar descanso
aos seres humanos e aos animais e dedicar um dia inteiro para adoração a Deus:
8 Lembra-te do dia do sábado, para o
santificar. 9 Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra, 10 mas o sétimo
dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem o teu
filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem
o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. 11 Porque em seis dias fez o
SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há e ao sétimo dia descansou;
portanto, abençoou o SENHOR o dia do sábado e o santificou (Êx
20.8-11).
O
quarto mandamento é o mais longo do Decálogo e difere dos três primeiros, cuja
formulação é negativa. O versículo 8 introduz o mandamento positivo que impõe a
obrigação de santificar o sábado, e o versículo 9 fala sobre a obrigação de
trabalhar seis dias. Isso se repete no sistema mosaico (Êx 23.12; 31.13-17;
34.21; Lv23.3), mas aqui aparece também a formulação negativa. Quando Moisés no
seu discurso em Deuteronômio repete o Decálogo substitui o verbo hebraico usado
para “lembrar” zãchor,’“recordar, lembrar”, por outro, “guardar”, shãmôr,
“guardar, cuidar, vigiar”, quando diz: “Guarda o dia de sábado” (Dt 5.12).
Os dois
verbos estão no infinitivo absoluto, que tem função de um forte imperativo,
bastante comum em leis e mais próximo de um futuro cominatório, ameaçador. O
propósito do uso deste verbo “lembrar” aqui em Êxodo é manter o sábado como dia
santo. Isso mostra que o povo já conhecia esse dia, mas parece que a sua
observância não era levada a sério antes da revelação do Sinai.
As
palavras “como te ordenou o SENHOR, teu Deus” (Dt 5.12b) não aparecem em Êxodo
e são uma referência ao Sinai, quando a lei foi promulgada, visto que Moisés
está relatando um fato acontecido no passado.
Fica
evidente que houve um sábado antes da promulgação da lei. Muitos acreditam que
o verbo “lembrar” se refere ao relato do maná no deserto (Êx 16.22-30). Isto
fica claro pelo fato de que “a maneira incidental em que a matéria é
introduzida e a repreensão do Senhor pela desobediência do povo sugerem que o
sábado já era previamente conhecido (TENNEY, vol. 5, 2008, p. 267).
No
entanto, segundo o rabino Benno Jacob, “lembrar” aqui não tem conotação de “não
esquecer”, como aconteceu com o evento do maná, mas de um “memorial do passado
para estabelecer um relacionamento especial para o futuro” (1992, p. 563).
O livro
de Gênesis não menciona os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó observando o
sábado. Segundo Justino, o Mártir, Abraão e seus descendentes até o Sinai
agradaram a Deus sem o sábado (Diálogo com Trifão 19.5). Irineu de Lião diz que
Abraão, “sem circuncisão e sem observância do sábado, acreditou em Deus e lhe
foi imputado a justiça e foi chamado amigo de Deus” (Contra as Heresias, Livro
IV, 16.2). O sábado institucional não era mandamento nem havia imposição sobre
a sua observância; talvez, seja essa a razão de aos poucos ter caído no
esquecimento. A linguagem do quarto mandamento “Lembra-te do dia de sábado” (Êx
20.8) reforça a ideia de que não se trata de uma instituição nova, mas
existente desde a criação.
O
mandamento consiste em parar de trabalhar a cada seis dias e é extensivo a
todos os israelitas, seus familiares e também servos, animais de carga,
convidados, imigrantes estrangeiros e qualquer um que esteja dentro de seus portões
(v. 10). Mas aqui se omite uma informação que aparece em Deuteronômio e revela
o aspecto humanitário do mandamento: “para que o teu servo e a tua serva
descansem como tu” (Dt 5.14b). Em Êxodo, é revelado o caráter espiritual, pois
se mostra que a lei do sábado deriva da criação e se refere ao sétimo dia em
que Deus descansou (v. 11). O sábado do Decálogo é semanal e uma amostra do
descanso eterno de Deus (SI 95.11; Hb 4.3-6).
O
sábado legal é exclusividade dos israelitas e nenhum povo da terra recebeu tal
responsabilidade, nem mesmo a Igreja (Êx 31.13- 17). A adoração no tabernáculo
acontecia semanalmente e isso justifica a instrução da lei do sábado na
presente seção que aborda a ordem do culto e demais serviços no tabernáculo. O
tema do sábado havia sido tratado por ocasião do maná (Êx 16.23-30) e no quarto
mandamento (Êx 20.8-1 1); no entanto, Javé retoma o assunto aqui para que o
presente preceito seja observado de maneira apropriada.
A
observância do sábado legal é perpétua, sob pena de morte para quem violar (vv.
14-6) e isso por se tratar de um sinal entre Javé e Israel (Êx 31.13, 17). Não
é mandamento para todos os povos nem para a Igreja. É o segundo sinal para os
israelitas, que já tinham a circuncisão como primeiro sinal desse concerto (Gn
17.10-14). Ao longo dos séculos, os judeus trataram esses dois preceitos com a
mesma atenção. O Decálogo registrado em Deuteronômio apresenta o sábado como
memorial da saída dos israelitas do Egito: “Porque te lembrarás que foste servo
na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão forte e braço
estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de
sábado” (Dt 5.15). O sábado legal é mandamento exclusivo para o povo de Israel.
O
SÁBADO NO NOVO TESTAMENTO
A
observância do sábado nos dias do ministério terreno de Jesus havia se tornado
externa e formal. As autoridades religiosas de Israel haviam criado muitas
restrições e estabeleceram regras meticulosas. A Mishnah, antiga literatura
religiosa dos judeus, nos tratados Shabbat e Erub, registra minúcias de como o
sábado deve ser observado. A tradição dos anciãos criou 39 proibições
concernentes ao sábado. Por essa razão, o Senhor Jesus entrou diversas vezes em
conflito com os escribas e fariseus. Uma delas aconteceu quando ele defende os
seus discípulos por colherem espigas no sábado (Mt 12.1-5).
1 Naquele tempo, passou Jesus pelas searas,
em um sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a
comer. 2 E os fariseus, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos
fazem o que não é lícito fazer num sábado. 3 Ele, porém, lhes disse: Não tendes
lido o que fez Davi, quando teve fome, ele e os que com ele estavam? 4 Como
entrou na Casa de Deus e comeu os pães da proposição, que não lhe era lícito comer,
nem aos que com ele estavam, mas só aos sacerdotes? (Mt
12.1-4).
A
passagem paralela aparece em Marcos 2.23-26 e Lucas 6.1-4. Em todas elas, o
Senhor Jesus mencionou um trecho do Antigo Testamento em que Davi comeu o pão
da proposição na casa do sacerdote Abiatar, quando estava sob a perseguição de
Saul (1 Sm 21.6). Assim, ele colocou a guarda do sábado na mesma categoria do
preceito cerimonial. A lei proibia que estranhos comessem do pão sagrado da
proposição, o qual era restrito aos sacerdotes (Êx 29.33; Lv 22.10).
Jesus
foi além e disse que os sacerdotes no templo podiam violar o sábado e ficar sem
culpa (Mt 12.5). Um mandamento moral é obrigatório por sua própria natureza.
Não existe concessão para preceitos morais; aqui, a vida está acima do sábado.
Em
outra ocasião, o Senhor Jesus torna a considerar o sábado um preceito
cerimonial com base na própria lei de Moisés. Ele nem precisou reivindicar a
sua autoridade de Filho de Deus e Messias, ao lembrar às autoridades religiosas
que a circuncisão de uma criança pode ser feita num dia de sábado. A lei
prescreve que o menino deve ser circuncidado no oitavo dia de seu nascimento
(Lv 12.3). Jesus disse que a circuncisão pode ser feita mesmo quando o oitavo
dia coincide com sábado (lo 7.22, 23).
Jesus
declarou: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem, por causa do
sábado” (Mc 2.2 7). Muitos comparam essas palavras a uma frase do Talmude
creditada ao rabi Simeon ben Menasya, cerca de 180 dc.: “O sábado foi dado a
vocês, não vocês entregues a ele”. A interpretação judaica diz respeito à
permissão da quebra do sábado em casos especiais, como a vida em perigo.
Mas o
que Jesus disse significa que os seres humanos não foram criados para observar
o sábado, mas que o sábado foi criado para o benefício humano. Ele não disse
que o sábado foi feito por causa dos judeus ou de Israel, mas por causa de
todos os seres humanos. O sábado legal, do Decálogo, foi dado a Israel como
sinal entre Javé e os israelitas (Êx 31.13, 17; Dt 5.15; Ez 20.12). Aqui, o Senhor
Jesus se refere ao sábado institucional que Deus estabeleceu para o bem-estar e
gozo de todos os seres humanos, e isto está acima de observância meticulosa do
sábado.
A frase
“Assim, o Filho do Homem até do sábado é senhor” (Mc 2.28) e as passagens paralelas
(Mt 12.8; Lc 6.5) são disputadas pelos expositores do Novo Testamento.
Há duas
linhas principais de interpretação:
a) a
autoridade sobre o sábado foi conferida aos seres humanos, e
b)
trata-se do próprio Senhor Jesus.
A
primeira nos parece menos aceitável porque Deus nunca delegou autoridade sem
limites aos humanos e, também, porque a expressão grega ho huios tou anthrõpos,
“o Filho do Homem”, no singular, é
título messiânico e não relativo a humanos. Está claro que Jesus se referia a
si mesmo. Esta é a melhor interpretação. Ele revelou seu poder e sua autoridade
sobre as enfermidades, sobre a natureza, sobre todos os poderes das trevas,
sobre a morte e o inferno; assim, nada mais natural ser mesmo o Senhor do
sábado. O sábado veio de Javé e somente ele tem autoridade sobre a instituição.
Então, não há outro no universo investido de tamanha autoridade, senão o Filho
de Deus.
Mais
uma vez, o Senhor Jesus Cristo apresenta o profeta Oseias como autoridade para
fundamentar seu ensino (Mt 12.7; Os 6.6). Ele acrescentou ainda que é “lícito
fazer bem nos sábados” (Mt 12.12). Isso o próprio Jesus o fez (Mc 3.1-5; Lc
13.10- 13; 14.1-6; Jo 5.8-18; 9.6, 7, 16), e nós também devemos fazer o bem,
não importa qual seja o dia da semana. Como o sábado do relato da criação, não
é regra legal opressiva; é chamado de sábado institucional que se transferiu
para o domingo por causa da ressurreição de Jesus, mas não como mandamento.
Assim,
como nada há no Novo Testamento que indique a sua observância, isso por si só
mostra que o quarto mandamento não é um preceito moral. Esta interpretação é
corroborada pelo fato de nem Jesus nem os apóstolos ensinarem a guarda do
sábado. O sábado não foi mencionado quando Jesus citou os mandamentos para o
moço rico (Mt 19.17-19). Toda a lei se resume no amor a Deus e ao próximo (Mt
7.12; 22.40; Mc 12.31; Rm 13.10).
O
apóstolo Paulo omitiu o quarto mandamento (Rm 13.9). Ele considerava retrocesso
espiritual guardar dias, meses e anos (Gi 4.10, 11). Os primeiros cristãos eram
judeus de origem e era natural para eles observar os serviços da sinagoga;
ainda hoje, muitos judeus que são convertidos à fé cristã preferem não abrir
mão de sua identidade judaica, principalmente aqueles que residem em Israel. É
mais uma questão cultural. Paulo via o sábado e os preceitos dietéticos, o
kashrut, como mera opção pessoal. E, mesmo não havendo prova de que o apóstolo
distinguisse preceitos morais e cerimoniais, aqui ele coloca o sábado e o
kashrut na mesma categoria (Rm 14.1-6). Segundo Paulo, o antigo concerto foi
abolido (2 Co 3.7-14) , incluindo o sábado (Os 2.11). De fato, isso já era
anunciado desde o Antigo Testamento (Jr 31.31-34).
Paulo
disse que Jesus riscou na cruz “a cédula que era contra nós nas suas
ordenanças” (Cl 2.14). O substantivo grego para
“cédula”
é cheirgraphon, um hapax legomenon, literalmente, “escrito à mão”. É um
documento escrito à mão usado aqui metaforicamente. O termo aparece na
literatura grega extra bíblica com vários significados: “lei mosaica, obrigação
escrita, contrato” (ROBINSON, 2012, p. 984); “registro de uma conta financeira,
conta, registro de dívida” (LOUW & NIDA, 2013, pp. 352, 353). É um
certificado de dívida, uma nota promissória. A ordenança, ou dogma76, significa
“decreto, ordenança, edito”, um termo usado também em referencia à lei de
Moisés (Ef 2.15).
É esse
o sentido aqui, pois Jesus disse que a lei nos acusa Go 5.45). O pensamento
paulino revela o aspecto condenatório da lei mosaica (Dt 2 7.26; 1 Co 15.56; Gi
3.10) e também o padrão divino para a vida humana (Rm7.13, 14).
A
acusação da lei contra nós foi cancelada na cruz do Calvário, e aí o apóstolo
inclui o sábado. O apóstolo emprega os dois termos “cédula” e “ordenança”
metaforicamente para dizer que fomos perdoados e estamos livres de legalismo:
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias
de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras,
mas o corpo é de Cristo” (Cl 2.16, 17). Com exceção do sangue (At 15.20, 28),
as restrições dietéticas de Levítico foram removidas, pois Deus purificou os
animais cerimonialmente imundos (At 10.12-15).
Nenhum
alimento é imundo por si mesmo (Rm 14.14, 20; 1 Tm 4.3, 4). O que contamina o
ser humano é o que sai dele, não o que entra (Mt 15.11-20).
O sábado
cerimonial é um termo para designar os festivais de Israel que englobam as
festas anuais, mensais e semanais (1 Cr 23.31; 2 Cr 2.4; 8.13; 31.3; Ez 45.17).
O sábado cerimonial já está incluído na expressão “dias de festa”. Assim, a
“lua nova”, refere-se à festa mensal e a expressão “dos sábados” diz respeito
aos sábados semanais. O novo concerto nos isenta de todas essas coisas. Paulo
parece empregar uma linguagem platônica no tocante ao mundo real e ao mundo das
ideias no v. 17. A sombra é temporária e identifica com imperfeição o objeto
que a projetou, sendo portanto inferior a ele, O apóstolo afirma nesta metáfora
que a lei é uma projeção, uma sombra da realidade, que é o corpo de Cristo.
O
SÁBADO CRISTÃO
O
sábado legal do Decálogo foi estabelecido para Israel se lembrar da escravidão
no Egito (Dt 5.15). Há certa analogia com o sábado cristão, o domingo, que, sem
precisar de imposição legal, passou a ser o dia de adoração cristã coletiva em
memória à ressurreição de Cristo que ocorreu num domingo (Mc 16.1-6; Lc
24.1-6). É o sábado institucional.
Isso
está claro em três passagens do Novo Testamento: “No primeiro dia da semana,
ajuntando os discípulos para o partir do pão” (At 20.7). Era um domingo,
“talvez 24 de abril de 57 dc.”, segundo F. F. Bruce (apud STOTT, 1994, p. 360).
O “partir do pão” é um termo usado para a Ceia do Senhor (At2.42; 1 Co 10.16;
11.20-26). Segundo o autor citado, essa passagem “é a evidência inequívoca mais
primitiva que temos da prática cristã de reunir-se para a adoração nesse dia”.
Isso se confirma mais adiante no Novo Testamento: “No primeiro dia da semana,
cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade,
para que se não façam as coletas quando eu chegar” (1 Co 16.2). Temos aqui
outra prova de que o primeiro dia da semana era o dia de culto regular. O
apóstolo recomendou que nessas reuniões se levantasse uma coleta para socorrer
os irmãos pobres de Jerusalém.
O
apóstolo João foi arrebatado no dia do Senhor: “Eu fui arrebatado em espírito,
no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta” (Ap
1.10). A expressão “dia do Senhor” não é escatológica, pois a construção grega
aqui, en të kyriakë hemera, se refere ao domingo. Versões católicas como
Figueiredo, Matos Soares e a Biblia do Peregrino empregam “num dia de domingo”
para traduzir a referida frase. Esta tradução é aceitável porque está de acordo
com o contexto bíblico e histórico.
A
palavra kyriakë significa “domingo” ainda hoje na Grécia. O termo “domingo”,
literalmente quer dizer, “dia do senhor”, do latim, dominus, “senhor”, e dies,
“dia”. Inácio de Antioquia usa a mesma frase grega do apóstolo João em
Apocalipse, para indicar o primeiro dia da semana: “Aqueles que viviam na
antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado,
mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua
morte” (Magnésios 9.1, Coleção Patrística 1, Fadres Apostólicos). Inácio foi o
terceiro bispo de Antioquia e conheceu os apóstolos Paulo e João. Preso em 110
no reinado de Trajano, foi levado a Roma e atirado às feras. Trata-se de alguém
da segunda geração dos apóstolos.
Outra
razão que confirma essa interpretação é o fato de a Septuaginta usar uma forma
diferente para o “dia do Senhor” escatológico, hëmera tou kyriou ou hëmera
kyriou. E o mesmo acontece nas cinco vezes que a frase aparece no Novo
Testamento grego (At2.20; 1 CoS.5,2Co 1.14; lTs5.2;2Pe3.10).
Os
primeiros pais da Igreja mostram que nos três primeiros séculos da história da
Igreja o domingo continuava sendo o dia de reunião dos cristãos. Além de Inácio
de Antioquia, isso pode ser ainda visto na Epístola de Barnabé (que não era o
Barnabé
citado
do Novo Testamento). Trata-se de um documento da primeira metade do século 2,
que declara: “Eis por que celebramos como festa alegre o oitavo dia, no qual
Jesus ressuscitou dos mortos e, depois de se manifestar, subiu aos céus”
(Epístola de Barnabé, 15.9).
Herdamos
dos dias apostólicos essa prática que foi perpetuada pelo tempo. Os preceitos
cerimoniais não desobrigam os seres humanos de cultuarem a Deus, mas estes não
precisam de rituais e nem lhes é exigido irem a Jerusalém. Da mesma forma, o
sábado não precisa ser o sétimo dia da semana. Os adventistas do sétimo estão
equivocados quando afirmam que o imperador Constantino substituiu o sábado pelo
domingo, e sua doutrina não tem sustentação bíblica. É um erro teológico e
histórico.
Elaboração
pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus
Igreja Evangélica Assembléia de
Deus Ministério Belém Em Dourados – MS
BIBLIOGRAFIA
Livro Os Dez Mandamentos = CPAD
= Esequias Soares