1 de outubro de 2019

CONTEXTO HISTORICO DE 1 e 2 SAMUEL


1. CONTEXTO HISTORICO DE 1 e 2 SAMUEL

Nos tempos antigos, os livros de Samuel eram originalmente um só livro. Os primeiros manuscritos hebraicos indicam que 1 e 2 Samuel não eram divididos em partes separadas. O pergaminho de Samuel do Qumrã (4QSama), por exemplo, inclui ambos os livros sob o título de Samuel.

O Talmude regularmente faz referência ao “Livro de Samuel”, e as notas massoréticas, no final de 2 Samuel, relatam que Samuel contém um total de 1506 versículos; 1 Samuel 28.24 marca o versículo central do livro todo. Os pais da Igreja primitiva, como Jerônimo, e o historiador da igreja, Josefo, também estavam cientes do Livro de Samuel em sua forma original (Hist. Ecl. 7.25.2).

A decisão de dividir o Livro de Samuel em duas seções estende-se à antiguidade clássica, quando os livros eram escritos em pergaminhos de um comprimento fixo. O Livro de Samuel, que é levemente mais longo do que Reis e Crônicas, tornou-se muito desajeitado para ser manuseado em um só pergaminho, então foi dividido (juntamente com Reis e Crônicas) em duas partes principais nos primeiros manuscritos da Septuaginta (LXX) ou da Bíblia grega.

Os tradutores da Septuaginta intitularam os livros de Samuel de Basileion A e B (1 e 2 Reinos ou 1 e 2 Reinados). Esses tradutores subseqüentemente agruparam os livros de Samuel baseados em temas e interesses comuns com os dois livros de Reis (Basileion C e D) e referiam-se a eles como Bibloi Basileion (Livros dos Reinos). Mais tarde, Jerônimo, um dos pais da igreja, modificou levemente esse título para Libri Regum (Livros dos Reis).

Assim, Samuel e Reis tornaram-se conhecidos como 1,2,3, e 4 Reis, respectivamente. Hoje, os eruditos e os comentaristas católicos ainda se referem aos livros de Samuel segundo os títulos gregos dos mesmos (l e 2 Reis), mas as comunidades judaicas e as protestantes referem-se aos livros por seus antigos nomes hebraicos.

 

De acordo com os eruditos bíblicos modernos, a razão para a divisão dos livros de Samuel em sua presente conjuntura conformava-se ao antigo costume de concluir um livro bíblico com a morte de uma figura importante (i.e., Jacó e José no final de Gênesis; Moisés na cena de encerramento de Deuteronômio; Josué na conclusão de seu discurso de despedida; e Saul no final de 1 Samuel) (Mc Carter, 1980b, p. 3).

Outras traduções autoritativas como a Vulgata, a antiga tradução latina do texto hebraico, continuou a tradição dos tradutores gregos, incluindo ambos os livros de Samuel em seu cânone e a prática de fazer referências aos dois livros de Samuel, algo que foi levado adiante até os tempos modernos.

A primeira referência aos livros de 1 e 2 Samuel no próprio texto hebraico está comprovada em um manuscrito de 1448, e a prática de listar os livros de Samuel independentemente se tornou mais oficial na Bíblia rabínica de 15161517 editada por Felix Pratensis (Klein, 1979, p. 313; Szikszai, 1962, p. 203).

A divisão entre 1 e 2 Samuel recebeu uma sanção formal na comunidade judaica, isso fica adicionalmente evidenciado pelo fato de que a segunda Bíblia rabínica de 1524-1525 listava-os separadamente também (Flanagan, 1992, p. 957).

História da composição

1. Visão tradicional da autoria

Os livros de Samuel levam o nome do grande profeta que serve como a figura principal na seção inicial de 1 Samuel (cap. 3—8, 12, 15—16). Em relação ao título, os antigos comentaristas judeus afirmavam inicialmente que o próprio Samuel havia escrito Juízes e uma grande parte de Samuel.

O Talmude babilónico afirma especificamente que “Samuel escreveu o livro que leva o seu nome” (B. Bat. 14b). Entretanto, o mesmo Talmude faz a explícita restrição de que Samuel fora responsável apenas pelos primeiros 24 capítulos (já que 1 Samuel 25.1 relata a sua morte) e o resto do corpus de Samuel foi atribuído aos profetas Natã e Gade (B. Bat. 15a).

Os escritores do Talmude mantiveram essa posição porque grande parte de 1 e 2 Samuel é narrada de um ponto de vista decididamente profético. Além do mais, os escribas judeus levaram a sério a referência de 1 Crônicas 29.29, que afirma: “Os feitos do rei Davi, desde o início até o fim do seu reinado, estão escritos nos registros históricos do vidente Samuel, do profeta Natã e do vidente Gade”.

No decorrer da história, outros candidatos à autoria foram apresentados, tais como os sacerdotes Aimaás (2 Sm 15.27,36; 17.17,20; 18.19,22,23,27-29) e Zabude (1 Rs 4.5). Apesar desses esforços para tentar comprovar a autoria de Samuel ao longo das linhas tradicionais, a falta de uma evidência firme para apoiar essas alegações falhou em convencer os eruditos modernos.

2. Teorias modernas concernentes à autoria

Os atuais eruditos do Antigo Testamento não aderem à visão tradicional de que os livros de Samuel foram compostos por profetas como Samuel, Gade e Natã, tampouco estão convencidos de que os sacerdotes Aimaás e Zabude tenham colocado a mão na redação dos mesmos. Ao contrário, os exegetas modernos postulam que a composição final dos livros de Samuel deve ser atribuída a autores anônimos ou a editores que compilaram uma série de tradições independentes (transmitidas de forma oral inicialmente, e de forma escrita posteriormente) sobre Samuel, a arca, Saul e Davi, por exemplo, em um texto holístico (Amold, 2005, p. 870).

Baseado em méritos da erudição contemporânea e em questões críticas que a mesma tem levantado sobre o texto, os estudiosos modernos postulam que os livros de Samuel são melhores vistos como subprodutos de uma longa história de atividade editorial ou redacional. Por meio do emprego de diversas disciplinas críticas (como a análise literária, as investigações histórica e arqueológica, e o criticismo textual, formal, redacional etc.), os eruditos descobriram evidências que emprestariam um grande apoio a esta noção.

 

Primeiro, uma observação crítica ou uma avaliação do texto de Samuel mostra claramente que esses livros “não estão entre os que foram nomeados mais adequadamente no Antigo Testamento” (Gordon, 1986, p. 19).

Embora Samuel tenha precedência como a principal figura religiosa e política em diversos dos capítulos de abertura de 1 Samuel (1—3, 7—12, 13, 15—16), o seu aparecimento é extremamente limitado aos contextos narrativos que seguem a tradição concernente à unção de Davi (16.6-16).

Uma breve referência a Samuel aparece em uma nota acerca de sua morte em 25.1, e ele também fala rapidamente acerca de uma falsa aparição póstuma ao rei Saul no final de 1 Samuel (28.12-19).

Tomado como um todo, então, o número total de seções narrativas que cobrem a figura de Samuel é relativamente pequeno quando comparado com a quantidade de material dedicado às tradições da arca (cap. 4—6) e da monarquia de Saul (cap. 9—31), por exemplo.

Além do mais, Samuel é completamente apagado pela figura de Davi, que recebe cerca de 40 capítulos de cobertura literária em ambos os livros (1 Sm 16—2 Sm 24).

O fato de que esses dois livros tenham recebido o nome de Samuel, embora ele não seja o personagem dominante nos mesmos, simplesmente confirma o costume antigo dos intérpretes judeus que nomeavam os livros bíblicos segundo as figuras proeminentes da história de Israel.

Segundo, relatos visivelmente paralelos, incongruências, e tensões dentro do texto fornecem uma sólida evidência de que os livros de Samuel sejam o resultado da compilação de tradições independentes ao longo de um extenso período de tempo (Harrison, 1969, p. 696).

O erudito inglês R. H. Pfeiffer, por exemplo, enumerou vários exemplos de discrepâncias textuais em seu texto introdutório (1941, p. 340):

O anúncio concernente ao fim de Eli e de sua casa em duas ocasiões (1 Sm 2.13 ss.; 3.11 ss.);

A unção sigilosa de Saul (9.26—10.1),

Seguida de duas cerimônias públicas nas quais Saul é escolhido (10.21; 11.15);

Duas ocasiões nas quais Samuel rejeita Saul como rei (13.14; 15.23);

Duas apresentações de Davi a Saul (16.21; 17.58);

Duas fugas nas quais Davi escapou da corte de Saul (19.12; 20.42);

Duas ocasiões em que Davi poupou a vida de Saul (24.3; 26.5);

Três alianças diferentes entre Davi e Jônatas (18.3; 20.16,42; 23.18);

Duas fugas nas quais Davi foi para Gate (21.10; 27.1),

E a perplexa tradição relativa à morte de Golias por Davi e posteriormente por um guerreiro chamado Elanã (1 Sm 17.51; 2 Sm 21.19).

Além dos exemplos mencionados acima, marcantes diferenças na perspectiva religiosa podem ser detectadas em diversas partes de Samuel (Szikszai, 1962,204). Dentro de 1 Samuel 7—12, por exemplo, existem visões conflitantes ou inconstantes relacionadas ao desenvolvimento da monarquia na sociedade israelita. Por um lado, existem partes no texto em que a monarquia é condenada por Deus como uma apostasia (8.17,18), mas há outras ocasiões em que a monarquia é aceitável (12.13,14) e até recomendável (9.16,17).

As mesmas afirmações podem ser feitas em relação às tradições de Saul e Davi. Há casos em que Saul é retratado sob lima visão positiva e Deus lhe é favorável (9.1 —10.16; 11.1-13; 14.47,48), mas há outras vezes em que ele é apresentado como um fracasso sem fim, de quem Deus arrependeu-se ter feito rei (15.11).

Davi, da mesma forma, é apresentado como a escolha de Deus para ser rei (16.6-13), uma pessoa de grande fé (cap. 17) e misericordiosa (cap. 24; 26), o que contrasta marcantemente com os textos que o revelam como um assassino brutal e calculista que Deus tem de castigar (2 Sm 11 —12), ou como um pai fraco e um comandante pouco sólido (cap. 14—19).

Terceiro, a análise textual tem convincentemente demonstrado que o Texto Massorético de Samuel, no qual as traduções inglesas modernas são baseadas, está praticamente em um “reparo precário” e tem sofrido mais na transmissão dos escribas do que qualquer outro livro do AT (Mc Carter, 1980b, p. 5). O TM de 1 e 2 Samuel está extensivamente assolado pela haplografia, isto é, pela omissão de palavras ou frases provocada por sequência repetidas de letras (mais frequentemente no final das palavras) e assolado também por vários outros erros de cópia cometidos pelos escribas.

Além disso, o texto hebraico desses livros é menor do que a tradução grega da Bíblia hebraica e de outras versões antigas como a Vulgata Latina, os Targuns Aramaicos, e a Peshitta (Birch, 1998, p. 950). Até recentemente, os eruditos acreditavam que os tradutores gregos tivessem simplesmente acrescentado tradições aos seus manuscritos e expandido o texto em geral assim. Essa é uma visão que tem sido modificada baseada na cuidadosa análise textual.

A fim de dar um sentido às corrupções e aos defeitos do texto hebraico e no esforço de reconstruir uma edição mais confiável do texto hebraico, os eruditos foram forçados a comparar e contrastar sistematicamente o texto hebraico de Samuel com o material da fonte de Crônicas e de outras traduções antigas como a Septuaginta (LXX).

 Leituras atenciosas e avaliações cuidadosas de diversas testemunhas textuais antigas dos livros de Samuel feitas por críticos textuais como Thenius, Wellhausen e Driver, do século 19, revelaram que as diferenças entre o texto grego de Samuel e o texto hebraico estão relacionadas a mais do que simples tradições editoriais e pequenas interpolações.

Os críticos textuais explicaram que os escritos gregos e hebraicos de Samuel divergem-se tanto porque os tradutores da Septuaginta basearam seu trabalho em um texto hebraico (um protótipo) que precedia o Texto Massorético, e não está mais disponível para nós.

A pesquisa do texto hebraico de Samuel também tem se aperfeiçoado grandemente nos últimos 60 anos devido à descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto.

Na antiga biblioteca da seita Qumrã, três manuscritos foram descobertos (Ulrich, 1999). O mais importante deles, 4QSama, data de 50 a.C.—25 a.C. e contém grande parte de 1 e 2 Samuel em condições bem preservadas. O segundo, 4QSamb, que data de meados do terceiro século a.C., contém uma parte muito mal preservada de 1 Samuel. O terceiro, 4QSamc, é do início do primeiro século a.C. e contém fragmentos de 1 Sm 25 e 2 Sm14- 15.

Comparações do texto hebraico com a literatura Qumrã parecem confirmar a proximidade de uma primeira tradição hebraica com o protótipo da LXX. Os críticos textuais determinaram especificamente que os textos do Qumrã estão mais próximos dos manuscritos Luciânicos (LXXL) do que do Codex Vaticanus (LXXB) (Klein, 1979, p. 314).

Isso sugere que a tradição Luciânica representa um deslocamento em direção à tradição do texto hebraico-palestino que é representado pela literatura Qumrã (Flanagan, 1992, p. 958).

3. A História Deuteronomista

Além do trabalho dos críticos textuais, o conhecimento sobre o desenvolvimento dos livros de Samuel foi grandemente aprimorado pela publicação da monografia de Martin Noth sobre a História Deuteronomista (Noth, 1991). Antes da publicação de Noth, os eruditos do final do século 19 e do início do século 20 tentavam explicar a composição dos livros que se estendem de Josué a Reis à luz da fonte do criticismo pentatêutico.

Esse método de investigação provou ser malsucedido, já que eruditos críticos das origens não puderam concordar que fontes pentatêuticas realmente continuaram nos livros históricos, tampouco conseguiram concordar sobre o limite onde as fontes paravam e o material ou arquivo histórico começavam.

A obra de Noth discutia essa questão, argumentando que os livros desde Josué até Reis não eram um produto das fontes que compunham o Pentateuco, mas surgiram de um processo de transmissão diferente (para um sumário, veja também Branson, 2009, p. 26-30).

Noth afirmava basicamente que os livros de Josué a Reis eram um produto de um único autor/redator a quem ele rotulou de “Dtr”. Noth argumentava que esse autor/editor era um compilador/arranjador da antiga fonte de materiais e um autor criativo. Noth alegava que o Dtr havia composto discursos importantes em conjunturas críticas da história de Israel (Js 1,23; 1 Sm 12; 1 Rs 8.14 ss.) e fornecia reflexões resumidoras (Js 12; Jz 2.11 ss.; 2 Rs 17.7 ss.) que ajudavam a trazer um senso de coesão aos discrepantes materiais de origem. Dessa forma, segundo Noth, a agenda teológica/ideológica do Dtr poderia ser averiguada não somente na maneira como ele organizou os documentos que tinha à sua disposição, mas também nos discursos e nas declarações sucintas que ele compôs.

Noth ainda postulou que o Dtr fornecia uma avaliação teológica e ideológica do passado de Israel. O Dtr recontava a história dessa nação e avaliava o povo israelita e seus líderes à luz das leis promulgadas em Deuteronômio. Assim, o termo História “Deuteronomista’’ foi cunhado.

Noth sustentava que a H.D. explicava primariamente o porquê de os exílios de 721 a.C. e 586 a.C terem acontecido. De acordo com o Dtr, o povo de Israel foi para o exílio porque consistente e repetidamente desobedeceu à instrução de Deus que foi estabelecida nas leis de Deuteronômio.

Dessa forma, a H.D. demonstrou que o exílio era apenas uma punição executada por Deus em razão dos pecados de Israel. Noth também afirmava que, porque as leis de Deuteronômio forneciam as lentes teológicas pelas quais o Dtr julgava o passado de Israel, as mesmas funcionaram como o prefácio de Josué a Reis e não deveriam ser incluídas como parte do Pentateuco.

Desde a publicação da obra de Noth, tem havido muitas reações e objeções à sua tese inicial concernente à história composicional dos livros históricos. Na América do Norte, Frank M. Cross, de Harvard, postulou que a H.D. era composta de duas fontes majoritárias, e não era trabalho de apenas um autor/editor.

A primeira edição da H.D, à qual ele chamou de Dtr 1, era um documento pré-exílico que apontava para as reformas do rei Josias e as apoiava (2 Rs 22—23).

A segunda edição, rotulada de Dtr 2, foi uma obra exílica que atualizou a última parte de Reis (2 Rs 24—23), transformou Dtr 1 em um sermão para a comunidade exílica e prometeu a esperança de restauração (1973, p. 274-289).

Certo número de eruditos, principalmente da América do Norte, considera a visão das duas teorias redacionais de Cross persuasiva e as tem articulado de várias formas (Nelson, 1981; Friedman, 1981, p. 167192).

Os eruditos europeus providenciaram uma contrapartida para a principal tese de Cross concernente à composição da H.D. Os pesquisadores da Gottingen School, em particular, propuseram um modelo que sugere que a H.D. seja uma obra completamente exílica.

Ao contrário de Noth, entretanto, que argumentava que a H.D. era o produto de um indivíduo, os membros da Gottingen School propuseram que a H.D. fosse composta de três camadas específicas de edição exílica (Dietrich, 1972; Smend, 1971, p. 494-509; Veijola, 1975).

A primeira camada servia como a linha histórica básica ou registro histórico (o Grundschrift) do passado de Israel, a qual eles rotularam de DtrG (580 a.C.). Depois da DtrG, outra camada de edição foi incluída, a qual enfatizava a função dos profetas na H.D. (i.e., 1 Rs 14.7-11; 16.1-4; 21.20b-24; 22.38; 2 Rs 9.6-10, 36; 10.17; 21.10-16; 24.2), que foi rotulada de DtrP e atribuída aos círculos proféticos (561 a.C.).

A camada redacional final foi incluída por um editor que demonstrava interesse pela Lei, ou Torá de Moisés, e enfatizava a obediência à mesma (i.e., 1 Rs 3.4-15; 9.1-9). Eles rotularam esse editor de DtrN (560 a.C.) ou editor nomista (nomista = lei).

Nas últimas décadas, os eruditos têm proposto outros modelos teóricos para explicar o desenvolvimento da H.D. que incorporou elementos das teorias acima e também caminhou em outras direções.

A seguir, há uma lista básica que resume as tendências metodológicas dentro da pesquisa da H.D. nos últimos 60 anos:

a. A H.D. estava sendo revisada constantemente no decorrer da história de Israel, de forma que é composta de diversas edições pré-exílicas (pré- -Ezequias, Ezequias, Josias) que incluíram atualizações exílicas (Friedman, 1981; Lemaire, 1986, p. 221-236; Provin, 1988; Weippert, 1972, p. 301339; Sweeney, 2007, p. 1-32).

b. A H.D. foi o produto de um registro “profético” que se estendeu desde 1 Samuel 1—2 Reis 10, também incluía uma edição de Josias e atualizações exílicas (Campbell, 1986; O’Brien, 1989).

c. A H.D. é o produto de um escritor criativo que viveu durante o período do exílio (Hoffman, 1980; Van Seters, 1983).

d. A H.D. foi composta por escritores/editores da escola Deuteronomista. Essa escola era baseada na tradição da sabedoria do antigo Oriente Próximo (Weinfeld, 1972) ou fazia parte de um movimento de reforma que existiu no período exílico e pós-exílico (Person, 2002).

Como o leitor pode ver, as teorias modernas da composição da H.D. são complexas e tomam muitas formas. E improvável que um consenso seja alcançado no futuro próximo. A tendência mais recente na cultura bíblica inclui o estudo dos livros históricos dentro da estrutura geral de Gênesis a Reis. Os eruditos agora se referem aos livros de Gênesis a Reis como Eneateuco, porque acreditam que os livros históricos compartilham um relacionamento genético com os primeiros cinco livros do AT.

Os eruditos também discordam de Noth quanto ao propósito de que a H.D. serviu na vida da comunidade israelita. Noth defendia que a H.D. primariamente explicava a razão pela qual o exílio ocorreu e não provia nenhuma palavra sobre o futuro ou sobre o que os israelitas deveriam fazer quando o exílio acontecesse.

Então, em seu raciocínio, a H.D. permanecia fechada e um pouco pessimista. Outros eruditos, entretanto, defendiam que a H.D. fornecia uma medida de esperança para a comunidade exílica e posterior.

Gerhard Von Rad, por exemplo, destacou a promessa de Deus a Davi para estabelecer uma dinastia eterna e analisou como Deus preservou a dinastia no decorrer da história de Israel. A nota no final de 2 Reis, sobre a libertação de Jeoaquim da prisão, permaneceu como uma prova positiva de que Deus havia cumprido a Sua palavra até mesmo no exílio. Dessa forma, para Von Rad, um tom de graça permeava as páginas da história, e a história de Israel permanecia com o final aberto (1953, p. 74-96).

Além de Von Rad, H. W. Wolff estudou a H.D. e notou que um esquema de rebelião-punição-arrependimento - restauração podia ser detectado na mesma. Wolff argumentou que a H.D. mostrava que, quando Israel “voltava” para Deus em arrependimento, Deus estendia o perdão e a cura à comunidade. Wolff acreditava, então, que a H.D. era verdadeiramente uma querigma ou uma mensagem ao povo que vivia exilado, no sentido de que a mesma apresentava um modelo daquilo que eles deveriam fazer quando enfrentassem o castigo.

Os exilados precisavam entender que eles estavam no segundo estágio do ciclo, e, assim, precisavam “retornar” a Deus em arrependimento (Wolff, 1975, p. 83-100).

4. Os livros de Samuel

Os eruditos do Antigo Testamento desenvolveram diversas teorias e ideias nas ultimas décadas para explicar os assuntos difíceis que aparecem no texto e para explicar as origens, e a composição dos livros de 1 e 2 Samuel também. Os livros de Samuel apresentam seus próprios desafios intrínsecos em relação à sua composição histórica. Os livros de Samuel mostram muito pouco da linguagem deuteronomista e das técnicas de edição que os livros de Reis demonstram, por exemplo.

Esse fato tem levado os eruditos a argumentarem que os livros de Samuel são uma compilação em “blocos” de materiais/tradições que foram reunidos ao longo do tempo. Noth, por exemplo, permitiu alguma edição deuteronomista, a qual ele argumentava que poderia ser detectada nas seguintes passagens (Baldwin, 1988, p. 25):

1. 1 Sm 7.2b, a nota cronológica, “e tantos dias se passaram, que chegaram a vinte anos”.

2. 1 Sm 7.7-14, Noth fez conexão com Jz 13.1.

3. 1 Sm 13.1, a nota cronológica concernente ao reino de Saul.

4. 2 Sm 2.10,11, os reinados cronológicos de Is-Bosete e Davi.

5. 1 Sm 8 e 12, a desaprovação de Dtr do estabelecimento da monarquia.

6. 2 Sm 5.4,5, a cronologia do reino de Davi; e 5.6-12, a conquista de Jerusalém por Davi.

7. 2 Sm 7.7a, 22-24, notas editoriais concernentes à proibição do templo e a promessa relacionada à instituição da monarquia davídica.

Noth, acima de tudo, considerava essas inserções editoriais e essas composições relativamente pequenas, considerando a extensão geral dos livros de Samuel. Grande parte do material original de Samuel derivava-se de tradições escritas mais antigas do que Dtr tinha à sua disposição. Dentro dos livros de Samuel, várias unidades independentes de tradição foram identificadas por Noth e por outros:

a. A história de Samuel

Os materiais relatados sobre a vida de Samuel estão concentrados nos capítulos 1—3, 7—8, 12, 15 em particular. Nesses textos, Samuel é apresentado como o fiel sacerdote/profeta/juiz que substitui Eli e sua casa corrupta no santuário de Silo. Samuel era o fruto de um voto nazireu que conduziu a comunidade da fé na adoração apropriada a Yahweh (YHWH), alguém que o povo reconheceu como um profeta “fidedigno”.

Samuel também foi instrumental durante esse período de transição na sociedade de Israel, tornando-se o indivíduo responsável por ungir Saul, e, depois, Davi como reis de Israel. Sua função foi essencial para solidificar o pedido do povo por um rei (1 Rs 8; 12). Embora Samuel tivesse uma participação crucial na transição do período entre os juízes e a monarquia, sua importância na porção restante da história de Israel é limitada.

 

b. A narrativa da arca

Nos livros de Samuel, a narrativa da arca está localizada em duas de seções: 1 Sm 4.1b—7.1 e 2 Sm 6. Na primeira parte da narrativa da arca, ela foi capturada pelos filisteus, tirada da terra de Israel, e levada ao território filisteu. Os filisteus, entretanto, sofreram grandes e terríveis calamidades por causa da arca e perceberam que precisavam devolvê-la ao território israelita. A arca fica misteriosamente ausente ao longo do restante de 1 Samuel e reaparece somente em um breve episódio depois que Davi torna-se rei. Davi tomou a arca do território de Quiriate-Jearim, onde a mesma havia permanecido por muitos anos, e transportou-a para Jerusalém, a capital recém-estabelecida. A arca permaneceu em Jerusalém e foi instalada no templo de Salomão mais tarde (1 Rs 8.3,4). As referências sobre a arca não aparecem depois de 1 Reis 8, mas a mesma provavelmente foi tomada ou destruída durante o exílio babilónico.

c. As tradições sobre Saul

O surgimento de Saul como o primeiro rei sobre a nação de Israel e a rejeição ao seu reinado dominam os capítulos 9—15. Várias tradições independentes sobre Saul e sobre como ele tornou-se rei foram compiladas pelo(s) editor(es) deuteronomista(s) (9.1 —10.16; 10.17-27; 11.14,15) e reunidas com o material relacionado às batalhas de Saul contra os amonitas (11.1-13), os filisteus (13.1 —14.46) e os amalequitas (15.1-34) para compor esta unidade.

Além do mais, um breve relatório sumário concernente às façanhas e à família de Saul aparece no final de 1 Samuel 14 (v. 47-51).

A maneira como essas tradições foram situadas pintam um retrato muito complicado e confuso de Saul. Elas resultam em uma perspectiva do rei Saul que é tanto positiva como negativa. Os eruditos têm sido rápidos para acusar que, do ponto de vista de seu arranjo canônico, os cap. 8—12, especialmente, fornecem retratos contrastantes da monarquia de Saul (Childs, 1979, p. 277278). Os capítulos 8 e 12 geralmente criticam o pedido do povo por um rei como uma rejeição da liderança de Yahweh, assim a instituição do reinado é entendida como menos do que ideal. Yahweh, entretanto, permitiu que o povo tivesse um rei, mas com certas estipulações. O material em 10.17-27 retrata Saul como um candidato tímido, quase relutante, para o reinado que parece improvável de inspirar esperança e coragem entre os israelitas. Isso se torna uma questão central no capítulo 13, em particular, quando Saul fracassou em liderar o povo durante o tempo de crise e deixou o temor aos filisteus influenciá- lo, assim ele desobedeceu à ordem de Samuel. Imprensados entre esses relatos desonrosos sobre Saul e o reinado existem relatos honrosos sobre o primeiro rei de Israel. 1 Samuel 9.1 —10.16 oferece uma visão favorável de Saul no sentido de que Deus o selecionara para ser um vaso por intermédio do qual os israelitas seriam libertados da opressão filisteia (9.16). Nessa situação, Saul parece-se muito com os juízes da era anterior, aqueles que Deus levantava em tempos oportunos para livrar o Seu povo. Nesse mesmo ramo, o capítulo 11 apresenta Saul como um herói militar que livrou o povo de Jabes-Gileade da opressão amonita. Como é o caso de 9.16, onde Saul aparece como uma figura heroica que libertou o povo de Deus. Assim, dentro do contexto canônico dos capítulos

8—12, dois relatos favoráveis a Saul são unidos a três relatos desonrosos ao rei. Isso indica que os escritores bíblicos tiveram visões diversificadas sobre Saul e sobre o reinado em geral, prevalecendo a visão negativa.

As narrativas restantes sobre Saul nos capítulos 13—15 destacam os defeitos de sua monarquia. Saul era um líder tímido que desobedeceu à palavra de Samuel quanto ao sacrifício (cap. 13). Saul também fracassou em sua missão como comandante militar, sendo incapaz de derrotar os filisteus. O texto faz questão de mostrar que ele era verdadeiramente uma barreira para o sucesso das guerras de Israel contra aquela nação (cap. 13—14). Saul também fracassou em obedecer à ordem de Deus em relação à guerra contra os amalequitas, quando ele poupou alguns dos despojos da batalha (cap. 15). No capítulo 15, Deus já estava arrependido de ter escolhido Saul como rei e enviou Samuel para levar a palavra da morte de Saul (v. 26-28). A porção restante de 1 Samuel (16-31) é dedicada à queda do rei.

d. A história da ascensão de Davi

Leonard Rost foi um dos primeiros eruditos que dividiu a história de Davi em duas partes distintas nos livros de Samuel: a história da ascensão de Davi (1 Sm 16—2 Sm 5) e a narrativa da sucessão (2 Sm 9—20; 1 Rs 1—2) (1982). A história da ascensão de Davi segue sua meteórica ascensão ao trono, começando com sua unção pelas mãos de Samuel (1 Sm 16) e concluindo com o estabelecimento de Davi como rei sobre todas as tribos de Israel (2 Sm 5). Dentro do material relacionado à ascensão de Davi ao trono, o texto retrata-o em termos muito favoráveis, quase idealísticos. Deus era com ele (1 Sm 16.18; 17.37; 18.12, 28,29; 2 Sm 5.10) e concedeu-lhe sucesso em tudo o que se propôs a fazer. Deus também deu graça a Davi diante do povo (1 Sm 18.16) de forma que os israelitas quiseram vê-lo rei e confessaram que a legítima ocupação do trono seria apenas uma uma questão de tempo (2 Sm 5.2). No decorrer da história da ascensão de Davi, diversos elementos importantes sobre ele são destacados:

1. Davi foi escolhido por Deus para substituir Saul: Deus enviou Samuel para ungir Davi como o rei nomeado depois que Saul foi rejeitado pelo Senhor (1 Sm 16). Quando Samuel chegou à casa de Jessé, em Belém de Judá, sete dos filhos de Jessé tiveram de passar diante do profeta antes que Davi fosse selecionado. Deus lembrou a Samuel: “Não considere sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei. O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (v. 7). A preocupação de não colocar a ênfase na aparência nem na altura do indivíduo diferenciou Davi de Saul, que ficou conhecido por ser elegante e alto (9.1-2). O texto indica que a força da liderança de Davi seria a sua obediência a Deus, e não os seus atributos físicos.

2. Davi era um jovem caracterizado por sua coragem e sua fé: No caminho de Davi ao trono, ele demonstrou ser um indivíduo com muita fé e muita coragem. Em nenhum lugar isso é mais exemplificado do que na narrativa de Golias (1 Sm 17). Enquanto Saul e seus homens acovardavam-se com medo diante do guerreiro filisteu, Davi ofereceu-se para enfrentar Golias, que havia desafiado os exércitos do Senhor. Saul concordou em deixar Davi desafiar Golias, e Davi saiu ao encontro do guerreiro com uma funda, algumas pedras, e “em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel” (v. 45). A vitória de Davi sobre Golias demonstrou sua grande confiança em Yahweh, que o havia livrado "das garras do leão e das garras do urso” (v. 37).

3. Davi era popular entre o povo: Em seu percurso ao trono, Deus deu graça a Davi diante dos olhos do povo de Israel. Davi tornou-se tão popular entre os israelitas que, quando chegou o momento de assumir o trono, o povo já havia antecipado que isso aconteceria (2 Sm 5.2). Davi provou ser um grande líder na batalha e Deus lhe deu sucesso contra os filisteus, os rivais de Israel. Como resultado, as mulheres cantaram louvores a ele (1 Sm 18.6,7) e o povo de Israel e de Judá amava-o (v. 16). Em uma irônica virada, o texto menciona que os próprios filhos de Saul “amavam” Davi, embora Saul tivesse suspeitas dele, tentando aniquilá-lo em diversas ocasiões. O amor que os filhos de Saul demonstravam a Davi é evidenciado de várias maneiras importantes. Primeiro, o filho de Saul, Jônatas, de modo bastante óbvio, entregou os símbolos do poderio real a Davi: sua capa, sua armadura e sua espada, juntamente com seu àrco e seu cinto. O gesto de Jônatas indicava que ele sabia que Davi seria o próximo rei de Israel (v 4), o que era particularmente significativo à luz do fato de que Jônatas era o herdeiro legítimo do trono de Saul. Jônatas voluntariamente se afastou e renunciou seus direitos de herdeiro para que Davi pudesse ocupar o seu lugar como o próximo rei de Israel. Segundo, os filhos de Saul demonstraram seu amor por Davi ao colocarem suas vidas em risco a fim de salvá-lo. Jônatas intercedeu pelo jovem filho de Jessé na corte de Saul e deu-lhe sinal de que não era seguro para seu amigo retornar à sua família (1 Sm 19.1-7; 20.1-42). Mical, filha de Saul, casou-se com Davi e salvou a vida dele, ajudando-o a escapar dos servos de seu pai (19.8-17). Os esforços de Jônatas e Mical, que defenderam Davi, apresentam um tremendo contraste com os esforços do pai deles, que estava determinado em matá-lo.

4. Diante de Saul, Davi agiu com nobreza e com justiça: No decorrer da história da ascensão de Davi, a obsessão de Saul em matá-lo é repetidamente contrastada com o tratamento misericordioso e respeitoso de Davi para com o rei. Em duas ocasiões, Davi foi apresentado com a oportunidade de exercer vingança contra Saul pelo sofrimento que o rei havia lhe causado. Em ambas as situações (1 Sm 24; 26), Davi recusou-se a matar Saul, que representava o “ungido do Senhor”. A magnanimidade de Davi para com Saul diante da persistente provocação apresenta-o como mais virtuoso e mais justo do que Saul. As palavras de Saul para Davi: “Você é mais justo do que eu”, disse a Davi. “Você me tratou bem, mas eu o tratei mal” (1 Sm 24.17) servem para enfatizar o caráter de Davi e apresentá-lo como uma opção mais favorável ao reinado do que Saul. O generoso tratamento de Davi para com Saul fez o rei proclamar: “Agora tenho certeza de que você será rei e de que o reino de Israel será firmado em suas mãos” (1 Sm 24.20).

5. Davi, o político bem-sucedido: A história da ascensão de Davi apresenta-o como um político perspicaz e bem-sucedido. Davi fortaleceu sua reputação política entre o povo de maneira lenta e metódica, permitindo-o construir uma base de poder que, mais tarde, tornou-se rival do reino de Saul. A primeira fase da ascensão política de Davi começou durante sua fuga no deserto, na qual um grupo de 400 homens procurou-o como líder (22.2).

Davi também se tornou um vassalo do rei filisteu Aquis durante esse período e recebeu a cidade de Ziclague para governar (cap. 27). Enquanto esteve em Ziclague, ele e seus homens saqueavam vários povos e apresentavam os despojos capturados às famílias e aos clãs que, mais tarde, comporiam a tribo de Judá (30.26-30). A carreira política de Davi continuava a crescer enquanto as famílias e os clãs do sul ungiam Davi como o rei de Judá (2 Sm 2.1-4). Davi reinou sobre a tribo de Judá em Hebrom, onde ele permaneceu por sete anos e meio. A última fase da ascensão política de Davi ocorreu após a morte de Is-Bosete, filho de Saul (4.5-7). Quando Is-Bosete foi assassinado, a última barreira para o trono de Saul foi removida e as tribos do norte endossaram a Davi seu reino (5.2-5). Davi reinou sobre Israel por 33 anos e meio e conseguiu estabelecer uma dinastia que continuou existindo por mais de 400 anos.

Como novo rei de Israel, Davi e seus homens capturaram a cidade dos jebuseus (Jerusalém), que se tornou conhecida como “a cidade de Davi” (v. 7). Ele também recuperou a arca do concerto e levou-a para sua recém-estabelecida capital da monarquia unificada (cap. 6). Essa foi uma habilidosa mudança de Davi, pois ele era proveniente do território de Judá, e não das tribos do norte que Saul governara outrora. Já que a arca representava um importante símbolo religioso para o povo do norte, essa foi uma maneira engenhosa de Davi tornar-se favorável ao povo que era leal a Saul. Além disso, Davi desfrutou de sucesso militar contra as nações ao seu redor e foi capaz de estender a influência de Israel para muito além das fronteiras da nação; assim ele conseguiu construir um império respeitável (8.1-14).

Os eruditos que estudaram a história da ascensão de Davi têm mencionado que a mesma apresenta as características de uma “apologia” e funciona como uma “defesa de Davi” (McCarter, 1980a, p. 489-506; Weiser, 1966, p. 325-354). Uma leitura cuidadosa do material relacionado à ascensão dele indica várias características perturbadoras quanto ao modo pelo qual Davi subiu ao trono. A informação do texto poderia sugerir que Davi não foi simplesmente um personagem passivo do drama que se desenrolou entre ele e Saul, mas que Davi teve uma função ativa na aquisição da monarquia. Primeiro, ele associou-se com homens rudes que representavam os marginais da sociedade e agiam como mercenários. Davi dependeu da ajuda deles durante sua fuga de Saul, e eles ajudavam-no quando ele fazia ataques brutais a várias comunidades na parte sul de Israel (1 Sm 27.8-11). Esses homens também forneciam “proteção” para o povo no território da tribo de Judá e esperavam receber algum pagamento em retorno (25.1-17).

Segundo, Davi entendia a importância de fazer conexões pessoais com quem poderia ajudá-lo a avançar em sua carreira política. Isso era especialmente verdadeiro quanto às mulheres com quem Davi aliou-se. Ele casou-se com Mical, a filha de Saul, e, assim, tornou-se genro do rei e membro da família real. Davi também se casou com Ainoã (v. 43), a qual é ironicamente mencionada como esposa de Saul também (14.50). Alguns estudiosos argumentam que Davi tomou a esposa de Saul para si em sua jornada rumo ao trono (Levenson e Halpern, 1980, p. 507-518). Se for verdade, então Davi pôde fortalecer sua posição política com esse ato. Davi também se casou com Abigail, a viúva de Nabal (25.42). Nabal era um homem rico que tinha grande influência entre os clãs e as famílias da parte sul de Judá. Por meio de seu casamento com Abigail, Davi adquiriu a riqueza de Nabal e solidificou sua posição entre as tribos que iriam, mais tarde, coroá-lo rei de Judá. Davi também teve uma esposa chamada Maaca, que era filha do rei Talmai, de Gesur (2 Sm 3.3). O território de Gesur ficava fora da terra de Israel, na fronteira nordeste. Por intermédio de Maaca, Davi conseguiu solidificar um aliado político que estava localizado bem à margem do reino de Saul. Dessa forma, parece que Davi beneficiou-se consideravelmente com as mulheres com quem se casou.

Terceiro, Davi beneficiou-se grandemente com a morte das pessoas associadas à casa de Saul. Gradualmente, os “competidores” ao trono de Saul foram sendo eliminados e o caminho de Davi rumo ao trono ficou amplamente aberto. Saul e Jônatas morreram quando lutavam contra os filisteus (1 Sm 31); o general de Saul, Abner, morreu quando negociava a transferência das tribos do norte para o lado de Davi (2 Sm 3.27); Is-Bosete, o filho que sobrou de Saul, foi assassinado por dois renegados (4.7); e os gibeonitas mataram os homens restantes da família de Saul (21.7-9). Em cada um desses casos, as pessoas responsáveis pelo assassinato tinham conexões com Davi, de uma forma ou de outra. O amalequita que disse ter matado Saul foi a Davi com a coroa e o bracelete do rei em suas mãos (1.10,11); o general de Davi, Joabe, assassinou Abner depois que o mesmo havia concordado em ajudar a trazer as tribos do norte para o lado de Davi (3.27); Recabe e Baaná retornaram a Davi em Hebrom, trazendo a cabeça de Is-Bosete nas mãos após seu assassinato (4.8); e Davi pessoalmente deu permissão aos gibeonitas para aniquilarem os descendentes de Saul. Isso garantiu que nenhum descendente de Saul fosse capaz de desafiá-lo ao longo do tempo (21.6,9).

O propósito essencial da história da ascensão de Davi, os eruditos argumentam, foi intencionado a abordar essas questões e demonstrar que Davi não era alguém de fora, que cuidadosa e cruelmente arquitetou seu caminho até o trono, mas tornou-se o rei de Israel por meios legítimos.

Em primeiro lugar, embora Davi fosse natural do território de Judá e também fosse figura desconhecida de Saul e das tribos do norte, ele não era um intruso porque se tornou um membro da família de Saul, então, ele tinha algum direito legal sobre o trono. No decorrer da narrativa, Saul chamou Davi de “meu filho” (1 Sm 24.16; 26.17,25) e ele tornou-se o genro do rei (18.18, 21-23, 26,27). Além disso, Jônatas, o filho do rei e seu herdeiro legítimo, essencialmente transferiu a Davi seu direito ao trono (v. 4) e reconheceu que Davi seria rei um dia (23.17). Ademais, Saul ainda alegou que Davi ascenderia ao trono, “legitimando” o jovem aos olhos do povo.

Em segundo lugar, a história da ascensão de Davi também tenta distanciá- lo dos assassinatos de importantes pessoas ligadas a Saul. Em quase todas as ocasiões em que pessoas associadas a assassinatos aproximaram-se de Davi, ele proclamou sua inocência e denunciou aqueles que haviam cometido o ato (2 Sm 1.14-16; 3.28; 4.10-12). AJém disso, no caso da morte de Jônatas e Saul, o texto coloca Davi longe do monte Gilboa (o local onde Saul e seus filhos foram mortos), provando que Davi não poderia estar envolvido na morte deles. Dessa forma, Davi “fica livre” de ter feito o mal, embora outros trouxessem acusações contra ele (16.7-8).

e. A narrativa da sucessão

Rost também identificou uma segunda parte importante na vida de Davi, a qual ele intitulou de narrativa da sucessão. Diferentemente da história da ascensão de Davi, a narrativa da sucessão é muito menos idealística e apresenta um Davi que estava propenso a fracassos morais, ele era uma frustração como pai, e alguém que era assolado por todos os tipos de disfunções familiares e políticas. Rost rotulou o material de 2 Sm 9—20 e 1 Rs 1—2 de narrativa da sucessão porque o mesmo concentra-se na questão central: “qual dos filhos de Davi o sucederá como rei de Israel?” No decorrer do complexo narrativo, diversos “concorrentes” ao trono apareceram e diferentes facções lutaram pelo controle do reino. Já que Mical, a mulher de Davi, falhou em reproduzir um herdeiro para o rei (2 Sm 6.23), o sucessor veio de outra das mulheres de Davi. Assim, uma contenciosa e sangrenta disputa entre os filhos de Davi teve lugar. Absalão matou seu meio-irmão, Amnom, por este ter estuprado Tamar. Mais tarde, Absalão fomentou uma revolta contra Davi e estabeleceu-se como rei por um curto período até ser eliminado por Joabe (2 Sm 14—19). Adonias, o filho de Davi que tinha respaldo de pessoas influentes, como Joabe, proclamou-se rei no final da vida de Davi (1 Rs 1). A tentativa de Adonias para conquistar o trono foi frustrada por uma facção que, com êxito, persuadiu Davi a proclamar Salomão rei (cap. 1—2). O trono de Salomão somente foi solidificado depois que ele removeu, com sucesso, as pessoas que se opuseram a ele anteriormente (cap. 2). Dessa forma, no final da narrativa de sucessão, Salomão surgiu como o herdeiro de Davi, mas não sem muitos conflitos e bastante derramamento de sangue.

Os acontecimentos amargos que levaram Salomão à coroação estão dispostos dentro de um quadro teológico. A razão pela qual Davi enfrentou contenda em sua família e sofreu retrocessos políticos é decorrente do seu caso com Bate-Seba e do assassinato de Urias, marido de Bate-Seba (2 Sm 11). O profeta Natã usou uma parábola para censurar o comportamento de Davi, que selou sua própria sorte ao condenar o homem rico da história que roubou a ovelha do homem pobre: Juro pelo nome do Senhor que o homem quefez isso merece a morte! Deverá pagar quatro vezes o preço da cordeira, porquanto agiu sem misericórdia (2 Sm 12.5,6). Ao pronunciar esse veredito, Davi requereu o assassinato de Urias para si mesmo e aplicou uma sentença jurídica sobre a sua própria cabeça. Um exame dos eventos que seguiram a entrevista de Davi revela que suas palavras foram proféticas, no sentido de que ele realmente pagou quadruplicado por suas transgressões: o primeiro filho gerado por Bate-Seba morreu, Amnom foi morto por Absalão, este pereceu na revolta contra Davi, e, finalmente, Adonias morreu pelo legado de Salomão. Os acontecimentos que transcorreram na vida de Davi e em sua família também foram o cumprimento do oráculo de Nata contra o rei: Por isso, a espada nunca se afastará de sua família, pois você me desprezou e tomou a mulher de Urias, o hitita, para ser sua mulher (2 Sm 12.10). Na narrativa da sucessão, então, uma importante lição é transmitida ao público: nem mesmo Davi, o ungido de Deus, conseguiu ostentar ou menosprezar a lei de Deus sem sujeitar-se à correção divina. Davi pagou um alto preço por suas transgressões, tanto pessoal como politicamente.

Ao examinar a vida de Davi no livro de Samuel, torna-se aparente que o(s) editor(es) deuteronomista(s) havia(m) dividido a sua vida sob duas manchetes distintas: “Davi debaixo da bênção” e “Davi debaixo da maldição” (Carlson, 1964).

f. Os apêndices

Os últimos quatro capítulos de Samuel (21.1—24.25) são compostos de uma diversidade de materiais. Esses materiais incluem: uma narrativa acerca da expiação da culpa de Saul (21.1-14), duas listas de heróis e seus feitos (21.1522; 23.8-39), duas canções de gratidão (22.1-51; 23.1-7), e uma narrativa sobre a expiação da culpa de Davi (24.1-25). Embora pareçam estar dispostos de modo casual, os estudiosos entendem que esses capítulos estão cuidadosamente organizados em um padrão de estrutura quiástica (Por trás do texto em 2 Sm 21.1—24.25). Essa estrutura destaca temas importantes, como o abuso de poder do rei e a onipotência e a misericórdia de Deus.

D. Temas teológicos

Ao longo dos livros de Samuel, dois temas teológicos e ideias relevantes são destacados:

1. Liderança

No decorrer da H.D. e nos livros de Samuel, especificamente, a liderança fiel é uma preocupação teológica importante que é continuamente evidenciada. Os livros de Samuel concentram-se na liderança de três principais indivíduos: Samuel, Saul e Davi. Em Samuel, e em toda a H.D., a saúde e o bem-estar da comunidade de Israel é diretamente dependente da qualidade de seus líderes. O sucesso de um líder não é julgado por fatores externos que os seres humanos usariam para avaliar a eficiência de um líder: sucesso político, vitória militar, aparência física, idade, recursos humanos ou posição social. Nos livros de Samuel, assim como em toda H.D., a verdadeira medida da eficiência de um líder está baseada em um só critério: sua fidelidade e sua obediência a Deus. Em Samuel e na H.D., o Altíssimo fez os Israelitas florescerem e prosperarem quando os seus líderes temiam-no, mas a comunidade sofria quando eles menosprezavam as Suas instruções. Em Samuel, assim como em toda a H.D., o sucesso político e militar aparecia como resultado da fiel observação do líder à instrução de Deus, mas a derrota e a instabilidade ocorriam quando o líder desvanecia-se em seu compromisso com o Senhor.

Em Samuel, vários tipos de lideranças são evidenciados:

a. A monarquia

Os livros de Samuel estão localizados em uma época de importante transição na história de Israel. O período dos juízes termina e surge a monarquia. O pedido do povo por um rei era equivalente à apostasia, e assim as origens do reinado recebem uma avaliação teológica negativa. Antes da época de Samuel, Deus havia agido como o rei de Israel verdadeiramente, mas o estabelecimento do reinado humano representava a rejeição israelita à liderança do Senhor sobre a comunidade. O Altíssimo, não obstante, permitiu que os israelitas tivessem um rei, embora a ambição deles lhe fosse desagradável. O rei de Israel foi escolhido por Deus e ungido por intermédio do ministério dos profetas. Além do mais, Ele sujeitou o rei e o povo a certas estipulações, a saber: Se vocês temerem, servirem e obedecerem ao Senhor, e não se rebelarem contra suas ordens, e, se vocês e o rei que reinar sobre vocês seguirem o Senhor, o seu Deus (1 Sm 12.14). O texto deixa claro que o povo e o rei deveriam permanecer sob a autoridade de Deus e ambos foram exortados a permanecerem fiéis a Ele. O destino de Israel estava intrinsecamente ligado à liderança do rei, e os prospectos de uma bênção futura foram pressupostos na obediência dele. A medida em que a história de Israel desenvolve-se em Samuel e em Reis, a narrativa mostra que foi o fracasso dos líderes israelitas que finalmente levou à dizimação do reino do norte em 721 a.C. e do reino do sul em 586 a.C. Assim, a história condena, pelo exílio, tanto o povo de Israel, que exigiu um rei em primeiro lugar (1 Sm 8; 12), como seus líderes.

b. 0 fracasso da liderança de Saul

Embora Deus tenha escolhido Saul para ser o primeiro rei de Israel (1 Sm 9.1—10.16), o texto de Samuel consistentemente relembra os leitores de que o seu mandato como rei resultou em um grande desastre. Teologicamente falando, o reinado de Saul é caracterizado por uma série de ironias pungentes. Por um lado, Saul parece possuir as ferramentas físicas e as qualidades que a maioria das pessoas deseja em um grande líder: ele era alto, de boa aparência e vinha de uma família influente, e ele provou ser um líder militar capaz em certos momentos. Por outro lado, porém, o texto sugere fortemente que a aparência pode ser enganosa. Ao longo das narrativas de Samuel, Saul demonstra que lhe faltava fé quando a comunidade enfrentava oposição, ele ofendeu a Deus (e a Samuel) ao oferecer sacrifícios que não estava autorizado, e ele falhou em seguir as diretrizes de Deus acerca da destruição dos amalequitas. Além do mais, Saul nunca cumpriu os propósitos para os quais Deus o escolheu originalmente, no sentido de que ele nunca derrotou os filisteus. O triste retrato da fracassada monarquia de Saul foi resultado de suas próprias ações e de seus próprios erros. No final, a monarquia de Saul foi “rejeitada”, terminando em uma amarga ironia: ele morreu pelas mãos dos inimigos de Israel e o seu corpo foi pendurado de forma escarnecedora (cap. 31). Além disso, os prospectos e as esperanças de uma linha de sucessão de Saul foram para sempre prejudicados por causa das ações dele (13.8-13).

c. 0 sucesso da liderança davídica

A rejeição de Deus por Saul preparou o caminho para a chegada do rei preferido do Senhor: Davi. No decorrer de 1 Samuel 16—2 Samuel 8, a bênção divina sobre o jovem filho de Jessé e o sucesso que ele desfrutou, tanto pessoal como politicamente, ficam em completo contraste com o reinado mal fadado de Saul. Diferentemente deste, Davi não é conhecido por suas características físicas, mas por sua devoção ao Altíssimo. Enquanto Saul não possuía fé no Senhor durante os pontos críticos da narrativa, a vida de Davi foi pontuada de momentos em ele dependeu do auxílio e da força de Deus: quando estava lutando contra Golias, por exemplo, e quando Saul perseguiu-o no deserto. A justiça de Davi também superou a de Saul, e a narrativa deixa claro que os prospectos da liderança davídica eram melhor recebidos do que Saul ou alguém de sua linhagem. Durante a narrativa, o texto também destaca que Davi foi capaz de realizar aquilo que Saul não conseguiu.

O favor de Deus para com Davi é evidente na aliança especial que Ele estabeleceu com Seu servo e com a sua casa. No texto da aliança em 2 Samuel 7, Deus prometeu a Davi que a sua linhagem nunca teria fim, e que o seu reino estaria seguro para sempre. Essa promessa, que foi severamente ameaçada no final do período monárquico e no exílio, forneceu esperança para a comunidade judaica durante o período pós-exílico. A promessa foi finalmente cumprida em Jesus, que descendeu da casa de Davi, por intermédio do qual o Senhor conseguiu estabelecer Seu Reino eterno.

d. A ascensão dos profetas

O surgimento dos profetas coincidiu com o desenvolvimento da monarquia na sociedade israelita. Enquanto o rei presidia sobre os assuntos políticos e militares do reino, os profetas serviam como a voz religiosa e moral da comunidade. Os profetas agiam como porta-vozes de Deus, fazendo os líderes religiosos, os reis e o povo prestarem contas a Ele. No decorrer de Samuel, os profetas têm uma função importante na sociedade de Israel. O profeta Samuel, por exemplo, convidou o povo para uma vida obediente (1 Sm 7.3,4), atuou como o nomeador dos primeiros reis, ungindo Saul e Davi por ordem de Deus, e entregou palavras de instrução ou juízo quando o rei (13.816; 15.17-23) ou os líderes religiosos não ouviram a voz do Senhor (3.1-18). Além disso, Samuel também proveu afirmações proféticas que declaravam as intenções de Deus concernentes ao destino do futuro de Saul (28.15-19), da dinastia de Saul (15.3-8) e da monarquia de Davi (v. 28).

Em Samuel, o texto menciona diversos profetas que tiveram interações com Davi. Além de Samuel, os profetas Gade e Natã eram os canais principais pelos quais o Altíssimo comunicava-se com ele. Pela palavra do profeta, o Senhor estabeleceu esta aliança com a casa de Davi (2 Sm 7), mas Ele também proferiu fortes advertências e mensagens de juízo. O profeta Gade, por exemplo, ordenou que Davi voltasse para a terra de Judá (1 Sm 22.5). O profeta Natã repreendeu o rei depois do seu caso com Bate-Seba e do assassinato de Urias (2 Sm 12.7-15), e o profeta Gade anunciou a vinda de uma praga depois que Davi decretou o censo (2 Sm 24.10-14). Em favor de Davi, cada vez que Gade e Natã confrontavam-no por causa de seu pecado, o rei humilhava-se em contrição diante de Deus. Como porta-vozes divinos, então, os profetas tinham autoridade de manter o rei na linha e eram lembretes visíveis para que ele permanecesse sob a autoridade de Deus.

2. A reversão da sorte

A reversão da sorte “como um índice da soberania divina” é outro tema que permeia os livros de Samuel (Youngblood, 1992, p. 561). No decorrer das histórias de Ana, Samuel, Eli e seus filhos, Saul e Davi, o texto demonstra que Deus tem a capacidade de exaltar o humilde e de humilhar o arrogante. (Veja o hino de Ana em 1 Samuel 2.6-8) como resultado do trabalho de Deus nas questões da humanidade, uma mulher anteriormente estéril (1.5,6) foi capaz de dar à luz um dos maiores profetas/sacerdotes/juízes da história de Israel (2.19,20); dor e humilhação transformaram-se em alegria (1.18); um futuro sem filhos mudou drasticamente com o nascimento de seis (2.21). Homens privilegiados (v. 12.16), escolhidos para servir como sacerdotes da comunidade, morreram envergonhados (4.11,12). Dois indivíduos simples e insuspeitos, um deles procurou jumentos (9.3,4) e o outro cuidou de ovelhas (16.11), tornaram-se os dois primeiros reis de Israel (10.1; 16.13). Os líderes ungidos e exaltados por Deus foram humilhados (15.11, 28; 2 Sm 12.9,10). A divina capacidade de mudar as circunstâncias dos indivíduos nos livros de Samuel-não foi desconectada da reação humana para com a divina. A sorte dos indivíduos era afetada pela piedade e pela obediência deles à vontade de Deus e também pelo seu orgulho e pela sua infidelidade a Ele.

3. A teologia da recompensa-punição

Os livros de Samuel explicam claramente a teologia deuteronomista da recompensa-punição. Basicamente, o(s) editor(es) Deuteronomista(s) defendia(m) a ideia de que Deus abençoaria aqueles que fossem obedientes e traria castigo sobre os que o desobedecessem. Essa visão teológica da vida nasceu do conhecimento que havia da aliança mosaica. Essa aliança segue os padrões e o formato dos antigos tratados do Oriente Próximo, que incluíam a lista de convenções que o vassalo era obrigado a seguir para receber as bênçãos do suserano e a ameaça de um severo castigo pela desobediência. A aliança mosaica, que era condicional em sua natureza, concebia o relacionamento de Israel com Deus de modo semelhante: bênçãos pela obediência (Dt 7.12-24; 28.1-14; Lv 26.1-13) e maldições pela desobediência (Dt 28.15-68; Lv 26.1446).

No transcorrer de Samuel e da H.D., o esquema de recompensa-punição funcionou de maneira individual, e também comunitária. Deus levou o juízo sobre aqueles que quebraram o mandamento, por exemplo: Eli e seus filhos, pelo comportamento perverso no santuário de Siló (1 Sm 2.27-35); Saul, por desobedecer à ordem de Deus (13.8-15); e Davi, por seu envolvimento no fracasso de Bate-Seba e Urias (2 Sm 12.7-14). Os israelitas também sofreram derrota e humilhação no uso impróprio da arca (1 Sm 4.1-22). Samuel também disse que os israelitas experimentariam dor e sofrimento por requisitarem um rei para governá-los (8.10-18).

Deus também abençoou aqueles que demonstraram piedade e fé nele. O Senhor abençoou Ana com um filho apesar de sua condição estéril (1.1119), Ele honrou Samuel entre o povo de Israel por seu serviço fiel (3.1-21), o Altíssimo deu a Davi graça entre o povo e a família de Saul (18.1-14), Deus estabeleceu uma aliança especial com Davi e sua família (2 Sm 7), e Israel teve vitória sobre os seus inimigos enquanto Davi permaneceu verdadeiro a Deus (5.17-25; 8.1-14).

O(s) editor(es) Deuteronomista(s) fez(fizeram) o resto da H.D. ao redor deste esquema de recompensa-punição. Isso fornecia um raciocínio teológico sobre o porquê de o favor e de a misericórdia de Deus estenderem-se sobre aqueles que eram obedientes e explicava porque algumas catástrofes como aquelas de 721 a.C. e de 586 a.C. aconteceram. Com o passar do tempo, outros escritores bíblicos começaram a desafiar esse jeito Deuteronomista de perceber e interpretar a realidade como certos salmos (44.9-22; 73.4-12) e como o Livro de Jó (21.1-34; 31.1-40) atestam.

 

 Biblioografia
Autor: MELLISH, Kevin J.
Título em português: Novo Comentário Bíblico Beacon: 1 e 2 Samuel.
Título original: 1 & 2 Samuel New Beacon Bible Commentary. Rio de Janeiro: 2015 352 páginas


Nenhum comentário: