1. CONTEXTO HISTORICO
DE 1 e 2 SAMUEL
Nos tempos antigos, os livros de
Samuel eram originalmente um só livro. Os primeiros manuscritos hebraicos indicam que 1 e 2 Samuel
não eram divididos em partes separadas. O pergaminho de Samuel do Qumrã
(4QSama), por exemplo, inclui ambos os livros sob o título de Samuel.
O Talmude
regularmente faz referência ao “Livro de Samuel”, e as notas massoréticas, no
final de 2 Samuel, relatam que Samuel contém um total de 1506 versículos; 1
Samuel 28.24 marca o versículo central do livro todo. Os pais da Igreja
primitiva, como Jerônimo, e o historiador da igreja, Josefo, também estavam
cientes do Livro de Samuel em sua forma original (Hist. Ecl. 7.25.2).
A decisão de dividir o Livro de
Samuel em duas seções estende-se à antiguidade clássica, quando os livros eram
escritos em pergaminhos de um comprimento fixo. O Livro de Samuel, que é levemente
mais longo do que Reis e Crônicas, tornou-se muito desajeitado para ser
manuseado em um só pergaminho, então foi dividido (juntamente com Reis e
Crônicas) em duas partes principais nos primeiros manuscritos da Septuaginta
(LXX) ou da Bíblia grega.
Os tradutores da Septuaginta
intitularam os livros de Samuel de Basileion A e B (1 e 2 Reinos ou 1 e 2
Reinados). Esses
tradutores subseqüentemente agruparam os livros de Samuel baseados em temas e
interesses comuns com os dois livros de Reis (Basileion C e D) e referiam-se a
eles como Bibloi Basileion (Livros dos Reinos). Mais tarde, Jerônimo, um dos
pais da igreja, modificou levemente esse título para Libri Regum (Livros dos
Reis).
Assim,
Samuel e Reis tornaram-se conhecidos como 1,2,3, e 4 Reis, respectivamente.
Hoje, os eruditos e os comentaristas católicos ainda se referem aos livros de
Samuel segundo os títulos gregos dos mesmos (l e 2 Reis), mas as comunidades
judaicas e as protestantes referem-se aos livros por seus antigos nomes
hebraicos.
De acordo
com os eruditos bíblicos modernos, a razão para a divisão dos livros de Samuel
em sua presente conjuntura conformava-se ao antigo costume de concluir um livro
bíblico com a morte de uma figura importante (i.e., Jacó e José no final de
Gênesis; Moisés na cena de encerramento de Deuteronômio; Josué na conclusão de
seu discurso de despedida; e Saul no final de 1 Samuel) (Mc Carter, 1980b, p.
3).
Outras
traduções autoritativas como a Vulgata, a antiga tradução latina do texto
hebraico, continuou a tradição dos tradutores gregos, incluindo ambos os livros
de Samuel em seu cânone e a prática de fazer referências aos dois livros de
Samuel, algo que foi levado adiante até os tempos modernos.
A primeira
referência aos livros de 1 e 2 Samuel no próprio texto hebraico está comprovada
em um manuscrito de 1448, e a prática de listar os livros de Samuel
independentemente se tornou mais oficial na Bíblia rabínica de 15161517 editada
por Felix Pratensis (Klein, 1979, p. 313; Szikszai, 1962, p. 203).
A divisão
entre 1 e 2 Samuel recebeu uma sanção formal na comunidade judaica, isso fica
adicionalmente evidenciado pelo fato de que a segunda Bíblia rabínica de
1524-1525 listava-os separadamente também (Flanagan, 1992, p. 957).
História da composição
1. Visão tradicional da
autoria
Os livros de Samuel levam o nome do
grande profeta que serve como a figura principal na seção inicial de 1 Samuel
(cap. 3—8, 12, 15—16). Em relação ao título, os antigos comentaristas judeus afirmavam
inicialmente que o próprio Samuel havia escrito Juízes e uma grande parte de
Samuel.
O Talmude
babilónico afirma especificamente que “Samuel escreveu o livro que leva o seu
nome” (B. Bat. 14b). Entretanto, o mesmo Talmude faz a explícita restrição de
que Samuel fora responsável apenas pelos primeiros 24 capítulos (já que 1
Samuel 25.1 relata a sua morte) e o resto do corpus de Samuel foi atribuído aos
profetas Natã e Gade (B. Bat. 15a).
Os escritores do Talmude mantiveram
essa posição porque grande parte de 1 e 2 Samuel é narrada de um ponto de vista
decididamente profético. Além do mais, os escribas judeus levaram a sério a referência de 1
Crônicas 29.29, que afirma: “Os feitos do rei Davi, desde o início até o fim do
seu reinado, estão escritos nos registros históricos do vidente Samuel, do profeta
Natã e do vidente Gade”.
No decorrer
da história, outros candidatos à autoria foram apresentados, tais como os
sacerdotes Aimaás (2 Sm 15.27,36; 17.17,20; 18.19,22,23,27-29) e Zabude (1 Rs
4.5). Apesar desses esforços para tentar comprovar a autoria de Samuel ao longo
das linhas tradicionais, a falta de uma evidência firme para apoiar essas
alegações falhou em convencer os eruditos modernos.
2. Teorias modernas
concernentes à autoria
Os atuais
eruditos do Antigo Testamento não aderem à visão tradicional de que os livros
de Samuel foram compostos por profetas como Samuel, Gade e Natã, tampouco estão
convencidos de que os sacerdotes Aimaás e Zabude tenham colocado a mão na
redação dos mesmos. Ao contrário, os exegetas modernos postulam que a
composição final dos livros de Samuel deve ser atribuída a autores anônimos ou
a editores que compilaram uma série de tradições independentes (transmitidas de
forma oral inicialmente, e de forma escrita posteriormente) sobre Samuel, a
arca, Saul e Davi, por exemplo, em um texto holístico (Amold, 2005, p. 870).
Baseado em
méritos da erudição contemporânea e em questões críticas que a mesma tem
levantado sobre o texto, os estudiosos modernos postulam que os livros de
Samuel são melhores vistos como subprodutos de uma longa história de atividade
editorial ou redacional. Por meio do emprego de diversas disciplinas críticas
(como a análise literária, as investigações histórica e arqueológica, e o
criticismo textual, formal, redacional etc.), os eruditos descobriram evidências
que emprestariam um grande apoio a esta noção.
Primeiro, uma observação crítica ou uma
avaliação do texto de Samuel mostra claramente que esses livros “não estão
entre os que foram nomeados mais adequadamente no Antigo Testamento” (Gordon,
1986, p. 19).
Embora
Samuel tenha precedência como a principal figura religiosa e política em
diversos dos capítulos de abertura de 1 Samuel (1—3, 7—12, 13, 15—16), o seu
aparecimento é extremamente limitado aos contextos narrativos que seguem a
tradição concernente à unção de Davi (16.6-16).
Uma breve
referência a Samuel aparece em uma nota acerca de sua morte em 25.1, e ele
também fala rapidamente acerca de uma falsa aparição póstuma ao rei Saul no
final de 1 Samuel (28.12-19).
Tomado como
um todo, então, o número total de seções narrativas que cobrem a figura de
Samuel é relativamente pequeno quando comparado com a quantidade de material
dedicado às tradições da arca (cap. 4—6) e da monarquia de Saul (cap. 9—31),
por exemplo.
Além do
mais, Samuel é completamente apagado pela figura de Davi, que recebe cerca de
40 capítulos de cobertura literária em ambos os livros (1 Sm 16—2 Sm 24).
O fato de
que esses dois livros tenham recebido o nome de Samuel, embora ele não seja o
personagem dominante nos mesmos, simplesmente confirma o costume antigo dos
intérpretes judeus que nomeavam os livros bíblicos segundo as figuras
proeminentes da história de Israel.
Segundo, relatos visivelmente paralelos,
incongruências, e tensões dentro do texto fornecem uma sólida evidência de que
os livros de Samuel sejam o resultado da compilação de tradições independentes
ao longo de um extenso período de tempo (Harrison, 1969, p. 696).
O erudito
inglês R. H. Pfeiffer, por exemplo, enumerou vários exemplos de discrepâncias
textuais em seu texto introdutório (1941, p. 340):
O anúncio
concernente ao fim de Eli e de sua casa em duas ocasiões (1 Sm 2.13 ss.; 3.11
ss.);
A unção
sigilosa de Saul (9.26—10.1),
Seguida de
duas cerimônias públicas nas quais Saul é escolhido (10.21; 11.15);
Duas
ocasiões nas quais Samuel rejeita Saul como rei (13.14; 15.23);
Duas
apresentações de Davi a Saul (16.21; 17.58);
Duas fugas
nas quais Davi escapou da corte de Saul (19.12; 20.42);
Duas
ocasiões em que Davi poupou a vida de Saul (24.3; 26.5);
Três
alianças diferentes entre Davi e Jônatas (18.3; 20.16,42; 23.18);
Duas fugas
nas quais Davi foi para Gate (21.10; 27.1),
E a perplexa
tradição relativa à morte de Golias por Davi e posteriormente por um guerreiro
chamado Elanã (1 Sm 17.51; 2 Sm 21.19).
Além dos exemplos mencionados acima,
marcantes diferenças na perspectiva religiosa podem ser detectadas em diversas
partes de Samuel (Szikszai, 1962,204). Dentro de 1 Samuel 7—12, por exemplo, existem visões
conflitantes ou inconstantes relacionadas ao desenvolvimento da monarquia na
sociedade israelita. Por um lado, existem partes no texto em que a monarquia é
condenada por Deus como uma apostasia (8.17,18), mas há outras ocasiões em que
a monarquia é aceitável (12.13,14) e até recomendável (9.16,17).
As mesmas
afirmações podem ser feitas em relação às tradições de Saul e Davi. Há casos em
que Saul é retratado sob lima visão positiva e Deus lhe é favorável (9.1
—10.16; 11.1-13; 14.47,48), mas há outras vezes em que ele é apresentado como
um fracasso sem fim, de quem Deus arrependeu-se ter feito rei (15.11).
Davi, da
mesma forma, é apresentado como a escolha de Deus para ser rei (16.6-13), uma
pessoa de grande fé (cap. 17) e misericordiosa (cap. 24; 26), o que contrasta
marcantemente com os textos que o revelam como um assassino brutal e calculista
que Deus tem de castigar (2 Sm 11 —12), ou como um pai fraco e um comandante
pouco sólido (cap. 14—19).
Terceiro, a análise textual tem
convincentemente demonstrado que o Texto Massorético de Samuel, no qual as
traduções inglesas modernas são baseadas, está praticamente em um “reparo
precário” e tem sofrido mais na transmissão dos escribas do que qualquer outro
livro do AT (Mc Carter, 1980b, p. 5). O TM de 1 e 2 Samuel está extensivamente
assolado pela haplografia, isto é, pela omissão de palavras ou frases provocada
por sequência repetidas de letras (mais frequentemente no final das palavras) e
assolado também por vários outros erros de cópia cometidos pelos escribas.
Além disso,
o texto hebraico desses livros é menor do que a tradução grega da Bíblia
hebraica e de outras versões antigas como a Vulgata Latina, os Targuns
Aramaicos, e a Peshitta (Birch, 1998, p. 950). Até recentemente, os eruditos
acreditavam que os tradutores gregos tivessem simplesmente acrescentado
tradições aos seus manuscritos e expandido o texto em geral assim. Essa é uma
visão que tem sido modificada baseada na cuidadosa análise textual.
A fim de dar
um sentido às corrupções e aos defeitos do texto hebraico e no esforço de
reconstruir uma edição mais confiável do texto hebraico, os eruditos foram
forçados a comparar e contrastar sistematicamente o texto hebraico de Samuel
com o material da fonte de Crônicas e de outras traduções antigas como a
Septuaginta (LXX).
Leituras atenciosas e avaliações cuidadosas de
diversas testemunhas textuais antigas dos livros de Samuel feitas por críticos
textuais como Thenius, Wellhausen e Driver, do século 19, revelaram que as
diferenças entre o texto grego de Samuel e o texto hebraico estão relacionadas
a mais do que simples tradições editoriais e pequenas interpolações.
Os críticos
textuais explicaram que os escritos gregos e hebraicos de Samuel divergem-se
tanto porque os tradutores da Septuaginta basearam seu trabalho em um texto
hebraico (um protótipo) que precedia o Texto Massorético, e não está mais
disponível para nós.
A pesquisa
do texto hebraico de Samuel também tem se aperfeiçoado grandemente nos últimos
60 anos devido à descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto.
Na antiga
biblioteca da seita Qumrã, três manuscritos foram descobertos (Ulrich, 1999). O
mais importante deles, 4QSama, data de 50 a.C.—25 a.C. e contém grande parte de
1 e 2 Samuel em condições bem preservadas. O segundo, 4QSamb, que data de
meados do terceiro século a.C., contém uma parte muito mal preservada de 1
Samuel. O terceiro, 4QSamc, é do início do primeiro século a.C. e contém
fragmentos de 1 Sm 25 e 2 Sm14- 15.
Comparações
do texto hebraico com a literatura Qumrã parecem confirmar a proximidade de uma
primeira tradição hebraica com o protótipo da LXX. Os críticos textuais
determinaram especificamente que os textos do Qumrã estão mais próximos dos
manuscritos Luciânicos (LXXL) do que do Codex Vaticanus (LXXB) (Klein, 1979, p.
314).
Isso sugere
que a tradição Luciânica representa um deslocamento em direção à tradição do
texto hebraico-palestino que é representado pela literatura Qumrã (Flanagan,
1992, p. 958).
3. A História
Deuteronomista
Além do
trabalho dos críticos textuais, o conhecimento sobre o desenvolvimento dos
livros de Samuel foi grandemente aprimorado pela publicação da monografia de
Martin Noth sobre a História Deuteronomista (Noth, 1991). Antes da publicação
de Noth, os eruditos do final do século 19 e do início do século 20 tentavam
explicar a composição dos livros que se estendem de Josué a Reis à luz da fonte
do criticismo pentatêutico.
Esse método
de investigação provou ser malsucedido, já que eruditos críticos das origens
não puderam concordar que fontes pentatêuticas realmente continuaram nos livros
históricos, tampouco conseguiram concordar sobre o limite onde as fontes
paravam e o material ou arquivo histórico começavam.
A obra de
Noth discutia essa questão, argumentando que os livros desde Josué até Reis não
eram um produto das fontes que compunham o Pentateuco, mas surgiram de um
processo de transmissão diferente (para um sumário, veja também Branson, 2009,
p. 26-30).
Noth
afirmava basicamente que os livros de Josué a Reis eram um produto de um único
autor/redator a quem ele rotulou de “Dtr”. Noth argumentava que esse
autor/editor era um compilador/arranjador da antiga fonte de materiais e um
autor criativo. Noth alegava que o Dtr havia composto discursos importantes em
conjunturas críticas da história de Israel (Js 1,23; 1 Sm 12; 1 Rs 8.14 ss.) e
fornecia reflexões resumidoras (Js 12; Jz 2.11 ss.; 2 Rs 17.7 ss.) que ajudavam
a trazer um senso de coesão aos discrepantes materiais de origem. Dessa forma,
segundo Noth, a agenda teológica/ideológica do Dtr poderia ser averiguada não
somente na maneira como ele organizou os documentos que tinha à sua disposição,
mas também nos discursos e nas declarações sucintas que ele compôs.
Noth ainda
postulou que o Dtr fornecia uma avaliação teológica e ideológica do passado de
Israel. O Dtr recontava a história dessa nação e avaliava o povo israelita e
seus líderes à luz das leis promulgadas em Deuteronômio. Assim, o termo
História “Deuteronomista’’ foi cunhado.
Noth
sustentava que a H.D. explicava primariamente o porquê de os exílios de 721
a.C. e 586 a.C terem acontecido. De acordo com o Dtr, o povo de Israel foi para
o exílio porque consistente e repetidamente desobedeceu à instrução de Deus que
foi estabelecida nas leis de Deuteronômio.
Dessa forma,
a H.D. demonstrou que o exílio era apenas uma punição executada por Deus em
razão dos pecados de Israel. Noth também afirmava que, porque as leis de
Deuteronômio forneciam as lentes teológicas pelas quais o Dtr julgava o passado
de Israel, as mesmas funcionaram como o prefácio de Josué a Reis e não deveriam
ser incluídas como parte do Pentateuco.
Desde a
publicação da obra de Noth, tem havido muitas reações e objeções à sua tese
inicial concernente à história composicional dos livros históricos. Na América
do Norte, Frank M. Cross, de Harvard, postulou que a H.D. era composta de duas
fontes majoritárias, e não era trabalho de apenas um autor/editor.
A primeira
edição da H.D, à qual ele chamou de Dtr 1, era um documento pré-exílico que
apontava para as reformas do rei Josias e as apoiava (2 Rs 22—23).
A segunda
edição, rotulada de Dtr 2, foi uma obra exílica que atualizou a última parte de
Reis (2 Rs 24—23), transformou Dtr 1 em um sermão para a comunidade exílica e
prometeu a esperança de restauração (1973, p. 274-289).
Certo número
de eruditos, principalmente da América do Norte, considera a visão das duas
teorias redacionais de Cross persuasiva e as tem articulado de várias formas
(Nelson, 1981; Friedman, 1981, p. 167192).
Os eruditos
europeus providenciaram uma contrapartida para a principal tese de Cross
concernente à composição da H.D. Os pesquisadores da Gottingen School, em
particular, propuseram um modelo que sugere que a H.D. seja uma obra
completamente exílica.
Ao contrário
de Noth, entretanto, que argumentava que a H.D. era o produto de um indivíduo,
os membros da Gottingen School propuseram que a H.D. fosse composta de três
camadas específicas de edição exílica (Dietrich, 1972; Smend, 1971, p. 494-509;
Veijola, 1975).
A primeira
camada servia como a linha histórica básica ou registro histórico (o
Grundschrift) do passado de Israel, a qual eles rotularam de DtrG (580 a.C.).
Depois da DtrG, outra camada de edição foi incluída, a qual enfatizava a função
dos profetas na H.D. (i.e., 1 Rs 14.7-11; 16.1-4; 21.20b-24; 22.38; 2 Rs
9.6-10, 36; 10.17; 21.10-16; 24.2), que foi rotulada de DtrP e atribuída aos
círculos proféticos (561 a.C.).
A camada redacional
final foi incluída por um editor que demonstrava interesse pela Lei, ou Torá de
Moisés, e enfatizava a obediência à mesma (i.e., 1 Rs 3.4-15; 9.1-9). Eles
rotularam esse editor de DtrN (560 a.C.) ou editor nomista (nomista = lei).
Nas últimas
décadas, os eruditos têm proposto outros modelos teóricos para explicar o
desenvolvimento da H.D. que incorporou elementos das teorias acima e também
caminhou em outras direções.
A seguir, há
uma lista básica que resume as tendências metodológicas dentro da pesquisa da
H.D. nos últimos 60 anos:
a. A H.D. estava sendo revisada constantemente
no decorrer da história de Israel, de forma que é composta de diversas edições
pré-exílicas (pré- -Ezequias, Ezequias, Josias) que incluíram atualizações
exílicas (Friedman, 1981; Lemaire, 1986, p. 221-236; Provin, 1988; Weippert,
1972, p. 301339; Sweeney, 2007, p. 1-32).
b. A H.D. foi o produto de um registro
“profético” que se estendeu desde 1 Samuel 1—2 Reis 10, também incluía uma
edição de Josias e atualizações exílicas (Campbell, 1986; O’Brien, 1989).
c. A H.D. é o produto de um escritor criativo
que viveu durante o período do exílio (Hoffman, 1980; Van Seters, 1983).
d. A H.D. foi composta por escritores/editores
da escola Deuteronomista. Essa escola era baseada na tradição da sabedoria do
antigo Oriente Próximo (Weinfeld, 1972) ou fazia parte de um movimento de
reforma que existiu no período exílico e pós-exílico (Person, 2002).
Como o
leitor pode ver, as teorias modernas da composição da H.D. são complexas e
tomam muitas formas. E improvável que um consenso seja alcançado no futuro
próximo. A tendência mais recente na cultura bíblica inclui o estudo dos livros
históricos dentro da estrutura geral de Gênesis a Reis. Os eruditos agora se
referem aos livros de Gênesis a Reis como Eneateuco, porque acreditam que os
livros históricos compartilham um relacionamento genético com os primeiros
cinco livros do AT.
Os eruditos
também discordam de Noth quanto ao propósito de que a H.D. serviu na vida da
comunidade israelita. Noth defendia que a H.D. primariamente explicava a razão
pela qual o exílio ocorreu e não provia nenhuma palavra sobre o futuro ou sobre
o que os israelitas deveriam fazer quando o exílio acontecesse.
Então, em
seu raciocínio, a H.D. permanecia fechada e um pouco pessimista. Outros
eruditos, entretanto, defendiam que a H.D. fornecia uma medida de esperança
para a comunidade exílica e posterior.
Gerhard Von
Rad, por exemplo, destacou a promessa de Deus a Davi para estabelecer uma
dinastia eterna e analisou como Deus preservou a dinastia no decorrer da
história de Israel. A nota no final de 2 Reis, sobre a libertação de Jeoaquim
da prisão, permaneceu como uma prova positiva de que Deus havia cumprido a Sua
palavra até mesmo no exílio. Dessa forma, para Von Rad, um tom de graça
permeava as páginas da história, e a história de Israel permanecia com o final
aberto (1953, p. 74-96).
Além de Von
Rad, H. W. Wolff estudou a H.D. e notou que um esquema de
rebelião-punição-arrependimento - restauração podia ser detectado na mesma.
Wolff argumentou que a H.D. mostrava que, quando Israel “voltava” para Deus em
arrependimento, Deus estendia o perdão e a cura à comunidade. Wolff acreditava,
então, que a H.D. era verdadeiramente uma querigma ou uma mensagem ao povo que
vivia exilado, no sentido de que a mesma apresentava um modelo daquilo que eles
deveriam fazer quando enfrentassem o castigo.
Os exilados
precisavam entender que eles estavam no segundo estágio do ciclo, e, assim,
precisavam “retornar” a Deus em arrependimento (Wolff, 1975, p. 83-100).
4. Os livros de Samuel
Os eruditos
do Antigo Testamento desenvolveram diversas teorias e ideias nas ultimas
décadas para explicar os assuntos difíceis que aparecem no texto e para
explicar as origens, e a composição dos livros de 1 e 2 Samuel também. Os
livros de Samuel apresentam seus próprios desafios intrínsecos em relação à sua
composição histórica. Os livros de Samuel mostram muito pouco da linguagem
deuteronomista e das técnicas de edição que os livros de Reis demonstram, por exemplo.
Esse fato
tem levado os eruditos a argumentarem que os livros de Samuel são uma
compilação em “blocos” de materiais/tradições que foram reunidos ao longo do
tempo. Noth, por exemplo, permitiu alguma edição deuteronomista, a qual ele
argumentava que poderia ser detectada nas seguintes passagens (Baldwin, 1988,
p. 25):
1. 1 Sm
7.2b, a nota cronológica, “e tantos dias se passaram, que chegaram a vinte
anos”.
2. 1 Sm
7.7-14, Noth fez conexão com Jz 13.1.
3. 1 Sm
13.1, a nota cronológica concernente ao reino de Saul.
4. 2 Sm
2.10,11, os reinados cronológicos de Is-Bosete e Davi.
5. 1 Sm 8 e
12, a desaprovação de Dtr do estabelecimento da monarquia.
6. 2 Sm
5.4,5, a cronologia do reino de Davi; e 5.6-12, a conquista de Jerusalém por
Davi.
7. 2 Sm
7.7a, 22-24, notas editoriais concernentes à proibição do templo e a promessa
relacionada à instituição da monarquia davídica.
Noth, acima
de tudo, considerava essas inserções editoriais e essas composições
relativamente pequenas, considerando a extensão geral dos livros de Samuel.
Grande parte do material original de Samuel derivava-se de tradições escritas
mais antigas do que Dtr tinha à sua disposição. Dentro dos livros de Samuel,
várias unidades independentes de tradição foram identificadas por Noth e por
outros:
a. A história de Samuel
Os materiais
relatados sobre a vida de Samuel estão concentrados nos capítulos 1—3, 7—8, 12,
15 em particular. Nesses textos, Samuel é apresentado como o fiel
sacerdote/profeta/juiz que substitui Eli e sua casa corrupta no santuário de
Silo. Samuel era o fruto de um voto nazireu que conduziu a comunidade da fé na
adoração apropriada a Yahweh (YHWH), alguém que o povo reconheceu como um
profeta “fidedigno”.
Samuel
também foi instrumental durante esse período de transição na sociedade de
Israel, tornando-se o indivíduo responsável por ungir Saul, e, depois, Davi
como reis de Israel. Sua função foi essencial para solidificar o pedido do povo
por um rei (1 Rs 8; 12). Embora Samuel tivesse uma participação crucial na
transição do período entre os juízes e a monarquia, sua importância na porção
restante da história de Israel é limitada.
b. A narrativa da arca
Nos livros
de Samuel, a narrativa da arca está localizada em duas de seções: 1 Sm 4.1b—7.1
e 2 Sm 6. Na primeira parte da narrativa da arca, ela foi capturada pelos
filisteus, tirada da terra de Israel, e levada ao território filisteu. Os
filisteus, entretanto, sofreram grandes e terríveis calamidades por causa da
arca e perceberam que precisavam devolvê-la ao território israelita. A arca
fica misteriosamente ausente ao longo do restante de 1 Samuel e reaparece
somente em um breve episódio depois que Davi torna-se rei. Davi tomou a arca do
território de Quiriate-Jearim, onde a mesma havia permanecido por muitos anos,
e transportou-a para Jerusalém, a capital recém-estabelecida. A arca permaneceu
em Jerusalém e foi instalada no templo de Salomão mais tarde (1 Rs 8.3,4). As
referências sobre a arca não aparecem depois de 1 Reis 8, mas a mesma
provavelmente foi tomada ou destruída durante o exílio babilónico.
c. As tradições sobre Saul
O surgimento
de Saul como o primeiro rei sobre a nação de Israel e a rejeição ao seu reinado
dominam os capítulos 9—15. Várias tradições independentes sobre Saul e sobre
como ele tornou-se rei foram compiladas pelo(s) editor(es) deuteronomista(s)
(9.1 —10.16; 10.17-27; 11.14,15) e reunidas com o material relacionado às
batalhas de Saul contra os amonitas (11.1-13), os filisteus (13.1 —14.46) e os
amalequitas (15.1-34) para compor esta unidade.
Além do
mais, um breve relatório sumário concernente às façanhas e à família de Saul
aparece no final de 1 Samuel 14 (v. 47-51).
A maneira
como essas tradições foram situadas pintam um retrato muito complicado e
confuso de Saul. Elas resultam em uma perspectiva do rei Saul que é tanto
positiva como negativa. Os eruditos têm sido rápidos para acusar que, do ponto
de vista de seu arranjo canônico, os cap. 8—12, especialmente, fornecem
retratos contrastantes da monarquia de Saul (Childs, 1979, p. 277278). Os
capítulos 8 e 12 geralmente criticam o pedido do povo por um rei como uma
rejeição da liderança de Yahweh, assim a instituição do reinado é entendida
como menos do que ideal. Yahweh, entretanto, permitiu que o povo tivesse um
rei, mas com certas estipulações. O material em 10.17-27 retrata Saul como um
candidato tímido, quase relutante, para o reinado que parece improvável de
inspirar esperança e coragem entre os israelitas. Isso se torna uma questão
central no capítulo 13, em particular, quando Saul fracassou em liderar o povo
durante o tempo de crise e deixou o temor aos filisteus influenciá- lo, assim
ele desobedeceu à ordem de Samuel. Imprensados entre esses relatos desonrosos
sobre Saul e o reinado existem relatos honrosos sobre o primeiro rei de Israel.
1 Samuel 9.1 —10.16 oferece uma visão favorável de Saul no sentido de que Deus
o selecionara para ser um vaso por intermédio do qual os israelitas seriam
libertados da opressão filisteia (9.16). Nessa situação, Saul parece-se muito
com os juízes da era anterior, aqueles que Deus levantava em tempos oportunos
para livrar o Seu povo. Nesse mesmo ramo, o capítulo 11 apresenta Saul como um
herói militar que livrou o povo de Jabes-Gileade da opressão amonita. Como é o
caso de 9.16, onde Saul aparece como uma figura heroica que libertou o povo de
Deus. Assim, dentro do contexto canônico dos capítulos
8—12, dois
relatos favoráveis a Saul são unidos a três relatos desonrosos ao rei. Isso
indica que os escritores bíblicos tiveram visões diversificadas sobre Saul e
sobre o reinado em geral, prevalecendo a visão negativa.
As
narrativas restantes sobre Saul nos capítulos 13—15 destacam os defeitos de sua
monarquia. Saul era um líder tímido que desobedeceu à palavra de Samuel quanto
ao sacrifício (cap. 13). Saul também fracassou em sua missão como comandante
militar, sendo incapaz de derrotar os filisteus. O texto faz questão de mostrar
que ele era verdadeiramente uma barreira para o sucesso das guerras de Israel
contra aquela nação (cap. 13—14). Saul também fracassou em obedecer à ordem de
Deus em relação à guerra contra os amalequitas, quando ele poupou alguns dos
despojos da batalha (cap. 15). No capítulo 15, Deus já estava arrependido de
ter escolhido Saul como rei e enviou Samuel para levar a palavra da morte de
Saul (v. 26-28). A porção restante de 1 Samuel (16-31) é dedicada à queda do
rei.
d. A história da ascensão de Davi
Leonard Rost
foi um dos primeiros eruditos que dividiu a história de Davi em duas partes
distintas nos livros de Samuel: a história da ascensão de Davi (1 Sm 16—2 Sm 5)
e a narrativa da sucessão (2 Sm 9—20; 1 Rs 1—2) (1982). A história da ascensão
de Davi segue sua meteórica ascensão ao trono, começando com sua unção pelas
mãos de Samuel (1 Sm 16) e concluindo com o estabelecimento de Davi como rei
sobre todas as tribos de Israel (2 Sm 5). Dentro do material relacionado à
ascensão de Davi ao trono, o texto retrata-o em termos muito favoráveis, quase
idealísticos. Deus era com ele (1 Sm 16.18; 17.37; 18.12, 28,29; 2 Sm 5.10) e
concedeu-lhe sucesso em tudo o que se propôs a fazer. Deus também deu graça a
Davi diante do povo (1 Sm 18.16) de forma que os israelitas quiseram vê-lo rei
e confessaram que a legítima ocupação do trono seria apenas uma uma questão de
tempo (2 Sm 5.2). No decorrer da história da ascensão de Davi, diversos
elementos importantes sobre ele são destacados:
1. Davi foi escolhido por Deus para
substituir Saul:
Deus enviou Samuel para ungir Davi como o rei nomeado depois que Saul foi
rejeitado pelo Senhor (1 Sm 16). Quando Samuel chegou à casa de Jessé, em Belém
de Judá, sete dos filhos de Jessé tiveram de passar diante do profeta antes que
Davi fosse selecionado. Deus lembrou a Samuel: “Não considere sua aparência nem
sua altura, pois eu o rejeitei. O Senhor não vê como o homem: o homem vê a
aparência, mas o Senhor vê o coração” (v. 7). A preocupação de não colocar a
ênfase na aparência nem na altura do indivíduo diferenciou Davi de Saul, que
ficou conhecido por ser elegante e alto (9.1-2). O texto indica que a força da
liderança de Davi seria a sua obediência a Deus, e não os seus atributos
físicos.
2. Davi era um jovem caracterizado
por sua coragem e sua fé: No caminho de Davi ao trono, ele demonstrou ser um indivíduo com muita
fé e muita coragem. Em nenhum lugar isso é mais exemplificado do que na narrativa
de Golias (1 Sm 17). Enquanto Saul e seus homens acovardavam-se com medo diante
do guerreiro filisteu, Davi ofereceu-se para enfrentar Golias, que havia
desafiado os exércitos do Senhor. Saul concordou em deixar Davi desafiar
Golias, e Davi saiu ao encontro do guerreiro com uma funda, algumas pedras, e
“em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel” (v. 45). A
vitória de Davi sobre Golias demonstrou sua grande confiança em Yahweh, que o
havia livrado "das garras do leão e das garras do urso” (v. 37).
3. Davi era popular entre o povo: Em seu percurso ao trono, Deus deu
graça a Davi diante dos olhos do povo de Israel. Davi tornou-se tão popular
entre os israelitas que, quando chegou o momento de assumir o trono, o povo já
havia antecipado que isso aconteceria (2 Sm 5.2). Davi provou ser um grande líder
na batalha e Deus lhe deu sucesso contra os filisteus, os rivais de Israel.
Como resultado, as mulheres cantaram louvores a ele (1 Sm 18.6,7) e o povo de
Israel e de Judá amava-o (v. 16). Em uma irônica virada, o texto menciona que
os próprios filhos de Saul “amavam” Davi, embora Saul tivesse suspeitas dele,
tentando aniquilá-lo em diversas ocasiões. O amor que os filhos de Saul
demonstravam a Davi é evidenciado de várias maneiras importantes. Primeiro, o
filho de Saul, Jônatas, de modo bastante óbvio, entregou os símbolos do poderio
real a Davi: sua capa, sua armadura e sua espada, juntamente com seu àrco e seu
cinto. O gesto de Jônatas indicava que ele sabia que Davi seria o próximo rei
de Israel (v 4), o que era particularmente significativo à luz do fato de que
Jônatas era o herdeiro legítimo do trono de Saul. Jônatas voluntariamente se
afastou e renunciou seus direitos de herdeiro para que Davi pudesse ocupar o
seu lugar como o próximo rei de Israel. Segundo, os filhos de Saul demonstraram
seu amor por Davi ao colocarem suas vidas em risco a fim de salvá-lo. Jônatas
intercedeu pelo jovem filho de Jessé na corte de Saul e deu-lhe sinal de que
não era seguro para seu amigo retornar à sua família (1 Sm 19.1-7; 20.1-42).
Mical, filha de Saul, casou-se com Davi e salvou a vida dele, ajudando-o a
escapar dos servos de seu pai (19.8-17). Os esforços de Jônatas e Mical, que
defenderam Davi, apresentam um tremendo contraste com os esforços do pai deles,
que estava determinado em matá-lo.
4. Diante de Saul, Davi agiu com
nobreza e com justiça: No decorrer da história da ascensão de Davi, a obsessão de Saul em
matá-lo é repetidamente contrastada com o tratamento misericordioso e
respeitoso de Davi para com o rei. Em duas ocasiões, Davi foi apresentado com a
oportunidade de exercer vingança contra Saul pelo sofrimento que o rei havia
lhe causado. Em ambas as situações (1 Sm 24; 26), Davi recusou-se a matar Saul,
que representava o “ungido do Senhor”. A magnanimidade de Davi para com Saul
diante da persistente provocação apresenta-o como mais virtuoso e mais justo do
que Saul. As palavras de Saul para Davi: “Você é mais justo do que eu”, disse a
Davi. “Você me tratou bem, mas eu o tratei mal” (1 Sm 24.17) servem para
enfatizar o caráter de Davi e apresentá-lo como uma opção mais favorável ao
reinado do que Saul. O generoso tratamento de Davi para com Saul fez o rei
proclamar: “Agora tenho certeza de que você será rei e de que o reino de Israel
será firmado em suas mãos” (1 Sm 24.20).
5. Davi, o político bem-sucedido: A história da ascensão de Davi
apresenta-o como um político perspicaz e bem-sucedido. Davi fortaleceu sua
reputação política entre o povo de maneira lenta e metódica, permitindo-o construir
uma base de poder que, mais tarde, tornou-se rival do reino de Saul. A primeira
fase da ascensão política de Davi começou durante sua fuga no deserto, na qual
um grupo de 400 homens procurou-o como líder (22.2).
Davi também
se tornou um vassalo do rei filisteu Aquis durante esse período e recebeu a
cidade de Ziclague para governar (cap. 27). Enquanto esteve em Ziclague, ele e
seus homens saqueavam vários povos e apresentavam os despojos capturados às
famílias e aos clãs que, mais tarde, comporiam a tribo de Judá (30.26-30). A
carreira política de Davi continuava a crescer enquanto as famílias e os clãs
do sul ungiam Davi como o rei de Judá (2 Sm 2.1-4). Davi reinou sobre a tribo
de Judá em Hebrom, onde ele permaneceu por sete anos e meio. A última fase da ascensão
política de Davi ocorreu após a morte de Is-Bosete, filho de Saul (4.5-7).
Quando Is-Bosete foi assassinado, a última barreira para o trono de Saul foi
removida e as tribos do norte endossaram a Davi seu reino (5.2-5). Davi reinou
sobre Israel por 33 anos e meio e conseguiu estabelecer uma dinastia que
continuou existindo por mais de 400 anos.
Como novo
rei de Israel, Davi e seus homens capturaram a cidade dos jebuseus (Jerusalém),
que se tornou conhecida como “a cidade de Davi” (v. 7). Ele também recuperou a
arca do concerto e levou-a para sua recém-estabelecida capital da monarquia
unificada (cap. 6). Essa foi uma habilidosa mudança de Davi, pois ele era
proveniente do território de Judá, e não das tribos do norte que Saul governara
outrora. Já que a arca representava um importante símbolo religioso para o povo
do norte, essa foi uma maneira engenhosa de Davi tornar-se favorável ao povo
que era leal a Saul. Além disso, Davi desfrutou de sucesso militar contra as
nações ao seu redor e foi capaz de estender a influência de Israel para muito
além das fronteiras da nação; assim ele conseguiu construir um império
respeitável (8.1-14).
Os eruditos
que estudaram a história da ascensão de Davi têm mencionado que a mesma
apresenta as características de uma “apologia” e funciona como uma “defesa de
Davi” (McCarter, 1980a, p. 489-506; Weiser, 1966, p. 325-354). Uma leitura
cuidadosa do material relacionado à ascensão dele indica várias características
perturbadoras quanto ao modo pelo qual Davi subiu ao trono. A informação do
texto poderia sugerir que Davi não foi simplesmente um personagem passivo do
drama que se desenrolou entre ele e Saul, mas que Davi teve uma função ativa na
aquisição da monarquia. Primeiro, ele associou-se com homens rudes que
representavam os marginais da sociedade e agiam como mercenários. Davi dependeu
da ajuda deles durante sua fuga de Saul, e eles ajudavam-no quando ele fazia
ataques brutais a várias comunidades na parte sul de Israel (1 Sm 27.8-11).
Esses homens também forneciam “proteção” para o povo no território da tribo de
Judá e esperavam receber algum pagamento em retorno (25.1-17).
Segundo, Davi entendia a importância
de fazer conexões pessoais com quem poderia ajudá-lo a avançar em sua carreira
política. Isso era
especialmente verdadeiro quanto às mulheres com quem Davi aliou-se. Ele
casou-se com Mical, a filha de Saul, e, assim, tornou-se genro do rei e membro
da família real. Davi também se casou com Ainoã (v. 43), a qual é ironicamente
mencionada como esposa de Saul também (14.50). Alguns estudiosos argumentam que
Davi tomou a esposa de Saul para si em sua jornada rumo ao trono (Levenson e
Halpern, 1980, p. 507-518). Se for verdade, então Davi pôde fortalecer sua
posição política com esse ato. Davi também se casou com Abigail, a viúva de
Nabal (25.42). Nabal era um homem rico que tinha grande influência entre os
clãs e as famílias da parte sul de Judá. Por meio de seu casamento com Abigail,
Davi adquiriu a riqueza de Nabal e solidificou sua posição entre as tribos que
iriam, mais tarde, coroá-lo rei de Judá. Davi também teve uma esposa chamada
Maaca, que era filha do rei Talmai, de Gesur (2 Sm 3.3). O território de Gesur
ficava fora da terra de Israel, na fronteira nordeste. Por intermédio de Maaca,
Davi conseguiu solidificar um aliado político que estava localizado bem à
margem do reino de Saul. Dessa forma, parece que Davi beneficiou-se
consideravelmente com as mulheres com quem se casou.
Terceiro, Davi beneficiou-se
grandemente com a morte das pessoas associadas à casa de Saul. Gradualmente, os “competidores” ao
trono de Saul foram sendo eliminados e o caminho de Davi rumo ao trono ficou
amplamente aberto. Saul e Jônatas morreram quando lutavam contra os filisteus
(1 Sm 31); o general de Saul, Abner, morreu quando negociava a transferência
das tribos do norte para o lado de Davi (2 Sm 3.27); Is-Bosete, o filho que
sobrou de Saul, foi assassinado por dois renegados (4.7); e os gibeonitas
mataram os homens restantes da família de Saul (21.7-9). Em cada um desses
casos, as pessoas responsáveis pelo assassinato tinham conexões com Davi, de
uma forma ou de outra. O amalequita que disse ter matado Saul foi a Davi com a
coroa e o bracelete do rei em suas mãos (1.10,11); o general de Davi, Joabe,
assassinou Abner depois que o mesmo havia concordado em ajudar a trazer as
tribos do norte para o lado de Davi (3.27); Recabe e Baaná retornaram a Davi em
Hebrom, trazendo a cabeça de Is-Bosete nas mãos após seu assassinato (4.8); e
Davi pessoalmente deu permissão aos gibeonitas para aniquilarem os descendentes
de Saul. Isso garantiu que nenhum descendente de Saul fosse capaz de desafiá-lo
ao longo do tempo (21.6,9).
O propósito
essencial da história da ascensão de Davi, os eruditos argumentam, foi
intencionado a abordar essas questões e demonstrar que Davi não era alguém de
fora, que cuidadosa e cruelmente arquitetou seu caminho até o trono, mas
tornou-se o rei de Israel por meios legítimos.
Em primeiro lugar, embora Davi fosse natural do
território de Judá e também fosse figura desconhecida de Saul e das tribos do
norte, ele não era um intruso porque se tornou um membro da família de Saul,
então, ele tinha algum direito legal sobre o trono. No decorrer da narrativa,
Saul chamou Davi de “meu filho” (1 Sm 24.16; 26.17,25) e ele tornou-se o genro do
rei (18.18, 21-23, 26,27). Além disso, Jônatas, o filho do rei e seu herdeiro
legítimo, essencialmente transferiu a Davi seu direito ao trono (v. 4) e
reconheceu que Davi seria rei um dia (23.17). Ademais, Saul ainda alegou que
Davi ascenderia ao trono, “legitimando” o jovem aos olhos do povo.
Em segundo lugar, a história da ascensão de Davi
também tenta distanciá- lo dos assassinatos de importantes pessoas ligadas a
Saul. Em quase todas as ocasiões em que pessoas associadas a assassinatos
aproximaram-se de Davi, ele proclamou sua inocência e denunciou aqueles que
haviam cometido o ato (2 Sm 1.14-16; 3.28; 4.10-12). AJém disso, no caso da
morte de Jônatas e Saul, o texto coloca Davi longe do monte Gilboa (o local
onde Saul e seus filhos foram mortos), provando que Davi não poderia estar
envolvido na morte deles. Dessa forma, Davi “fica livre” de ter feito o mal,
embora outros trouxessem acusações contra ele (16.7-8).
e. A narrativa da sucessão
Rost também
identificou uma segunda parte importante na vida de Davi, a qual ele intitulou
de narrativa da sucessão. Diferentemente da história da ascensão de Davi, a
narrativa da sucessão é muito menos idealística e apresenta um Davi que estava
propenso a fracassos morais, ele era uma frustração como pai, e alguém que era
assolado por todos os tipos de disfunções familiares e políticas. Rost rotulou
o material de 2 Sm 9—20 e 1 Rs 1—2 de narrativa da sucessão porque o mesmo
concentra-se na questão central: “qual dos filhos de Davi o sucederá como rei
de Israel?” No decorrer do complexo narrativo, diversos “concorrentes” ao trono
apareceram e diferentes facções lutaram pelo controle do reino. Já que Mical, a
mulher de Davi, falhou em reproduzir um herdeiro para o rei (2 Sm 6.23), o
sucessor veio de outra das mulheres de Davi. Assim, uma contenciosa e sangrenta
disputa entre os filhos de Davi teve lugar. Absalão matou seu meio-irmão,
Amnom, por este ter estuprado Tamar. Mais tarde, Absalão fomentou uma revolta
contra Davi e estabeleceu-se como rei por um curto período até ser eliminado
por Joabe (2 Sm 14—19). Adonias, o filho de Davi que tinha respaldo de pessoas
influentes, como Joabe, proclamou-se rei no final da vida de Davi (1 Rs 1). A
tentativa de Adonias para conquistar o trono foi frustrada por uma facção que,
com êxito, persuadiu Davi a proclamar Salomão rei (cap. 1—2). O trono de
Salomão somente foi solidificado depois que ele removeu, com sucesso, as
pessoas que se opuseram a ele anteriormente (cap. 2). Dessa forma, no final da
narrativa de sucessão, Salomão surgiu como o herdeiro de Davi, mas não sem
muitos conflitos e bastante derramamento de sangue.
Os
acontecimentos amargos que levaram Salomão à coroação estão dispostos dentro de
um quadro teológico. A razão pela qual Davi enfrentou contenda em sua família e
sofreu retrocessos políticos é decorrente do seu caso com Bate-Seba e do
assassinato de Urias, marido de Bate-Seba (2 Sm 11). O profeta Natã usou uma
parábola para censurar o comportamento de Davi, que selou sua própria sorte ao
condenar o homem rico da história que roubou a ovelha do homem pobre: Juro pelo
nome do Senhor que o homem quefez isso merece a morte! Deverá pagar quatro
vezes o preço da cordeira, porquanto agiu sem misericórdia (2 Sm 12.5,6). Ao
pronunciar esse veredito, Davi requereu o assassinato de Urias para si mesmo e
aplicou uma sentença jurídica sobre a sua própria cabeça. Um exame dos eventos
que seguiram a entrevista de Davi revela que suas palavras foram proféticas, no
sentido de que ele realmente pagou quadruplicado por suas transgressões: o
primeiro filho gerado por Bate-Seba morreu, Amnom foi morto por Absalão, este
pereceu na revolta contra Davi, e, finalmente, Adonias morreu pelo legado de
Salomão. Os acontecimentos que transcorreram na vida de Davi e em sua família
também foram o cumprimento do oráculo de Nata contra o rei: Por isso, a espada
nunca se afastará de sua família, pois você me desprezou e tomou a mulher de
Urias, o hitita, para ser sua mulher (2 Sm 12.10). Na narrativa da sucessão,
então, uma importante lição é transmitida ao público: nem mesmo Davi, o ungido
de Deus, conseguiu ostentar ou menosprezar a lei de Deus sem sujeitar-se à
correção divina. Davi pagou um alto preço por suas transgressões, tanto pessoal
como politicamente.
Ao examinar
a vida de Davi no livro de Samuel, torna-se aparente que o(s) editor(es)
deuteronomista(s) havia(m) dividido a sua vida sob duas manchetes distintas:
“Davi debaixo da bênção” e “Davi debaixo da maldição” (Carlson, 1964).
f. Os apêndices
Os últimos
quatro capítulos de Samuel (21.1—24.25) são compostos de uma diversidade de
materiais. Esses materiais incluem: uma narrativa acerca da expiação da culpa
de Saul (21.1-14), duas listas de heróis e seus feitos (21.1522; 23.8-39), duas
canções de gratidão (22.1-51; 23.1-7), e uma narrativa sobre a expiação da
culpa de Davi (24.1-25). Embora pareçam estar dispostos de modo casual, os
estudiosos entendem que esses capítulos estão cuidadosamente organizados em um
padrão de estrutura quiástica (Por trás do texto em 2 Sm 21.1—24.25). Essa
estrutura destaca temas importantes, como o abuso de poder do rei e a
onipotência e a misericórdia de Deus.
D. Temas teológicos
Ao longo dos
livros de Samuel, dois temas teológicos e ideias relevantes são destacados:
1. Liderança
No decorrer
da H.D. e nos livros de Samuel, especificamente, a liderança fiel é uma
preocupação teológica importante que é continuamente evidenciada. Os livros de
Samuel concentram-se na liderança de três principais indivíduos: Samuel, Saul e
Davi. Em Samuel, e em toda a H.D., a saúde e o bem-estar da comunidade de
Israel é diretamente dependente da qualidade de seus líderes. O sucesso de um
líder não é julgado por fatores externos que os seres humanos usariam para
avaliar a eficiência de um líder: sucesso político, vitória militar, aparência
física, idade, recursos humanos ou posição social. Nos livros de Samuel, assim
como em toda H.D., a verdadeira medida da eficiência de um líder está baseada
em um só critério: sua fidelidade e sua obediência a Deus. Em Samuel e na H.D.,
o Altíssimo fez os Israelitas florescerem e prosperarem quando os seus líderes
temiam-no, mas a comunidade sofria quando eles menosprezavam as Suas
instruções. Em Samuel, assim como em toda a H.D., o sucesso político e militar
aparecia como resultado da fiel observação do líder à instrução de Deus, mas a
derrota e a instabilidade ocorriam quando o líder desvanecia-se em seu
compromisso com o Senhor.
Em Samuel,
vários tipos de lideranças são evidenciados:
a. A monarquia
Os livros de
Samuel estão localizados em uma época de importante transição na história de
Israel. O período dos juízes termina e surge a monarquia. O pedido do povo por
um rei era equivalente à apostasia, e assim as origens do reinado recebem uma
avaliação teológica negativa. Antes da época de Samuel, Deus havia agido como o
rei de Israel verdadeiramente, mas o estabelecimento do reinado humano
representava a rejeição israelita à liderança do Senhor sobre a comunidade. O
Altíssimo, não obstante, permitiu que os israelitas tivessem um rei, embora a
ambição deles lhe fosse desagradável. O rei de Israel foi escolhido por Deus e
ungido por intermédio do ministério dos profetas. Além do mais, Ele sujeitou o
rei e o povo a certas estipulações, a saber: Se vocês temerem, servirem e
obedecerem ao Senhor, e não se rebelarem contra suas ordens, e, se vocês e o
rei que reinar sobre vocês seguirem o Senhor, o seu Deus (1 Sm 12.14). O texto
deixa claro que o povo e o rei deveriam permanecer sob a autoridade de Deus e
ambos foram exortados a permanecerem fiéis a Ele. O destino de Israel estava
intrinsecamente ligado à liderança do rei, e os prospectos de uma bênção futura
foram pressupostos na obediência dele. A medida em que a história de Israel
desenvolve-se em Samuel e em Reis, a narrativa mostra que foi o fracasso dos
líderes israelitas que finalmente levou à dizimação do reino do norte em 721
a.C. e do reino do sul em 586 a.C. Assim, a história condena, pelo exílio,
tanto o povo de Israel, que exigiu um rei em primeiro lugar (1 Sm 8; 12), como
seus líderes.
b. 0 fracasso da liderança de Saul
Embora Deus
tenha escolhido Saul para ser o primeiro rei de Israel (1 Sm 9.1—10.16), o
texto de Samuel consistentemente relembra os leitores de que o seu mandato como
rei resultou em um grande desastre. Teologicamente falando, o reinado de Saul é
caracterizado por uma série de ironias pungentes. Por um lado, Saul parece
possuir as ferramentas físicas e as qualidades que a maioria das pessoas deseja
em um grande líder: ele era alto, de boa aparência e vinha de uma família
influente, e ele provou ser um líder militar capaz em certos momentos. Por
outro lado, porém, o texto sugere fortemente que a aparência pode ser enganosa.
Ao longo das narrativas de Samuel, Saul demonstra que lhe faltava fé quando a
comunidade enfrentava oposição, ele ofendeu a Deus (e a Samuel) ao oferecer
sacrifícios que não estava autorizado, e ele falhou em seguir as diretrizes de
Deus acerca da destruição dos amalequitas. Além do mais, Saul nunca cumpriu os
propósitos para os quais Deus o escolheu originalmente, no sentido de que ele
nunca derrotou os filisteus. O triste retrato da fracassada monarquia de Saul
foi resultado de suas próprias ações e de seus próprios erros. No final, a
monarquia de Saul foi “rejeitada”, terminando em uma amarga ironia: ele morreu
pelas mãos dos inimigos de Israel e o seu corpo foi pendurado de forma
escarnecedora (cap. 31). Além disso, os prospectos e as esperanças de uma linha
de sucessão de Saul foram para sempre prejudicados por causa das ações dele
(13.8-13).
c. 0 sucesso da liderança davídica
A rejeição
de Deus por Saul preparou o caminho para a chegada do rei preferido do Senhor:
Davi. No decorrer de 1 Samuel 16—2 Samuel 8, a bênção divina sobre o jovem
filho de Jessé e o sucesso que ele desfrutou, tanto pessoal como politicamente,
ficam em completo contraste com o reinado mal fadado de Saul. Diferentemente
deste, Davi não é conhecido por suas características físicas, mas por sua
devoção ao Altíssimo. Enquanto Saul não possuía fé no Senhor durante os pontos
críticos da narrativa, a vida de Davi foi pontuada de momentos em ele dependeu
do auxílio e da força de Deus: quando estava lutando contra Golias, por
exemplo, e quando Saul perseguiu-o no deserto. A justiça de Davi também superou
a de Saul, e a narrativa deixa claro que os prospectos da liderança davídica
eram melhor recebidos do que Saul ou alguém de sua linhagem. Durante a
narrativa, o texto também destaca que Davi foi capaz de realizar aquilo que
Saul não conseguiu.
O favor de
Deus para com Davi é evidente na aliança especial que Ele estabeleceu com Seu
servo e com a sua casa. No texto da aliança em 2 Samuel 7, Deus prometeu a Davi
que a sua linhagem nunca teria fim, e que o seu reino estaria seguro para
sempre. Essa promessa, que foi severamente ameaçada no final do período
monárquico e no exílio, forneceu esperança para a comunidade judaica durante o
período pós-exílico. A promessa foi finalmente cumprida em Jesus, que descendeu
da casa de Davi, por intermédio do qual o Senhor conseguiu estabelecer Seu
Reino eterno.
d. A ascensão dos profetas
O surgimento
dos profetas coincidiu com o desenvolvimento da monarquia na sociedade
israelita. Enquanto o rei presidia sobre os assuntos políticos e militares do
reino, os profetas serviam como a voz religiosa e moral da comunidade. Os
profetas agiam como porta-vozes de Deus, fazendo os líderes religiosos, os reis
e o povo prestarem contas a Ele. No decorrer de Samuel, os profetas têm uma
função importante na sociedade de Israel. O profeta Samuel, por exemplo,
convidou o povo para uma vida obediente (1 Sm 7.3,4), atuou como o nomeador dos
primeiros reis, ungindo Saul e Davi por ordem de Deus, e entregou palavras de
instrução ou juízo quando o rei (13.816; 15.17-23) ou os líderes religiosos não
ouviram a voz do Senhor (3.1-18). Além disso, Samuel também proveu afirmações
proféticas que declaravam as intenções de Deus concernentes ao destino do
futuro de Saul (28.15-19), da dinastia de Saul (15.3-8) e da monarquia de Davi
(v. 28).
Em Samuel, o
texto menciona diversos profetas que tiveram interações com Davi. Além de
Samuel, os profetas Gade e Natã eram os canais principais pelos quais o
Altíssimo comunicava-se com ele. Pela palavra do profeta, o Senhor estabeleceu
esta aliança com a casa de Davi (2 Sm 7), mas Ele também proferiu fortes
advertências e mensagens de juízo. O profeta Gade, por exemplo, ordenou que
Davi voltasse para a terra de Judá (1 Sm 22.5). O profeta Natã repreendeu o rei
depois do seu caso com Bate-Seba e do assassinato de Urias (2 Sm 12.7-15), e o
profeta Gade anunciou a vinda de uma praga depois que Davi decretou o censo (2
Sm 24.10-14). Em favor de Davi, cada vez que Gade e Natã confrontavam-no por
causa de seu pecado, o rei humilhava-se em contrição diante de Deus. Como
porta-vozes divinos, então, os profetas tinham autoridade de manter o rei na
linha e eram lembretes visíveis para que ele permanecesse sob a autoridade de
Deus.
2. A reversão da sorte
A reversão
da sorte “como um índice da soberania divina” é outro tema que permeia os
livros de Samuel (Youngblood, 1992, p. 561). No decorrer das histórias de Ana,
Samuel, Eli e seus filhos, Saul e Davi, o texto demonstra que Deus tem a
capacidade de exaltar o humilde e de humilhar o arrogante. (Veja o hino de Ana
em 1 Samuel 2.6-8) como resultado do trabalho de Deus nas questões da humanidade,
uma mulher anteriormente estéril (1.5,6) foi capaz de dar à luz um dos maiores
profetas/sacerdotes/juízes da história de Israel (2.19,20); dor e humilhação
transformaram-se em alegria (1.18); um futuro sem filhos mudou drasticamente
com o nascimento de seis (2.21). Homens privilegiados (v. 12.16), escolhidos
para servir como sacerdotes da comunidade, morreram envergonhados (4.11,12).
Dois indivíduos simples e insuspeitos, um deles procurou jumentos (9.3,4) e o
outro cuidou de ovelhas (16.11), tornaram-se os dois primeiros reis de Israel
(10.1; 16.13). Os líderes ungidos e exaltados por Deus foram humilhados (15.11,
28; 2 Sm 12.9,10). A divina capacidade de mudar as circunstâncias dos
indivíduos nos livros de Samuel-não foi desconectada da reação humana para com
a divina. A sorte dos indivíduos era afetada pela piedade e pela obediência
deles à vontade de Deus e também pelo seu orgulho e pela sua infidelidade a
Ele.
3. A teologia da recompensa-punição
Os livros de
Samuel explicam claramente a teologia deuteronomista da recompensa-punição.
Basicamente, o(s) editor(es) Deuteronomista(s) defendia(m) a ideia de que Deus
abençoaria aqueles que fossem obedientes e traria castigo sobre os que o
desobedecessem. Essa visão teológica da vida nasceu do conhecimento que havia
da aliança mosaica. Essa aliança segue os padrões e o formato dos antigos
tratados do Oriente Próximo, que incluíam a lista de convenções que o vassalo
era obrigado a seguir para receber as bênçãos do suserano e a ameaça de um
severo castigo pela desobediência. A aliança mosaica, que era condicional em
sua natureza, concebia o relacionamento de Israel com Deus de modo semelhante:
bênçãos pela obediência (Dt 7.12-24; 28.1-14; Lv 26.1-13) e maldições pela
desobediência (Dt 28.15-68; Lv 26.1446).
No
transcorrer de Samuel e da H.D., o esquema de recompensa-punição funcionou de
maneira individual, e também comunitária. Deus levou o juízo sobre aqueles que
quebraram o mandamento, por exemplo: Eli e seus filhos, pelo comportamento
perverso no santuário de Siló (1 Sm 2.27-35); Saul, por desobedecer à ordem de
Deus (13.8-15); e Davi, por seu envolvimento no fracasso de Bate-Seba e Urias
(2 Sm 12.7-14). Os israelitas também sofreram derrota e humilhação no uso
impróprio da arca (1 Sm 4.1-22). Samuel também disse que os israelitas
experimentariam dor e sofrimento por requisitarem um rei para governá-los
(8.10-18).
Deus também
abençoou aqueles que demonstraram piedade e fé nele. O Senhor abençoou Ana com
um filho apesar de sua condição estéril (1.1119), Ele honrou Samuel entre o
povo de Israel por seu serviço fiel (3.1-21), o Altíssimo deu a Davi graça
entre o povo e a família de Saul (18.1-14), Deus estabeleceu uma aliança
especial com Davi e sua família (2 Sm 7), e Israel teve vitória sobre os seus
inimigos enquanto Davi permaneceu verdadeiro a Deus (5.17-25; 8.1-14).
O(s)
editor(es) Deuteronomista(s) fez(fizeram) o resto da H.D. ao redor deste
esquema de recompensa-punição. Isso fornecia um raciocínio teológico sobre o
porquê de o favor e de a misericórdia de Deus estenderem-se sobre aqueles que
eram obedientes e explicava porque algumas catástrofes como aquelas de 721 a.C.
e de 586 a.C. aconteceram. Com o passar do tempo, outros escritores bíblicos
começaram a desafiar esse jeito Deuteronomista de perceber e interpretar a
realidade como certos salmos (44.9-22; 73.4-12) e como o Livro de Jó (21.1-34;
31.1-40) atestam.
Biblioografia
Autor: MELLISH, Kevin J.
Título em português: Novo Comentário Bíblico Beacon: 1 e 2
Samuel.
Título original: 1 & 2 Samuel New Beacon Bible
Commentary. Rio de Janeiro: 2015 352 páginas
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