26 de abril de 2016

A MARAVILHOSA GRAÇA


A MARAVILHOSA GRAÇA

 

TEXTO ÁUREO = “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus” (Cl 3.1).

 

VERDADE PRÁTICA = Não devemos abusar da infinita bondade de Deus mediante a desculpa de que, quanto maior o pecado, maior será a graça divina.

 

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE = Romanos 6.1-14.

 

INTRODUÇÃO

 

Como Cristo viabiliza a nova humanidade que está livre dos seus pecados? Como é a universalidade do pecado e da morte em Adão substituída pela união da nova raça em Cristo, que conduz à justiça e à vida eterna? Se a lei não foi dada para promover a justiça, então qual é o seu papel? Qual é o método de Deus para libertar os homens da “lei do pecado e morte”?

 

A posição implícita de Paulo é que o homem, que é justo perante Deus por meio da fé, é também um homem que foi santificado por Deus. O homem convertido tem uma nova existência em Cristo. Libertado do domínio do pecado por meio de sua união com o Salva­ dor morto-ressuscitado, ele pode se elevar às alturas da santidade por meio da fé e da dedicação de si mesmo a Deus (6.1-14). Esta nova existência é também uma nova ordem a ser obedientemente respeitada. Como ele anteriormente se entregou à iniqüidade pela iniqüidade, o novo homem em Cristo deve agora se entregar em total obediência à justiça.

 

O fim desta nova ordem é a santificação no mais alto sentido, resultando em vida eterna (6.15-23). A morte pelo pecado tem a sua contrapartida na morte pela lei como um meio de salvação, pois pela lei o homem está unido ao pecado. O homem pela lei é homem na carne (7.1-6). Isto, entretanto, não deve ser interpretado como significando que a lei por si própria é pecaminosa. A lei enfatiza as obrigações do homem para com Deus, mas o pecado transformou a lei justa e santa de Deus numa “lei de pecado e morte”. Quando o mandamento influencia a consciência do homem, o pecado emerge para a vida, e o homem morre. Alei então passa a ser o meio pelo qual Deus mostra à excessiva propensão pecaminosa do pecado (7.7-13). A lei reivindica a devoção total do homem, mas o homem é carnal.

 

Como o pecado mora dentro dele, ele é espiritualmente impotente. Quanto mais ele luta consigo mesmo para agradar a Deus, mais patética se torna a sua existência (7.14-25). Mas o que o homem nunca poderia fazer para si mesmo, Deus o fez em Cristo. Enviando o seu Filho “à semelhança da carne do pecado, e pelo pecado...”

Deus condenou o pecado na carne, de modo que a exigência justa da lei pudesse ser cumprida no homem que crê em Cristo e “não anda segundo a carne, mas segundo o Espírito”.  No Espírito, derramado na sua plenitude no Pentecostes (cf. 5.5), o homem tem a libertação, a orientação, a segurança, a ajuda e a esperança da redenção final (8.1-27).

 

Este é o evangelho da santificação do homem, expresso por Paulo. Deus justifica o homem para que Ele possa santificá-lo. Nesta seção da Epístola aos Romanos, descobri­ remos a conexão vital entre os dois aspectos da salvação; a justificação e a santificação. “A justificação pela fé é o meio”, Godet observa corretamente, “e a santificação é o fim. Quanto mais precisamente distinguirmos entre estas duas dádivas divinas, melhor compreenderemos o elo que as une”. Ajustificação é a realidade básica sobre a qual a vida cristã está fundamentada, e significa que o crente, por meio da fé em Cristo, recebeu a nova justiça que se origina de Deus.

 

A santificação propriamente descreve o trabalho total do Espírito em converter o crente na imagem do Filho de Deus. Ela se inicia na justificação, continua como um crescimento na graça, e é feita “inteira” num segundo momento - depois do que, naquilo que Daniel Steele chamou de “o paradoxo de Wesley”, há um crescimento continuado. Enquanto Deus continua a justificar, a santificação pros­ segue, abrangendo todas as áreas da existência do homem.

 

a) A santificação através da morte para o pecado (6.1-23). A parte final do capítulo 5 - que sobrepõe o pecado, a lei e a graça - levanta de forma acentuada a questão à qual Paulo já tinha aludido em 3.7-8: “Por que não dizer: ‘Façamos o mal para que desse mal venha o bem’, como alguns têm me caluniado, dizendo que eu afirmo isso” (NEB) Se a justificação é pela fé, separada dos atos da lei; se a lei (que ordena uma vida de virtude) serve somente para o propósito de levar o pecado a uma posição de destaque; e se, quando o pecado abunda, a graça abunda muito mais - por que deveriam os cristãos lutar contra o pecado? Por que não pecar sem restrições, para que a graça possa existir em abundância? O fato de Paulo lidar demoradamente com esta questão mostra quão seria­ mente a sua doutrina do dom gratuito da graça deve ser compreendida.

 

Em 3.5-8 ele trata da questão das premissas dos judeus: Deus é o Juiz, e o Juiz de toda a terra fará aquilo que é correto. Agora ele sente que deve dar uma resposta cristã. Uma vez mais o apóstolo recorre ao estilo da diatribe (veja os comentários sobre 2.1).

 

Sem dúvida ele responde aos antinomianos de algumas de suas igrejas que concluíram que o pecado talvez fosse perdoado na sua totalidade, e também respondendo aos adversários que alegaram que este era o resultado lógico do evangelho de Paulo.

Este dilema apresenta uma dificuldade genuína. Em épocas de avivamento religioso, quando a nova ênfase foi depositada sobre o dom gratuito da graça de Deus, apareceu o subproduto sinistro do antinomianismo fanático; Lutero e Wesley tiveram que lidar com tal fanatismo. E mais comum que esta tendência antinomiana tome a forma de “uma aquiescência complacente em um padrão moral baixo ou limitado, combinado com uma perigosa emoção religiosa”.

 

1) Morrendo com Cristo para o pecado (6.1-14). No versículo 1, Paulo pergunta: Que conclusão devemos tirar da minha posição anterior? Que diremos, pois? Permanece­ remos no pecado, para que a graça seja mais abundante? Seu objetivo não é tirar conseqüências lógicas de seu ensino anterior, mas rejeitar as falsas conclusões do antinomianismo. “Vamos continuar [epimenomen, presente do subjuntivo] em pecado [te hamartia, o pecado] para que a graça possa aumentar?” (NASB) Teremos que ser hospi­ taleiros para o pecado, que reinou desde a queda de Adão? Teremos que dar a este pecado uma morada? Devemos, aqueles que fomos justificados, continuar na mesma relação que tivemos com “o pecado” antes de irmos a Cristo? Devemos continuar a reconhecer o pecado e viver sob o seu domínio? Devemos manter uma atitude de cordialidade com o pecado para que a graça possa ser abundante?

 

A resposta é um retumbante De modo nenhum! (me genoito, “E claro que não!” RSV). Nós que estamos mortos para o pecado (apethanomen te hamartia, tempo aoristo - “que morremos para o pecado,” NASB, RSV) como viveremos ainda nele? (2) Barret nos lembra que a forma particularizada do pronome hoitines (pronome de qualidade - “gente como nós”) dá o sentido. “Não podemos, como cristãos, continuar vivendo em pecado porque como cristãos morremos para o pecado; no que se refere ao pecado, estamos mortos. O tempo passado definido, “morremos”, aponta para um momento de­ terminado; a conversão e (como o próximo versículo mostra) o batismo devem estar em mente”.

 

Paulo agora se eleva acima do limite estreito da lógica humana e inicia o seu argumento de que “a natureza dos problemas morais humanos se torna clara somente quando você eleva a sua vida à luz do propósito de Deus, como foi revelado no grande drama da morte e da ressurreição de Cristo”. A partir desta perspectiva podemos chegar a determinadas conclusões quanto à natureza da nossa verdadeira vida. Isto é lógico também, mas de uma maneira mais ampla e abrangente do que o que provocou a questão. “A passagem também enfatiza uma daquelas distinções simples que constituem o alicerce de toda moralidade.

Como podemos, nós que morremos para o pecado, ainda viver nele? ’ Há uma incompatibilidade fundamental entre certas coisas, e ela é tão insuperável quanto à diferença entre a vida e a morte... “Viver’ e ‘Morrer’ não podem ser reconciliados”.

Existe apenas uma interpretação possível para as palavras de Paulo.

O crente justifica­ do foi “justificado do pecado” (veja v. 7). Ele já não é mais tiranizado pelo espírito da revolta que contaminou a raça desde a queda de Adão. O pecado já não “governa” mais o seu corpo. Barth pergunta: “O que é o perdão dos pecados (como nós o entendemos) se não estiver acompanhado diretamente por uma verdadeira liberação do ato de cometer pecados?...O que é a fé sem a obediência?”

 

A base para a posição que Paulo está prestes a enunciar já foi estabelecida em 5.12-21. “Adão foi à pessoa principal da antiga humanidade, durante e depois da qual o pecado teve a sua vitória e estabeleceu o seu controle; Cristo foi a principal pessoa da nova humanidade - o homem novo - da qual o pecado foi excluído sob uma vergonhosa derrota”. “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivifica­ dos em Cristo” (1 Co 15.22).

 

Este versículo nos dá a idéia de “pelo menos a metade” dos exemplos em que Paulo usa a expressão “em Cristo”. “Estar ‘em Cristo’ é estar incorpora­ do à recém-criada humanidade, a nova comunidade ou ordem de relacionamento sobre­ natural, o novo “corpo”, que veio à existência através e ao redor de Cristo. O fato essencial sobre o crente é que ele já não está ‘em Adão’; ele ‘está em Cristo’. Ele já não é mais um ‘homem natural’; mas um ‘homem espiritual’. ”Deve-se entender que o Filho encarnado existiu em duas condições - na sua própria pessoa, e como o Representante e Chefe da nova humanidade.

 

Cada ato em que Ele trabalhou foi desempenhado em nome da nova humanidade que Ele carregou em Seu corpo (cf. 8.2-4). Dietrich Bonhoeffer insiste: “E impossível tornar-se um novo homem como um indivíduo isolado. O novo homem significa mais do que um crente individual depois de ter sido perdoado e santifica­ do. Significa a Igreja, o Corpo de Cristo, e na realidade significa o próprio Cristo”.

 

Nossa santificação está, portanto, em Cristo, tanto na sua pessoa (1 Co 1.30) quanto no seu corpo (Cl 2.9-12). Ao morrer e ressuscitar com Ele, estamos libertados do pecado e nos tornamos unidos a Ele numa relação em que podemos receber o Espírito Santo na plenitude pentecostal. Esta é a linha da verdade que o apóstolo considera nos versículos 3-14.

 

Não sabeis que todos quantos (hosoi, pronome de quantidade - “tantos indivíduos quanto”, em contraste com hoitines do versículo 2) fomos batizados em Jesus Cris­ to fomos batizados na sua morte? (3) A pista para o que Paulo quer dizer com batizados em Cristo é fornecida em 1 Coríntios 10.1-2, em que ele escreve sobre “nossos pais” sendo “todos batizados em Moisés, na nuvem e no mar”.287A mesma fórmula também é aplicada tanto para Moisés quanto para Jesus Cristo (eis ton moysen ebaptisanto e ebaptisthemen eis christon iesoun).

Paulo pode dizer que os filhos de Israel foram “batizados em Moisés”, porque ele está em concordância com o sentimento de Estêvão de que Moisés era um “príncipe e libertador” (archonta kai lytroten, At 7.35).

 

A implicação desta expressão será compreendida se comparada com a fórmula pela qual o próprio Senhor Jesus é designado: “um Príncipe e Salvador” (archegon kai sotera, At 5.31). O papel de Moisés foi de grande importância e está claro por que Paulo pôde falar do batismo dos israelitas com ele, ou seja, em união com ele. O batismo em um sentido arquétipo está presente aqui por causa dos elementos naturais (nuvem e mar) que selaram a unificação do povo e seu líder, possibilitando que as pessoas se apropriassem dos benefícios oriundos da obra da salvação, que Deus empreendeu ao convocar Moisés: as pessoas foram praticamente salvas pelo próprio Moisés; Moisés, em pessoa, resumiu e engajou-se para cumprir o plano de Deus; era necessário e suficiente que os homens estivessem unidos a ele, a fim de se integrarem com o movimento de salvação que o profeta impeliu dentro do processo histórico.

 

Da mesma maneira, mas em um sentido mais profundo e real, a pessoa de Cristo resume o novo homem que Deus deseja elevar; no pensamento de Deus, Ele recolhe dentro de sua própria pessoa todos aqueles que estarão unidos a Ele para compartilhar do seu trabalho salvífico. E assim que Ele inicia a nova humanidade, “a igreja, que é o seu corpo” (Ef 1.22-23).

 

Mas ser batizados em Jesus Cristo é ser batizado na sua morte. O melhor comentário sobre esta última expressão está no versículo 10a. Quando Cristo morreu, Ele morreu de uma vez por todas para o pecado. Sua morte foi um rompimento completo do seu contato com o pecado. O nosso batismo é um sinal e uma marca da nossa morte para o pecado, da nossa separação do domínio do pecado. Devemos ser extremamente cuidadosos aqui para não retrocedermos a qualquer idéia de graça sacramental nos ensinos de Paulo, que o apóstolo já havia repudiado no princípio (veja 4.9-11 e os comentários).

 

Com referência ao fato, Paulo defende a sua posição contra o “sacramentarianismo” ao fazer a distinção entre a morte dos crentes e a sua ressurreição com Cristo. Desta última ele trata cautelosamente, referindo-se a ela no modo subjuntivo ou no tempo futuro (versículos 4-5, 8). “Não há opus operatum sacramental por meio do qual os cristãos possam assegurar a si próprios, independentemente da fé e da sua própria seriedade moral, o fato de levantar-se da morte para desfrutar a vida da Era Vindoura”.

 


Por outro lado, Paulo se dirige a toda a igreja romana como a congregação dos crentes batizados (3a). Assim era cada congregação do Novo Testamento; simplesmente não havia cristãos não batizados, exceto pelos catecúmenos (novos convertidos) que estavam em processo de preparação para se tornarem membros da igreja. “Não seria natural para Paulo, nem para qualquer contemporâneo, considerar se a fé sem o batismo faria do homem um membro do Corpo de Cristo, ao passo que o caso de uma pessoa que procuras­ se o batismo sem fé (por mais rudimentar que fosse) teria parecido um fato anormal demais para ser digno de atenção”.

 

Entretanto, uma doutrina da justificação pela graça por meio da fé requer uma distinção entre a iniciação no corpo espiritual de Cristo (1 Co 12.13) e a identificação com o corpo visível por meio do batismo. Esta distinção parece ser exigida pela seguinte sentença: De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte (4) O sepultamento pressupõe que a morte já ocorreu. O batismo dramatiza e torna real a morte para o pecado, que já tinha ocorrido na Cruz. Conseqüentemente, nós concordamos com Dodd que Paulo “não está, nesta passagem, expondo a natureza do sacramento como tal, mas aproveitando-se da importância do sacramento que se aceita para um propósito pedagógico - convencer a imaginação acerca da verdade profundamente enraizada na experiência, mas que é difícil de expressar em termos puramente intelectuais”.

 

No versículo 4 lemos: De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Godet conclui que Paulo está dizendo “Em conseqüência desta morte para o pecado, em Cristo... fomos conseqüentemente sepultados com Ele... para que também ressuscitássemos com Ele’, o que significa: ‘sepultados com Ele, não com o propósito de permanecer na tumba ou emergir dela para retornar à vida passada, mas para penetrar em uma nova vida, de onde o retorno para a antiga está definitivamente impedic. A morte na qual fomos batizados é a dele, e a nossa morte está ao mesmo tempo incluída na dele. Este batismo na morte é a fim de que (hina) sejamos ressuscitados com Ele para que andemos em novidade de vida (en kainoteti zoes).

 

Vincent entende isto como “uma expressão mais forte do que vida nova. Ela dá mais notoriedade à idéia principal, novidade, do que seria dada pelo adjetivo”. Novidade de vida se segue ao funeral com Cristo, assim como a ressurreição seguiu o seu funeral; em ambos os casos pressupõe-se um ato poderoso de Cristo. Na realidade é apenas um ato, pois o crente está inseparavelmente ligado a Cristo. Este ato poderoso se dá pela glória do Pai. Apalavra glória é um termo escatológico (2.7,10; 5.2; 8.17, 21). A Ressurreição deu início à era do cumprimento, a nova era (cf. Jo 5.25; Ef 2.1-7).

 

Porque, se fomos plantados juntamente com ele (symphytoi gegonamen, “uni­ dos com Ele”, NASB, RSV; “tornados incorporados com ele”, NEB) na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição (5). O texto grego omite a segunda expressão na semelhança. Portanto, a leitura do versículo é, literalmente, “Pois se nós nos tornamos unidos a Ele na semelhança da sua morte, também o seremos na sua ressurreição”. Pelo batismo, nós imitamos a sua morte, ou melhor, dramatizamos nossa morte para o pecado com Ele. “Ora”, diz Paulo, “nós vamos participar da sua ressurreição!” A nossa morte é como a dele; a nossa ressurreição é a dele. E a sua própria vida que Ele nos transmite pelo Espírito quando ressuscitamos com Ele em novidade de vida. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (G12.20, RSV). Phillips compreendeu o pensamento de Paulo: “Se nós temos com­ partilhado a sua morte, ressuscitemos e vivamos a nossa nova vida com Ele!”

 

O uso do futuro no versículo 5b é digno de nota: ...também o seremos na... Sua ressurreição. Paulo estará falando da ressurreição futura, da glorificação corporal dos crentes? Dificilmente podemos duvidar que isto esteja no horizonte dos seus pensamentos (cf. 8.17-23), mas esta não é a sua preocupação imediata. Paulo aqui está falando da participação real do crente na vida do Senhor ressuscitado. No versículo 11 ele faz outra alusão à nova vida do crente que não pode ser compreendida, exceto compartilhando a vida do Cristo ressuscitado. “Portanto, a expressão denota somente a santificação, a ressurreição moral do crente... nós começamos com a união à pessoa de Cristo pela fé naquele misterioso Ele por mim, que forma a essência do evangelho; então essa união se amplia até que todo o seu ser, como o Ressuscitado, tenha sido passado a nós”.

 

No versículo 6, Paulo apresenta a idéia do conhecimento subjetivo: Sabendo isto: (touto ginoskontes). Novamente no versículo 9 encontramos o verbo sabendo (eidotes), e no versículo 11 o verbo considerar (logizesthe). A inserção deste pensamento é crucial para o ensino de Paulo; ela ressalta o significado moral de seremos (5b). “A nossa participação na ressurreição de Cristo não acontece em meio a um processo físico e natural. Para que tal resultado possa ocorrer, é necessária uma cooperação moral por parte do crente”.

 

Esta cooperação moral, naturalmente, pressupõe um conhecimento do caminho e do fim (v. 8) da nossa santificação. Sabendo isto: que o nosso velho homem foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado (6). “O crente compreende que o objetivo final que Deus tem em mente ao crucificar o seu velho homem (v. 6), é o de fazer com que ele viva a vida do Ressuscitado (versículos 8 e 9), e que ele entre ativamente no pensamento divino. So­ mente assim isto poderá acontecer”.

 

Agora chegamos ao ápice do argumento de Paulo. Tudo o que foi dito até agora tinha a intenção de mostrar que a herança deixada por Adão tinha sido provisoriamente neutralizada pela morte na Cruz, para que uma nova humanidade pudesse surgir do Senhor ressuscitado. Quando Cristo morreu, houve a crucificação da antiga raça em Adão. Como o Filho do Homem, Jesus tornou-se um habitante da carne (cf. 8.3).

 

Ele se identificou com os filhos de Adão completamente, exceto no que se refere ao pecado (Hb 4.15). Jesus se uniu à humanidade identificando-se com a humanidade, redimindo a humanidade ao entrar nela e, por meio de sua vida e morte, condenou e exterminou (potencialmente) o pecado na humanidade. Quando Cristo morreu, foi, portanto, a morte do velho Adão. O nosso velho homem, diz Godet, refere-se à “natureza humana como ficou pelo pecado daquele em quem originalmente estava concentrado, reaparecendo em cada ego humano que venha ao mundo sob o domínio do amor próprio, o que foi determinado pela transgressão primitiva”. Leenhardt comenta: “Este velho homem, este ser decadente, somos nós mesmos, considerando o nosso status como os filhos de Adão”. É velho no sentido de que pertence à antiga eternidade que morreu com a morte de Cristo, e em contraste com o novo homem que emergiu com a sua ressurreição. “Este velho homem é crucificado quando o crente se preocupa com a pessoa do Cristo crucificado”.

 

Barrett escreve: “A interpretação que se recomenda pela sua simplicidade é que o ‘velho homem’ é a natureza do homem que não se converteu, e que pela conversão e pelo batismo é substituída por uma nova natureza, o ‘novo homem’. Mas a leitura aten­ ta de Colossenses 3, e desta passagem, torna impossível esta interpretação.

 


Em Colossenses foi dito que os cristãos se despiram do velho homem e se vestiram com o novo. Aqui na Epístola aos Romanos foi dito que os cristãos devem considerar que estão mortos para o pecado e vivos para Deus (v. 11). E muito mais preciso afirmar que ‘o velho homem’ é Adão - ou melhor, nós mesmos, em união com Adão, e que o ‘novo homem’ é Cristo - ou melhor, nós mesmos, em união com Cristo.

 

A morte de Cristo foi “potencialmente a morte de toda a raça humana, assim como a sua ressurreição foi potencialmente a recriação de toda a humanidade”.

 

Em Adão, ou seja, na solidariedade com a humanidade caída pela natureza pecadora, todos devem morrer; mas em Cristo, ou seja, por meio da incorporação à humanidade redimida no corpo de Cristo, todos são feitos vivos (5.12-6.11). Na morte de Cristo no Calvário, morreu toda a raça humana, porque Cristo é o Homem representativo: “Se um morreu por todos, logo, todos morreram” (2 Co 5.14, NASB; a última frase é ara hoi pantes apethanon).

Na ressurreição de Cristo, foi criado o novo homem (Ef 2.15; Cl 3.9-11). O indivíduo por meio da sua fé, dramatizada pelo batismo - se apropria da salvação possibilitada por Cristo. Com Cristo, ele morre para o pecado e ressuscita para a novidade de vida. Assim, com inteira realidade, ele pode confessar: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (G12.20). O batismo materializa e ratifica a nossa morte para o pecado; ele remove toda a experiência do campo do subjetivismo puro, e a conecta a um evento na história.

 

Assim como a morte de Cristo foi um fato objetivo, o mesmo ocorre com o nosso batismo. Na Roma pagã, o homem batizado era um homem morto, naquilo que dizia respeito à sua vida antiga. Ao submeter-se ao batismo cristão, ele morria para a sua vida antiga, e a partir daí ele se identificava com Cristo e com a nova vida que Ele veio dar. Em toda esta passagem, o apóstolo está lembrando os romanos deste fato solene, que eles estavam aparentemente correndo o risco de esquecer. “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?” (v. 3).

 

Tudo isto, devemos entender, é para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado. “O objetivo desta execução moral, incluída no mesmo fato da fé, é a destruição do corpo do pecado”. Qual é o corpo do pecado (to soma tes hamartias)? Literalmente, é o “corpo que pertence ao pecado” (possessivo genitivo): o corpo do qual o pecado se apossou. O melhor comentário é provavelmente 7.14-15.

 

A versão RSV traduz a expressão como “o corpo pecador”. Se chamarmos o corpo de “pecador”, faremos o mesmo de quando falamos de “lucro imundo”. Sem Cristo, o corpo do homem é degradado pelo pecado. Paulo sem dúvida está pensando no corpo físico como um instrumento para o pecado. Assim, embora a expressão to soma tes hamartias deva ser interpretada neste contexto, não é esse corpo que deve ser destruído, mas o corpo como um instrumento para o pecado. Libertados do pecado, somos capazes de apresentar os nossos corpos como sacrifícios vivos a Deus (12.1), para sermos “instrumentos de justiça para Deus” (v. 13, NASB).

 

Entretanto, alguns intérpretes julgam que nós devemos entender soma como mais do que o organismo físico. Dodd insiste que significa “o ser individual como um organismo (nem carne nem espírito individualmente, e a ‘alma’ meramente como o princípio animador da carne, ou da estrutura física)”. Portanto, ele prefere pensar no “corpo pecador como um ser organizado a partir dos sentimentos maus e não harmoniosos”307 (veja 7.18). Destruir - ou desfazer - o “corpo do pecado”, portanto, seria “desintegrar estes maus sentimentos, e desta forma destruir o ser construído a partir deles, em uma preparação para a organização de um novo ser, ao redor do centro que Cristo fornece para o crente”.

 

Barth claramente entende assim corpo (som a), pois ele diz, com vigor característico: “Este é o nosso conhecimento de Jesus Cristo, no qual a nossa fé se funda - que o ‘velho homem’, isto é, nós mesmos, como inimigos de Deus, fomos crucificados e mortos na crucificação (e com ela) do homem Jesus no Gólgota, e o ‘corpo’ (isto é, o sujeito, a pessoa que precisa desta salvação) do pecado, o homem que pode e quer pecar, e irá fazê-lo, foi removido, destruído, acabado, simplesmente já não está mais ali (e portanto não foi simplesmente ‘destituído de poder’)”.

 

A versão NEB traduz assim o versículo 6: “Sabemos que o homem que já fomos foi crucificado com Cristo, para a destruição do ser pecador, para que não mais sejamos escravos do pecado”. Tal é a obra de Cristo: ela possibilita a cura completa para o pecado que entrou na raça humana por meio da transgressão de Adão. Pela graça de Deus, “o pecado” (cf. 5.12) pode ser extirpado da natureza humana. Este foi o objetivo da morte de Cristo, e esta é a possibilidade que se abre a cada cristão. O fato de que cada crente não tenha percebido esta libertação total é a oportunidade da discussão de Paulo nesta passagem. Ele quer que os seus leitores saibam que a salvação completa é uma opção viva para o homem justificado.

 

O versículo 7, Porque aquele que está morto está justificado (dedikaiotai) do  pecado conclui o versículo 6. O pecado agora perdeu a sua reivindicação sobre o homem que morreu com Cristo. “Ele quer dizer que aquele que morreu, e já não tem um corpo para colocar a serviço do pecado, agora está legalmente isento de realizar os desejos daquele senhor, que até então tinha disposto livremente dele”.

 

Leenhardt destaca que os versículos 5-7 consideram o batismo libertador, do ponto de vista da sua participação na morte de Cristo; os versículos 8-10 apresentarão Cristo como àquele que traz a nova vida. O versículo 8 declara: Ora, se já morremos com Cristo (ei de apethanomen syn christo, tradução literal, NASB), cremos (pisteuomen, somos convencidos de) que também com ele viveremos.

 

A morte com Cristo é um evento passado; o pecado já não reina sobre um crente justificado. Mas nem todo cristão conseguiu entender o significado completo da promessa de que também com ele vive­ remos. Como no versículo 5, Paulo está falando da “participação da vida santificada do crente com a vida de Cristo, mais do que da participação na glória futura que não é o assunto aqui”.Viver com Cristo é compartilhar da sua vida como alguém ressuscitado e glorificado. O ser, tendo renunciado ao seu centro organizado falso e destruidor, se prende ao centro novo, santificador, e que dá a vida - o Senhor Jesus Cristo.

 

 

“Este é o nosso Pentecostes”, afirma Godet, “análogo à sua ressurreição”. Também existe um eco de 5.10, onde Paulo falava do nosso ser “salvo pela sua vida”. O significado completo deste conceito ficará claro quando chegarmos a 8.1-4. Pela sua derrota pessoal do pecado, Cristo santificou completamente a natureza humana, e nos forneceu o Espírito santificador. Assim como Adão perfurou o dique pelo qual ocorreu a irrupção do pecado, Cristo abriu as comportas do Espírito Santo à natureza humana.

 

Paulo prossegue: sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre; a morte não mais terá domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez (ephapax, “de uma vez por todas”, RSV) morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus (9-10). A primeira frase enfatiza que a ressurreição de Cristo foi um evento escatológico. A ressurreição de Cristo, diferentemente da de Lázaro, impediu a possibilidade de que Ele morra novamente. Ele, e somente Ele, iniciou a ressurreição da vida da era que virá. Isto porque “a sua morte foi uma morte para o pecado e valeu de uma vez por todas” (NASB). “Cristo morreu para o pecado porque ele morreu sem pecado, porque ele morreu pelo pecado (pela desobediência ao seu Pai), e porque ele morreu em um contexto de pecado”.

 

Portanto, a sua morte, em lugar de ser um sinal da vitória do pecado sobre a verdadeira natureza humana do homem, foi um sinal da “completa derrota do pecado em um combate decisivo”. Enquanto para outros homens a morte tinha sido a sentença da condenação, Cristo “condenou o pecado na carne” (8.3), e venceu o adversário no mesmo campo de batalha onde ele tinha se entrincheirado. Além disso, ele ressuscitou dos mortos pela glória do Pai (v. 4), para que Ele pudesse continuar a viver somente para Deus.

 

Agora chegamos ao que Dodd chama de “conclusão muito importante”. Como Cris­ to, de uma vez por todas, morreu para o pecado... Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus (ll).317Isto é um imperativo, um desafio encorajador (logizesthe heautous): “Vocês devem se considerar mortos para o pecado; mas vivos para Deus em Cristo Jesus” (NASB). “Se na verdade os crentes tomam parte da vida e da morte de Cristo; se eles morrem com ele, e vivem com ele, então devem se considerar assim.

 

Eles devem receber esta verdade, com todo o seu poder consolador e santificador, nos seus corações, e manifestá-la em suas vidas. A exortação é: “Sejam, de fato, o que em Cristo vocês são potencialmente”. Pelo reconhecimento da fé, entrem nas amplas possibilidades da sua nova união com Cristo. Considerai assim: “Os pregos que perfuraram as suas mãos e os seus pés santos destruíram o meu antigo ser. Cristo e nós fomos separados do pecado pela mesma morte misteriosa; e, portanto, estamos mortos com Cristo.

 

Isto implica que a nossa separação do pecado e a nossa devoção a Deus são dádivas de Deus para nós, e que trabalham em nós. E implica que Deus as dá a cada um de nós no momento em que acreditamos que são nossas. Se não for assim, o nosso reconhecimento, que podemos fazer a seu convite, é um engano.

 

Portanto, nós chegamos à Cruz e ao sepulcro vazio de Cristo. Nós nos lembramos da falta de pecado e da devoção a Deus do Salvador morto e ressuscitado. Sabemos que ele morreu para que nós, pela união espiritual com Ele, possamos ser como Ele. Talvez até este momento tenhamos estado tristemente vivos para o pecado, mas parcialmente devotados a Deus. Mas Deus nos pede que nos consideremos como compartilhando a morte e a vida de Cristo. Em vista do objetivo de Deus, e da morte de Cristo, não ousamos hesitar. Dizemos: contradizendo as nossas experiências passadas, estamos mortos para o pecado; a partir de agora, vivo somente para Deus. O que dizemos que consideramos, com o convite de Deus, é verdade. E Deus concretiza em nós, pela união com Cristo, a sua própria palavra e a nossa fé. A partir de agora, enquanto mantivermos a nossa confiança, descobriremos, por feliz experiência, que pela graça e poder de Deus, de uma maneira desconhecida antes para nós, estamos separados do pecado e vivos para Deus.

 

Em 12-13, Paulo escreve: Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mor­ tal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências. Nem tampouco apresenteis (mede paristanete, imperativo presente, “não continuem entregando”, NASB) os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniqüidade; mas apresentai-vos (parastesate, imperativo aoristo, “entreguem-se ‘por um único ato decisivo a Deus, como vivos dentre mortos (hosei ek nekron zontas, “como homens que foram trazi­ dos da morte à vida”, RSV), e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Embora o domínio do pecado esteja destruído pela justificação, ainda é possível que, embora o pecado não necessite mais dominar, apesar disso o homem justificado possa escapar da graça (v. 16) e permitir que o pecado domine.

 

É possível que este homem “continue entregando” as partes do seu corpo como instrumentos para o uso do pecado. “A própria frase ‘Não deixem que o pecado domine’ supõe que ele ainda esteja ali. Mas ele não deve mais estar como soberano, pois ele perdeu o seu instrumento e auxiliar poderoso, o corpo, que se tornou, em Cristo, o instrumento de Deus”. É por isto que o cristão, e somente o cristão, pode apresentar os seus membros a Deus, como instrumentos de justiça.

 

Ele foi liberado do domínio do pecado na sua personalidade; ele é um homem livre em Cristo. A questão que ele enfrenta agora é: O que eu vou fazer com a minha nova liberdade. Será que vou usá-la “para dar ocasião à carne”, ou será que vou empregá-la para servir a Deus e ao meu próximo em amor? (cf. G1 5.13). Será que vou me colocar à disposição da maldade, ou será que vou me entregar a Deus em um ato de completa consagração?

E educativo observar a linguagem exata que Paulo emprega aqui. Em primeiro lugar, ele insiste: apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, isto é, apresen­ tem o mais profundo do seu coração a Ele, dizendo “seja feita a sua vontade, e não a minha”. Em segundo lugar, entreguem... Os seus membros a Deus, como instrumentos de justiça. Coloquem todos os órgãos do seu corpo, e todo poder da sua personalidade redimida, à disposição de Deus. Esta é a parte do homem - a consagração. Aparte de Deus é a santificação. Isto fica claro no versículo 22: “Mas agora vocês foram libertados do pecado e são servos de Deus.

 

Com isso vocês ganham uma vida completamente dedicada a Ele, e o resultado é que vocês terão a vida eterna (RSV). Veja 12,1-2, onde os dois aspectos são reunidos em um conjunto global. O nosso papel é consagrar; o de Deus é santificar. O nosso é entregar; o de Deus é transformar.

 

Paulo conclui esta seção sobre a morte com Cristo com uma palavra final de encorajamento. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça (14). João Calvino escreve: “Aqui temos, me parece, um encorajamento para o conforto dos crentes, para que eles não fracassem nas suas tentativas de se agarrar à santidade pela percepção da sua própria fraqueza. Ele os exortou a aplicarem todas as suas forças na obediência à justiça, mas como eles ainda têm os resíduos da carne, não conseguem fazer outra coisa a não ser caminhar hesitantes”. Este é o dilema do homem justificado que ainda não sentiu o escopo da santificação divina, que é o objetivo para a sua vida.

 

Ele se encontra, às vezes, esmaga­ do pelo pecado; e assim precisa construir novamente as bases do arrependimento e da fé. Que este homem não perca a coragem, pois “agora, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (8.1). Como um crente justificado, procurando andar sob a plena luz de Deus, ele não está mais debaixo da lei, mas debaixo da graça. Deus não computa o pecado residual contra o crente (cf. 1 Jo 1.7), enquanto este, voltando-se contra o pecado com a mais profunda rejeição pessoal, e voltando-se para Deus com o mais profundo compromisso pessoal, procurar a completa libertação do Espírito em sua vida. Que o crente, portanto, se alegre com o sorriso de Deus e viva com a feliz expectativa da libertação completa pelo poder de Cristo.

 

Embora o pecado permaneça, ele não domina. Portanto, o crente pode encontrar coragem e conforto em Cristo. Como nós também estamos debaixo da graça, não somos responsáveis pelas nossas transgressões inadvertidas e inconscientes em relação à lei de Deus.  Os cristãos foram leva­ dos da ordem legal das obras à ordem evangélica da “fé que opera por amor”. Mas que o crente nunca se esqueça das palavras da promessa: “Fiel é o que vos chama, o qual também o fará” (1 Ts 5.23-24).

 

Permanece uma questão. Falando como um novo homem em Cristo, devo perguntar: “Quando foi que morri com Cristo para o pecado?” A resposta de Paulo tem quatro partes:

 

a) Você morreu com Cristo na provisão feita por Ele no Calvário. A morte dele foi potencial e provisoriamente a sua morte; a ressurreição dele, a sua ressurreição para a novidade da vida. A Cruz significou mais do que propiciação, com a bênção conseqüente da justificação (3.21-28); a morte de Cristo foi a condenação do pecado, a sua extirpação da natureza humana (8.3) e, portanto, a sua santificação (v. 6; 8.1-4; cf. 1 Co 1.30; Ef 5.25-27).

 

b) Você morreu com Cristo em propósito quando foi justificado. Na cruz, você foi submetido ao julgamento de Deus sobre os seus pecados; no que diz respeito à sua intenção e ao seu consentimento, você entregou o seu ser pecador à morte quando abraçou a morte de Jesus com fé penitente (veja G1 5.24). Além disso, a sua antiga existência em Adão foi interrompida quando, pela fé, você se tornou uma nova criação em Cristo (veja 2 Co 5.17). Pela ação de Deus, você foi levado ao domínio do seu Filho Amado (veja Cl 1.13). Em Cristo, você foi “justificado do pecado” (v. 7), libertado do poder do pecado e das reivindicações do pecado - o pecado já não domina mais a sua vida.

 

c) Você morreu com Cristo em profissão quando se submeteu ao batismo cristão (w. 3-4). Submergindo na água do batismo, você foi sepultado com Ele na sua morte (cf. v. 10), você foi arrancado do seu passado pecaminoso, você saiu do batismo como um homem de Cristo, com um novo futuro, e com um novo nome.

 

d) Finalmente, você morre com Cristo pela experiência pessoal presente quando 1) ao considerar a fé, você abraça as provisões completas do Calvário (v. 11), e 2) você se entrega a Deus em um ato de completa consagração (v. 13). Neste ato de consagração e fé, o seu corpo mortal deixa de ser um instrumento do pecado para ser o templo do Espírito Santo. Embora sejamos santificados “pela fé” (At 26.18), Deus dá o Espírito Santo somente “àqueles que lhe obedecem” (At 5.32). A fé e a obediência são dois lados da mesma moeda.

 

A santidade pela fé em Jesus,

Não pelo esforço próprio,

O domínio do pecado é esmagado e destruído

Somente pelo poder da graça.

A própria santidade de Deus em você,

A própria beleza Dele na sua expressão;

Esta será a sua vivacidade como peregrino,

Esta será a sua porção abençoada agora.

- Citado por Skevington Wood

“Quando Deus nos convida a nos considerarmos mortos para o pecado, e a partir de então vivermos somente para Ele, nos lembramos da nossa fraqueza moral, e dizemos: como pode ser isto? Mas quando descobrimos que a partir de então o Espírito de Deus irá residir em nós, para que pelo seu poder Ele possa nos proteger de todo o pecado, e pela sua santidade dirigir a Deus todos os nossos objetivos e esforços - quando descobrimos isto, a nossa dúvida dá lugar ã expectativa confiante e à gratidão que nos leva à adoração. Pois estamos certos de que o Espírito é capaz de realizar, até mesmo em nós, o propósito de santidade de Deus” (Veja os comentários sobre 8.1-11).

 

2) A santificação como uma nova obediência (6.15-23). Esta seção enfatiza que aqueles que, de acordo com o versículo 14, já não estão mais debaixo da lei, mas debaixo da graça, foram trazidos a um relacionamento de serviço que significa a obediência de todo o coração (v. 17). Paulo diz, no versículo 19, que esta é uma maneira humana de considerar o assunto, adotada pela fraqueza da vossa carne, ou seja, ele introduz esta discussão para se fazer completamente compreendido, caso aquilo que ele disse nos versículos 1-14 não tenha sido perfeitamente compreensível.

 

Ao mesmo tempo, Paulo deixa claro que as palavras que virão a seguir não devem ser interpretadas em nenhum sentido legalista, mas devem ser ouvidas e compreendidas à luz do que ele acabou de dizer sobre a nossa morte com Cristo para o pecado, e como uma aplicação dela.

 

Ele começa recolocando a questão do versículo 1. Pois quê? Pecaremos (hamartesomen, “devemos pecar?”) porque não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça? De modo nenhum! (15). Mas esta não é meramente uma repetição da questão anterior. A primeira pergunta era “Permaneceremos no pecado?” Esta é: “Pecaremos?”, ou seja, “Continuaremos a pecar?” A primeira lida com o estado permanente de pecado; a segunda com o ato da desobediência. Nos versículos 1-14 o apóstolo demonstrou a incompatibilidade fundamental entre a graça e o pecado (he hamartia, “o pecado”). Um homem que morreu para o pecado não pode continuar vivendo nele. Ele passou da ordem antiga da morte em Adão para a nova ordem da vida em Cristo - e esta nova vida é uma existência santa.

 

Este homem, que veio à nova ordem da graça e da vida por meio de Cristo é, portanto, um homem que deixou de pecar. Assim, aqui nos versículos 15-23, Paulo demonstra a incompatibilidade fundamental entre a graça e o ato de pecar. Isto fica claro pelo verbo hamartesomen, um subjuntivo aoristo, que pode ser traduzido literalmente como: “Vamos nos preparar para um único ato de pecado?” Paulo responde: Me genoito, “É claro que não, nunca!” (NASB; cf. 13.14).

 

Paulo exulta: Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos (doulous, “escravos”; com o mesmo significado ao longo desta seção) para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? (16). “O homem tem um senhor, de uma maneira ou de outra. Ou ele é um servo do pecado, ou um servo da obediência.

 

O pecado e a obediência, portanto, não são as nossas ações em primeiro lugar, mas os poderes que exercem domínio sobre nós”. Ao colocar estes dois senhores em sobreposição, Paulo deixa claro que o pecado é a desobediência (cf. 4.15; 5.13-14), e não uma mera “falta de compreensão do significado”. Hamartia significa basicamente “iniqüidade” (1 Jo 3.4; cf. 8.7). O homem que peca não é somente um atirador com má pontaria, ele mira o ponto errado e assim erra o alvo. O pecado é um “erro voluntário”. Como o pecado é um assunto tão sério, o crente justificado que voluntariamente desobedece a Deus se encontra novamente escravizado pelo pecado. Como o próprio Senhor advertiu: “Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado” (Jo 8.34).

 

E o salário do pecado é a morte (v. 23; cf. 8.13). Paulo está fazendo eco ao aviso que Deus fez a Adão na época em que ele era inocente (Gn 3.3), assim como a palavra do profeta: “A alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18.4). Desobedecer a Deus é novamente ficar debaixo “da lei do pecado e da morte”. Por outro lado, a escravidão à obediência resulta na justiça. O versículo seguinte mostra a importância desta nova justiça cristã.

 

Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça (17-18). A graça de Deus, que nunca poderá ser louvada suficientemente, significa que, embora fôssemos servos do pecado, já não mais o somos, “pois quando o evangelho nos foi contado e nós o ouvimos, nos tornamos obedientes a ele com todo o nosso coração, e, portanto, com toda a nossa existência”. Portanto, nós nos tornamos sujeitos àquele segundo campo (ou reino), o de servos da justiça. Assim, “a justiça permanece importante para os cristãos; a única justiça de que desistimos foi da nossa própria, e para que possamos estar sujeitos à justiça de Deus - que não é menor, mas sim maior do que a humana (cf. Mt 5.20)”.

 

O que significa ser servos da justiça? Neste novo relacionamento de graça, não estamos, para dizer a verdade, lidando com a escravidão, mas sim com a liberdade. Tendo sido libertados da servidão do pecado, nos tornamos “servos da liberdade”. O serviço a Deus é a liberdade perfeita. Este é o paradoxo da justiça de Deus.

 

 

Neste ponto, Paulo insere o seu parêntese apologético, que é o seguinte: Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne (19; cf. 3.5; 1 Co 9.8; G1 3.15). A seguir: pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia e à maldade para a maldade, assim apresentai (parestesate, subjuntivo aoristo, como no versículo 136; apresentar em um ato decisivo de dedicação) agora os vossos membros para servirem à justiça para a santificação (hagiasmon, “santificação”, NASB, RSV). Mais uma vez vemos a relação entre a consagração e a santificação (veja os comentários sobre o versículo 13).

 

E impensável um acordo entre o pecado e a justiça. Um homem não pode servir a dois senhores. Estas atitudes são mutuamente excludentes. Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça. E que fruto tínheis, então, das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte. Mas, agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação (hagiasmon, “santificação”, NASB, RSV), e por fim a vida eterna (20-22).

 

“Assim como você tinha um senhor naquela época, também tem um Senhor agora”, parafraseia Barth, “você também estava livre, isto é, da justiça - uma terrível liberdade, o inevitável resultado vergonhoso, e cujo fruto é a morte. E da mesma forma, você está livre novamente, isto é, do pecado, porque você se tornou servo de Deus, com o resultado de que, pela sua decisão e pela ordem conseqüente, você é um homem santificado que, como tal, está no caminho da vida eterna”. Agora retornamos à elevada visão da santificação que se iniciou nos versículos 11-13. Ao se apegarem às amplas possibilidades da graça de Deus, os cristãos romanos podem se tornar homens completamente santificados, com a esperança da vida eterna.

 

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor (23). Nesta frase final, o contraste entre o pecado e Deus dificilmente é mais importante do que a correspondente antítese entre salário e dom gratuito. A antiga escravidão ao pecado estava debaixo do domínio da lei, e o pecado concomitantemente pagava um salário; a nova escravidão a Deus está debaixo do domínio da graça, e Deus concomitantemente dá um “dom da graça” (charisma), ou seja, a vida eterna. Dentro deste “dom da graça”, afirma Godet, “está à plenitude da salvação.

 

CONCLUSÃO

 

Tudo nesta obra, desde a justificação inicial até a absolvição final, incluindo a santificação e a preparação para a glória, é um dom gratuito, um favor imerecido, como o próprio Cristo que foi feito justiça, santidade e redenção para nós.

 
Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Comentário Bíblico Volume 08 -  Romanos e 1 e 2 Corintios

 

A MARAVILHOSA GRAÇA

 

Texto Áureo = “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.” (Rm 6.14)

 

Verdade Prática = Cristo Jesus é a graça divina manifestada em forma humana.

 

LEITURA BIBLICA = Romanos 6.1-12

 

O cristão e o poder do pecado (primeiro tema especial), 6.1-23

 

1. Quanto à subdivisão de Rm 5–8. Foi bastante fácil perceber a estrutura dos primeiros quatro capítulos da carta aos romanos. Rm 5, em seguida, ampliou o panorama: pela fé não apenas acontece a virada salvadora, mas adicionalmente também a vida em realização plena! Porém, encontramos dificuldades para captar os pensamentos dos capítulos seguintes, Rm 6–8. “Não há como evidenciar um plano rigoroso” (U. Luz, pág 209). Possivelmente, o apóstolo está agindo de tal modo como se faz também hoje após uma palestra: quem tem uma pergunta para expor ao conferencista? Segue-se um diálogo.

 

É desse modo que Paulo talvez esteja abordando alegações que poderiam ser levantadas por leitores que refletem sobre o texto. Através de itens selecionados, ele defende e aprofunda o exposto até aqui. Depõe a favor dessa compreensão que determinados vocábulos se acumulam, o que acontece sempre de forma súbita, mas de igual maneira cedem claramente a um novo termo-chave. Em Rm 6.1-23; 7.1-25 e 8.1-30 trata-se de temas especiais (cf as respectivas opr aos mesmos). Um resumo, que retorna ao estilo de confissão de Rm 5.1-11, conclui a unidade da carta em Rm 8.31-39.

 

2. Rm 6 como primeiro tema especial. A concordância terminológica revela à primeira vista que o capítulo se destaca por usar 17 vezes “pecado”, “pecar”. Paulo lança o alicerce para o tema “o cristão e o pecado”. Expõe-se à pergunta crítica: que será da justiça por meio da fé, se ela se defrontar com a realidade de que o pecado continua existindo? Afinal, será que aquilo que Paulo expôs até o momento tem algo a ver com a vida que se vive na prática? Acaso trata-se de mera interiorização ou até de acrobacia intelectual?

 

a. Expatriados do reino do pecado – viver com Cristo para Deus, 6.1-11

 

Paulo desobstrui a dobradiça pela qual a fé movimenta vigorosamente a vida, para que aconteça de fato a melhoria do cotidiano. O caminho geralmente trilhado para isso seria a intensificação do imperativo.

Exacerba-se o “deves!”: ler mais a Bíblia, orar mais, confessar-se de modo mais criterioso, viver mais disciplinadamente, servir mais desinteressadamente! Acontece que em Paulo nunca estão ausentes os imperativos. Após o v. 11, p. ex., eles ocorrem em grande número. Contudo, quando está em jogo a verdadeira base de apoio para melhorar a vida, seguem-se dez versículos sem uma única exigência. Ao invés disso, começa uma instrução jurídica. Trata-se de uma compreensão mais abrangente da obra redentora de Cristo, a saber, de suas conseqüências legais.

 

Com a formulação “Que diremos, pois?” Paulo demonstra repetidas vezes que ele pressente uma objeção que paira no ar. Há pouco ele havia enaltecido em Rm 5.20b que: quanto maior o poder do pecado, tanto maior será ali o poder da graça! De imediato entra em funcionamento uma certa lógica: então, foi-nos dada uma alavanca para com nossas mãos movermos a graça, a saber, continuando a pecar.

 

Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante? No singular “pecado” Paulo não pensa em atos isolados, e sim no pecado como poder (cf Rm 5.20b). Combina com isso o “permanecer”. Assim como se pode permanecer na esfera da bondade de Deus ou na esfera da descrença (Rm 11.22,32), assim também na área de poder do pecado. Ela eqüivale a um ente político, um império: v. 12,14,16,18,22. O interesse especial na questão é: trata-se de uma estrutura jurídica. O pecado governa legalmente sobre nós, pois o exercício do mal não apenas feriu nossa própria consciência, mas criou também relações de direito, estruturas do mal, nas quais agora é obrigatório viver.

 

Quem lança essa pergunta oblíqua? Em Rm 3.7,8 Paulo é acusado de forma muito semelhante por “caluniadores” de que por sua doutrina da graça ele estaria seduzindo para a prática do pecado. Será que agora Paulo está se voltando contra as mesmas pessoas? Não, aqui a situação é completamente outra.

 

Ele não liquida rapidamente a questão como lá, não fala em tom de reprovação, mas dirige-se, no estilo do “nós” e com minuciosos detalhes, ao próprio círculo. Também nos cristãos está latente a possibilidade de abusar da graça, de fazer do evangelho uma massa manipulável, cf Gl 5.13: “Irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne”.

 

Um voraz desejo egoísta pressente o ar matinal, avança para dentro do espaço de liberdade recém-recebido, e se produz nele grandiosamente. Decorrência: as condições morais numa comunidade tornam-se deploráveis. Não-cristãos às vezes pecam com mais dignidade que cristãos. A decorrência seguinte: por força das circunstâncias, a comunidade envereda pelo mais triste legalismo que existe.

 

 

Para esse “permaneceremos no pecado” o próximo versículo diz “viveremos ainda no pecado”: Organizar a vida novamente segundo o espírito, a mentalidade e o bel-prazer do pecado. Sequer temos o desejo de separar-nos desta atitude mental, gostaríamos de continuar pecando e detectamos no ensino de Paulo uma possibilidade de fazê-lo sem prejuízo. Afinal, temos agora a “graça” como escapatória. Testemunhamo-la comovidos, talvez até de modo comovente para outros, os quais seduzimos. Porém, dessa maneira acabamos apenas brincando com cascas de palavras. Quem gosta de pecar, nem está mais ciente de que Jesus está presente. Acaso o Senhor falou ao curado no tanque de Betesda: E agora continua pecando tranqüilamente? (Jo 5.14). Acaso disse à mulher adúltera, depois de lhe ter anunciado o perdão: Continua pecando sem problemas, pois agora terás sempre a mim? (Jo 8.11).

 

Paulo rejeita de duas maneiras a objeção do v. 1. Primeiramente, ressoa sua palavra de repulsa mais aguda: De modo nenhum! A essa idéia ele de forma alguma responde com “amém”. Contudo, à repulsa instintiva agrega-se seu argumento lógico: nós os que para ele morremos. Essa declaração perpassa todo o trecho como um fio condutor (v. 2,5,6,7,8,11). Se não compreendermos nada nesse ponto, o trecho todo não poderá causar impacto. Por isso é necessário decifrar com cuidado e detalhamento especial a metáfora recorrente em Paulo, referente a morrer espiritualmente.

 

É possível abordar o morrer de diversas maneiras. Para quem está morrendo e para seus familiares, o aspecto psicológico pode ocupar o primeiro plano (despedida, dor, perda, luto). Porém Paulo nem sequer está pensando em algo triste. O médico que tem a tarefa de fornecer a certidão de óbito encara a morte sob o aspecto clínico. Paulo, no entanto, tem em mente as decorrências legais de um falecimento, o que se torna especialmente evidente em Rm 7.1-6. No exato segundo em que a morte acontece, cai por terra qualquer reivindicação diante do falecido. Ninguém pode exigir mais nada dele. Autoridade financeira, credor ou executor penal podem buscar algo somente dos vivos.

 

Os mortos escapam a todo sistema de compromissos. Em Jó 3.18,19: na morte “os presos juntamente repousam… e o servo fica livre de seu senhor” (RC). Morrer muda radicalmente a situação legal. Morrer é libertação. “Morremos para o pecado!” é um grito de liberdade.

 

Nos versículos subseqüentes o quadro é consideravelmente enriquecido: três das seis ocorrências enfatizam que esse morrer não constitui nenhum acontecimento solitário: “fomos unidos com ele na semelhança da sua (de Cristo!) morte” (v. 5), “foi crucificado com ele o nosso velho homem” (v. 6), “morremos com Cristo” (v. 8).

 

Como Cristo morreu na cruz, a conseqüência para a nossa participação na sua morte é que não podemos executar esse morrer em nós próprios. Tecnicamente e também como metáfora, a autocrucificação é impossível. Ninguém pode movimentar pessoalmente o martelo para afixar as próprias mãos na cruz. Mas há muitos fiéis que se contorcem dessa maneira a fim de morrerem para o pecado.

 

Seu objetivo é torturar-se por meio de severa autopunição, depreciando-se a si próprios, chorando, praticando ascese ou procedimentos especiais, dos quais acreditam obter efeitos mágicos. Ou se convencem amargamente que estão real e totalmente mortos para o pecado. No entanto, a questão é de mera intervenção externa. Ao aceitarmos na fé o Cristo anunciado, Deus não apenas aceitou nossa decisão, mas também fez algo. Ele nos “selou” pelo Espírito Santo.

 

Na Antigüidade costumava-se tatuar escravos recém-adquiridos com uma marca de propriedade (cf Rm 8.9b,14-16; 2Co 1.22; Ef 1.13; 4.30). Por meio da dádiva divina de pertencermos ao crucificado fomos legalmente expatriados do reino do pecado e transferidos para a esfera de poder e bênção de Cristo. Uma nova órbita em torno de outro sol nos liberta para uma vida alternativa. “Andemos nós em novidade de vida” ou “servimos em novidade de espírito” (v. 4b; 7.6).

 

No entanto: somos nós os que “morremos”, o reino do pecado porém continua existindo. Suas estruturas nos cercam, como antes, de todos os lados. Mais ainda: o mal age como se fôssemos subordinados a ele. Ele se apresenta imponente diante de nós, para nos impressionar e acovardar. Ele nos assedia, a fim de extenuar a nossa fé, até que voltemos a funcionar como antigamente. Porém, cumpre oferecer resistência aqui mais do que nunca. Não temos mais nenhuma obrigação com esse sistema (Rm 8.12).

 

Mas, reiterando: o poder do pecado ainda está aí. Ele possui tanta força que nenhum fiel a Deus deveria brincar com ele. Em 1Co 10.12 lê-se: “Portanto, aquele que pensa que está de pé”, firme na fé como um abrigo antiaéreo, capaz de dar conta de qualquer tentação, p. ex., permitindo-se contemplar sorridente os quadros mais sujos, “é melhor ter cuidado para não cair” (BLH). No entanto, por maior que seja a força deste poder, ele não tem legitimidade. Suas demandas a nós são ilegais. Nosso Senhor legal é Cristo.

 

Retornemos agora à seqüência do pensamento. O que parecia ser a conclusão lógica no v. 1, examinado à luz do sol, desfaz-se em nada: Como viveremos ainda no pecado, já que ninguém pode viver duas vidas ao mesmo tempo! Paulo chegou a essa clareza quando iluminou da maneira mais completa as conseqüências legais da ação na cruz. Nos capítulos anteriores líamos: Cristo morreu por nós. Agora acrescenta-se: e nós morremos com ele.

 

Por se tratar do pensamento condutor de todo o trecho, conscientizamo-nos mais uma vez do lugar que este “morrer” tem na biografia de um ser humano. Paulo o martelou exaustivamente desde Rm 1.16: tudo na fé, pela fé, a partir da fé, para a fé! O texto de Rm 5.2 resumiu-o assim: ter acesso pela fé à graça integral. Quando chegamos a crer, Deus não nos dá primeiramente o dedo mindinho, a fim de conceder a totalidade somente como acréscimo, somente num tratamento especial. No momento central da experiência da salvação em Cristo, ele se doa pessoal e integralmente. Cumpre-se o que diz Jo 5.24: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou… passou da morte para a vida”.

 

Para reforçar o afirmado, a saber, que eles estão “mortos”, Paulo lhes apresenta como “certidão de óbito” (J. A. Bengel) o seu batismo. Inicialmente, ele confere o entendimento de batismo que ele pode pressupor: Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? A pergunta tem uma formulação meramente retórica. Também na distante Roma, onde ele próprio não havia atuado, isso era parte integrante do saber básico cristão. Todavia, é possível que o saber escape da consideração, a ponto de não significar mais nada para nós. Então será matéria morta que precisa ser novamente interiorizada.

 

Analisemos um a um os elementos do v. 3. Todos “fomos batizados”, não se batizaram a si próprios. Essa forma passiva não era uma evolução natural para um movimento que surgiu do judaísmo. Um judeu fiel à lei era obrigado a tomar banhos de imersão em numerosas ocasiões, nos quais ele próprio mergulhava o corpo todo na água. Essa “lavagem” ritual restabelecia sua capacidade de prestar culto a Deus, p. ex., após contaminação com lepra, fluxos genitais, contato com cadáveres ou túmulos. O primeiro dessas longas séries de “batismos” em sua vida adquiriu naturalmente uma solenidade especial. P. ex., para gentios dispostos a passar para o judaísmo, desenvolveu-se mais tarde o chamado “batismo de prosélitos” (realizada no homem após sua circuncisão). Como se tratava simbolicamente de lavagem, resultavam três características para sua realização:

 

• Ao lavar-se a si própria, a pessoa batizava-se a si mesma.

• Por isso, a pessoa também o fazia despida, e

• Realizava-o não em reunião pública, mas diante de duas ou três testemunhas.

O batismo cristão se diferenciava desse rito tanto no sentido quanto na forma de execução. Ela se derivava do batismo de João. Lá vigoravam outras circunstâncias:

 

Todas as pessoas dispostas a arrepender-se, também judeus, apesar de seus ritos de lavagens, submetiam-se a esse batismo.

 

• Permitiam que João o realizasse neles. Esse aspecto destacava-se de forma tão marcante que João entrou na história com o cognome “Batista”.

• Como se deixou para trás a figura da lavagem, ficou eliminada também qualquer repetição.

 

• Da mesma forma caiu por terra a característica de uma ação em recinto restrito. João batizava publicamente no rio Jordão.

 

Era com essas coordenadas que também os primeiros cristãos executavam a cerimônia. A forma passiva “ser batizado”, que é mantida consistentemente pelo NT, explica-se, portanto, a partir do contraste com os ritos de lavagem judaicos. Nessa forma verbal de modo algum reside uma indicação velada para o agir salutar de Deus no batismo (passivum divinum). João já tinha rejeitado com veemência a expectativa de que Deus ou Cristo fosse o verdadeiro sujeito do batismo na água, e o NT transmitiu essa frase com cuidado. Além disso, as pessoas batizadas eram extremamente ativas de outra maneira: Elas “vinham” ao batismo, “arrependiam-se”, “davam razão a Deus”, “confessavam seus pecados”, não “desprezavam” a deliberação salvadora de Deus, mas passavam a andar espontaneamente no caminho dele.

 

Apesar de toda plasticidade, o batismo, como qualquer ato, é mudo e, por isso, também sujeito a equívocos. À semelhança da Santa Ceia, ele carece da palavra de interpretação. Para o batismo surge, nesse sentido, aqui e em quase todo o NT, a preposição “em direção de…” (no grego eis). Portanto, faz parte de cada batismo uma referência sobre a finalidade com que acontece. “Em direção do que (eis ti), pois, fostes batizados?” De João, de Jesus, de Moisés ou de Paulo?

 

A referência de um batismo cristão é, com algumas variações, com toda a clareza: em relação a Cristo Jesus. Imediatamente, Paulo aguça a afirmação em vista do que é decisivo: fomos batizados sobre (eis) sua morte na cruz. O auge de sua vida estava, segundo a vontade de Deus, no seu morrer pelos pecados do mundo. Todos os quatro evangelhos culminam na história da Paixão. Sem essa morte expiatória ele sequer seria o Cristo, de modo que ele era proclamado essencialmente como o Crucificado (1Co 2.2).

 

Ouvintes que aceitavam essa palavra do juízo e da graça clamavam ao Senhor na fé e deixavam-se batizar sobre ele, sobre a sua morte.

Por meio desse ato tornavam pública sua relação com o Senhor. Ela, no entanto, sempre também será uma relação com a igreja dele. Não é insignificante que o batismo era realizado por um representante da comunidade. Assim, tudo está integrado nessa questão: um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só corpo e um só Espírito (Ef 4.4,5). A partir de agora, está descartada a devoção particular descompromissada.

 

Paulo passa a tirar proveito, para o seu raciocínio, desse consenso da igreja primitiva sobre o batismo. Ele conclui: Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo. A formulação “na morte” significa naturalmente, como no versículo anterior “sobre a morte de Cristo‖. No batismo, afinal, não fomos nós próprios mortos ou afogados. Expressamente consta: Fomos “sepultados junto com ele”. O “sepultados junto com” liga-se diretamente à última palavra do v. 3. Os dois termos aparecem, dessa forma, como que encaixados um no outro: “batizados–sepultados com”. Ser batizado é idêntico ao ser sepultado junto com. Batismo é sepultamento. Diante do morrer, o sepultamento tem um sentido diferente que pode muito bem ser discernido. O ato não muda mais nada no estado do falecido.

 

Não acrescenta nada à sua condição de morto, não a intensifica. O falecido não se torna mais morto ainda. O sepultamento encontra-se num nível diferente. Ele atinge a influência do falecido. Torna incontestável a realidade de sua morte. Uma cerimônia fúnebre tem função demonstrativa perante o mundo envolvente. Transforma o falecimento num fato público impossível de ignorar, constituindo assim um processo legal. É o que ocorre aqui: o batismo atesta “oficialmente” o fato de termos morrido com Cristo. Em decorrência, essa consideração marginal do batismo carregou, com a clareza desejável, um apoio ao objetivo de Paulo expresso no v. 2.

 

Quanto ao estar sepultado com: na Antigüidade, eram bem conhecidas sepulturas duplas. Cônjuges, mas também pai e filho, mãe e filha ou também irmãos eram depositados numa sepultura conjunta – expressão de uma solidariedade válida ainda para além da morte. Para o que se segue, essa circunstância exerce um papel importante.

 

O v. 4b traz uma frase com um “para que”. Ela aponta para a condução da vida depois do batismo. Sobre a condição de “estar sepultado com” paira uma intenção divina: para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida. Nessa sepultura para dois governa, do mesmo modo como na sepultura de Jesus diante de Jerusalém, não a decomposição, mas sim a promessa. À comunhão na morte e na sepultura segue-se também uma correlação na ressurreição. É verdade que Paulo encerra de forma inesperada a frase de correlação, sim, ele a dobra. Nós esperaríamos: como Cristo foi erguido da sepultura para a glória do Pai, do mesmo modo nós também seremos glorificados após o batismo. Contudo, para nós o caminho depois do batismo não é diretamente para a perfeição e verticalmente para o céu, onde está entronizado Cristo, mas nosso caminho segue para dentro do serviço nesse mundo, que ainda está marcado pela decomposição, humildade e precariedade (1Co 15.42,43).

 

Porém, guardada esta restrição, está valendo essa equação incrível: como Cristo, nós agora podemos levar uma vida na novidade! De acordo com a singela afirmação do versículo, participa-se da experiência de forças da sua ressurreição, da Páscoa que transborda incessantemente, de ser diuturnamente renovado, para tornar a ser capaz de corresponder a Deus, de viver, de servir e de sofrer.

 

Nos v. 2-4 foi dito o elementar sobre a alegação do v. 1. Para consolidá-lo, Paulo passa a repeti-lo com uma amplitude marcante. Em duas retomadas, nos v. 5-7 e 8-10, ele martela incansavelmente com a lógica da fé: Se – então! Nossa exegese abordará de agora em diante tão somente detalhes que são adicionados nos versículos seguintes.

 

No v. 5, Paulo formula nossa comunhão com o Cristo morto numa nova figura, retirada do âmbito dos organismos. Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição. O “certamente” indica no que Paulo está pensando mais intensamente agora, em comparação com os v. 2-4. Ali seu interesse era o efeito da separação (“já morremos para o pecado” [BLH], v. 2), de agora em diante será cada vez mais o efeito positivo, culminando em “viver para Deus” (v. 10,11).

 

Continuamente Paulo apela para o “saber, crer, conhecer” dos cristãos em Roma, como já no v. 3, agora no v. 6, e depois novamente nos v. 8,9. Assim, ele pleiteia pela confiança deles, visando não por último o seu projeto de engajá-los em sua missão à Espanha (cf qi 4). Não quer que se sintam como que pressionados a aceitar algo estranho.

 

Afinal, ele “traz à memória” nada mais que assuntos conhecidos (Rm 15.15). Porém, é impressionante o que ele lhes atribui que saibam realmente! Que apreendam as conseqüências legais da morte de seu Senhor para todos os que crêem, na sua extensão, amplitude e profundidade. Sabendo isto: que foi crucificado com ele (Cristo) o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja (legalmente) destruído, e não sirvamos o pecado como escravos; porquanto quem morreu está (na forma da lei) justificado (livre) do pecado.

No lugar da expressão “nosso velho homem” entra a fala do corpo do pecado. Nessa locução, corpo não designa especificamente o corpo humano, que como tal não está “destruído”, mas, segundo a compreensão bíblica, refere-se ao homem todo, assim como vive e convive, com tudo o que entrementes causou e alcançou, ao que também não pode esquivar-se mais.

 

Uma nova repetição consolida os objetivos fundamentais da unidade. É a última linha que mostrará o ponto em que Paulo finalmente pretende chegar, a nova qualidade de vida que Cristo trouxe à luz.

Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos, sabedores de que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus. O marcante “morreu para o pecado de uma vez para sempre” tinha uma razão de ser.

 

Naquele tempo fortaleciam-se tendências religiosas que propagavam experiências de redenção com vocábulos em grande parte semelhantes aos usados aqui, mas que tinham um sentido muito diferente. Elas partiam de impressionantes experiências na natureza, p. ex., o maravilhoso retorno da vida na primavera. O reiterado morrer e reviver da natureza foi potencializado, formando um mito de morte e ressurreição, e reproduzido como experiência mediante um rico ritual.

 

Muitas pessoas em busca de apoio descobriam-se assim como sendo compreendidas nos altos e baixos de sua existência. Contudo, Paulo não queria de maneira alguma ser enquadrado nesses grupos, quando falava como eles, segundo o presente trecho, de “morrer” e “ressurgir”. Sua mensagem constituía, em concordância com toda a primeira cristandade, notícia de um acontecimento axial como nunca houve antes e jamais haveria depois. Essa notícia fala do auto-sacrifício de Deus em seu Filho Jesus Cristo.

 

Esse “de uma vez para sempre”, portanto, era diametralmente oposto ao pensamento cíclico das referidas religiões e demandava ser sempre de novo enfatizado. Com a mesma vigilância nós temos de cuidar hoje da penetração de sabedorias da religiosidade natural. Podem até ser convincentes, mas não conduzem para fora do círculo vicioso de esperanças continuamente despertadas e constantemente frustradas.

 

À anulação, por um ato único, do poder do pecado pelo morrer de Jesus contrapõe-se agora a situação radicalmente nova de seu viver como Ressuscitado. É vida não turbada, plena de luz, transbordante, singularmente determinada pelo I Mandamento e pelas primeiras preces do Pai-Nosso: vida para Deus. Está em vigor enquanto realidade plenamente saturada. Constitui a real garantia da existência cristã nesse mundo, resistente contra tudo que se lhe opõe e que possa ser alegado: Cristo não morre mais!

 

Por mais coisas que ainda possam faltar à comunidade – e lhe faltam muitas coisas – e por mais longe que ela possa ser levada ao retrocesso, uma verdade permanece: Cristo vive, e “seremos salvos pela sua vida” (Rm 5.10).

 

 

Depois de dez versículos com definições de posição ressoa pela primeira vez um imperativo de exortação. Assim também vós considerai-vos (compreendei-vos) (num julgamento de fé) mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus.

 

A conhecida tradução “considerai-vos” poderia lembrar aos leitores de hoje o treinamento auto-sugestivo: convencer-se concentradamente de ser algo que não é, até que seja. Em outras palavras: tirar proveito do poder de pensamentos positivos. O termo que aqui vertemos para “compreender”, no entanto, refere-se menos a um raciocínio criativo e muito mais ao pensamento obediente.

 

Paulo espera que sua “aula de direito” tenha sido ouvida e refletida conjuntamente, que os leitores se deixaram convencer por essa lógica em todas as suas correlações e agora a deixem vigorar, com toda a tranqüilidade e dimensão. Nosso título tenta resumi-la assim: “Expatriados do reino do pecado – viver com Cristo para Deus”. Porque com Cristo, por isso também para Deus (cf v. 10b). É a essa concepção de vida que Paulo retornará em Rm 12.1,2, passando a desdobrá-la ali paradigmaticamente em suas ramificações.

 

b. Instrução fundamental na condição e responsabilidade do cristão, 6.12-14

 

Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais

Após dez versículos no estilo de “nós”, Paulo havia iniciado em Rm 6.11 com o “vós” exortativo. Esse tom é continuado agora enfaticamente. Cabe contrapor-se a falsas conclusões: cristãos por certo “morreram para o pecado”, “cresceram em comunhão com Cristo”, a fim de “viver para Deus”, contudo essa verdade não transforma sua existência terrena num leito celestial, mas antes num campo de luta.

 

Primeiramente cumpre dominar a mudança nas condições legais e de poder. Não reine, portanto, o pecado. “Não seja” possui aqui o significado de: não pode mais. Onde Cristo é Senhor, o poder do pecado tornou-se ilegal (Rm 6.7). Deus lhe deu o “cartão vermelho”. O pecado, porém, retorna sorrateiramente ao “campo”.

 

Em 7.8-11, Paulo descreverá a sua insídia. É em vosso corpo mortal que ele quer se exercitar. O conceito “corpo” será abordado exaustivamente no texto sobre Rm 12.1b. Sem dúvida fazem parte dele nossas necessidades físicas como comer e beber, impulso sexual, proteção diante de frio ou calor, exigência de descanso ou movimentação etc. Tudo isso, porém, não pode ser dissociado de nossa atividade espiritual, intelectual, familiar, social, cultural e política.

 

 

É esse corpo que Paulo caracteriza como mortal. Como todas as coisas criadas, ele é transitório, o que no entanto não o declara de antemão como pecaminoso. Ef 5.29 pressupõe que cristãos “alimentam e cuidam” de seu corpo, i. é, respeitam suas necessidades, não desejam que se afastem como algo maligno (“odiar”). O pecado se opõe ao corpo como algo visivelmente diferente dele. Mas ele visa apoderar-se do corpo, tentar intensificar seu impulso natural de vida, concedido por Deus, para torná-lo uma obsessão e algo independente. O pecado visa posicionar as carências que em si são normais e necessárias numa ordem diferente, de maneira que sua realização não sirva mais ao ser humano, mas o domine como senhor e o escravize: de maneira que obedeçais às suas paixões.

 

O termo “obedecer” deriva-se no grego [como no alemão e nas línguas latinas] de “ouvir”. Disso pode formar-se a idéia de ouvir atentamente: Ou seja, obedecer é não subtrair-se ao que se ouviu, mas permanecer debaixo de seu som, enfim, confiando e seguindo a palavra. Na verdade o uso que fazemos da palavra também pode ser inexpressivo: um equipamento “obedece” ao toque de uma tecla, um animal “obedece” a seu instinto. Nesses casos, aquele que “obedece”, porém, não tem nada a ouvir, a acreditar e a querer, mas reage só a impulsos.

 

Entretanto, o que no aparelho e no animal fica desligado, no cristão está ligado. Cristãos, p. ex., não fazem o que é correto por orientação do instinto. Não é verdade que eles não são capazes de pensar e fazer nada além do bem. São capazes de agir de maneira diferente, sim. De fato, cabe-lhes, precisamente a eles, que tenham um propósito. É justamente para cristãos que entra em campo a responsabilidade humana.

 

A idéia da responsabilidade ressalta com maior intensidade quando Paulo agora substitui a figura do serviço de escravo pela do serviço militar. Ao mesmo tempo ele não fala do corpo, e sim dos membros, ou seja, das diversas concretizações da vida.

 

A Bíblia menciona nossos membros sempre quando se trata de designar o ser humano ativo, e por isso também o ser humano concreto. Por meio da mão, do pé e do olho nós nos realizamos e mostramos quem somos na realidade e o que vai dentro do nosso coração (Mc 9.43-47).

 

Para que o senhorio do pecado não retorne pela porta vulnerável do “corpo” e com ajuda de nossas ações, há uma dupla exigência, uma negativa e outra afirmativa. Primeiro a negativa: nem ofereçais (“colocar à disposição como armas”) cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniqüidade. Não levem suas “armas” ao campo do inimigo! Continuando a ilustração: o inimigo convidou para desertarmos para o lado dele. Em todo caso, Paulo pressupõe uma situação de decisão.

Se esse convite não for respondido com um não inequívoco, não haverá sucesso no sim para Deus, mas só um nefasto “sim-não”. É disso que Paulo tenta prevenir seus leitores. Depois desse negar-se segue em segundo lugar (v. 13b) o igualmente concreto colocar-se à disposição de Deus. Portanto, não basta ficar à espreita para ver o que acontece por si só! Quem crê, coloca-se à disposição para a luta, pois ações representam armas.

 

A luta é em prol da incumbência de, a partir do recebimento da justiça por fé, lutar também pela justiça da vida no cotidiano. O que Paulo tem em mente é mostrado, p. ex., pela série de “instruções de execução” em Rm 12.9-21, que Paulo resume conclusivamente assim: “Não deixem que o mal vença vocês, mas vençam o mal com o bem” (BLH). Por nosso intermédio, algo do mundo obediente a Deus e justo deve tornar-se visível. A formulação “como ressurretos dentre os mortos” confere à afirmação uma característica de pendência. Existe uma diferença entre a vida de ressuscitado do próprio Senhor e a vida dos seus. “Seremos semelhantes a ele”, mas ainda não o somos (1Jo 3.2). Ainda precisamos esperar, gemendo pela redenção do nosso corpo (Rm 8.11,22,23). Esse “ainda não” é admitido de forma sóbria e honesta.

 

Os cristãos, tão rigorosamente chamados à obediência, estão preservados na supremacia da graça (Rm 5.20). À semelhança de Gl 5.16, segue-se uma promessa sem restrições: Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. Ordens à revelia dessa graça, i. é, ordens sem misericórdia, seriam absurdas. Por mais severas que viessem a ser essas ordens, tanto mais sagaz e conseqüentemente mais poderoso se revelaria o pecado. É somente sob a ordem da graça que a vida obtém êxito. É somente entre pessoas livres que o imperativo tem sentido.

 

c. Vida sob o senhorio de Jesus Cristo como presente de liberdade, 6.15-23

 

A partir do v. 15, Paulo admite pela segunda vez uma objeção contra sua doutrina da graça. Como já fez no v. 1, ele não responde a esmo, genericamente, mas fala com insistência para dentro do âmbito cristão (cf o comentário sobre aquele versículo). Enquanto no primeiro caso Paulo aduziu na argumentação a realidade da comunhão com Cristo, agora ele torna frutífero para o debate o que o senhorio do Cristo significa para nós.

 

E daí? Há pouco ouviu-se novamente o louvor da graça (v. 14). Que significa isso para nosso agir prático? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? O pressuposto dessa pergunta talvez seja também uma preocupação sincera: Afinal, é viável isso, viver unicamente com a graça?

Há um anseio pela lei devido ao medo diante da possibilidade de pecar. Contudo, para Paulo, é inconcebível qualquer retorno debaixo da lei (Gl 5.3,4). De modo nenhum! Ele passa a dar uma lição sobre o poder da graça.

 

Não sabeis. Os leitores conhecem o antigo sistema do escravismo. Que daquele a quem (cada vez) vos ofereceis como servos (escravos) para obediência, desse mesmo a quem obedeceis sois servos (escravos).

 

O adendo “a quem obedeceis” confirma mais uma vez o que naquele tempo estava claro para todos: submissão faz parte da estrutura da instituição da escravidão. Todo o resto é teoria. Um escravo, sonhando acordado, podia esquecer por um momento esse elemento de sua constituição existencial, porém logo que abrisse os olhos, a realidade se impunha pesadamente. Também uma troca de proprietário, da qual o escravo talvez tenha esperado uma melhora de suas condições, jamais acabava com a sujeição de escravo.

 

Paulo passa da metáfora para o concreto. Pensa no ato de tornar-se cristão. Nele também acontece uma troca de senhores, mas também nesse caso persiste um “serviço de escravo”, seja do pecado para a morte ou da obediência para a justiça. A alternativa, portanto, não é: servir ou não servir ao pecado, mas tão somente servir ao pecado ou servir ao novo Senhor. Não existe uma terceira opção, a saber: não pecar e tampouco servir a Cristo. Sem ingressar na constituição existencial da justiça, erigida por Cristo, e se colocar à disposição dela, pecar seria uma atividade contínua, por maior que fosse o volume de leis. Porém, quando uma pessoa pertence à justiça, a justiça também possui um poder compromissivo. “Fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12).

 

Para os leitores essa mudança tinha se realizado. Mas graças (sejam dadas) a Deus porque, outrora, escravos do pecado. Na Europa [e no Brasil] de hoje, para muitas pessoas ser cristão não é mais um presente que experimentaram (“graças a Deus!”), mas sim uma espécie de fato óbvio. Entre os romanos, porém, Paulo pode constatar recordações vivas do começo de sua vida cristã. Viestes a obedecer de coração à forma (configuradora) de doutrina a que fostes entregues. Nessa declaração confluem dois elementos.

 

De um lado, eles próprios participaram com o coração (cf Rm 10.9,10), sem serem forçados, de livre vontade, e de outro, eles eram receptores de um acontecimento. Como pessoas a serem instruídas num ofício, os romanos foram entregues aos cuidados da doutrina. Enquanto em Rm 16.17 Paulo fala da “doutrina que aprendestes (ativamente!)”, aqui ele ressalta o que aconteceu com eles naquela mudança, que se deu no contexto do novo poder compromissivo e formativo da nova filiação. Daí também a expressão: forma (configuradora) da doutrina.

 

O termo grego typos é oriundo de typto, “bater”: numa pedra, num metal ou em outro material são martelados ou talhados sinais. O resultado constitui um typos, algo gravado, que por sua vez pode ser utilizado como um carimbo, como, p. ex., uma forma configurada para cunhar moedas. É esse o motivo de traduzirmos “forma configuradora da doutrina”.

 

Ao que parece, Paulo imagina esse ser cunhado pela doutrina como um processo extenso. Em decorrência, não é satisfatória a explicação de que se deva pensar, aqui, num ato ritual de um culto determinado, p. ex., no compromisso com um texto confessional. Dificilmente “doutrina” (didaché) seria um breve texto de confissão. Recitar um texto tampouco preenche o significado do verbo configurar.

 

Antes caberia recordar Mt 28.19,20: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”. Jesus legou aos discípulos uma concepção integral para a vida, uma orientação determinante para uma vida alternativa. É ela, acima de tudo, que constitui a matéria de ensino, combinada com fundamentações da Escritura (AT).

 

Gravemos, pois: vir a crer não é apenas um ato de entusiasmo, não se esgota na condição interior. Pelo contrário, ao pregador é dirigida a pergunta: Que devemos fazer? Até agora nosso agir foi  nefastamente errado, dá-nos orientação prática a partir Cristo! Ao crer, dispomo-nos a um processo de aprendizagem. Paulo era capaz de escrever aos efésios: “aprendestes a Cristo” (Ef 4.20). Ele tinha vontade de repetir o ensino mais uma vez com os gálatas, “até ser Cristo (novamente) formado em vós” (Gl 4.19).

 

Continuando numa linguagem fortemente metafórica, Paulo fala da troca do “escravocrata”: uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos (“feitos escravos”) da justiça. Na verdade, é insuportável falar de uma “escravização” pela justiça. Esse uso impróprio de alguns termos nos versículos subseqüentes foi identificado na nossa tradução por meio de aspas.

 

Paulo pede escusas por essa forma de falar, mas também justifica seu procedimento, no v. 19a: Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa carne, i. é, por causa da fraqueza humana, que com demasiada facilidade entende as coisas equivocadamente. Em última análise, o que está em jogo é: quem confessou com todas as letras que Jesus se tornou seu Senhor, agora queira também portar-se de acordo com essa realidade, não a reprimindo posteriormente, a fim de esquivar-se.

 

 

A comparação deve ser traçada com toda a nitidez e rigor: Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem (“como escravos”) à justiça para a santificação. A conversão dos romanos criou para eles um novo “agora” (cf também os v. 21,22). “Agora” é condizente com o tempo que estejam exclusivamente a serviço de Cristo.

 

Em Rm 14.1-9, Paulo investiga uma existência destas em todas as suas ramificações. Oito exemplos demonstram a envergadura de uma vida para Cristo: “comer, beber, ser fraco, ser forte, estar de pé, cair, viver e morrer para o Senhor”. Tudo isso Paulo resume aqui e no v. 22 no conceito da santificação.

 

Até aqui Paulo argumentou com a “igualdade” entre serviço ao pecado e serviço à justiça. Nos versículos restantes, ele dirige a atenção para a diferença incomum entre as duas relações de serviço. Para isso, ele indaga sobre o fruto do tempo antes de os romanos serem cristãos. Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos (“livres”) em relação à justiça. Naquele tempo, que resultados colhestes? Fora da justiça só se pode falar ironicamente de “livres”. Nessa condição, também o “resultado” torna-se um contra-senso.

 

Amargamente envergonhados, contemplam, do “agora”, o “naquele tempo”: Apesar de toda a empáfia de liberdade (Rm 1.30: “soberbos, presunçosos”), não deixava de ser uma liberdade aterradora que produzia frutos podres. Somente as coisas – que enchem catálogos de vícios como em Rm 1.29-32; 3.10-17 ou 13.13 – de que, agora, vos envergonhais; porque o fim delas (dessas coisas) é morte. Jaziam diante deles como um campo de ossadas os anos que, naquele tempo, eventualmente até tinham lhes trazido alegria (Rm 1.32). Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos (“escravos”) de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna.

 

No resumo didático, Paulo abandona a metáfora do escravo e volta a aludir ao sistema militar, como já fizera no v. 13. O pecado aparece agora como um líder de mercenários, que paga o soldo a seus homens após a expedição. Porque o salário (soldo) do pecado é a morte. A Bíblia também conhece o morrer como condição natural de sermos humanos.

 

Aqui, no entanto, fala-se, como em Rm 1.32; 5.12, da morte por força de julgamento. Não somente havemos de morrer, nós merecemos morrer. Porque o pecado destrói o relacionamento com o Deus da vida, a linha de produção dele precisa ser diretamente a morte. A morte sempre já está incluída em toda a avidez pela vida (1Co 15.32b). O pecado está grávido da morte (Tg 4.15). Contrastando com essa perspectiva sombria, o final agora é dado por uma frase plena de luz: mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.

 

COMENTÁRIO ESPERANÇA  = Adolf Pohl  = Editora Evangélica Esperança

 

 

A MARAVILHOSA GRAÇA

 

TEXTO ÁUREO = “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus” (Cl 3.1).

 

VERDADE PRÁTICA = Não devemos abusar da infinita bondade de Deus mediante a desculpa de que, quanto maior o pecado, maior será a graça divina.

 

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE = Romanos 6.1-14.

 

INTRODUÇÃO

 

Até aqui temos visto que o homem é salvo pela graça de Deus, sem as obras da lei. O capítulo 6 de Romanos mostra que a vida cristã requer santidade e um coração puro. A graça não significa que o cristão esteja isento de suas responsabilidades diante de Deus, da Igreja e da sociedade. Há incompatibilidade entre o cristão e o pecado. Esse é o tema desta lição.

 

I. CORRIGINDO UM MAL-ENTENDIDO

 

Depois de haver demonstrado que a salvação dos gentios e judeus dá-se unicamente pela fé, por meio de Jesus Cristo, agora surge uma dificuldade gerada por uma interpretação errônea.

 

1. O duplo problema. Se a salvação é pela fé, então cada um pode fazer o que quer e andar como quiser? Se a lei não salva, temos algum compromisso com ela? A dificuldade era dupla, porque havia os que se interessavam por essa interpretação distorcida (Jd v.4). Por outro lado, os que entendiam o ensino paulino dessa forma o condenavam. Haja vista os judeus (Rm 3.8). Mais adiante, o apóstolo defende-se dessa acusação (v.31).

 

2. A preocupação do apóstolo. A preocupação de Paulo não era somente evitar o mal-entendido dos seus leitores, mas também defender-se dos que o interpretavam de maneira errônea. O apóstolo via nisso o risco de o Cristianismo cair no antinomianismo, que é libertinagem. A preposição grega anti, significa “contra”, e o substantivo nomos, “lei, norma”. A partir daí o apóstolo dos gentios faz uma exposição mostrando, provando e justificando ser incompatível com o espírito do evangelho de Cristo o crente viver em pecado.

 

3. A doutrina de Paulo. Convém lembrar que a Epístola aos Romanos não é fruto do acaso, nem o apóstolo a ditou de improviso conforme as ideias lhe iam surgindo (Rm 16.22).

 

Essa carta representa o que Paulo vivia. Ele respirava essas coisas. São frutos de muitos anos de experiências com Deus. Ele pregava essa doutrina em todas as igrejas (At 21.21). E, inspirado pelo Espírito Santo, escreveu essas mesmas coisas aos romanos.

 

II. A INCOMPATIBILIDADE DO CRISTÃO COM O PECADO

 

1. Origem das perguntas. As perguntas do apóstolo nos versículos 1 e 2 são diretamente em decorrência dos versículos 20 e 21 do capítulo anterior: “... onde o pecado abundou, superabundou a graça”.

Paulo esclarece que isso não significa que devamos pecar e continuar a pecar para recebermos mais graça. Essas perguntas são o ponto de partida para esclarecer a necessidade de santificação dos crentes, para que ninguém venha confundir a graça de Deus com abuso da liberdade cristã.

 

2. Romanos 5.12-19. Nesse texto, o apóstolo traça um paralelo entre Adão e Cristo, mostrando que toda a humanidade está unificada em Adão e em Cristo.

Por causa da transgressão de Adão, todos os homens tomaram-se pecadores, e por isso a morte passou a todos os homens. Mas em virtude da justiça de Cristo, Deus coloca gratuitamente, pela fé em Jesus, a salvação à disposição de toda a raça humana.

 

3. O paralelo exato. O apóstolo afirma que, com a promulgação da lei, abundou o pecado. A condição humana piorou ao invés de melhorar. Até que veio o Salvador e então “superabundou a graça”. No v.21, Paulo apresenta um paralelo exato com relação à graça: “Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor”.

 

4. O significado de Romanos 5.20. Isso não significa que o cristão deve aprofundar-se no pecado esperando obter maior graça. Mas, assim como o pecado reinou com domínio total sobre o homem, Deus quis que sua graça dominasse, por meio da justiça de Cristo, produzindo vida abundante, no povo salvo.

 

III. MORTO PARA O PECADO

 

Morto para o pecado não significa que o pecado, no cristão, tenha sido zerado. Isso seria perfeição absoluta. Vejamos o que Paulo ensina a respeito.

 

1. “Morto para o pecado” (v.2). Essa fraseologia era muito comum entre judeus, gregos e romanos. Para esses povos, “morrer” para uma pessoa, ou coisa, significava separar-se totalmente, não ter mais nada com a situação anterior.

Isso significa que o novo nascimento é o divisor de águas entre o velho homem e a nova vida em Cristo.  Não temos mais nada com o mundo; agora vivemos para Cristo (Cl 3.3-5). Como pode alguém estar morto para o pecado e, ao mesmo tempo, continuar a viver nele? Não é possível o cristão viver do mesmo modo que vivia antes de conhecer Jesus.

 

2. O velho homem crucificado (v.6a). Não confundir com Gálatas 5.24: “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências”, pois, no v.6, o apóstolo fala de algo que já nos aconteceu, enquanto que, em Gálatas, ele fala de algo que acontece com todos os que são crucificados com Cristo. A primeira (v.6a) fala de morte definitiva, legal — cravado, abolido legalmente —, e é algo passado; enquanto que a segunda diz respeito à morte moral, que é contínua, repetitiva. Essa morte espiritual do cristão, com respeito à santidade, é morte para o pecado; e a de Gálatas 5.24 é a mortificação do “eu”.

 

3. Desfeito o corpo do pecado (v.6b). Essa expressão, usada pelo apóstolo, denota a natureza pecaminosa que se exterioriza por meio do corpo. O pecado foi abolido legalmente na morte de Cristo, e com Ele, morremos (2Co 5.14). Diante disso não há como servir a um tirano destronado nem obedecer a um sistema caído.

 

A palavra grega para “desfeito” tem o sentido de “vencido, dominado” e não destruído. A expressão: “A fim de que não sirvamos mais ao pecado”, assinala o propósito de tudo isso. Ou seja: devemos servir unicamente a Cristo, que é o nosso Senhor.

 

4. A morte liberta o homem de suas obrigações (v.7). “Porque aquele que está morto está justificado do pecado”. Não se pode aplicar uma sentença a um morto. Por conseguinte, nosso compromisso com o pecado se foi quando morremos com Cristo. Por isso, estamos libertos do reino do pecado. “Justificado”, aqui, diz respeito à libertação do poder do pecado.

 

IV. VIVO PARA CRISTO

 

1. A ilustração do batismo (vv.4,5). Paulo ilustra essa situação na prática do batismo, pois os cristãos de então tinham essa experiência (Mt 28.19; At 2.38). Era, portanto, fácil compreender a ilustração do batismo. Essa passagem mostra, com muita clareza, que o batismo é por imersão, como o próprio verbo grego baptizo sugere: “mergulhar, imergir”, o oposto de aspergir.

 

2. Nossa identidade com Cristo (vv.8-11). Leia mais uma vez os versículos 4 e 5, e veja a analogia que o apóstolo faz. “Sepultados com ele pelo batismo na morte” significa que estamos identificados com Cristo na sua morte.

Da mesma maneira, fomos ressuscitados com ele na sua ressurreição (vv.9,10). Diante disso, vem a conclusão: “Considerai-vos como mortos para o pecado; mas vivos para Deus, em Cristo Jesus nosso Senhor” (v.11).

 

3. Santificação (v.11). “Vivo para Deus” significa viver em santidade. A santificação é um dos aspectos da salvação, bem como a justificação e regeneração (1Co 6.11; Tt 3.5-7). O termo original grego, hagiasmos, “santificação”, significa “separar do mundo, apartar-se do pecado, consagrar”.

 

4. Agora devemos dominar o pecado (vv.12-14). A salvação pela graça traz como resultado a santificação (1Co 6.11). “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal” (v.12), implica viver em retidão moral, de maneira irrepreensível e inculpável no meio de uma geração perversa e corrompida (Fp 2.15; Cl 1.22; 1Ts 2.10).

 

CONCLUSÃO

 

Ainda hoje há quem interprete erroneamente a doutrina bíblica “pela graça e pela fé somente” da sola gracia, sola fide. Essa doutrina, porém, mostra que não somos servos da lei, mas servos voluntários de Cristo. Somos livres do pecado para servir à justiça de Deus (Rm 6.18). A salvação pela graça não nos exime de compromissos com Deus, com a Palavra e com a Igreja. Devemos ter muito cuidado, pois o abuso da liberdade cristã leva o cristão à libertinagem.

 

Evangelista Isaias Silva de Jesus

Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS

Lição Bíblicas 2º. Trimestre 1998  - CPAD

 

 

 

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