2 de março de 2010

A Autoridade Espiritual

2 CORÍNTIOS 10—13

A exortação incomparável de Paulo à caridade cristã (capítulos 8—9) termina com uma nota de louvor. Então, quase repentinamente, o tom de sua carta muda. Embora ainda peça, em lugar de ordenar, seu tom agora é severo. Ele coloca ao seu redor o manto da autoridade, e confronta aqueles em Corinto que, reivindicando autoridade maior, desafiam a dele.

Estes capítulos não são tanto uma defesa da posição de Paulo; são, porém forte julgamento dos coríntios. A evidência que Paulo apresenta sempre estava disponível a eles; mas, ainda assim, muitos decidiram ouvir a “excelentes apóstolos” (11.5; 12.11) que se promoviam, em lugar de promover a Cristo.

Paulo inicia sua defesa com um pedido e uma advertência (10.1-6). O Senhor deu-lhe a autoridade que ele tem, e as criticas de que sua presença corporal e fraca não muda o fato de que as reivindicações de seus críticos estão enraizadas somente no louvor próprio (10.7-12).

Deus deu Corinto a Paulo como parte de seu kanon, aquele território pelo qual ele é responsável e, portanto, ele está intensamente preocupado com o bem-estar deles (10.13—11.3). Não é de admirar que o apóstolo se preocupe, quando alguém vem a Corinto e prega um evangelho diferente, e o ataca com pretextos insignificantes (11.4-12). Tais homens são “falsos apóstolos”, que servem a Satanás e não à justiça (11.13-15).

Contra sua vontade, e levado a gloriar-se ,apresentando aqui a evidencia de seu apostolado (11.16-21). Surpreendentemente, a “jactância de Paulo é diametralmente oposta à dos falsos “excelentes apóstolos”. Eles apontam para seus pontos fortes; ele para seus sofrimentos (11.22-29) e fraqueza (11.30—12.10). Ele aprendeu que a fraqueza humana é o segredo da força espiritual, pois é o homem fraco que confia no Senhor, e é por meio de nossa fraqueza que sua força é exibida de forma mais vivida. Tudo isto, acompanhado por um poder de realizar milagres, é evidência de seu apostolado (12.11-13). A dificuldade dos coríntios em atender é de grande preocupação, pois Paulo teme que, ao visitá-los, encontre a comunidade desfigurada pela falta de espiritualidade e pelo pecado (12. 14-21).

Paulo conclui com uma advertência. Se os problemas que identificou não forem corrigidos, digo aos que antes pecaram, e aos demais que, se outra vez for, não lhes perdoarei.

Se os coríntios não “se examinarem”, Paulo poderá ter que usar o “rigor” (13.1-10). Ele, então, conclui o livro com um pedido aos membros da igreja — “Escutem bem o que eu digo” (versão NTLH) e uma bênção (13.11-14).

A longa defesa que faz de sua autoridade é importante para nós hoje. Não porque a igreja moderna hesite entre suas palavras e aquelas de seus oponentes do século 1. A história estabeleceu seus textos como Escrituras, e os “excelentes apóstolos” que se opunham a ele já foram esquecidos há tempos. Mas, estes capítulos fornecem conhecimentos vitais sobre a natureza da autoridade espiritual, e sobre o delicado equilíbrio que os líderes cristãos de hoje devem manter entre a proteção da liberdade dos crentes de responderem ao Senhor, e sua própria responsabilidade de guiar e proteger o corpo de Cristo.

ESTUDO DA PALAVRA

Rogo-vos, pela mansidão e benignidade de Cristo (10.1). A palavra parakalo nos lembra que, mesmo que esteja perto de confirmar sua autoridade apostólica, Paulo não manda, mas, com muito tato, lembra as igrejas de sua responsabilidade pessoal de exercer o julgamento moral.

A liderança cristã está mais preocupada em obter comprometimento do que conformidade. Paulo não quer obrigar a igreja a fazer o que ele diz. Em lugar disso, procura influenciá-la a reconhecer seus ensinos como sendo vontade de Deus, e que sintam o desejo de responder a eles positivamente.

As armas da nossa milícia não são carnais (10.4). O vocábulo é sirrateias, palavra militar explicada neste versículo e no próximo. Os argumentos dos oponentes de Paulo são como um muro de palavras, erigido não contra Paulo, mas “contra o conhecimento de Deus”.

O que são as armas carnais (sarkinos), ou deste mundo, que Paulo evita? Provavelmente as mesmas coisas que seus oponenres enfatizam: olhares impressionantes, habilidade na oratória, coisas que parecem muito atraentes, mas somente “segundo a aparência” (10.7). Veremos mais claramente a natureza das “armas” de Paulo à medida que ele prossegue em sua defesa. Mas elas podem ser resumidas como fraqueza que permite que Cristo fale mais claramente por meio do apóstolo.

Quanto menos dependermos de nossa força no ministério, mais dependeremos de Cristo. E, quanto mais dependermos do Senhor, mais Ele poderá operar por nosso intermédio. Estando prontos para vingar toda desobediência, quando for cumprida a vossa obediência (10.6). “Vingar” aqui é ekdikesai, um termo legal que mescla as idéias de vingar e fazer justiça.

A palavra “vossa”, na frase “quando for cumprida a vossa obediência”, indica que Paulo está referindo-se à igreja como um todo. Assim, Paulo tem dois grupos em mente, os intrusos que se recomendam como “excelentes apóstolos” (11.5) e levam a comunidade cristã a desviar-se do caminho correto, e a comunidade que eles influenciaram. Paulo tratará dos falsos apóstolos. Porém, antes, deseja que a comunidade rejeite o falso evangelho e volte a unir-se em seu comprometimento com o evangelho do qual Paulo é apóstolo.

Uma vez mais, vemos a consciência de Paulo de que os cristãos são responsáveis e devem agir com responsabilidade. Ele escreve, em lugar de visitar, para dar aos coríntios oportunidade de se purificarem.

Ainda que eu me glorie mais alguma coisa do nosso poder, o qual o Senhor nos deu para edificação e não para vossa destruição... (10.8). O tema da vanglória, apresentado aqui, é expandido em 10.15-18 e também nos capítulos 11-12. O verbo kauchaomai significa “vangloriar-se, gloriar-se, orgulhar-se de”. Aqui, a palavra é usada com alguma ironia: os críticos de Paulo vangloriam-se, comparando suas forças com a

posta fraqueza de Paulo e, desta forma, recomendam- se como superiores. Paulo, por outro lado, gloria-se em um aspecto: foi Deus quem lhe deu autoridade na igreja. E esta autoridade é exercida não para destruir a igreja, mas para edificá-la.

A mesma coisa deveria ser verdadeira para os líderes cristãos de hoje. Eles servem porque foram chamados por Deus para um ministério de serviço aos outros. E se concentram não em suas próprias posições, mas na tarefa de edificar o corpo de Cristo.

Se esta for nossa atitude, o falso orgulho e a arrogância refletidos na vanglória dos oponentes de Paulo serão substituídos pela alegria daqueles que humildemente se gloriam no Senhor Jesus Cristo.

Ainda que eu me glorie mais alguma coisa do nosso poder, o qual o Senhor nos deu para edificação e não para vossa destruição (10.8). A palavra exousia significa “liberdade de ação” e, portanto, poder ou autoridade. Como apóstolo de Deus, Paulo recebeu autoridade, ou liberdade de ação, em relação à igreja em Corinto. Mas está bastante consciente de que sua liberdade de ação é limitada pelo objetivo de sua comissão: ele deve construir, em lugar e destruir.

Esta consciência sem dúvida é a razão principal pela qual ele pede em lugar de ordenar, e espera que a igreja responda antes de ir até eles. Freqüentemente, ao forçar a obediência, os pais e os líderes da igreja enfraquecem em lugar de fortalecer os jovens.

Paulo ensina, incentiva, pede, adverte e explica, procurando influenciar a congregação a se decidir livremente a fazer aquilo que for correto. Paulo sabe que tomar a decisão adequada fortalece o caráter, ao passo que, ser forçado a fazer o que for correto contra a vontade pode enfraquecer as pessoas.

Não ousamos classificar-nos ou comparar-nos com alguns que se louvam a si mesmos (10.12). O problema com os oponentes de Paulo é que suas reivindicações estão baseadas em heantous sunistanonton, auto-recomendação. Sua abordagem é a de contraste entre suas supostas forças com a suposta fraqueza de Paulo. O apóstolo, com um pouco de sarcasmo, diz, na verdade, que não é capaz de lidar com as comparações. A medida que continua, veremos que ele não enfatiza seus pontos fortes, mas sim a mesma fraqueza que seus oponentes desprezam.

Antes disso, entretanto, conclui seu argumento com algo mais importante. Foi comissionado por Deus, e o Senhor deu-lhe autoridade dentro de um território pelo qual foi feito responsável.

Esta sempre foi a questão, e não, se nós temos mais sabedoria, melhores dons de oratória, mais conhecimento, ou mais talento que outros. A questão é que Deus nos chamou para ser líderes e nos deu um “território” pelo qual devemos ser responsáveis.

Nos gloriaremos... conforme a reta medida que Deus nos deu, para chegarmos até vós (10.13). A palavra aqui é kanon, que em outros contextos significa “regra” ou “padrão”. Seu uso aqui é técnico, ilustrado em uma inscrição encontrada na Galácia em 1976, em decreto de 13 a 15 dc., que define os serviços que uma cidade deveria realizar. Esta inscrição diz, em parte, que...

Sextus Sotidius Strabo Libuscidianas, legado de [Tibério] César Augusto, agindo como pretor, declara.., que ninguém fará uso do transporte gratuito, mas, uma vez que o abuso de certas pessoas exige ação imediata, promulguei nas cidades e vilas individualmente um cânone do que julgo desejável que seja fornecido; ou, se negligenciado, obrigatório, não meramente pelos meus próprios poderes, mas pela divindade do excelente salvador Augusto, de quem aceitei isto mesmo em meu mandato.

Aqui, kanon é uma lista das coisas que os oficiais em viagem podiam requisitar, e, o que é importante para a passagem que estamos estudando, o território prescrito dentro do qual aqueles que estavam sujeitos ao decreto eram responsáveis por cumpri-lo.

A reivindicação de Paulo, portanto, é de que Deus lhe concedeu um kanon, um território prescrito, pelo qual ele é o responsável, e este inclui os coríntios.

O debate sobre forças e fraquezas é, portanto, completamente irrelevante, pois não importa o que seus oponentes possam dizer, a responsabilidade perante Deus sobre o que acontece em Corinto é dele. E ele recebeu autoridade comissionada.

Uma vez mais, este assunto da auto-recomendação baseada na comparação com os outros é completamente irrelevante para a liderança espiritual. A primeira e mais importante questão é: que kanon Deus atribuiu aos líderes, e quais são suas responsabilidades dentro dele.

Estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo (11.2). A função de Paulo não é a de um pai, como nos casamentos modernos, mas sim a de um “amigo do esposo” (philos tou numphiou, João 3.29). Edersheim, na obra Sketches oketches of Jewish Life, observa que na Judéia um “amigo” era designado à noiva e outro ao noivo. Estes agiam como intermediários e serviam como “avalistas da castidade da noiva”. Depois do casamento, o amigo do noivo continuava a servir o casal, procurando manter boas relações entre eles e também defendendo a reputação da noiva contra quaisquer críticas,

Usando esta imagem, Paulo deixa claro que embora Corinto seja seu kanon, designado por Deus, seu ministério é motivado por um intenso amor por este povo que é a noiva de Cristo, e por um ardoroso desejo de ver a igreja manter um relacionamento íntimo com seu Senhor.

Os líderes não devem somente ser fiéis à sua responsabilidade. Eles precisam amar.

Pequei, porventura, humilhando-me a mim mesmo, para que vós fôsseis exaltados, porque de graça vos anunciei o evangelho de Deus? (11.7). A palavra aqui, tapenion, significa “rebaixar-se”, mas sugere mais do que isso. Na cultura grega, palavras com esta raiz transmitem desprezo; uma pessoa que fosse tapemos era socialmente fraca, uma condição vista como vergonhosa no mundo helênico.

Mas, por que a disposição de Paulo de se manter poderia ser causa de críticas? Uma sugestão interessante é a de que seus críticos acusavam-no de que, ao trabalhar, demonstrava falta de fé. Afinal, quando Cristo enviou seus discípulos aos pares, disse-lhes que não levassem dinheiro, mas, que dependessem da generosidade daqueles que receberiam seu ministério! (Mt 10) Assim, aqueles “excelentes apóstolos” que apregoavam que sua oratória era superior (11.6) também se vangloriavam de que eles eram mais espirituais, porque recebiam dinheiro dos coríntios e deixavam que a igreja os mantivesse!

O argumento deve ter sido difícil de manter, em vista da explicação anterior de Paulo de que, embora ele tivesse o “direito” de receber ajuda financeira, ele abria mão desse direito (1 Co 9), sacrificando-o em favor de uma recompensa eterna. Os oponentes de Paulo distorceram seus motivos, para que eles, que eram “falsos apóstolos”, “obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo” pudessem parecer servos de Deus, quando, na verdade, serviam aos objetivos de Satanás (2 Co 11.13,14).

Qualquer pessoa na liderança espiritual, com certeza, viverá o que Paulo enfrentou aqui críticas baseadas na distorção de seus motivos, e má interpretação de seus atos. E frustrante, mas é parte do preço de servir a Cristo.

No que qualquer tem ousadia (com insensatez falo), também eu tenho ousadia (11.21). Paulo foi forçado a uma disputa tola: a comparação de credenciais. Na verdade, suas credenciais são melhores. Ele também é judeu educado na Palestina (um “hebreu” [11.22]); trabalhou mais que seus oponentes (11.23a); sofreu mais (11.23b-27) e, preocupa-se mais (11.28,29).

Tendo dito isto, apresenta uma observação surpreendente que desenvolverá no capítulo 12. Ele é mais fraco que seus oponentes, e isto é, na verdade, um dos segredos de sua força. Ao desenvolver este tema, ele exibirá uma “loucura de Deus” que é “mais sábia do que os homens” (1 Co 1.25).

Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos.., foi arrebatado até ao terceiro céu (12.2). Esta passagem tem causado especulação incalculável. Por que Paulo, obviamente falando de si mesmo, usa a terceira pessoa? O que é este “terceiro céu?” O que ele quer dizer com “se no corpo, se fora do corpo”? (12.3) E o que, mais tarde, foi este “espinho na carne?” (12.7)

No que diz respeito ao uso da terceira pessoa, a melhor sugestão é a de que Paulo a adota para evitar qualquer insinuação de que ele recebe crédito pessoal pelas visões ou revelações que lhe são dadas (12.1).

A menção ao “terceiro céu”, normalmente, é compreendida como assumindo uma cosmologia que encara a atmosfera da terra como um primeiro céu; o campo dos corpos celestiais como um segundo; e o campo espiritual, habitado por Deus e seus anjos, como o terceiro. No entanto, textos da época intertestamentária também mencionam uma divisão dos céus em sete partes (2 Enoque 8—11 e Ascensão de Isaias), um quinto céu (3 Apocalipse de Barrabás 11.1); e, até mesmo sugerem uma divisão dos céus em dez partes (2 Enoque 20.3b). Uma vez que o Novo Testamento não se pronuncia sobre o assunto, parece inútil especular a respeito da cosmologia de Paulo. Mas a insinuação permanece.

Ele foi arrebatado a um campo acessível somente por Deus.

A incerteza de Paulo, quanto ao fato de que esta visão possa ter sido recebida no corpo ou fora dele (12.3), foi citada por aqueles que argumentam a favor da “projeção astral”, fenômeno no qual se assume que a alma deixa o corpo vivo. Estes parênteses dificilmente apóiam esta teoria. Paulo simplesmente está dizendo que, embora a visão fosse real, não sabe se esteve ou não fisicamente presente naquele paraíso, onde vivenciou tais maravilhas, e ouviu coisas que até aquele momento era incapaz de revelar.

A esta altura, Paulo, rapidamente, apresenta seu “espinho na carne” (12.7). Deus permitiu que Satanás enviasse este “mensageiro”, que, no final, ao invés de conseguir prejudicar Paulo, acabou cumprindo os propósitos do Senhor. Depois de implorar a Deus três vezes para sua remoção, percebeu que o “espinho” era um presente, que pretendia fazê-lo fraco aos olhos humanos, para que o poder de Deus pudesse ser “aperfeiçoado” (12.9) em sua fraqueza.

Ninguém jamais saberá o que era aquele espinho, apesar de haver muita especulação. A palavra skolops significa “estaca” e também “espinho”, e sugere um grave tormento. Embora alguns sugiram que o “espinho” era os oponentes de Paulo, a maioria interpreta que era alguma doença crônica e debilitante. Em último caso, a palavra seria, certamente, munição para os inimigos de Paulo. Como poderia um verdadeiro apóstolo, com algum poder real, ser incapaz de curar a si mesmo?

Porque, quando estou fraco, então, sou forte (12.10). Fraqueza é astheno, palavra que indica mais que fragilidade; sugere deficiência incapacitadora. Em contraste, forte é dunatos, não saudável, mas poderoso. Paulo é forte em sua fraqueza, porque Deus opera na fragilidade humana, e por meio dela.

Este é um tema completamente estranho ao pensamento dos críticos de Paulo. Mas, afinal, as armas deles são do mundo, carnais (10.4). Em sua extensa defesa, Paulo ofereceu aos coríntios alternativa surpreendente. Eles podem avaliar a autoridade de uma pessoa pelos critérios que os críticos do apóstolo colocam em evidência ou podem reconhecer o critério que Paulo apresentou. O critério que exalta a Cristo, e não a algum ser humano, O critério que exibe a sabedoria de Deus, que fica em completo contraste com a sabedoria deste mundo (cf. 1 Co 1.18—2.16).

Cuidais que ainda nos desculpamos convosco? (12.19) A palavra dokeite aqui é mais bem interpretada como “supor” ou “imaginar”. Quando os coríntios e os cristãos modernos lêem estes capítulos, muitos “supõem” que o que Paulo está fazendo é defender-se, a si mesmo e à sua autoridade apostólica.

Na verdade, ele está fornecendo um padrão que capacitará os coríntios a se reavaliarem um padrão que, se falharem em reconhecer a validade, igualmente lhes fornecerá a base para seu julgamento!

É esta a terceira vez que vou ter convosco. Por boca de duas ou três testemunhas, será confirmada toda palavra (13.1). Aqui, Paulo cita Deuteronômio 19.15, mas, o fato de fazê-lo neste versículo desconcerta os comentaristas. A que “testemunhas” Paulo refere-se? Estará referindo-se às suas próprias visitas? Estará ameaçando fazer um julgamento quando vier, convocando testemunhas que possam desmascarar os pecadores? Quem sabe deveríamos entender as testemunhas como as palavras desta carta, palavras que expressam verdades espirituais “perante Deus” (12.19), e que seu Espírito autentica nos corações dos seus (1 Co 2.12).

Certamente esta compreensão está em harmonia com as palavras de Jesus aos líderes judeus que se opuseram a Ele. “Não cuideis que eu vos hei de acusar para com o Pai”, advertiu Ele. “Há um que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais” (Jo 5.45). A mesma Palavra de Deus que liberta aqueles que a ela respondem positivamente, condena aqueles que não o fazem. Cada palavra que Paulo escreveu na defesa de seu apostolado tem o potencial de libertar seus leitores ou de servir como a base para seu julgamento, quando ele os visitar novamente.

Lembremo-nos desta natureza de duas faces das Escrituras. Ela convida e também adverte, liberta e também prende, defende e também julga. Sejamos cautelosos ao responder à Palavra de Deus, para que esta mesma Palavra não sirva como testemunha contra nós, quando estivermos diante de nosso Senhor em sua volta.

Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos (13.5). “Examinar” é peirazo, que normalmente quer dizer testar ou tentar, mas aqui é usado com o sentido neutro de “discernir”. Isto é seguido imediatamente por uma exortação: dokimazete “testem a si mesmos”. A palavra transmite a expectativa de aprovação: examinem- se e testem-se, e vocês descobrirão que verdadeiramente estão na fé.

Um auto-exame cuidadoso revelará o Cristo que está dentro dos coríntios, e eles reconhecerão sua voz falando por meio do apóstolo, pois o Senhor verdadeiramente deu a Paulo a autoridade para edificá-los (13.10).

Como é melhor olhar para dentro e ouvir a voz interior de Cristo, do que fixar nossa atenção na suposta fraqueza dos líderes que Deus colocou em nossas igrejas.

Também não devemos ser influenciados pelas reclamações dos críticos que censuram qualquer fraqueza real ou imaginária para destruir, em lugar de fortalecer o ministério da igreja local.

A Defesa que Paulo Faz de seu Ministério (capítulos 10—13).

Contexto. Os problemas que Paulo trata na primeira carta aos coríntios foram criados por membros da congregação local. Os problemas que ele trata na segunda carta foram criados por gente de fora, por intrusos da Palestina que pregavam um “evangelho diferente” (2 Co 11 .4) e que procuravam fortalecer seu controle sobre a jovem congregação com vigorosos ataques sobre a autoridade de Paulo. Murray J. Harris, em seu comentário sobre a segunda carta aos coríntios (Zondervan) nos dá um excelente resumo destas acusações:

Paulo, eles diziam, era um [apóstolo] inconstante, que agia caprichosamente (2 Co 1.17,18; 10.2- 4), e de maneira soberana sobre seus convertidos (1.24; 7.2), restringindo desta maneira seu desenvolvimento espiritual (6.12).

Ele não tinha cartas de recomendação (3.1; 10.13) porque ele se auto-recomendava (4.2, 5; 5.12; 6.4; 10.12, 18; 12.11;cf. 1 Co 9.1-3; 14.18; 15.10b), como faria um louco (5.13; 11.1,16-19; 12.6,11) ou um impostor (6.8). Da mesma maneira como seu evangelho era obscuro (4.3; 6.2,3), também as cartas que ele escrevia eram ininteligíveis ou tortuosas (1.13) e eram escritas com o perverso objetivo de condenar, destruir (7.2,3; 10.8; 13.10), e causar dor (2.2, 4,5; 7.8).

Ele causava impressão à distância, mas era fraco e corruptível, quando se permitia fazer uma aparição pessoal (10.1,2, 9-11; 11.6; 13.3,4,9). Sua recusa em aceitar remuneração dos coríntios provava que ele se preocupava pouco com eles e que ele estava ciente de ser um falso apóstolo, não o porta-voz De Cristo (11.5,7-1 1,13; 12.11-15; 13.3a, 6).

E ele explorou a disposição da igreja em ajudá-lo fazendo com que seus agentes organizassem uma coleta, supostamente para os santos de Jerusalém, mas, que, na realidade, era para ele mesmo (12.16-18). Estas eram algumas das acusações feitas pelos caluniadores de Paulo (p. 314).

Talvez, a compreensão mais significativa destes competidores do apóstolo esteja em 11.22: “São hebreus?” Todos concordam que esta expressão significa “judeus palestinos” para contrastar com “israelitas” ou os judeus de origem racial.

Estes indivíduos eram, ou afirmavam ser, cristãos, que reivindicavam uma autoridade especial, talvez, derivada

(1) de um conhecimento pessoal de Jesus durante sua vida, o que alguns julgam estar implicado em 5.16,

(2) dos doze apóstolos ou de Pedro, ou ainda

(3) da igreja de Jerusalém.

O que é interessante é que era habitual que o Sinédrio enviasse delegações às comunidades judaicas por todo o império, com cartas que comprovavam sua autoridade, para dar avisos oficiais sobre as datas das festas anuais e para servir como juízes para resolver problemas. Estes homens, verdadeiramente sábios, agiam com autoridade inquestionável, pois não somente era o Sinédrio a autoridade suprema de todos os judeus de todas as partes, mas também, acreditava-se que os rabinos palestinos possuíam santidade superior e maior autoridade.

Aparentemente, o que aconteceu é que os cristãos judeus da Palestina apareceram em Corinto, e reivindicaram o mesmo tipo de autoridade sobre aquela congregação que os rabinos judeus enviados pelo Sinédrio exerciam sobre os judeus da Diáspora! Quando muitos em Corinto resistiram, apelando à autoridade de Paulo, estes intrusos montaram um vigoroso ataque contra o apóstolo ausente, que teve sucesso em minar seriamente sua autoridade. Isto levou à escrita da segunda carta aos coríntios, na qual Paulo faz mais do que defender seu apostolado. Ele explica a natureza do ministério do novo concerto, e, nos capítulos que agora estão em análise, contrasta a abordagem à liderança espiritual representada por seus apóstolos “excelentes”, com sua própria abordagem

Interpretação. Os capítulos 10-13 apresentam a resposta específica de Paulo aos intrusos palestinos cujas reivindicações de autoridade confundiram os coríntios. Embora estes demandantes se autodenominassem “apóstolos”, é claro que eles usavam esta palavra como um equivalente funcional a “rabino” ou “sábio”, e que por trás de sua reivindicação está um conceito característico de liderança espiritual. A resposta de Paulo desenvolve três conceitos vitais. Conceitos que, certamente, aplicam-se à igreja moderna, porque são centrais para um entendimento de liderança espiritual; qualquer que seja o título que possamos dar aos nossos líderes.

Nós podemos examinar estes conceitos sob os seguintes títulos:

• As marcas de um apóstolo

• O ministério de um apóstolo

• A autoridade de um apóstolo

AS MARCAS DE UM APÓSTOLO

A reivindicação de autoridade espiritual dos intrusos sobre a igreja de Corinto era apoiada por diversas afirmações. Eles possuíam conhecimento, e eloqüência superiores (11.6). Eles afirmavam ter visões e revelações (12.1,7). Eles possuíam cartas de recomendação (3.1). Eles aceitavam dinheiro como pagamento por serviços espirituais (11.12). Além disso, eles eram da Palestina, o berço do cristianismo primitivo (5.16; 10.7).

Se tomarmos 2 Coríntios 12.12 como traduzido na versão NIV e RA, poderemos supor que as marcas de um apóstolo são a capacidade de realizar milagres. Aquele versículo diz: “as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda a persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos” (12.12, versão RA). Mas a tradução da NP’//RA não é a melhor, porque implica que os milagres são a marca essencial que autentica um apóstolo. Esta tradução é teologicamente improvável, pois Paulo acabou de fornecer extensa defesa na qual lista inúmeras outras coisas como evidências de seu apostolado.

A tradução é logicamente improvável, pois, se os milagres fossem “credenciais de apostolado”, seus oponentes teriam concluído o caso com sua capacidade de realizar milagres, e Paulo poderia ter se defendido simplesmente enumerando os milagres que ele tinha realizado quando estava em Corinto. A tradução é gramaticalmente improvável. A expressão “sinais, prodígios e poderes miraculosos” está no caso dativo, e não no nominativo, o que seria de se esperar se a tradução da NIV e da versão RA fossem as melhores.

Então, o que Paulo está dizendo? Simplesmente que “as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda a persistência, juntamente com sinais, prodígios e poderes miraculosos”. O árduo trabalho de Paulo, seus sofrimentos, sua profunda preocupação com as igrejas, e o fato de que Deus trabalhou poderosamente por meio dele, apesar de sua evidente fraqueza são as evidências convincentes de que Paulo foi comissionado por Deus.

A mesma coisa ocorre hoje. A marca dos líderes em que podemos confiar e a quem podemos responder positivamente permanece sendo um comprometimento persistente para com o serviço, um serviço que também hoje é demonstrado através do trabalho árduo, do sofrimento, da profunda preocupação com o povo de Deus, e da evidência de que Deus está trabalhando, apesar da fraqueza humana que também está presente em cada um de nós.

O MINISTÉRIO DE UM APÓSTOLO

Duas vezes, neste capítulo, Paulo fala do “nosso poder, o qual o Senhor nos deu para edificação e não para vossa destruição” (10.8; 13.10). Paulo aqui faz mais do que afirmar que o Senhor (não a Palestina!) é a fonte de sua autoridade. Ele defende e também limita sua autoridade. Seu kanon, aquele campo do qual ele foi feito responsável, inclui Corinto (10.13). Ele é responsável por “edificá-los”, mas ele também está especificamente limitado, pois em seu ministério ele não deve fazer nada para a “destruição” deles.

A questão, portanto, é: Como Paulo, o apóstolo, ministra, para que ele possa edificar os coríntios e evitar destruir a igreja? Diversas características do ministério de Paulo são mostradas por toda a segunda carta aos coríntios. Nos capítulos 1-3, Paulo exemplificou a auto-revelação, e mostrou que Cristo é visto no processo de transformação que tem lugar nos crentes, não em alguma reivindicação de perfeição, sem pecado, que afirma seus próprios pontos fortes. Nos capítulos 4-7, Paulo mostrou que um ministério de reconciliação está baseado na convicção de que o amor de Cristo é força convincente dentro do coração do crente.

Como Paulo sabe que Deus certamente realizará nos crentes aquele propósito pelo qual Cristo morreu, o apóstolo confia na obra invisível do Espírito; ele tem e também expressa completa confiança, mesmo em santos imperfeitos. Nos capítulos 8-9, Paulo prosseguiu demonstrando sua confiança ao recusar-se a ordenar que os coríntios fossem caridosos, mas, em lugar disso, enfatizando sua responsabilidade pessoal em considerar cuidadosamente a caridade, embora deixando claro as várias razões pelas quais a caridade alegre e generosa é sábia, além de correta.

Este mesmo espírito permeia o capítulo atual. Paulo “roga” que os crentes respondam (10.1) e esta aparente autodefesa é, na realidade, uma revelação do ministério baseada na fraqueza, e não na força; no serviço, e não na superioridade. Com base nesta surpreendente explicação da natureza da liderança do novo concerto, Paulo convoca seus leitores a se “examinarem”, e expressa a confiança de que, quando eles o fizerem, serão aprovados no teste, ao reconhecerem que Cristo, verdadeiramente, estava falando por meio dele, não por meio dos falsos profetas da Palestina, que baseavam suas reivindicações em visão completamente diferente, tanto do ministério quanto da autoridade do líder.

A AUTORIDADE DE UM APÓSTOLO

O problema com a interpretação sugerida aqui é que ela parece ser negada pelo fato de que Paulo adverte os coríntios muito severamente. Paulo afirma muito claramente: “Já anteriormente o disse, e pela segunda vez o digo, como quando estava presente; mas agora, estando ausente, o digo aos que antes pecaram e a todos os mais que, se outra vez for, não lhes perdoarei” (13.1,2). Um pouco adiante, ele diz: “escrevo essas coisas estando ausente, para que, estando presente, não use de rigor” (13.10).

Pela leitura destes versículos, parece que Paulo abandonou seu comprometimento anterior de modelar, ensinar e pedir, e voltou-se a ameaças de punição (cf. 10.6). Assim, parece que a autoridade espiritual inclui, verdadeiramente, o direito de exigir submissão, como também de existir como posição de influência sobre o povo de Deus.

Pelo menos, assim pareceria, se Paulo não tivesse acrescentado uma frase final ao seu aviso, e em seguida uma explicação. Paulo disse: “digo aos que antes pecaram e a todos os mais que, se outra vez for, não lhes perdoarei”, mas então acrescenta, “visto que buscais uma prova de Cristo que fala em mim”. A seguir, Paulo diz: “[Cristo] não é fraco para convosco; antes, é poderoso entre vós” (13.2,3).

O que Paulo fará para punir aqueles que se recusam a responder positivamente aos seus gentis ensinamentos? Nada! Ele não precisa fazer nada! O fato é que sendo apóstolo, indicado pelo Senhor, cujo kanon inclui Corinto, Cristo está falando por meio dele. Se os coríntios deixam de responder, não é Paulo que está sendo rejeitado, mas o Senhor! Desta forma, afirma Paulo, é Cristo quem lidará com os peca- dores; e Ele não é fraco para lidar convosco... Mas, é poderoso entre vós.

O verdadeiro líder espiritual não precisa de recursos coercivos. O verdadeiro líder espiritual, convocado por Deus, indicado para um ministério e responsável para cuidar e orientar um povo, é aquele por meio de quem Jesus está trabalhando. A pessoa que permanece sem responder positivamente, quando este líder compartilha a verdade de Deus, que são as Escrituras, deve prestar contas a Jesus e não ao líder.

E certamente o fará.

Aplicação. A liderança espiritual na igreja de Jesus Cristo é papel desafiador, não somente para o líder, mas também para roda a congregação. Freqüentemente nossa visão de liderança é terrena, e tem muito mais em comum com a abordagem dos críticos de Paulo do que com a abordagem que Paulo esquematiza nesta epístola.

Há outras passagens que também devemos explorar para desenvolver uma teologia de liderança apropriada, como por exemplo: As palavras de Jesus sobre o serviço, encontradas em Mateus 20. A instrução que Paulo dá a Timóteo e a Tito para a escolha de líderes, que de tantas formas é semelhante a Atos 6. As palavras do autor da carta aos hebreus sobre como devemos responder aos líderes que Deus nos dá. A visão sobre o papel dos indivíduos talentosos no corpo, encontrada em Efésios 4. A exortação em 1 Pedro 5 àqueles que cuidam do rebanho de Deus.

Mas, certamente, todo o livro da segunda carta aos coríntios é crítico para compreendermos não somente o papel do líder, mas também como o líder deve ministrar para despertar o melhor no povo de Deus, e como não deve ser o relacionamento de um líder, que está em contato com a natureza do ministério do novo concerto, com uma congregação que ele é convocado a edificar e não destruir.

Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento 3º. Edição

Nenhum comentário: