7 de março de 2010

A Jactância do Apóstolo

A Jactância do Apóstolo (11.21b—12.10)

O apóstolo agora se engaja ousadamente naquela “loucura da jactância” à qual ele foi tão hesitante em ceder. Ao apresentar suas credenciais como um apóstolo (11.21b33) e trazer à luz suas visões e revelações do Senhor (12.1-10), ele “varre” os seus oponentes daquele território, junto com a enfurecida jactância que demonstraram.

a) As credenciais de um apóstolo (11.21b-33). Esta seção nos faz lembrar da passagem em 6.4-10, mas é uma apresentação mais rica e mais abrangente. A ênfase nos privilégios de seu nascimento e educação, Paulo acrescenta uma descrição completa de todos os sofrimentos e perigos pelos quais passou como um apóstolo de Cristo. Com uma lista formidável, ele deixa os coríntios admirados e neutraliza cada contradição.

Paulo agora está no ataque, revidando ousadia com ousadia. A expressão com insensatez falo (21) indica que a sua disposição para a ironia continua. Ela também revela que o apóstolo não está cedendo a um comportamento que seja digno de emulação pelos seus leitores. Ele foi forçado a isso, em particular, pelo amor que sentia pelos coríntios.

Os invasores em Corinto eram, sem dúvida, judeus palestinos de língua aramaica. Eles estavam tentando usar sua descendência e herança para colocar o apóstolo, que viera de solo estrangeiro Tarso, na Cilícia (At 22.3), em uma posição desfavorável. Eles estavam se vangloriando “segundo a carne” (18) — da linguagem, religião e raça. Paulo também se vangloriará: São hebreus? Também eu (22). Em Atos 6.1, este termo designava os hebreus ou judeus de língua aramaica, distinguindo-os daqueles que só falavam grego.

Paulo, como qualquer judeu e melhor do que a maioria, pôde ler e estudar as Escrituras Hebraicas nos idiomas em que foram escritas. Além do mais, ele dominava o dialeto aramaico com tal maestria que monopolizou a atenção de uma multidão hostil em Jerusalém, colocando-se em pé nas escadas que levavam à fortaleza de Antônia (At 21.39—22.3). Naquela ocasião, ele declarou: “Sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade aos pés de Gamaliel” (At 22.3).

Em um estudo cuidadoso, W. C. van Unnik conclui que “embora Paulo tenha nascido em Tarso, foi em Jerusalém que ele recebeu sua educação na casa dos pais, assim como foi em Jerusalém que ele concluiu a sua formação escolar posterior para o rabinato”. A língua da juventude de Paulo, em casa e na escola, pode muito bem ter sido o aramaico. Ele era, sem dúvida, “hebreu de hebreus” (Fp 3.5).

São israelitas? Também eu. Ele também era um filho de Jacó (Gn 32.28), “da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim” (Fp 3.5; cf. Rm 11.1). Paulo se emociona pelo seu envolvimento com aquelas pessoas escolhidas como instrumento particular de Deus para a realização de seus propósitos para toda a humanidade. Eles eram “israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne” (Rm 9.4-5). A fé de Israel era toda sua também; pois assim como Natanael, Paulo era “um verdadeiro israelita” (Jo 1.47).

São descendência de Abraão? Também eu. Paulo era, não apenas pela raça, um

membro “da descendência de Abraão” (Rm 11.1), a quem as promessas foram dadas (Gn 12.1-2; Rm 9.4; Gl 3.8, 16); ele também era um membro pela fé. A semente de Abraão é Cristo (Gl 3.16), e em Cristo a bênção de Abraão havia chegado a todos, conforme Paulo escreveu: “Pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito” (Gl 3.14). Como um cristão, ele permanecia, mais do que nunca, como um membro da raça de Abraão.

Os oponentes do apóstolo não tinham nada de que o acusar. Ele era um judeu no sentido mais amplo do termo: “Conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu” (At 26.5; cf. Fp 3.5-6). Mesmo assim, ele podia considerar tudo isso como perda em vista do privilégio maior, “do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Fp 3.8).

São ministros de Cristo? (23) Esta quarta questão, embora similar às três anteriores, transcende-as e contém a principal temática. Todas as quatro designações são termos que Paulo havia tirado das ostentações de seus oponentes em Corinto. Um indicativo da proeminência da declaração final é a resposta de Paulo: são... “também eu” (kago, 22), mas eu ainda mais (hyper ego). Ele é mais ministro de Cristo do que eles: “eu sou... melhor” (RSV). Mas falar dessa maneira é, para ele, “falar como se fosse insensato” (NASB).

Falo como fora de mim (insensato, paraphroneo); esta é uma palavra mais forte do que aphron, que foi traduzida como “insensato” nos versículos 16 e 19. O pensamento do apóstolo, de acordo com a sugestão de Plummer, é que “gloriar-se a respeito de um assunto tão sagrado como a obra de Cristo, é uma completa loucura”. Paulo passa agora à definição de sua superioridade como um ministro de Cristo.

Em resumo: “eles são servos de Cristo muito inferiores a ele próprio, porque tiveram muito menos “fraquezas“ (cf. 11.23-12.10; 1 Co 4.1O-13) Se existem credenciais apostólicas “segundo a carne” (18), elas serão encontradas não na força da carne, de acordo com os critérios humanos, mas em suas fraquezas (12.5). Utilizando a escala correta de um apóstolo, Paulo “não é, de modo algum, inferior a esses “super-apóstolos” (12.11).

Seu ministério cumpria as palavras que o Senhor disse sobre ele a Ananias: “E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome” (At 9.16; cf. Mt 10.24).

Paulo está em uma posição bastante superior aos seus oponentes, e isto se torna público por uma avançada estrutura de quatro frases iniciadas com em e ligadas com advérbios.’°’ Lenski observa que “essas quatro frases são usadas para indicar integridade retórica, e estão dispostas em uma escala ascendente. Trabalhos... açoites... prisões’ ...perigo de morte.

As palavras ainda mais e muito mais traduzem o mesmo advérbio, o comparativo perissoteros, que é usado como uma força superlativa. Assim, é possível que após a expressão eu ainda mais, o pensamento de comparação seja interrompido. Mas Lenski faria todos os advérbios modificarem a expressão eu ainda mais, e deste modo ele mantém a idéia de comparação contínua.” Paulo estaria então indicando porque está acima deles, sem detalhar os itens em particular nos quais ele possa tê-los superado.

Como um ministro de Cristo, o apóstolo supera todos os seus oponentes por causa do volume dos seus trabalhos, isto é, suas numerosas e árduas campanhas missionárias; por causa do exagerado número de aprisionamentos; em vista dos açoites além da medida (cf. 6.5) e devido ao fato de que ele havia estado “em perigo de morte muitas vezes” (1.9-10; 4.11; 1 Co 15.32). Essas experiências da vida de Paulo, enfrentadas por amor ao evangelho, eram, sem dúvida, estranhas ao assim chamado ministério de seus oponentes. Eles, provavelmente, pouco haviam trabalhado e muito menos se esforçado.

E duvidoso que eles tenham estado alguma vez na prisão, sido açoitados ou enfrentado a morte por amor a Cristo. Estes pretensos ministros de Cristo revelam como são. Eles podem ter sido capazes de reclamar igualdade com Paulo nas três primeiras reivindicações (22), mas isso acaba por aqui: “Paulo está em uma categoria diferente no que se refere ao ministério; o dele está acima do horizonte de seus oponentes”. A expressão em perigo de morte é ampliada em 24-25.

Paulo recorda que cinco vezes recebeu 39 açoites das mãos dos judeus (24). A leijudaica (Dt 25.1-3) permitia que no máximo 40 açoites fossem aplicados a um criminoso, assim a prática judaica era parar em 39 para que um erro de contagem não os levasse a infringir a lei. Esse espancamento podia ser brutal, e sua aplicação ocorria nas sinagogas. Cristo havia alertado os seus discípulos de que eles seriam espancados pelos judeus nas suas sinagogas (Mt 10.7; Mc 13.9; Lc 12.11). Saulo havia, ele próprio, cumprido essa profecia durante a sua perseguição aos primeiros cristãos (At 22.20; 26.11). As ocasiões exatas dos cinco açoitamentos sofridos por Paulo não podem ser identificadas, mas a sua menção reflete a persistente e amarga hostilidade dos judeus contra ele.

Por três vezes Paulo foi açoitado com varas (25). Um exemplo ocorreu na colônia romana de Filipos (At 16.22-23).

Normalmente, como um cidadão romano, Paulo estava protegido de tal tratamento nas mãos das autoridades, mas, ocasionalmente, como em Filipos, ele pode ter sido açoitado antes que se descobrisse quem ele era. E possível também que os magistrados romanos locais, sob a pressão de uma multidão descontrolada, tenham desconsiderado o privilégio que Paulo tinha como cidadão romano.’

A ocasião em que Paulo foi apedrejado está registrada em Atos 14. 19-20, onde foi dado como morto em Listra. Pouco antes disto, ele havia escapado por pouco em Icônio (At 11.5-6; 9.24-26; 14.14). O apedrejamento era o procedimento normal para a execução da pena de morte. Talvez o pretexto fosse blasfêmia (cf. At 6.11; 7.56), uma transgressão que, segundo a lei mosaica, deveria ser punida com a morte por apedrejamento (Lv 24.16).

Nenhuma menção é feita em Atos de três naufrágios que o apóstolo sofreu antes de escrever 2 Coríntios. Seus movimentos pelo mar, no entanto, deram amplas oportunidades para que isto tivesse acontecido.’°’ Como resultado de um desses naufrágios, Paulo passou uma noite e um dia “à deriva no mar aberto” (Bíblia Jerusalém). Os versículos 24-25 formam um “parêntesis de peculiaridades”,’°’ pois ambos são precedidos e seguidos por descrições mais gerais dos sofrimentos do apóstolo.

A frase: Em viagens, muitas vezes (26), apresenta os perigos que Paulo enfrentou no curso de suas freqüentes viagens missionárias no mundo mediterrâneo do primeiro século. Essas viagens eram das “mais perigosas por que ele estava sujeito ao ódio de todos os homens de qualquer região do mundo a que possivelmente fosse por amor a Cristo” (cf. Mt 10.22).” Lenski comenta que a ênfase está nas viagens de Paulo. O termo viagens, ou jornadas (hodoiporias), depende da expressão eu ainda mais (23), e assim é um paralelo às frases iniciadas com em no versículo 23.”

Cada vez que o apóstolo saía em obediência ao seu chamado apostólico, ele estava expondo a sua própria vida a riscos incalculáveis. Ele enfrentou perigos em rios sem pontes, que ele pode ter sido obrigado a cruzar em épocas de cheia. Salteadores muitas vezes infestavam as áreas desabitadas pelas quais ele tinha que passar.

Sua vida estava em perigo tanto em meio aos seus conterrâneos, os da sua própria nação, que o odiavam por ter aceitado um Messias crucificado, como também entre os gentios, quando era levado aos seus tribunais. Não havia sequer um lugar em que ele estivesse livre do perigo. Na cidade multidões eram insufladas contra ele. No deserto havia a selvageria de homens e feras.

No mar, tempestades podiam quebrar a calmaria e afundar os pequenos barcos de viagem naqueles dias. Mas, como os piores de todos, em uma categoria específica, estavam os perigos entre os falsos irmãos (cf. 13). Como Plummer comenta: “Os outros perigos ameaçavam a vida, o corpo e a propriedade, mas este colocava em perigo, e algumas vezes arruinava, o seu trabalho”. Sob a máscara de irmãos, esses homens podiam se insinuar na comunidade cristã, e sem aviso minar o ministério do apóstolo. A igreja cristã nunca esteve livre dessa traição interna. Até mesmo o Senhor Jesus Cristo sofreu com um Judas.

No versículo 27, a caracterização da vida ministerial do apóstolo parece se deslocar para as suas experiências em uma cidade enquanto fundava e estabelecia uma igreja. A descrição básica é de trabalhos e fadiga,” pois a frase é análoga à expressão em viagens, muitas vezes (26) e em perigo de morte, muitas vezes (23). Ela depende da expressão eu ainda mais (23), e é qualificada por frases iniciadas com em no restante do versículo.

A primeira frase traduzida como trabalhos e fadiga (cf. 1 Ts 2.9; 2 Ts 3.8) se refere ao trabalho manual através do qual Paulo se sustentou durante os seus esforços de evangelização. Trabalhos (kopo; cf. 23) é passivo, indicando a fadiga resultante do esforço prolongado; já o termo fadiga (mochtho) é ativo, denotando a real dificuldade envolvida no esforço. Trabalhar com as próprias mãos era algo que não estava abaixo da dignidade do grande apóstolo.

Os trabalhos de Paulo ocorreram em meio a muitas vigílias; ou seja, ele passou muitas horas sem dormir, muito provavelmente devido às suas longas horas de atividade Ele trabalhou com fome e sede, devido, às vezes, à sua incapacidade de obter comida e bebida apropriadas. A expressão em jejum, muitas vezes se refere, provavelmente, não à disciplina religiosa, mas a continuar sem refeições a fim de não interromper o seu trabalho como um ministro de Cristo. Como seu Mestre, seu alimento era fazer a vontade daquele que o havia enviado (Jo 4.34).

Uma das principais motivações da vida de Paulo era a convicção de que “nem só de pão viverá o homem” (Mt 4.4). Finalmente, no curso de seu ministério, ele teve que sofrer frio e nudez, quando as roupas e o abrigo adequado lhe foram negados. Observamos com temor as coisas que o apóstolo expõe como as marcas de autenticação de seu ministério. Em nosso tempo e cultura, a conclusão de que não podemos escapar é: “Quanto menos preocupação consigo mesmo e menos amor à presente segurança, maior é o nível do apostolado de uma pessoa”.

Mas estas não foram todas as aflições que Paulo suportou. A frase: além das coisas exteriores (28), pode se referir às “coisas externas” (NEB) que acabaram de ser enumeradas ou, mais provavelmente, a uma lista de coisas que ele sequer mencionou.

A versão RSV em inglês traz a seguinte expressão: “Além dessas e de outras coisas”. A principal carga que Paulo tinha que suportar era a “pressão diária” (NASB) do seu cuidado com todas as igrejas.

A tradução: me oprime.., é baseada em uma leitura inferior (he episustasis mou), em lugar da melhor interpretação aceita (he epistasis moi), que a NEB traduz como “a responsabilidade que pesa sobre mim”. A “responsabilidade” é definida pela frase que se segue — a ansiosa preocupação de Paulo pelas igrejas que ele estabeleceu. Todos os seus outros sofrimentos eram incidentais, quando comparados ao peso dessa preocupação. Isto os seus oponentes não podiam compartilhar; na verdade, eles contribuíam para isso (cf. Mt 18.7; = Lc 17.1; At 20.29-30).

De acordo com as interpretações mais freqüentes, o versículo 29 apresenta a causa da intensa preocupação do apóstolo: o seu amor pastoral, e a sua identificação com os seus convertidos (cf. 2). Esta compaixão que Paulo sente por seus filhos espirituais tem dois aspectos complementares. O primeiro é a empatia com os fracos: Quem enfraquece que eu também não enfraqueça? (cf. 1 Co 9.22).

Ao se referir a enfraquece, Paulo pode ter em mente o excesso de escrúpulos (Rm 14.1), ou aqueles que são muito sensíveis em relação aos outros. Porém é mais provável que ele se refira àqueles que são fracos em relação às suas responsabilidades espirituais. O apóstolo não só sente as fraquezas deles como se fossem as suas próprias fraquezas, mas realmente considera a si mesmo fraco juntamente com eles, em contraste com os seus oponentes — que se gloriam de sua grande força.

O segundo é a indignação em relação àqueles que seduziam quaisquer dos convertidos de Paulo ao pecado: Quem se escandaliza, que eu não me abrase? O sentido se torna claro na versão NEB em inglês: “Se qualquer um for levado a tropeçar, será que o meu coração não queimará com indignação?” A figura é a de ser pego em uma armadilha (skandalizetai).

Tasker observa que “embora todos os cristãos concordem que a empatia é parte da essência do amor cristão, nem sempre é reconhecido que, sem a indignação moral, esse amor é imperfeito”. Mas há uma forte possibilidade de que as duas perguntas retóricas no versículo sejam mais sinônimas do que complementares. Lenski tomaria as duas literalmente, com a segunda formando um clímax para a primeira. O sentido da primeira, então, seria:

“Está alguém caindo em uma armadilha fatal e eu, de minha parte, não estou fazendo muito pior ao cair no fogo?”. O contexto das duas afirmações de Paulo a respeito de si mesmo seria, então, o trabalho e o fardo do seu ministério.

O fogo seria o fogo do sofrimento envolvido. Orígenes preserva um ditado atribuído a Jesus, que diz: “Aquele que está perto de mim, está perto do fogo”.

Em vista do contexto, esta interpretação talvez seja a mais recomendável, pois ela contribui para a apresentação particular do ministério de Paulo aos coríntios, que está sendo descrito ao longo de toda a passagem (11.21b—12.10). A importância do versículo é, então, não a descrição da identificação empática que deu origem à ansiedade do apóstolo. O versículo enfatiza a fraqueza que ele tem delineado como uma das credenciais de um verdadeiro apóstolo.

Assim, o pensamento se torna claro por meio do próximo versículo: Se convém gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza (30). Paulo havia entrado nos domínios de seus oponentes para reagir às suas reivindicações. Mas o apóstolo se gloria naquilo que eles desprezam a sua “fraqueza”. Esta jactância eles não podem alcançar, e de fato não alcançarão.

O “princípio da jactância” de Paulo é paradoxal. Seu orgulho está na absoluta fraqueza do instrumento humano. Em suas humilhações e sofrimentos ele pode, sem dúvida, se gloriar, pois estes se tornaram a oportunidade de mostrar a graça e o poder do Deus da ressurreição (cf. 1.8-10; 4.7-12; 13.4). A carta começa, agora, a chegar rapidamente ao seu clímax, que ocorre em 12.9-10. O tema do poder divino, que se manifesta por meio da fraqueza humana, permeia a Epístola como um todo.

Paulo afirma solenemente que tudo o que ele disse e dirá em relação à sua jactância na fraqueza é a verdade: Deus... sabe que não minto (31; cf. 11 e 1.13). Como sempre, quando confrontado com aqueles que poderiam duvidar de sua veracidade, Paulo apela para Deus, diante de quem ele vive uma vida absolutamente aberta (cf. 1.23; Rm 9.1; Gl 1.20; 1 Tm 2.7).

O Deus a quem ele apela é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.’2’ Ele é um Deus a quem Paulo conhece intimamente, por intermédio daquele Homem que também o Filho de Deus, Jesus Cristo. Pelo fato de Deus ter feito “em Cristo” o seu caminho para a vida de Paulo, o apóstolo declara que Ele é eternamente bendito (cf. Mc 14.61; Rm 1.25; 9.5).

No que a princípio parece ser algo estranho, Paulo relata nos versículos 32-33 uma versão de sua fuga de Damasco. Instigado pelos judeus (At 9.23), o que governava (etnarca) sob o rei Aretas IV, rei dos nabateus, 9-40 d.C.,

“Pôs guardas às portas da cidade dos damascenos, para... prenderem” o apóstolo fugitivo. Hughes sugere:

“Não é improvável que o etnarca fosse, ele mesmo, um judeu, e que a guarda designada por ele fosse composta inteiramente por homens da raça judaica”. Para que a vida de Paulo fosse salva, ele foi descido num cesto por uma janela da muralha. Seus amigos o passaram através de (dia) uma abertura na muralha, e ele escapou das mãos do etnarca.

Não há dúvida de que esta experiência possuía uma importância particular para o apóstolo. Sua posição após a lista de seus sofrimentos na obra de Cristo, e a declaração de princípios que o levou a colocá-los em uma lista, parece ter sido deliberada. Hughes descreve três razões para este fato. A primeira, “sua perseguição era”, nas palavras de Calvino, “o seu primeiro aprendizado”, sua iniciação como um recruta inexperiente na linha de frente da guerra do evangelho.

A segunda é que ela enfatizava para o apóstolo a fragilidade e a humilhação que iriam caracterizar o seu ministério apostólico como um todo. O contraste entre o poderoso Saulo de Tarso que arrogantemente se aproximou de Damasco, mas que a adentrou fraco, ferido, e cego, e o apóstolo que fugiu daquela mesma cidade para salvar a própria vida sob o abrigo da noite, nunca foi esquecido por ele. A terceira razão é que Paulo pode estar apresentando o episódio “como um prelúdio efetivo e contrastante com a experiência que ele está prestes a descrever” (12.24).

A maravilhosa experiência de arrebatamento ao terceiro céu ocorreu ao mesmo homem que sofreu a infame descida pelo muro em Damasco. A referência à sua elevada experiência espiritual é colocada entre a narração de uma despretensiosa fuga, e a menção de seu humilhante “espinho na carne” (12.7-10). Paulo pretende manter a si mesmo e o seu ministério sob uma perspectiva verdadeira um instrumento frágil, completamente dependente do transcendental poder de Deus.

Por causa da necessidade, Paulo foi forçado a apresentar as suas credenciais como apóstolo de Cristo, 21b-33. Elas podem ser vistas como “As Credenciais de um Ministério Cristão”. Elas consistem:

1) primariamente, não de uma herança privilegiada, mas, especialmente,

2) e em parte, daquelas indignidades e sofrimentos mais contrários à exaltação, ao conforto e à tranqüilidade humana, 23-27; e

3) de forma mais centralizada, de uma preocupação sobrecarregada por aquelas pessoas pelas quais se é responsável diante de Deus, 28. Todas essas credenciais decorrem do princípio de que alicerce humano de um verdadeiro ministério cristão é o reconhecimento e a aceitação da fraqueza, 29-33.

b) As revelações de Deus para Paulo (12.1-10). A segunda fase da “loucura da jactância” de Paulo começa quando ele vai da descrição dos seus sofrimentos por amor a Deus, para a menção da experiência celestial que lhe foi concedida. Mas como o espinho na sua carne o faz lembrar, sua jactância deve continuar se restringindo à sua fraqueza, para que a sua confiança esteja apenas no poder de Cristo.

O apóstolo prossegue: “E necessário que me glorie,” ainda que não convém;13’ mas passarei às visões e revelações do Senhor” (NEB). Mais uma vez Paulo chama a atenção para o fato de que ele é forçado a se gloriar (cf. 11), tanto por causa de seus oponentes, como pela igreja que os ouviu. Com hesitação, ele fala das suas experiências de arrebatamento a uma congregação grega que estava tentada a exagerar na importância de tais manifestações (cf. 1 Co 14.15). O genitivo do Senhor (1) é subjetivo, indicando que as visões e revelações de Paulo se originavam de uma fonte divina.

Elas não são do mesmo nível de seu encontro com o Cristo ressuscitado na estrada para Damasco, porém são, mais provavelmente, uma continuação de suas experiências registradas em 1 Coríntios 14. 18-19.

A reticência com que Paulo fala de suas extraordinárias experiências religiosas é instrutiva. Ele deliberadamente as desconsidera como um argumento, e descreve o seu uso como uma jactância. Não é que Paulo menospreze a experiência religiosa, mas ele procura sempre mantê-la em uma perspectiva equilibrada como “um sinal, uma conseqüência e, dentro de limites claramente compreendidos, uma garantia do que acontece àqueles que são levados a um relacionamento redentor com Deus”. O parâmetro para medir todas as experiências de êxtase e demonstrações emocionais, conforme expresso por Schweizer, deve ser: “Se elas proclamam a Jesus como Senhor ou, em outras palavras, se edificam a igreja”.

A linguagem egocêntrica é cuidadosamente evitada por Paulo, ao escrever: Conheço (lit., eu conheço, oida) um homem em Cristo que... foi arrebatado até ao terceiro céu (2). Ele fala de si mesmo simplesmente como um cristão, um homem extasiado pelo poder de Cristo em um momento de graça (cf. 10.17).

Por meio da frase em Cristo, o apóstolo está renunciando a todos os créditos pelo que lhe aconteceu. Calvino faz referência à disposição do apóstolo: “Aqui, Paulo não olha para si, mas exclusivamente para Cristo”. Há um sentido, que talvez possamos chamar de existencial, no qual Paulo distingue, aqui, dois homens em si mesmo o homem em Cristo e o homem natural, terreno, de carne e osso (cf. 5).

Somente quando ele vê a si mesmo do ponto de vista deste último, é que ele se gaba; quando ele fala de si mesmo como o anterior, o “eu” é eclipsado por Cristo. Será que não temos aqui um modelo para o nosso testemunho pessoal?

Assim, longe de atribuir a si mesmo aquilo que Deus lhe deu, o apóstolo admite abertamente que não sabe com certeza o que lhe havia acontecido: Se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei (oida); Deus o sabe (oiden). Além disso, Paulo tinha tão pouca intenção de explorar este acontecimento que durante quatorze anos ele o guardou como um segredo, até que lhe foi arrancado à força. Eis aqui “o mais raro dos exemplos: uma jactância sem jactância”.

Quatorze anos atrás seria aproximadamente 44 d.C., talvez o ano que Paulo passou em Antioquia (At 11.26). Associar esta experiência à sua missão em Antioquia, como um apóstolo para os gentios, não passa de uma conjectura.

A descrição mais próxima dada por Paulo é: arrebatado até ao terceiro céu. O mesmo verbo é usado para Filipe em Atos 8.39 e para a Parousia em 1 Tessalonicenses 4.17.

Embora a literatura judaica fale de sete céus, o NT nada diz sobre isso. Assim, a referência dificilmente seria ao terceiro dentre sete céus. Bengel sugere que Paulo pensava em três céus: um na atmosfera da terra, um segundo no espaço exterior e o terceiro no reino espiritual, onde Deus reside.’4’ Porém, a sugestão de Calvino pode ser a mais provável. Segundo ele, “o número três pode ter sido utilizado.., como uma referência à iminência, para denotar aquilo que é mais elevado e mais completo”.

Aqui estaria indicada a mais sublime condição que se pudesse conceber, a presença celestial de Jesus. Esta teria sido uma experiência comparável à de Pedro, Tiago e João no Monte da Transfiguração. Paulo, como eles, estaria vendo de relance aquilo que ainda ocorreria na Parousia (cf. 4.14-5.10) e, através desta visão, ele estaria sendo fortalecido para enfrentar os sofrimentos que o aguardavam ao longo de sua missão junto aos gentios: “Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8.18; cf. 2 Tm 4.8). Somente o homem em Cristo tem essa antecipação.

De uma maneira semelhante aos antigos profetas, o apóstolo descreve novamente a mesma revelação nos versículos 3 e 4843 Sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei [oida]; Deus o sabe [oiden]. O verbo é o mesmo, mas agora “o terceiro céu” é identificado como paraíso. Nas outras únicas ocorrências desta palavra no NT, Jesus diz ao ladrão na Cruz: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43) e à igreja de Efeso é prometido:

“Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida que está no meio do paraíso de Deus” (Ap 2.7). Apalavra é usada como uma referência ao Jardim do Eden na Septuaginta (Gn 2.8; 13.10; Is 51.3), e à morada de Deus (Ez 28.13; 31.8). Barclay, de maneira esclarecedora, escreve sobre esta palavra: “Paraíso vem de uma palavra persa que significa um jardim murado. Quando um rei persa desejava conferir uma honra muito especial a alguém que lhe era especialmente caro, ele o tornava um companheiro do jardim e lhe dava o direito de caminhar pelos jardins reais em sua companhia de forma próxima e íntima”.

Foi permitido a Paulo um momento indescritível na companhia íntima do Senhor no pátio do próprio paraíso. Por um instante, ele esteve no lar “com o Senhor” (5.8).

Mas ele não sabia se estava no corpo ou fora do corpo tão encantador foi o acontecimento que, por um breve momento, ele atravessou a névoa da existência terrena e foi transportado até a máxima glória celestial da presença do Filho de Deus. Não há razão convincente para distinção entre os significados das três ocorrências de paraíso no NT. A influência desta e de outras experiências semelhantes no ministério de Paulo deve ter sido incalculável, já que as palavras que ele ouviu eram inefáveis. Será que o segredo de seu poder não se encontra, de alguma forma, em sua reticência em falar sobre tais revelações pessoais?

O que Paulo ouviu no paraíso era tão inefável que ao homem não é lícito falar. Era algo para ser mantido como sagrado entre ele e Deus. Era uma bênção que visava, exclusivamente, o bem-estar de Paulo; “porque aquele que tinha tão árduas dificuldades lhe esperando, suficientes para partir milhares de corações, precisava ser fortalecido por meios especiais para que não cedesse, mas se mantivesse destemido”.

Paulo comunicou tudo o que lhe havia sido pedido para comunicar. Embora o paraíso não nos seja completamente descrito, basta saber que nós compartilharemos a glória da exaltada presença de Cristo e que, então, seremos semelhantes a Ele (3.18). “Não devemos procurar saber de qualquer coisa além daquilo que o Senhor julgou que deva ser revelado à sua igreja”.

A fim de introduzir o que tem a dizer no versículo 6, Paulo novamente (cf. 11.30) declara que só se gloriará em suas fraquezas (5). Ele não vai se gloriar por ter estado no paraíso. De um assim ou “por algo assim” (ASV), me gloriarei eu, mas de mim mesmo não me gloriarei, senão nas minhas fraquezas. Isto indica, novamente, a distinção que Paulo faz entre os dois aspectos de sua existência. Da sua existência “em Cristo”, um ato de graça não merecido, ele se gloriará, pois o crédito cabe apenas ao Senhor.

Moffatt traduz a frase como: “De uma experiência como essa, estou preparado para me gloriar; mas não de mim mesmo, pessoalmente”. Quando sua jactância passa de Cristo para si próprio, Paulo só pode se gloriar de suas fraquezas. Sua verdadeira jactância é apenas a de “um homem em Cristo”, e não de si próprio; ele se gloriava pelo privilégio de ser um cristão.

Para que os coríntios não fiquem surpresos sobre a razão pela qual o apóstolo parece subestimar um objeto de jactância tão legítimo, ele lhes fornece o motivo para a sua discrição no que se refere às suas revelações. Se Paulo desejasse se gloriar (6), ele não seria néscio; tal jactância estaria de acordo com a verdade. Só um néscio se gloria além da verdade.

Mas a verdadeira razão para o apóstolo reprimir a jactância sobre a sua elevação ao paraíso, é que ele não quer que ninguém faça uma avaliação a seu respeito que vá além daquilo que nele se vê ou que (ex) ouça dele. Ele não quer ser julgado “pelo relato que faz de suas próprias experiências espirituais, mas pela sua vida de trabalhos e sofrimentos a serviço do evangelho”.

O apóstolo descobriu que, a despeito de quanto o Senhor o favoreça e abençoe, a vontade do Senhor é que ele permaneça absolutamente humilde; e que cada homem não se considere maior do que um ser humano normal.

Assim como o Senhor foi humilde em seu ministério entre os homens, os vasos devem se contentar com o fato de serem feitos apenas de barro, se realmente quiserem anunciar o evangelho (47). Esta deve ser a atitude de todos aqueles que procuram ministrar a outros em nome de Cristo.

Paulo menciona então o seu espinho na carne (7) para reforçar o ponto que acaba de provar, O Senhor quer que os seus vasos continuem de barro “para deixar claro que um poder tão surpreendente vem de Deus e não de nós” (4.7, cf. Bíblia de Jerusalém).

Vemos agora que a razão por trás da revelação de sua maravilhosa experiência, era que ele podia expor e explicar a sua maior deficiência. Hughes escreve: “E realmente extraordinário como, por uma espécie de paradoxo, a explicação de sua mais profunda humilhação exija a revelação de sua maior exaltação, de forma que o ponto exato onde seus adversários o consideram ser mais desprezível, esteja ligado a uma experiência inefável que ultrapassa de longe o brilho do espalhafatoso enfeite da exaltação deles”. Dessa forma, a hipocrisia da posição dos oponentes de Paulo é revelada, e pode ser contemplava, da por todos.

O propósito do espinho é duplamente indicado pela repetição da frase para que me não exaltasse.

Este espinho lhe foi dado como um mensageiro de Satanás, para o esbofetear, para que o seu ministério fosse exercido na mais profunda humildade.

Quanto maiores eram os seus privilégios de graça e apostolado, mais necessário era que ele percebesse a sua absoluta dependência do Senhor. Bastaria que o Senhor Deus retirasse a sua boa mão, e Paulo estaria inteiramente sob o poder de Satanás. Paulo se expressa de um modo um tanto paradoxal: aquilo que Satanás utiliza como um instrumento de tortura contra Paulo pode servir, na providência de Deus, para um propósito divino na vida do apóstolo.

Embora o significado principal e clássico de skolops (espinho) seja “estaca”, um bastão de madeira afiado, este termo é usado principalmente na Septuaginta (Nm 33.35; Ez 28.24; Os 2.6) e nos papiros como espinho, estilhaço ou lasca. Pillai sugere que o quadro seja o de um arador descalço que tem um espinho em seu pé. Devido à falta de métodos de esterilização eficazes, ele acha mais seguro deixá-lo ali do que removê-lo.

Assim ele manca por algumas semanas até que uma pele mais grossa se forme em torno do espinho; então ele o arrancará de forma segura com uma faca. O quadro que Paulo descreve é de algo afiado, dolorosa e profundamente cravado na carne, que não pode ser removido, mas continua causando uma dificuldade crescente. O verbo esbofetear, no presente do subjuntivo, apresenta a idéia de contínua repetição de golpes fulminantes dados com os punhos cerrados (Mt 26.67; cf. 1 Co 4.11).

Mas podemos identificar especificamente aquilo a que Paulo se refere? Ele o chama de espinho na carne (skolops te sarki). O termo na não está expresso literalmente através do termo en, mas deriva de uma interpretação locativa do dativo te sarki. Tal construção denotaria mais naturalmente alguma coisa embutida na carne, uma dor física. Entretanto, se o apóstolo quis dizer isso, pareceria mais natural que tivesse dito en te sarki, como em Gálatas 4.14.

Portanto, a expressão é melhor interpretada como um dativo de desvantagem, “para a carne”, isto é, para a inconveniência da carne. Isto não o limita a uma aflição física, nem a exclui como uma aflição desta natureza.

Muitos dos comentaristas medievais, encorajados pela tradução da Vulgata Latina, stimulus carnis, assumiram que Paulo estivesse falando de tentações carnais ou de impureza. Os reformistas ampliaram isto para tentações espirituais de todos os tipos, planejadas para “furar a bolha” de qualquer arrogância que tivesse sobrevivido na vida do fariseu convertido. Calvino localiza a esfera de tais tentações na natureza carnal que permanece ativa naquele que é regenerado. Porém nem mesmo os modernos comentaristas calvinistas sustentam essa interpretação como se fosse o significado pretendido aqui, embora mencionem esta possibilidade.

Alguns intérpretes dos nossos dias seguem a tendência da exegese de Crisóstomo, apoiada pelos patriarcas gregos em geral, e por Agostinho. Estes intérpretes acreditavam que a referência era a “Alexandre, o latoeiro” (2 Tm 4.14), aos partidários de Himeneu e Fileto (2 Tm 2.17), e a todos os adversários da Palavra, que trabalhavam para Satanás. Munck, por exemplo, aceita o julgamento do intérprete dinamarquês Koch, no que se refere “ao ‘mensageiro de Satanás’ remeter a atos de violência, aborrecimentos e tumultos populares... às incessantes perseguições ao apóstolo, os ‘sofrimentos de Cristo’‘,“ R. A. Knox traduz skolops te sarki como “um aguilhão de natureza externa, que aflige”.

Esta interpretação está de acordo com o seu julgamento, expresso em uma nota de rodapé, de que se trata da perseguição a Paulo por parte dos judeus, os quais o irritavam permanentemente, humilhando-o perante o mundo gentílico.

“Quando usado como uma figura de linguagem”, comenta Pillai, “um espinho na carne sempre se refere a pessoas irritantes ou aborrecedoras”. Isto pode ser visto em Números 33.55, onde Moisés adverte os israelitas quando estão prestes a entrar em Canaã: “Mas, se não lançardes fora os moradores da terra de diante de vós, então, os que deixardes ficar deles vos serão por espinhos nos vossos olhos e por aguilhões nas vossas costas e apertar-vos-ão na terra em que habitardes” (cf. Js 23.13; Jz 2.3).

Esta interpretação se ajustaria bem com a designação dada por Paulo de um mensageiro de Satanás. Paulo descreve Satanás em outras passagens como o adversário que interfere na divulgação do evangelho.

Em Atos 13.8,10, “Elimas, o encantador” é chamado de “filho do diabo” quando tenta “apartar da fé” o procônsul.

Em 1 Tessalonicenses 2.18, Paulo escreveu que Satanás o havia impedido, muitas vezes, de ir a Tessalônica. E essa oposição veio mais freqüentemente de seus “parentes segundo a carne” (Rm 9.3). Tasker escreve, ao apoiar a interpretação de Crisóstomo: “Assim como não há nada que tenha uma tendência maior de exaltar um evangelista cristão quanto o gozo das experiências espirituais, não há nada tão poderoso para esvaziar o orgulho espiritual que segue tais experiências, como a oposição que o evangelista cristão encontra enquanto prega a Palavra”.

A conjectura mais comum quanto à natureza do espinho na carne de Paulo, no entanto, continua sendo a de uma debilidade corpórea. Há indicações em suas cartas de que sua condição física lhe causava dificuldades de tempos em tempos. Aos gálatas, ele escreveu: “Vós sabeis que primeiro vos anunciei o evangelho estando em fraqueza da carne [asthenia tes sarkos].

E não rejeitastes, nem desprezastes isso que era uma tentação na minha carne [en te sarki mouj; antes, me recebestes como um anjo de Deus, como Jesus Cristo mesmo (4. 13-14; cf. 1.8; 1 Co 2.3). Quanto à atitude de Paulo com respeito ao seu ministério, ele já havia escrito em sua segunda carta aos coríntios: “Por isso, não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (4.16). A identificação precisa de tal enfermidade variou de uma dor de ouvido ou dor de cabeça”4 até epilepsia” (Gl 4.14), doença nos olhos (Gl 4.15; 5.11) e uma febre recorrente da malária.

A última talvez seja a mais plausível, pois ela é acompanhada por uma dor de cabeça peculiar que foi descrita como “empurrar uma barra em brasa atravessando atesta”, uma descrição similar a um espinho na carne. Ramsay escreve que a febre da malária em algumas condições físicas retorna “em uma agonia muito dolorosa e debilitante, quando as energias de alguém são exigidas em um grande esforço. Um ataque assim é temporariamente incapacitante: a vítima só pode se deitar e se sentir uma criatura fraca, desprotegida e trêmula, quando deveria estar trabalhando. A pessoa sente desprezo e ódio de si mesma e acredita que os outros sintam o mesmo em relação a ela”.

Esta é a lista das melhores suposições. Não sabemos e nem podemos saber a que o apóstolo estava se referindo ao mencionar o seu espinho na carne. Sem dúvida foi melhor que ele não falasse de modo claro o suficiente para que entendêssemos. Da forma como está, todos nós temos uma inspirada orientação para o nosso “espinho na carne” particular. Temos uma perspectiva a partir da qual tratar aquilo que atormenta a nossa natureza exterior quer seja uma aflição física, a ação de outras pessoas ou circunstâncias específicas que nos humilhem. Lenski insiste em que não só não nos é dado saber, como também nem mesmo os coríntios podiam entender a linguagem figurada de Paulo:

“Paulo conta sobre este espinho na carne como conta sobre seu arrebatamento ao Paraíso pela primeira vez. Nas duas ocasiões, ele revela segredos íntimos de sua vida pessoal que nunca antes foram expostos aos coríntios, e que só são revelados agora sob o imperativo da situação”.

Qualquer que fosse a natureza do espinho mortificante, o apóstolo orou fervorosa- mente para que se desviasse dele (8). O Senhor a quem Paulo dirigiu suas orações é Cristo (9), indicando que Paulo iguala Cristo a Deus como o Receptor da oração. Como o seu Senhor no Jardim do Getsêmani (Mt 26.44), Paulo fez o seu pedido de libertação por três vezes. Até o resultado é similar: “Não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26.39). Paulo conhecia a experiência de não ter suas orações atendidas de acordo com os seus desejos humanos.

A resposta é definitiva. E disse-me: (eireken) é o tempo verbal perfeito, indicando que a decisão continua de pé. A minha graça te basta, porque o meu poder’6’ se aperfeiçoa na fraqueza (9). O sofrimento de Paulo é mostrado como necessário, porque o poder divino se aperfeiçoa com a fraqueza humana; está completo, consumado (teleitai) ou cumpre seu propósito (telos) quando o homem alcança o ponto da absoluta fraqueza. Só então ele se torna um instrumento adequado nas mãos do Senhor: “O poder alcança sua máxima intensidade na fraqueza” (NEB).

A graça (8-9) que é suficiente (cf. 3.5) para o apóstolo não é somente a generosidade de Deus manifestada na vida, morte e ressurreição de Cristo, mas também o poder de Cristo (cf. 1 Co 15.10). Assim, Paulo não está meramente resignado com suas fraquezas; ele aceita a vontade de Deus como a sua própria. Ele, com alegria, se gloria na sua fraqueza — para que em mim habite o poder de Cristo (isto é, amplie a sua cobertura, episkenose; cf. Lc 9.34). O verbo pode conter uma alusão à Shekinah, a glória divina que repousava no antigo Tabernáculo no deserto (cf. Jo 1.14).

Agora somos confrontados com uma revelação muito diferente daquela de 12.1-4, onde era uma questão de visão do paraíso e palavras inefáveis. Aqui, é a palavra da graça, em um encontro pessoal, que dá o significado do sofrimento e apoio ao que sofre. A medida que a vida do apóstolo se ligava ao mundo celestial de um modo especial, ele também era atingido de algum modo pelo poder satânico que estava em ação em seus sofrimentos. Este é o paradoxo de sua existência. Seu ministério, como de um verdadeiro servo de Cristo, necessariamente compartilha o ministério de seu Senhor.

O ponto máximo da carta foi alcançado nessa passagem. Paulo relacionou a descrição do seu espinho na carne de modo que o princípio básico de seu ministério pudesse ser claramente revelado. Sob a perspectiva da Palavra do Senhor, poderíamos entender: “A minha força encontra o seu escopo completo na tua fraqueza” (Knox). O apóstolo olha atentamente para a sua vida, e traz tudo ao foco — a inadequação humana abre espaço para a adequação da graça e do poder de Deus em Cristo. Pelo que, ele pode sentir prazer (“estar bem contente com”, NASB) em seu estado de fraqueza por amor de Cristo. Porque, como ele diz, quando estou fraco, então, sou forte (10). Seu ministério está protegido pela força do Senhor. Esta é a sua garantia de tranqüilidade.

Suas fraquezas, em vez de atrapalhar, na verdade criam espaço para que o poder do Cristo ressuscitado seja revelado em seu ministério (4.7-10; 6.4-10). Ele especifica as suas fraquezas por meio das quatro frases iniciadas pela partícula nas que seguem a sua menção.

Paulo teve que suportar injúrias e maus tratos de seus inimigos; ele não foi capaz de se elevar acima das necessidades e sofrimentos; ele teve que fugir de perseguições e sofreu angústias (situações de aperto de onde não podia escapar).

Tudo isto ele suporta alegremente por amor de Cristo! O poder do Reino é o oposto do poder do mundo. Ao concluir a jactância que foi forçado a expressar, o apóstolo revela dois princípios essenciais que se aplicam ao testemunho cristão, 12.1-10.

O primeiro é que devemos ser extremamente modestos ao falar de nossas extraordinárias experiências espirituais:

1) para não atrairmos mais atenção para nós mesmos do que para Cristo, 1-5; e 2) para não falarmos além do que pode ser claramente corroborado por nossa conduta, 6.

O segundo é que, quando tivermos que chamar a atenção para nós mesmos no curso de nosso testemunho:

1) O nosso falar deve ser relacionado à nossa condição de fraqueza no mundo, 5, 7; a fim de que

2) possa ficar claramente evidente que nossa fraqueza é realmente a nossa força “em Cristo”, 8-10.

Como um verdadeiro apóstolo, 11.21b—12.10,

1) as credenciais de Paulo consistem em seus freqüentes e humilhantes sofrimentos experimentados em prol dos outros e a

favor da causa de Cristo, 11.21b-33; e

2) qualquer jactância que ele tem está focada em suas fraquezas, para que a sua adequação como um ministro do evangelho possa residir apenas no poder de Cristo, 12.1-10.

Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Comentário Bíblico Beacon

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